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André Furtado & Giselle Venancio (Org.

Visão do Paraíso,
de Sérgio Buarque de Holanda,
seis décadas de um ensaio
André Furtado & Giselle Venancio (Org.)

Visão do Paraíso,
de Sérgio Buarque de Holanda,
seis décadas de um ensaio
Fino Traço Editora Ltda.

© André Furtado & Giselle Venancio


Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer
meio sem a autorização da editora.
As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus autores e não
expressam necessariamente a posição da editora.

cip-brasil. catalogação na publicação sindicato nacional


dos editores de livros, rj
V811
Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda: seis décadas de um
ensaio / organização André Furtado, Giselle Martins Venancio. - Ebook
- Belo Horizonte [MG]: Fino Traço, 2020.
21o p. ; 23 cm.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-89011-27-9
1. Holanda, Sérgio Buarque de, 1902-1982. Visão do paraíso. 2. História
geral da civilização brasileira. 3. Brasil - Historiografia. I. Furtado, André.
II. Venancio, Giselle Martins.
21-68425 CDD: 981 CDU: 94(81)

FINO TRAÇO EDITORA LTDA


www.finotracoeditora.com.br
A ideia de que do outro lado do
Mar Oceano se acharia, se não o
verdadeiro Paraíso terreal, sem
dúvida um símile em tudo digno
dele, perseguia, com pequenas
diferenças, a todos os espíritos. A
imagem daquele jardim deleitoso,
fixada através dos tempos em
formas rígidas, quase invariáveis,
compêndio de concepções bíblicas
e idealizações pagãs, não se
podia separar da suspeita de que
essa miragem devesse ganhar
corpo num hemisfério ainda
inexplorado, que os descobridores
costumavam tingir de cores de
sonho.

Sérgio Buarque de Holanda


Dedicamos esta coletânea a todos
os participantes da Jornada de
Estudos que se acha na origem do
presente livro – tanto o(a)s
palestrantes quanto o(a)s
ouvintes e os órgãos de fomento
e apoio, em particular a Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ), o Instituto de
História (IHT) da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e ao seu
Programa de Pós-Graduação em
História (PPGH), ao Fundo “Sérgio
Buarque de Holanda” do Sistema
de Arquivos da Universidade
Estadual de Campinas (Siarq-
UNICAMP), à Biblioteca Central do
Gragoatá (BCG) da UFF, ao grupo
de pesquisa Escritas da História:
Historiografias do Sul (Escritas
UFF) –, bem como ao público,
acadêmico ou não, sonhador ou
incrédulo, cujo interesse pela
cultura não se esvai mesmo em
tempos difíceis.
Sumário

Prefácio
A “biografia” de um evento e o jardim das delícias historiográficas....... 11
André Furtado

Capítulo 1
Os anjos que renunciam ao voo, os avatares da história e o exorcista: impressões
sobre Visão do Paraíso ................................................................................. 27
Robert Wegner

Capítulo 2
Visão do Paraíso e as marcas do intercurso cultural .................................51
Eliana de Freitas Dutra

Capítulo 3
A construção de uma História Comparada das Américas em Visão do Paraíso
e a atuação institucional de Sérgio Buarque de Holanda ........................ 67
Renato Martins

Ilustrações
“Paraísos expostos” em seis décadas de ensaio: debates e desafios na arte de
montar uma exposição ................................................................................ 93
Mariana Rodrigues Tavares

Capítulo 4
Éden historiográfico, Purgatório receptivo e Inferno editorial buarqueanos
em Visão do Paraíso ....................................................................................105
André Furtado

Capítulo 5
Notícia bibliográfica: breves considerações sobre Visión del Paraíso na
Biblioteca Ayacucho ....................................................................................129
Giselle Martins Venancio

9
Capítulo 6
Visão eurocêntrica de um Paraíso impossível .........................................143
Ronaldo Vainfas

Apêndices
Apêndice A – Cronologia biobibliográfica, de Sérgio Buarque de Holanda,
até o surgimento de Visão do Paraíso como tese e no formato de livro
(1902-1959) ................................................................................................... 169
Apêndice B – As edições-versões e a tradução de Visão do Paraíso .... 180
Os Organizadores

Referências
De Arquivos e Bibliografias........................................................................ 181

Sobre o(a)s Autore(a)s ................................................................. 203

10
PREFÁCIO

A “biografia” de um evento e o jardim das delícias


historiográficas

No dia 17 de junho do ano passado, 2019, surgiu de forma repentina


a ideia de realizar uma Jornada de Estudos dedicada ao texto Visão do
Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Enquanto Giselle Venancio e eu
pesquisávamos no Fundo homônimo do intelectual na sala de consultas
do Sistema de Arquivos (Siarq) da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), nos demos conta, remexendo papéis e fotografias demandados
naquele instante (ver as Ilustrações), que o livro completava seis décadas
desde a sua publicação comercial.
Apresentado como tese para prover a cátedra de História da Civilização
Brasileira da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da
Universidade de São Paulo (USP), sua Defesa correspondia à penúltima
etapa avaliativa do concurso, que contou ainda com a análise do Memorial
(Currículo), a Prova Escrita – duas fases precedentes – e a Didática como
teste final do certame ocorrido no período entre 10 e 14 de novembro de 1958.
Sua banca, reunindo nomes expressivos do momento, foi composta
por Afonso Arinos de Mello Franco (1905-1990), professor de Direito
Constitucional na Universidade do Brasil (UB); Hélio Vianna (1908-1972),
da mesma instituição, mas ligado à Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi)
e à cadeira de História do Brasil; e José Wanderley de Araújo Pinho (1890-
1967), da Universidade da Bahia, também vinculado a esta última área, como
membros externos. Pelo lado da USP estavam Eduardo d’Oliveira França
(1915-2003) e, presidindo o concurso, Eurípedes Simões de Paula (1910-1977),

11
catedráticos de História Moderna e Contemporânea & de Antiga e Medieval,
respectivamente, na condição de avaliadores internos.
À época, a tese Visão do Paraíso foi majoritariamente compreendida,
em tom de crítica, como ensaio. Vencido o certame, porém, o estudo foi
logo impresso no formato de livro, no ano seguinte, 1959, pela renomada
Livraria José Olympio Editora (LJOE).
O prestígio de ser editado em um selo de grande reconhecimento no
mercado nacional e, acima de tudo, acabar inserido no conjunto de títulos
integrantes da coleção Documentos Brasileiros, era um feito notável. Não
apenas porque, como se sabe, o autor havia inaugurado a série com Raízes
do Brasil, em 1936 – quando o empreendimento era dirigido por Gilberto
Freyre (1900-1987) –, mas, em particular, devido ao fato de a nova publicação
se encontrar sob a coordenação de um dos seus melhores amigos, Octávio
Tarquínio de Sousa (1889-1959) – conhecido biógrafo de estadistas do Império
–, que tinha substituído, desde 1939, o autor de Casa-grande & senzala (1933)
na função. Além disso, somado a Caminhos e fronteiras (1957), tratava-se do
segundo estudo exclusivo de Sérgio Buarque que saía com a marca da LJOE.
A partir desse período em diante, após se tornar um texto disponível ao
público mais amplo que o círculo restrito dos examinadores congregados no
salão nobre da FFCL-USP, sua versão em livro passou a fomentar positivos
debates nas comunidades de leitores já em sua primeira edição. Hoje,
transcorridas seis décadas da emergência do impresso, as páginas que o
integram são vistas como obra magna da historiografia brasileira, verdadeiro
monumento de erudição, sem falar que ela era considerada, por Buarque
de Holanda, a sua pesquisa favorita.
Vale sublinhar, adicionalmente, que desde o primeiro livro por ele
assinado seu nome sofria instabilidades responsáveis pelo uso ou a ausência
de acento agudo em “Sergio”, bem como por adotar um “l” a mais ou a menos
na grafia de “Hollanda”, figurando como indícios, entre outros aspectos, de
sua tímida constituição autoral até meados do século XX. Tais elementos
sugerem um baixo (re)conhecimento de produção intelectual buarqueana
fora do eixo Rio-São Paulo ou, fechando mais o compasso, longe dos círculos
modernistas que Buarque de Holanda transitara com desenvoltura precoce
em sua trajetória letrada (ver o Apêndice A – Cronologia biobibliográfica,

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de Sérgio Buarque de Holanda, até o surgimento de Visão do Paraíso como
tese e no formato de livro, 1902-1959).
É claro que a utilização de dois “ll” segue a maior parte de seus
documentos pessoais, desde a Certidão de Nascimento – estou ciente
disso. Mas o fato é que, quando ele passou a acumular capitais científicos/
culturais e simbólicos – numa instigante economia de trocas intelectuais
que se manifesta nitidamente em fins dos anos 1950 –, a adoção definitiva
do acento agudo e de apenas um “l” se estabiliza. Isso tanto em sua obra
quanto em sua fortuna crítica.
Fixada a sua identificação socioprofissional e superados os tipos de mal-
entendidos supracitados, formavam-se as bases iniciais do princípio de um
futuro processo de canonização que se acha neste período. Evidentemente,
não cabe listar aqui outros fatores concorrentes para o ápice da valorização
buarqueana na bolsa de valores letrados. Porém, o que se faz necessário
registrar é o fato segundo o qual Visão do Paraíso permanece uma obra
intimidadora – tamanha erudição – e cercada de mistérios, a exemplo do
próprio objeto de estudo em si.
Por isso, não foi nada fácil promover o evento: houve, de um lado, muitas
recusas e, de outro, uma série de imprevistos. A obra inibe e confunde. Faz-
se mister pontuar, assim, que as classificações lançadas sobre a tese-livro
se mantêm, comumente, a meio caminho entre considerá-la – a depender
do ângulo de análise – introdutória ou não da História das Mentalidades
de matriz francesa entre nós; de ter sua produção estendida, anos a fio,
ou elaborada e concluída mais por ocasião do concurso; com frequência
atada, de forma estreita, ao conjunto da obra buarqueana ou, por vezes, lida
como peça única de sua lavra; ocupante ou não de um lugar destacado na
trajetória do intelectual até meados do século XX etc., fatores estes centrais
e sintomáticos de algumas das polêmicas que seu vivo debate suscita.
Não por outros motivos, quando do planejamento e preparação da
Jornada de Estudos, Giselle e eu optamos por utilizar, no cartaz do evento
– pela convergência de temas –, a célebre imagem do também enigmático
e controverso quadro A variedade do mundo ou, conforme a sua maior
circulação internacional, o Jardim das delícias terrenas, atribuído a
Hieronymus Bosch e denominações póstumas. Afinal, o tríptico flamengo

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não recebeu quaisquer títulos quando de sua finalização, sem falar que
Bosch corresponde ao pseudônimo adotado por Jeroen van Aken (1450-1516)
aproximadamente em 1504. A exemplo da pesquisa de Sérgio Buarque sobre os
motivos edênicos, não se sabe ao certo quando a pintura foi elaborada, muito
embora os especialistas defendam, quase de forma unânime, o entendimento
segundo o qual a obra de arte ganhou seus contornos iniciais e derradeiros
em princípios do século XVI.
Feito em madeira e dominado por certa espacialidade que viabiliza
a observação de um ângulo panorâmico, é possível fechar o painel como
se fosse uma janela. Tal gesto, quando completado, revela uma imagem da
Criação cujos traços salientes apresentam o orbe em seu terceiro dia, habitado
apenas por vegetais e pleno de energias cinzentas sob a forma de gases.
Em seu interior, do lado esquerdo do quadro, encontra-se o Éden,
numa paisagem dominada pela presença de um Deus bem jovem que mais
lembra a representação dominante de Jesus Cristo, além de Adão e de Eva
que se somam às plantas e aos animais, compondo um mundo mineral e
inorgânico que vai se metamorfoseando. Neste canto, impressiona a forma
como o drama se desenrola. Nele uns monstrengos de tonalidades escuras
e disformes, indefinidos entre uma e outra espécie de anfíbios, começam
por indicar que o gérmen do mal brota do próprio Paraíso perdido, uma
vez que saem da água, a fonte da vida.
Fixo, ao centro, acha-se o Jardim das delícias (maior parte da obra,
daí talvez a sugestão desse título a posteriori), com a hipnotizante fonte
da juventude, homens e mulheres, a maioria de aparência caucasiana, mas
também com alguns personagens negros. Todos interagem freneticamente
no espaço do Éden terreal, montados em pássaros gigantes, cavalos, javalis,
avestruzes, ou interagindo com peixes – nem tudo em tamanhos proporcionais
–, comendo e bebendo, sentindo prazeres, dispostos em posições tântricas
e se banhando.
Por fim, no lado direito, com iguais dimensões que a primeira lateral
móvel, localiza-se o Inferno, apinhado de pessoas nuas, ou parcialmente
despidas, e ainda soldados, viciados em jogos, leitores, músicos e seus
instrumentos, carrascos, estigmatizados com violências numa geografia
cercada de ameaças. As torturas, os clarões ardentes de incêndios, as

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expressões de sofrimento e dor definem o espetáculo dantesco onde até os
animais, já horripilantes, juntam-se ao Diabo para expurgar os pecados dos
que comeram os frutos proibidos. Machucando-os com objetos ordinários
de tamanhos irregulares, esses seres e ações tornam a imagem ainda mais
aterradora. Sem contar a freira, metade religiosa metade porco, em potencial
descrença na Igreja ou apontamento condenatório da chamada corrupção
dos costumes, em figuras talvez correntes no mundo às vésperas da Reforma
Protestante, sendo os holandeses da região de Hieronymus Bosch, como
Erasmo de Rotterdam (1466-1536), os críticos mais ferrenhos da Santa Sé.
Ao se interrogarem sobre quem teria meios ou autoridade para
encomendar esse tipo de obra, os estudiosos afirmam que, entre outros
registros, cerca de meio século após a morte do pintor o Duque de Elba (1507-
1582) foi enviado, por Filipe II da Espanha (1527-1598), para acabar, justamente,
com as revoltas protestantes nos Países Baixos e procurar o quadro, muito
apreciado pelo monarca. De posse da ordem d’el Rei, o nobre representante
moveu céus e terras para encontrá-lo após confiscar as posses de Guilherme
I (1533-1584), Príncipe de Orange, que o tinha herdado. Assim, passando
mais tarde às mãos de outra casa real, a dos Habsburgos, fica explicado,
em parte, alguns dos motivos que levaram o tríptico a pertencer e se achar
exposto, hoje, junto ao acervo permanente do Museu del Prado, em Madri.
Filho de Carlos V (1500-1558) e Isabel de Portugal (1503-1539), Filipe II
reinou sobre as coroas ibéricas de Aragão e Castela, situação que o tornava
igualmente senhor dos vice-reinos da Nova Espanha – como era conhecido o
México – e do Peru, além dos territórios europeus da Lombardia, de Nápoles,
da Sicília, do Franco-Condado, da Sardenha e dos Países Baixos, já referidos.
Próximo ao término de seu governo, que configurou parcela considerável do
chamado Siglo de Oro, sua ascensão ao trono da dinastia portuguesa dos Avis
promoveu a União das duas casas e constituiu um capítulo decisivo de sua
história. Isso porque a unidade política que regeu a Península, entre 1580 e
1640, não foi interrompida com sua morte, ocorrida em fins do quinhentos,
muito embora, antes disso, o consolidou como o homem mais poderoso do
mundo em sua época. Afinal, foram agregados aos domínios de Filipe II as
possessões lusas ultramarinas, precisando ele comandar o inédito Império

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de escala planetária, cujo nervo central se achava na Europa, mas que se
estendia ainda à América, à África e à Ásia.
Logo, em face de toda riqueza, autoridade e força reunidas, como
poderia o quadro boschiano – tão admirado pelo rei devoto e, sobretudo,
protetor da Igreja Católica –, pertencer a outro monarca que não ele próprio?
Tal circunstância igualmente retira o peso desmesurado da interpretação
que insiste no argumento que analisa o tríptico como uma criação
propositadamente herética. Seja como for, o fato é que os acontecimentos
listados têm em comum o mesmo período do recorte temporal, não exclusivo,
mas privilegiado, que Visão do Paraíso abordou, conforme o próprio subtítulo
dado por Buarque de Holanda – traço único em sua produção no formato
de livro – dá a ler: a Era dos grandes descobrimentos e colonizações do
Novo Mundo, pois, na realidade, ultrapassa os limites do Brasil. Mais do
que isso: como ele mesmo fez constar no prefácio à segunda edição do livro,
publicado em 1969 em coedição entre a Companhia Editora Nacional (CEN)
e a Editora da citada USP, a Edusp (ver o Apêndice B – As edições-versões e
a tradução de Visão do Paraíso), tratava-se de perseguir a biografia de uma
ideia, tornando o recorte da obra poroso em suas fronteiras geográficas e
em seus marcos temporais. Por motivos semelhantes, balizas dessa natureza
inexistem no quadro de Bosch.
Quando nos deparamos com a pintura hoje, o que salta aos olhos é o
seu interior e, nele, a cena do meio. Porém, esta não era a forma como as
pessoas a viam ao tempo do artista. Ora, por corresponder a um tríptico e
integrar um universo cultural muito distinto do vigente, com outras regras e
práticas, sua estrutura permanecia, em geral, fechada – ocultando os cenários
religiosos, idílicos e diabólicos –, revelando seu interior apenas em ocasiões
especiais.
O efeito prometido por este procedimento consistia em despertar no
espectador a passagem da opacidade do Gênesis ao caos que domina o
conjunto dos painéis, dando mesmo a impressão de um momento teatral
com a abertura das cortinas. Outra metáfora incontornável para quem se
postava diante das três cenas em sua contemporaneidade era a ideia de
levar ao quadro os próprios devaneios, paixões e, sobretudo, experiências.

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Sérgio Buarque, na mesma edição antes citada de seu estudo sobre
os motivos edênicos, de maneira parecida compreendia, ao se referir ao
Esmeraldo de situ orbis – texto atribuído ao cosmógrafo lusitano Duarte
Pacheco Pereira (1460-1533) –, que as especulações ou os desvairados
sonhos não superavam, naquele período, o peso do conhecimento através
dos sentidos. Embora esta tese seja discutível, como se verá na presente
coletânea, o intelectual considerava tal aspecto decisivo como guia dos
universos de escritores, cronistas e marinheiros portugueses do século XVI.
A experiência, seria, portanto, nessa época, a madre das coisas, responsável
por livrá-los de enganos e retirar-lhes as dúvidas. Na continuidade dessa
reflexão, prosseguiu o autor de Visão do Paraíso enfatizando que se tratava
de madre das coisas e não apenas a sua mestra, conforme a fórmula da
Antiguidade que mal iniciava, segundo suas palavras, alguma reabilitação
mesmo em espíritos como os do calibre de um Leonardo da Vinci (1452-1519).
Esta, por si só, é uma pista instigante a ser explorada acerca dos conceitos
Antigo e Moderno de História que, no caso, abarca um vestígio importante
da tópica magistra vitae.
Sugestões de pesquisas à parte, voltemos ao quadro. Absorvidos
pelos detalhes, há quem aposte na presença de um autorretrato a revelar
as diferentes faces boschianas – por mais que nada prove como teria sido
a sua aparência – porque no Jardim das delícias terrenas ele desenha um
homem, em diferentes idades, ao lado de uma mulher negra, como quem
denuncia a sua posição mediante o destaque de uma presença rarefeita de
pessoas com o citado fenótipo no todo do conjunto. Acerca deste ponto,
aliás, cabe frisar ser possível que Hieronymus Bosch tenha visto negros sendo
vendidos nos mercados de escravos de Flandres. Mas o interessante é notar
o seguinte: eles não integram as fossas infernais do lado direito do tríptico
como os caucasianos. Estariam isentos, como por milagre, de incorrer em
pecados – salvos, portanto, das garras da Besta –, ou pouco integrados ao
mundo cristão veiculador dessas imagens?
Tudo isso leva apenas a um caminho: ao questionamento acerca da
identidade do artista. Ele era um indivíduo misterioso não apenas devido ao
seu legado de fantásticas representações oníricas e dionisíacas – para dizer
o mínimo (teria lido sobre as Américas?) –, mas igualmente por não ser

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possível afirmar, com segurança, quem o pintor realmente foi. Os poucos
registros de sua vida estão nos arquivos da Irmandade de Santa Maria, a
mais antiga dos Países Baixos, remontando ao ano de 1318, e à qual Bosch
pertenceu. Acredita-se, contudo, que deveria ser um homem culto, face à
pujante inventividade de sua obra, que se configura, em muitos aspectos,
excepcional no espaço artístico por ele integrado. Sua autoridade é descrita
como um intervalo singular na história da pintura, situado entre a passagem
da Idade Média e a chamada Era Moderna, para ficar na divisão canônica
dos tempos, sem esquecer do Renascimento e do Barroco que, sobretudo
em matéria cultural, apresentam-se como épocas concorrentes, sobrepostas
ao corte usual das divisões dos períodos, ora retrocedendo mais ora menos
nos séculos que abarcam os dois marcos cronológicos mais utilizados, a
depender do referente.
Embora da mesma forma marcado por determinadas apreciações que
leem Visão do Paraíso como ponto fora da curva na trajetória e na produção
letrada buarqueana – inclusive, como se verá, por conta do debate acerca
dos cortes ou continuidades temporais acima consideradas –, este tipo de
dúvida biográfica não paira sobre Buarque de Holanda. No entanto, afora
os Apontamentos para a cronologia de Sérgio, produzido por sua esposa,
Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda (1910-2010), com ajuda do próprio
interessado, mas divulgado apenas em 2002 junto ao site do Siarq-UNICAMP
– que abriga o fundo documental que outrora lhe pertenceu –, não dispomos
de uma biografia sua propriamente dita.
Isto posto, gostaria de me deter um pouco mais na imagem central do
Jardim das delícias terrenas, pois nela se acha toda sorte de fantasias também
descritas em Visão do Paraíso. Assim, é preciso enfatizar que o tríptico
chegou a ser apelidado como O quadro dos morangos, por seu simbolismo de
raridade e desejos efêmeros. Consumidos junto aos demais frutos vermelhos
e roxos – a exemplo de maçãs, cerejas e uvas –, esse pomar disperso se oferece
como uma alegoria dos prazeres, tão fugazes como a vida retratada ali ou
em nossa própria existência.
Numa análise livre, pode-se dizer que, no painel do meio, não é tanto
a relação sexual, que nele abunda, a expressão máxima do delito mundano.
Afinal, é preciso este intercurso para acatar uma das primeiras ordens divinas

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patente no Cresceis e multiplicai-vos! Desse modo, as violações dos preceitos
religiosos estariam antes no desenfreado frenesi, representado à farta pela
busca incessante das frutas, sobretudo a mais canonizada como símbolo do
pecado original, conforme o detalhe do quadro que Giselle e eu escolhemos
para constar na capa da presente coletânea, embora na cena também se
ofereça um gordo e, em aparências, suculento morango.
Cabe dizer, ainda, que mesmo os pássaros – aos montes ao centro, no
Jardim das delícias – se examinados por um ornitólogo talvez pudessem
revelar sua rica e variada origem, de todo canto do globo. Na ausência desta
avaliação, entretanto, ficamos com outra leitura: é provável que o intuito
da forte presença de aves fosse expressar um trocadilho, pois, no idioma
holandês daquele tempo, para designar uma revoada, portanto, pássaros,
no plural, era corrente o uso do termo vogelen, que também possuía uma
conotação descritiva do ato sexual.
Admiradores e seguidores da arte boschiana não apenas se interessaram,
ao longo dos séculos, por suas representações edênicas ou demoníacas,
mas também pelas sugestões de figuras antropomórficas que integram a
paisagem do seu Jardim de delícias terrenas, como sugere a obra de Salvador
Dalí (1904-1989). Este pode ter sido o último, mais aclamado e valorizador
– em seus próprios traços – do legado de Hieronymus Bosch, que por ele
foi relido e apropriado ao longo do século XX. Com efeito, vale sublinhar: o
poder da mágica hipnotizante que emana do tríptico (ou que seus públicos
fazem o quadro assim parecer!), está presente há mais de meio milênio na
história da humanidade, mantendo-se o mesmo objeto, embora mirado por
olhos e mentes de horizontes específicos e nunca, jamais, idênticos, pois
foram se transformando por completo, inclusive na brevidade de uma vida.
Existência como a do próprio Sérgio Buarque, igualmente experimentador
do Surrealismo quando da escrita do único conto de sua autoria que se
tem notícia, Viagem a Nápoles, publicado em 1931, na Revista Nova, após
o qual abandonou a literatura para dela se apoderar apenas em sua obra
como historiador.
As coincidências e analogias entre a tese-livro e o tríptico, no entanto,
não findam com suas proximidades temáticas. Existem também as dúvidas
acerca do tempo de gestação; as mudanças observáveis, seja em parte da

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grafia autoral – até mesmo na crítica –, ou na adoção de uma nova identidade
artística; bem como diante de certa extravagância que ambos, Bosch e
Buarque de Holanda, provocaram em suas épocas e nos anos seguintes de
suas intervenções, face à novidade oferecida aos públicos; as particularidades
de todo um engajamento corporal e de práticas sociais responsáveis por
datarem historicamente as releituras que foram produzidas a partir de suas
obras; a presença, nos dois casos, da noção de Experiência a sugerir instigantes
estudos; o compartilhamento de bases culturais ou passagens rápidas de um
e outro autor, cujos percursos ecoaram ou foram apropriados por intermédio
do/no Surrealismo.
Somado a esses fatores, além de convidar à interpretação e à autocrítica,
feito espelho da alma e dos recônditos desejos, alucinações e loucuras,
em grande medida o Jardim das delícias terrenas pode ser visto como a
materialização em cores do texto buarqueano, cujas tintas vibrantes ou
assombrosas só ganham vida nas reflexões de seus leitores.
Segundo o premiado documentário El Bosco. El Jardín de los sueños,
dirigido por José Luis López-Linares, lançado para comemorar o quinto
centenário de morte do artista, em 2016, e que fundamentou, na base, minhas
considerações acerca do quadro com seus dados, testemunhos e análises
estéticas, foi graças à radiação infravermelha que se verificou todas as fases
da pintura de Hieronymus Bosch. A radiografia permitiu comprovar até
as alterações dos últimos instantes de partes quase concluídas no tríptico,
deixando a posteridade em dúvida se o pintor efetivamente gostaria de legá-lo
da forma que hoje acessamos o quadro ou fazer algo diferente, pois sequer
o nomeou, conforme já enfatizei, circunstância equivalente a sugerir, talvez,
que ele não foi terminado(?). Um avanço mais profundo ao visível a olho
nu constatou ainda que, lançando mão de técnicas flamengas, Bosch não
coloriu de imediato, elaborando a obra sobre uma superfície clara na qual
desenhou em tons escuros: algo que aproxima seu colorido, por metáfora,
ao monocromático buarqueano, porque esse texto, ainda no branco e preto,
acha-se com possibilidades abertas para se aquarelar na mente da crítica,
atual e futura.
Isso porque, em suas linhas mestras, as laudas da tese-livro analisam
os édens terrestres, as descrições sobre o clima ameno e a boa temperança

20
dos ares como topoi recorrentes nas narrativas de viajantes e cronistas que
percorreram as terras do Novo Mundo ao tempo dos descobrimentos e
colonizações. Este é um universo composto por fontes da juventa (ou da
juventude), Eldorados, frutos exóticos (como o maracujá, granadilla, para
os espanhóis, ou fruit de la passion, conforme ficou conhecida na França),
animais fantásticos (a exemplo dos nossos ágeis e inigualáveis beija-flores
ou dos falantes papagaios, versões tropicais da fênix paradisíaca) ou ainda
marcado por notícias da presença de figuras mitológicas, conforme se deu no
caso das Amazonas, as mulheres guerreiras. Contudo, segundo os argumentos
buarqueanos, nos domínios das Índias de Castela essas imagens teriam
sido mais abundantes, ao passo que, na ótica portuguesa, tratar-se-iam de
representações que circulavam sob a marca de um realismo pedestre em nada
comparável aos supostos delírios e sonhos dos espanhóis.
A ausência de respostas e a instabilidade do escrito Visão do Paraíso,
texto nem sempre prestigiado, constituiu o interesse na organização da
Jornada de Estudos que, agora, reúne em coletânea parcela significativa de
seu rico debate. Objetivou-se refletir sobre a propriedade intelectual inerente
às páginas buarqueanas, a posição ocupada por elas no campo acadêmico e
as ideias centrais que lhes embasam. Além disso, frisou-se aos distintos atos
editoriais que materializaram suas laudas no formato de livro, seus trânsitos
e recepções. Naquele 12 de novembro de 2019, dia do evento ocorrido no
Instituto de História (IHT), da Universidade Federal Fluminense (UFF), a
chamada que Giselle e eu tínhamos adotado se notava assim: Visão do Paraíso,
de Sérgio Buarque de Holanda, seis décadas de um ensaio(?). Neste caso,
porém, ao intitular o presente conjunto de estudos, declinamos apenas da
interrogação. Isso porque se, naquele momento, queríamos discutir Visão do
Paraíso a partir desta sua condição narrativa, agora, na coletânea, assumimos o
caráter ensaístico. Tal decisão se deve, justamente, ao fato de a obra não portar
uma resposta e conclusão definitivas, circunstância que também impede uma
leitura com esse viés, inclusive devido à dificuldade de interpretação que,
por sua vez, acha-se ligada a uma característica fundamental do texto: sua
originalidade, pois, de acordo com reflexão recente de Alcir Pécora sobre o
ensaio, o gênero pressupõe uma inscrição específica que deixa, portanto, a
marca sem igual, peculiar, de seu autor.

21
À guisa de dedicatória e também em nome de Giselle Venancio, preciso
agradecer às pessoas e instituições que tornaram a Jornada de Estudos possível
e exitosa, além, é claro, dos próprios palestrantes, autores dos capítulos
que anunciarei abaixo. Agradecimento à referida UFF, ao IHT e ao público
ouvinte que nos surpreendeu pela quantidade e interesse, sobretudo porque
tal presença é cada vez mais rara em quaisquer níveis de ensino e a lembrança
desse fato deixa saudade neste momento de isolamento social e pandemia
que enfrentamos no mundo.
Na comissão organizadora, que presidimos, agradecemos a Mariana
Tavares, a Mirian Marques, a Tatiana Castro, a Karen Souza e a Lucas Cheibub,
à época pós-graduandos ligados ao grupo de pesquisa Escritas da História:
Historiografias do Sul (Escritas UFF), que idealizou o evento secretariado por
Rafael Mello. Também ao professor Jonis Freire, mediador da conferência
de abertura e representante do PPGH. À Thayrine Pezé (doutoranda em
Literatura Comparada pela UFF, com estágio na Université du Québec à
Montréal – UQÀM), por traduzir, a partir do francês, um dos capítulos
aqui incluído. Ao Fundo “Sérgio Buarque de Holanda”, do já mencionado
Siarq-UNICAMP, o nosso muito obrigado pelo apoio representado na
pessoa de Telma Murari, responsável pelo setor. À Biblioteca Central do
Gragoatá (BCG / UFF), que recebeu a exposição intitulada Nas estantes
das Humanidades: Sérgio Buarque de Holanda e Visão do Paraíso na UFF,
cabendo-nos mencionar o diretor da BCG, Thiago Assis, por toda a ajuda,
e Roberta Costa, que produziu os coffee-breaks. Finalmente, agradecemos,
sobretudo, à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro (FAPERJ), que então aportava recursos tanto às pesquisas
de Giselle Venancio quanto às minhas e por ter subsidiado a Jornada de
Estudos, bem como a presente coletânea.
Foi essa configuração de parcerias intelectuais que viabilizou o evento e
o livro que ora se apresenta. Sem antecipar os textos que aguardam o leitor,
eu gostaria somente de registrar ainda a sequência dos capítulos que foi
adotada e suas respectivas autorias.
No primeiro deles, intitulado Os anjos que renunciam ao voo, os avatares
da história e o exorcista: impressões sobre Visão do Paraíso, de Robert Wegner,
encontram-se instigantes novidades, com a perícia que lhe é inerente, para o

22
exame de um quadro receptivo específico de docentes dos Estados Unidos –
das áreas de teologia, literatura e história das religiões –, que se apropriaram
do livro buarqueano, estabelecendo diálogos com o autor e a obra.
O segundo, denominado Visão do Paraíso e as marcas do intercurso
cultural, de Eliana de Freitas Dutra, corresponde à citada tradução do estudo
apresentado originalmente em um colóquio ocorrido em Paris (2004) e, até
agora, inédito em português, que nos brinda com uma fina análise do legado
ibérico investigado nos escritos de Sérgio Buarque, enfatizando os de 1957 e
os 1959, para bem situá-los na pauta sobretudo Ocidental que integraram.
No terceiro capítulo, que recebeu o título A construção de uma História
Comparada das Américas em Visão do Paraíso e a atuação institucional
de Sérgio Buarque de Holanda, de Renato Martins, temos o privilégio de
acompanhar a reflexão da maior autoridade sobre o assunto na atualidade,
com uma tese de 2017 dedicada, na íntegra, ao livro buarqueano em apreço,
e que nos apresenta o que há de mais exclusivo em seus argumentos e nos
do autor.
Ao centro da coletânea inserimos Ilustrações, antecedidas pela explicação
de Mariana Rodrigues Tavares que, doutoranda na UFF à época, montou a
exposição antes citada. Ela nos auxiliou na curadoria que, junto a livros de
Sérgio Buarque, criou um espaço com documentos, fotografias e gravuras
pesquisados em junho de 2019 por Giselle Venancio e eu no Siarq-UNICAMP,
ao qual reiteramos o agradecimento por também permitir seus usos aqui.
No capítulo seguinte, quarto, denominado Éden historiográfico,
Purgatório receptivo e Inferno editorial buarqueanos em Visão do Paraíso,
de minha autoria, acompanho os difíceis caminhos da tese-livro junto às
suas comunidades de leitores e para a obra se firmar, analisando resenhas,
negociações e processos a ela atrelados, enquanto seu autor conquistava
espaços no campo intelectual, fixando melhor seu reconhecimento como
historiador junto à fortuna crítica.
O quinto, intitulado Notícia bibliográfica: breves considerações sobre
Visión del Paraíso na Biblioteca Ayacucho, de Giselle Martins Venancio,
prosseguem as avaliações nos domínios da História do Livro, da Edição e
da Leitura, sua especialidade ao lado da área de Teoria e Metodologia da

23
História, e mediante as quais se renovam algumas perspectivas dos estudos
buarqueanos, numa mirada latino-americana, face à exploração de um tema
original: a primeira e única tradução do livro, realizada na Venezuela.
Como palavra final, temos o capítulo que recebeu o título Visão
eurocêntrica de um Paraíso impossível, de Ronaldo Vainfas, responsável por
descortinar questões decisivas a qualquer reflexão historiográfica criteriosa
e atilada, sobretudo quando desanuvia confusões corriqueiras e aponta o
viés letrado da cultura mobilizada no livro sobre os motivos edênicos, que
ignora – escolha buarqueana legítima, conforme anota Vainfas –, relatos
não impressos.
Assim, somado aos Apêndices já mencionados, a coletânea reúne seis
capítulos: a mesma quantidade de decênios desde a defesa da tese de cátedra e
de vida editorial do livro, que Giselle Venancio e eu optamos em demarcar na
chamada para enfatizar a historicidade de nossa iniciativa e de seus resultados.
Objetivamos legar uma espécie de fotografia, que registra um momento,
ainda que a crítica possa recebê-la de forma conflitante, mais próxima de seu
lançamento ou quando estiver envelhecida neste porta-retratos. Paciência:
não se controla a recepção. Trata-se, porém, de um empreendimento pioneiro
– se considerarmos que foi a primeira Jornada de Estudos sobre a tese-livro
–, com elevado nível de especialidade e exclusivamente dedicada ao tema,
num feito até então sem igual entre os experts no assunto. Desse modo,
contará mesmo, entre aqueles que o folhearem, a consideração futura deste
trabalho coletivo e, a partir dele, será possível desenvolver outras análises
que poderão seguir ou refutar os rastros aqui deixados.
As investigações vindouras talvez redundem em verdadeiras searas
aprazíveis, tamanha a possibilidade de sucesso que interesses dessa monta
podem gerar, a exemplo dos estudos oferecidos agora e aos quais posso dizer,
orgulhosa e academicamente: correspondem a um legítimo jardim das delícias
historiográficas, nem sempre convergentes entre si, mas irmanados na meta
de enfrentar o monumento buarqueano. Pelo rigor irretocável, a qualidade
analítica e o compromisso com bases empíricas, teóricas e metodológicas,
são capítulos centrais para se debater Visão do Paraíso: os motivos edênicos
no descobrimento e colonização do Brasil, atualizando, com o que há de

24
melhor nas universidades do país e sem desconsiderar trabalhos prévios,
a compreensão de uma das grandes obras de Sérgio Buarque de Holanda.

André Furtado
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
Primavera de 2020

25
CAPÍTULO 1

Os anjos que renunciam ao voo, os avatares da


história e o exorcista: impressões sobre Visão do
Paraíso1

Robert Wegner (FIOCRUZ / PUC-Rio)


Dedico a Ana Luiza

A instigante Jornada de Estudos organizada por Giselle Venancio, André


Furtado, Mariana Rodrigues Tavares e outros foi uma oportunidade para
pensar sobre os significados de Visão do Paraíso, livro de Sérgio Buarque que,
em 2019, completou 60 anos de sua primeira edição comercial. Salvo engano,
foi o único evento deste tipo, o que, por si só, é um sintoma do tema sobre o
qual o seminário, com a chamada em forma de pergunta – “seis décadas de
um ensaio(?)” –, se propôs a refletir: o desencaixe da obra na historiografia
e no pensamento social brasileiro.
Ao ser apresentada como tese para o concurso à cátedra de História da
Civilização Brasileira da Universidade de São Paulo (USP), em 1958, Visão
do Paraíso era o cartão de embarque de Sérgio Buarque de Holanda para

1. Agradeço ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq), que financia


minhas atividades de pesquisa mediante uma bolsa de Produtividade em Pesquisa (308139
/ 2019-4); e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ), que, por meio de um Auxílio à Pesquisa Básica (E-26/210.493/2019), aporta
recursos ao desenvolvimento da minha pesquisa sobre eugenia e pensamento social no Brasil.

27
ingressar no universo da historiografia acadêmica institucionalizada. Ao
mesmo tempo, a tese foi recebida pela banca de avaliação como um “ensaio”
– do mesmo modo como se costumava considerar Raízes do Brasil, publicado
mais de 20 anos antes e tido como o livro que teria sido fruto da formação
multifacetada de Sérgio Buarque, que passara pela Faculdade de Direito no
Rio, pelo movimento modernista, a atividade jornalística, a crítica literária,
além de mais de um ano em andanças pela Alemanha.
A década de 1980, de um lado, teve mostras do vigor da obra de
Sérgio Buarque de Holanda por meio de dois trabalhos historiográficos
explicitamente inspirados no seu livro: O Diabo e a Terra de Santa Cruz,
da historiadora Laura de Mello e Souza (1986), e Trópico dos Pecados, do
historiador Ronaldo Vainfas (1989). Por outro lado, não muitos anos depois,
em 1992, o sociólogo Luiz Antonio de Castro-Santos fez, no texto “Duas
Visões do Paraíso”, um “Convite a Todorov para ler Sérgio Buarque de
Holanda”, apontando para o baixo e injusto reconhecimento internacional
da obra de Sérgio Buarque de Holanda.2
Na primeira década do século XX, Visão do Paraíso veio a ser objeto de
estudos acadêmicos, o que resultou em dissertações de mestrado como a de
Luiza Larangeira, defendida em 2005, na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio), sob orientação de Ricardo Benzaquen de
Araújo, e a de Thiago Lima Nicodemo, apresentada na USP, no ano seguinte,
sob orientação de Raquel Glezer. Como observa Renato Martins, em texto
publicado em 2018, coube a Laura de Mello e Souza observar, em 2008, que
“‘ainda não se cuidou suficiente do aspecto comparativo de Visão, a meu ver
tão essencial quanto havia sido em Raízes do Brasil’”.3 Para Martins, dez anos
depois, “tais recomendações não foram suficientemente enfrentadas pelo
último momento da recepção de Visão do Paraíso, não obstante o inegável
avanço à compreensão crítica da obra propiciada por ela”. Argumenta o autor
que explorar o aspecto comparativo da obra de Sérgio Buarque é fundamental

2. CASTRO-SANTOS, Luiz Antonio de. Duas Visões do Paraíso: convite a Todorov para
ler Sérgio Buarque de Holanda. In: PRADO, Antonio Arnoni Prado; et al. (org.). Sérgio
Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
3. SOUZA, Laura de Mello e apud MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o
estudo comparado dos imaginários ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n.
72, p. 177-198, jun. 2018, p. 179.

28
na medida em que, mais do que um aspecto da obra, “o estudo comparado
em Visão do Paraíso [...] corresponde ao seu objetivo central”.4
Ao acompanhar, graças ao convite de Giselle Venancio, as atividades
da Jornada de Estudos sobre Visão do Paraíso, tive a satisfação de mediar
a mesa composta por Renato Martins, citado há pouco, que apresentou o
trabalho “Uma história comparada das Américas em Visão do Paraíso e a
atuação institucional de Sérgio Buarque de Holanda”, e por André Furtado,
com o trabalho “Éden historiográfico, Purgatório receptivo e Inferno
editorial buarqueanos em Visão do Paraíso” (ambos os estudos atualizados
e inseridos na presente coletânea). A partir das apresentações e dos debates
fui instado a revisitar o texto sobre Visão do Paraíso que, há exatos 20 anos,
publiquei na revista Portuguese Literary & Cultural Studies, da University
of Massachusetts Dartmouth, com o título “America, joy of man’s desiring”,
em dossiê organizado por João Cezar de Castro Rocha.5
Na sua apresentação, assim como em seu texto de 2018, Renato Martins
citou a versão em português do meu texto, “América, alegria dos homens:
uma leitura de Visão do Paraíso e de Wilderness and Paradise in Christian
Thought”6 como uma das primeiras reflexões a chamar “a atenção para a
necessidade de [...] investigar [em Visão do Paraíso] o estudo comparado”.
No artigo citado, eu havia procurado desenvolver, de forma preliminar,
o modo pelo qual enxergava esta questão no livro. Esta tentativa foi feita
incorporando o “Prefácio à segunda edição”, de 1969, no qual, além de
enfatizar a comparação entre o imaginário português e o espanhol do tempo
do descobrimento da América pelos europeus, que é desenvolvida no livro
propriamente dito, Sérgio Buarque sugere, a partir da resenha de alguns
trabalhos de historiadores norte-americanos, ampliar a comparação aos
peregrinos anglo-saxões. Assim, em meu artigo, sugeri que Sérgio Buarque

4. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários


ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 181.
5. WEGNER, Robert. America, joy of man’s desiring. Portuguese Literary & Cultural Studies,
Dartmouth, MA, v. 4/5, p. 369-376, 2000.
6. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso e de
Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro; ARAÚJO,
Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de Janeiro: Topbooks
/ EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 367-375.

29
tinha em mente uma comparação triangular, que envolvia o colonizador
português, o espanhol e o puritano.
Tendo em vista as reflexões desenvolvidas por Martins e por André
Furtado, bem como os debates suscitados, voltei a estas minhas reflexões
anteriores com três objetivos. Em primeiro lugar, em diálogo com o trabalho
de Martins e também com o de Luiza Larangeira, revejo e tento apurar meu
olhar sobre Visão do Paraíso e seu caráter comparativo, especialmente entre
o imaginário do português e do espanhol. Em segundo lugar, gostaria de
desenvolver uma reflexão sobre a recepção de Visão de Paraíso, que parece
ter sido tortuosa, como sugere Renato Martins. Sem tirar a razão de Luiz
Antonio de Castro-Santos ao apontar que a recepção do livro foi limitada
e não fez justiça ao texto, inspirado no estudo desenvolvido por André
Furtado sobre a trajetória de Sérgio Buarque,7 sugiro que Visão do Paraíso
teve uma comunidade de leitores a que prestamos pouca atenção por estar
fora dos nossos horizontes sociológico e historiográfico: os historiadores da
religião das Universidades norte-americanas. Por fim, avanço o argumento
de que, a comparação triangular sugerida por Sérgio Buarque no “Prefácio
à Segunda Edição”, de 1969, foi realizada pelo autor no contexto dos debates
das décadas de 1950 e 1960 sobre a questão do desenvolvimento e de seus
condicionantes culturais. Neste sentido, quero sugerir que Visão do Paraíso
é um ensaio não apenas na sua forma literária, mas especialmente por ser
um tipo de olhar para o passado que explica o presente.

“... com a vista enevoada...”


Se o Jardim do Éden, do qual Adão e Eva teriam sido expulsos, existiria
em algum lugar da Terra, tal como descrito no Livro do Gênesis e conforme
a posição canônica da Igreja Católica, que se delineara a partir de Santo
Agostinho (354-430), ele seria absolutamente inacessível. Ao lado disso,
segundo o mesmo cânone, foi repudiada a crença milenarista em um período
de felicidade terrestre que antecedesse à segunda vinda de Cristo e à definitiva

7. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,


historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018.

30
redenção da Igreja. A despeito disso, os mitos relacionados à existência de um
paraíso terrestre permaneceram exercendo forte atração sobre os homens da
Idade Média, fazendo com que alguns chegassem a acreditar que ele pudesse
ser acessível ou, ao menos, avistado, como acontecera com Moisés diante
de Canaã. Não foi difícil para que, na época do descobrimento da América
pelos europeus, estas esperanças que normalmente eram dirigidas ao Oriente
fossem transferidas para o Novo Continente, história esta abordada por
Sérgio Buarque em Visão do Paraíso.8
Como explora Luiza Larangeira,
o mito do Paraíso terrestre é [...] o resultado da composição de alguns
temas do Paraíso anterior à Queda presentes no Gênese – “o perfeito
acordo entre todas as criaturas, a feliz ignorância do bem e do mal, a
isenção de todo mister penoso e fatigante e ainda a ausência da dor
física e da morte” –, de motivos greco-romanos relacionados à mítica
Idade de Ouro e de temas apocalípticos.9

Os motivos edênicos estudados por Sérgio Buarque, como o da primavera


eterna, a longevidade, o clima nem frio nem quente, a ausência de doenças,
funcionam como os topoi da arte retórica: são elementos recorrentemente
usados por oradores e poetas com o intuito de persuadir àqueles a quem
se dirigem, e que se mantêm os mesmos a despeito das diferenças entre os
textos e contextos nos quais se inserem.10 Como argumenta ainda Larangeira,
“é precisamente a compreensão dos traços que definem a forma mentis dos

8. Cf. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso
e de Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro;
ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de
Janeiro: Topbooks / EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 368.
9. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 47.
10. Cf. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda
e as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 45.

31
colonizadores ibéricos que permite a Sérgio Buarque historiar a projeção
das ‘visões’ edênicas medievais na geografia do Novo Mundo”.11
Como ressalta, por sua vez, Renato Martins,
a comparação dos imaginários ibéricos articula-se [...] a um conceito
historiográfico de Renascimento formulado sobretudo pelo que autores
como Peter Burke denominam de período “clássico” da historiografia
da cultura. Isto é, desenvolvida na Europa entre 1850 e 1950, e que
praticamente inaugura a reflexão sobre a escrita da história que tem
por referência o diálogo com o conceito de cultura, este podendo ser
compreendido como uma “estrutura de sentimentos”.12

Muito embora a crença que dizia que em algum lugar desconhecido se


encontraria o “Paraíso terreal” fosse amplamente generalizada, e não apenas
entre os ibéricos, ganhava, contudo, formas e tonalidades muito distintas, de
modo que, segundo o estudo de Sérgio Buarque, enquanto entre os espanhóis
era pintada em cores fortes e vivas, entre os portugueses se apresentava de
maneira mais discreta e chã.13
Entre os espanhóis as novas experiências proporcionadas pelo mundo
americano eram descritas com induções audaciosas e delirantes. Por sua
vez, entre os portugueses, de uma maneira que faz lembrar “o pedestre
‘realismo’ e o particularismo próprios da arte medieval, principalmente de
fins da Idade Média”:
Arte em que até as figuras de anjos parecem renunciar ao voo,
contentando-se com gestos mais plausíveis e tímidos (o caminhar, por
exemplo, sobre pequenas nuvens, que lhes serviriam de sustentáculo,
como se fossem formas corpóreas), e onde o milagroso se exprime

11. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 43.
12. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 181.
13. Cf. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso
e de Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro;
ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de
Janeiro: Topbooks / EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 368-369.

32
através de recursos mais convincentes que as auréolas e nimbos, tão
familiares a pintores de outras épocas.14

À primeira vista, este realismo dos portugueses, “pode passar por uma
característica ‘moderna’”, mas a associação deste pedestre realismo à arte da
Idade Média não é gratuita. Como expõe Martins,
Sérgio Buarque demonstra o realismo a partir de uma conceitualização
retirada da história da arte. Heinrich Wölfflin, historiador suíço,
discípulo crítico de Burckhardt, se vale de uma noção de realismo
para analisar a arte do Quatrocento (medieval). Esta seria marcada
pela tonalidade “pedestre”, na qual os anjos se apoiavam em cima de
“pequenas nuvens” (Wölfflin).15

Assim, o fenômeno das novas experiências a serem descritas pelos


portugueses com uma frieza e um realismo aparentemente inusitados para a
mentalidade quinhentista – uma mentalidade tão alheia, como Lucien Febvre
observou, ao “senso do impossível” –, foi nomeado por Sérgio Buarque como
“atenuação plausível”. A oposição entre o “realismo pedestre” do português e a
mentalidade descrita por Febvre é realmente apenas aparente. Como chama a
atenção Martins, em Visão do Paraíso, “as referências ao Renascimento [...] se
encontram na leitura dos trabalhos de Lucien Febvre, historiador em grande
parte adepto da concepção de Renascimento de Johan Huizinga”.16 Justamente,
a partir de O Outono da Idade Média, Febvre trata o Renascimento por meio
da noção de que não havia, então, um “senso do impossível” e, portanto,
o problema da incredulidade não estava no horizonte de homens como
François Rabelais (1494-1553). Como explica Hilário Franco Júnior, “para
Febvre, os homens daquela época não recuavam diante da contradição. Eles
desconheciam o senso do impossível. Não tinham noção de natural oposto a

14. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 1-2.
15. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 183.
16. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 183.

33
sobrenatural, as duas estando em constante comunicação. Encontravam-se
preparados para ver o que tinham ouvido”.17
O livro de Sérgio Buarque se insere na querela sobre o Renascimento
como ruptura ou continuidade com a Idade Média, posições representadas
respectivamente por Burckhardt e Huizinga. Para este, como escreve Martins,
o próprio Renascimento não poderia ser tratado como uma ruptura
integral com a Idade Média, uma vez que ele era uma espécie de Idade
Média ao extremo, ou seja, a sobrevalorização de uma apreensão
cosmológica mística, pré-lógica e pré-científica, alheia às relações de
causa e efeito que orientam o pensamento ocidental sobretudo a partir
do século XVIII.18

Sérgio Buarque toma partido desta posição ao afirmar que “A noção


de que existiria uma fratura radical entre a Idade Média e o Renascimento,
e é em suma a noção básica de Burckhardt, tende a ser superada em grande
parte da moderna historiografia pela imagem de continuidade ininterrupta”.19
O estudo comparativo entre os imaginários paradisíacos ibéricos
desenvolvido em Visão do Paraíso se insere, portanto, no debate historiográfico
sobre a modernidade renascentista. “De uma forma geral”, escreve Martins,
“o imaginário sobre o Paraíso terrestre, enquanto uma estrutura específica de
sentimentos, é uma realidade renascentista propriamente dita”.20 No estudo de
Sérgio Buarque, continua o autor, “os colonizadores espanhóis, na condição
de grandes idealizadores de uma primavera do mundo, representam de
forma elementar este conceito de modernidade na obra”, enquanto – ainda
segundo Martins,

17. FRANCO JR., Hilário apud MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo
comparado dos imaginários ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p.
177-198, jun. 2018, p. 183.
18. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 184.
19. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 182.
20. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 183.

34
os colonizadores portugueses, indiferentes à idealização edênica,
acabaram sucumbindo ao que Sérgio Buarque intitula de “realismo
pedestre”: um princípio de pensamento realista e baseado na experiência,
portanto alheio às idealizações mitológicas suscitadas pela cosmologia
pré-lógica [...] e quase nada têm de renascentista.21

O contraste entre um fundo singelamente crédulo e o realismo é menos


forte, avalia Sérgio Buarque, do que se pode supor à primeira vista, pois este
realismo é, na verdade, “tributário [da] credulidade [do português], que
constitui propriamente uma forma de radical docilidade ou passividade
ante o real”.22 Esta credulidade que nutre o realismo português, o qual se
contenta em descrever o evidente, o imediato e utilizável, é um traço de
“um fundo emotivo extremamente rico e que, por isso, mal atinge aquele
mínimo de isenção necessário para poder objetivar-se nas representações
fantásticas”23 relacionadas àqueles topoi do Paraíso terreal generalizados entre
os europeus do século XV e XVI.24 O realismo pedestre remete ao tomismo
aristotélico medieval, estudado, como aponta Martins, por Ernst Cassirer.
Para o filósofo judeu-alemão, o tomismo se sustentava no “princípio de que
nenhum pensamento, nenhum exercício de qualquer função puramente
intelectual é possível, sem que tal pensamento se refira de alguma forma à
representação do mundo sensível”.25
Portanto, como argumenta Luiza Larangeira, “embora os colonizadores
portugueses, na sua relação com a natureza, ficassem também atados à

21. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 183.
22. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 102.
23. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 143.
24. Cf. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso
e de Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro;
ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de
Janeiro: Topbooks / EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 369.
25. CASSIRER, Ernst apud MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo
comparado dos imaginários ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p.
177-198, jun. 2018, p. 183.

35
empiria, não se deve supor que eles estabelecessem uma relação científica
experimental com o mundo. Há que se fazer a distinção entre as noções de
experiência e experimento”. Como lembra a autora,
Weber associa diretamente a constituição da ciência moderna, e,
em consequência, do saber experimental a ela inerente, bem como a
especialização do conhecimento, à subjetividade puritana e ao tipo de
racionalidade que ela comporta. [...]. O saber experimental, compatível
com a subjetividade puritana que está se formando desde o século XVI,
é essencialmente diferente do saber empírico dos portugueses. Entre
estes, a importância assumida pela experiência remete, antes de tudo,
a uma adesão imediata à realidade [...].26

Representativo do “realismo pedestre” português, que remete ao tomismo


medieval e está em contraste com o caráter maravilhoso das descrições
hispânicas é o fato de que, dos diferentes mitos que se disseminaram com a
conquista do continente, a maioria teria se propagado a partir das conquistas
castelhanas, como a crença nas amazonas, na existência de serras de pratas,
fontes da juventude e lagoas mágicas. Estas crenças, assim que penetraram
na América lusitana, tenderam a se descolorir e se ofuscar, enfim, passaram
por atenuações ao plausível. De outro lado, apenas um mito que percorreu
o continente parece ter sido de origem luso-brasileira, que é o caso daquele
que diz que São Tomé, o discípulo de Jesus, teria estado na América a pregar
as boas novas do mestre. Mas até mais significativo que um único mito
tenha se espalhado desde a América portuguesa, é o fato segundo o qual, ao
surgir, se aproximava do prosaico e, os milagres do discípulo, do plausível,
e, à medida que a crença se disseminava em direção à América hispânica
perdia suas características humildes, vestindo-se São Tomé de vestes mais
nobres.27 Assim, para começar, escreve o historiador,

26. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 58.
27. Cf. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso
e de Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro;
ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de
Janeiro: Topbooks / EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 370.

36
andaria ele [São Tomé], no Brasil, geralmente descalço, segundo o
fazem crer as pisadas referidas em vários depoimentos, e levava, se
tanto, um só acompanhante, que poderia ser outro discípulo de Jesus
ou ainda seu próprio anjo da guarda. [...]. Já ao entrar no Paraguai, ele
calça sandálias, a julgar pelas pegadas impressas na penedia vizinha
a Assunção, mencionada por Lourenço Mendoza e Antônio Ruiz. Ao
chegar ao Peru, já o encontram os índios usando uns sapatos semelhantes
a sandálias, mas de três solas, como os que deixou perto do vulcão de
Arequipa, depois de passar entre fumegantes lavas que escorriam como
rio caudaloso. Na sola interna dos ditos sapatos ou sandálias, podia
ver-se a marca do suor dos pés e eram de homem tão grande que a
todos causava espanto.28

Para completar o contraponto com o quadro humilde pintado na


América lusitana, de um discípulo de Jesus quase franciscano, vale apontar
que, segundo Sérgio Buarque, “Outra particularidade da lenda peruana
de São Tomé está nisto, que em contraste com o sucedido no Brasil, onde
perseguido dos índios, procurava muitas vezes fugir às insídias e tiranias
destes, mostrava-se o apóstolo impaciente de qualquer injúria”.29
Contudo, a despeito deste caráter prosaico e humilde que os mitos
ganhavam no Brasil, apesar deste fenômeno da “atenuação plausível” não se
pode dizer “que a sedução do tema paradisíaco tivesse sido menor para os
portugueses, durante a Idade Média e a era dos descobrimentos marítimos,
do que o fora para outros povos cristãos de toda a Europa ou mesmo para
judeus e muçulmanos”.30 Sendo assim, entre os portugueses, descrições e
apologias das novas terras não deixavam de associá-las a visões edênicas, cujo
trópico mais constante, quase um critério de reconhecimento, consistia no

28. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 114-115.
29. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 115.
30. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 144.

37
clima equilibrado, “nem frio nem quente”, que desde os trabalhos de Santo
Isidoro de Sevilha (560-636) estava associado ao Paraíso bíblico. Assim,
podemos tomar como exemplo da permanência desse tópico no Brasil um
texto publicado em 1663 – embora censurado em seguida – no qual o Padre
Simão de Vasconcelos analisa, de acordo com a tradição escrita, a possibilidade
da localização do Paraíso em terras americanas. A certa altura escrevia:
S. Boaventura [...] afirma claramente que situou Deus o Paraíso junto à
Equinocial: Quia secus Equinoctia est ibi magna temperies temporaris:
porque junto à Equinocial há grande temperança dos tempos. [...].
Podemos acrescentar, que aquele lugar na Equinocial é temperado, de
copias de águas, e frequente de ventos que purificam os ares porque
tem a experiência mostrado que as regiões que estão debaixo da Zona
tórrida, tidas dos antigos por inabitáveis, são temperadas e se habitam
com grande comodidade dos homens.31

Dessa maneira, ancorado às tradições religiosa e pagã da Idade Média


em associação com os relatos sobre os novos mundos, Vasconcelos argumenta
em defesa da ideia de que o Paraíso bíblico se localizaria em terras brasileiras.
Nelas se acharia um lugar ameno que teria ficado imune às maldições
advindas do primeiro pecado e onde, por conseguinte, não existiriam a
dor, o envelhecimento e a morte, e novamente o homem não necessitaria
derramar o suor do seu rosto para obter o pão. O Paraíso perdido estava,
então, em terras brasileiras.32

Uma inusitada comunidade de leitores


Luiz Antonio de Castro-Santos procurou mostrar como a recepção do
livro de Sérgio Buarque de Holanda foi injustamente limitada. O sociólogo
construiu seu argumento usando como exemplo o fato de o livro de grande

31. BOAVENTURA, S. apud HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos
edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p.
363-364.
32. Cf. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso
e de Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro;
ARAÚJO, Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de
Janeiro: Topbooks / EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 371-372.

38
sucesso do búlgaro Tzvetan Todorov, La Conquête de l’Amérique: la question de
l’autre, publicado em 1982, ter ignorado Visão do Paraíso, ainda que se tratasse
um tema afim.33 Claro está que a língua portuguesa impõe um limite para a
circulação internacional do livro de Sérgio Buarque, ao mesmo tempo em
que o fato de não ter sido traduzido para uma diversidade de línguas aparece
como um sintoma de sua baixa circulação. Visão do Paraíso teve, até hoje, 7
edições brasileiras (com algumas reimpressões) e uma em língua espanhola,
pela Biblioteca Ayacucho, da Venezuela, em 1987. É um número pequeno
de publicações se comparado com Raízes do Brasil, que, além de inúmeras
edições, foi traduzido para as línguas italiana, espanhola, japonesa, alemã,
mandarim, francesa, inglesa e albanesa. Não tenho notícias sobre leituras e
reflexões sobre Visão do Paraíso fora do Brasil, nem mesmo na comunidade
intelectual de língua espanhola, a partir da circulação da importante edição
da Biblioteca Ayacucho. No levantamento realizado por André Furtado,
foram publicadas um total de 22 resenhas com autoria declarada das três
primeiras edições do livro (1959, 1969 e 1977), todas por autores brasileiros,
exceto uma de autoria de um norte-americano, William Jerome Wilson.34
A partir desta resenha, publicada na The Hispanic Historical Review,
em 1959, gostaria de pontuar que houve uma comunidade de leitores no
Estados Unidos que pode nos surpreender. De um lado, companheiros
norte-americanos mais próximos de Sérgio Buarque, como Lewis Hanke
(1905-1993) e Richard Morse (1922-2001), salvo engano, não resenharam o livro
nem fizeram referências explícitas a ele. Por outro lado, o livro foi resenhado
por William Jerome Wilson (1884-1963), que realizou seu doutorado na
Universidade de Harvard, foi professor de grego e de literatura bíblica,
pesquisou sobre os escritos de Hermes Trismegistos e a influência do Corpus
Hermeticum sobre o pensamento cristão e publicou artigos sobre a origem

33. CASTRO-SANTOS, Luiz Antonio de. Duas Visões do Paraíso: convite a Todorov para
ler Sérgio Buarque de Holanda. In: PRADO, Antonio Arnoni Prado; et al. (org.). Sérgio
Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
34. Com autoria declarada, foram 19 resenhas da primeira edição e duas dedicadas à
terceira. Sobre a resenha que William Jerome Wilson publicou sobre Visão do Paraíso em
The Hispanic Historical Review (ago. 1959), Cf. FURTADO, André. Das fortunas críticas e
apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda, historiador desterrado. Tese (Doutorado em
História). Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, 2018, p. 317 & 481-485.

39
e o desenvolvimento da alquimia greco-egípcia, sobre alquimia na China,
bem como artigos na Harvard Theological Review.35
Um segundo autor norte-americano que teceu considerações sobre Visão
do Paraíso foi George H. Williams (1914-2000), em seu livro Wilderness and
Paradise in Christian Thought¸ publicado em 1962. Williams, um reconhecido
professor de história eclesiástica na Universidade de Harvard, foi editor da
Harvard Theological Review e da Greek, Roman and Byzantine Studies. Por
fim, outro autor que citou Visão do Paraíso foi o romeno Mircea Eliade
(1907-1986), especialista em história da religião e mitologia, que, a partir
de 1956, lecionou no Departamento de Ciência da Religião da Universidade
de Chicago até sua aposentadoria, em 1983. Em texto intitulado “Paradise
and Utopia: Mythical Geography and Eschatology”, publicado em 1966, fez
referência ao trabalho de Sérgio Buarque, como este mesmo comenta no
“Prefácio à Segunda Edição” de Visão do Paraíso.
Dos três autores que leram e citaram o trabalho de Sérgio Buarque,
apenas Mircea Eliade é mais conhecido, mas o que todos têm em comum é
a erudição e as religiões como objeto de estudo. Temos aí uma comunidade
de leitores de Visão do Paraíso que, ao menos de um primeiro ponto de vista,
parece inusitada. Esta comunidade de leitores pode parecer insignificante
em termos numéricos e de importância, ao menos quando pensamos, por
exemplo, na École des Annales ou no círculo de historiadores das Américas,
ao qual, como mostrou André Furtado, Sérgio Buarque havia se integrado.36
Por outro lado, do ponto de vista do sistema universitário norte-
americano e a origem religiosa de algumas das suas mais tradicionais
universidades, como a Harvard University, de matriz calvinista, criada em 1636
na Massachusetts Bay Colony, e a Yale University, nascida em 1701 e que remete
aos clérigos do Estado de Connecticut. Embora a expansão e consolidação
do sistema universitário norte-americano, ocorridos posteriormente, entre
as décadas que separam a Guerra Civil, nos anos 1860, e a Primeira Guerra

35. WILLIAM Jerome Wilson (1884-1963). Informações obtidas no site da John Simon
Guggenheim Memorial Foundation. Disponível em: <https://www.gf.org/fellows/all-fellows/
william-jerome-wilson/>. Acesso em: 5.out. 2020.
36. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,
historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense –
UFF, Niterói, 2018, Capítulos 7 e 8.

40
Mundial (1914-1918), significaram também a crescente secularização das
universidades,37 não se deve subestimar estes historiadores da religião e
seu lugar no sistema universitário e na vida cultural dos norte-americanos.
Não por acaso, a segunda parte do livro de George H. Williams é dedicada
a “The theological idea of the university” e suas fontes são constituídas de
textos e discursos de antigos reitores e fundadores daquelas universidades
de inspiração religiosa anteriores à década de 1860.38
No caso de George Williams, vale destacar dois aspectos. Em primeiro
lugar, levando em consideração a especificidade norte-americana de contar
com, ao lado das estaduais criadas a partir da década de 1860, universidades
com origem em seitas protestantes, é difícil ter a dimensão da importância
que um professor de História Eclesiástica de Harvard possa ter. Em segundo
lugar, Williams mantinha o interesse pela historiografia norte-americana,
uma vez que seu livro surgiu de uma palestra realizada no cinquentenário,
comemorado em 1944, do famoso paper de Frederick Jackson Turner sobre
a influência da fronteira na história norte-americana.39 Este aspecto nos leva
ao último tópico.

Os avatares da história e o exorcista


A visão edênica predominante entre os colonizadores ibéricos, que
tratamos no primeiro item, ganhou uma síntese de George H. Williams,
em seu Wilderness and Paradise in Christian Thought. A partir da leitura do
livro de Sérgio Buarque de Holanda, o estudioso norte-americano escreveu
que nas partes do Sul do Continente predominou a “vision of an earthly
paradise merely waiting to be gained”.40 Por outro lado, escreve o mesmo

37. ROBERTS, Jon; TURNER, James. The Sacred and the Secular University. Princeton:
Princeton University Press, 2000.
38. WILLIAMS, George Huntston. Wilderness and Paradise in Christian Thought. 2ª ed.
Eugene, Oregon: Wipf & Stock [Cf. Part Two – The theological idea of the university: the
Paradise Theme and Reated Motifs in th History of Higher Education, p. 139-231], 2016.
39. WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. Capítulo 4.
40. WILLIAMS, George Huntston. Wilderness and Paradise in Christian Thought. 2ª ed.
Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2016, p. 100. Sérgio Buarque comenta o livro de Williams,
inclusive faz uma síntese dele no “Prefácio à segunda edição” de Visão do Paraíso. Isso porque
Sérgio Buarque de Holanda teve a oportunidade de lecionar e pesquisar nas Bibliotecas das

41
autor, “Pilgrims and Puritans thought of [the] re-reformed Church as taking
shape like a Garden in the protective wilderness of the New World”.41 Se a
partir de Visão do Paraíso é possível demarcar um contraponto entre as
cores e tons dos motivos edênicos nas conquistas lusitanas e castelhanas, a
leitura de Wilderness and Paradise in Christian Thought, livro de 1962, onde
o então professor de História Eclesiástica da Universidade de Harvard reúne
seus estudos sobre a busca de um paraíso na terra que parece ter inspirado
os colonizadores anglo-saxões, permite traçar um esboço um pouco mais
amplo das ideias paradisíacas na colonização da América. Uma aproximação
entre a obra do historiador norte-americano e a do brasileiro pode indicar
sugestões para uma comparação entre as colonizações ibéricas e a puritana.
Esse exercício se coaduna com o que, em outras redes, Sérgio Buarque
vinha tentando efetivar, como o projeto de uma história comum da Américas,
que, desde a década de 1940, envolvia nomes como os do norte-americano
Lewis Hanke (1905-1993), o mexicano Silvio Zavala (1909-2014) e o peruano
Victor Belaúnde (1883-1966).42 Posteriormente, inclusive na década de 1950,
quando publica a primeira edição de Visão do Paraíso, e na década seguinte,
quando sai a segunda edição com o prefácio em que dialoga com os estudos
recentes dos Estados Unidos, Sérgio Buarque permanece dialogando com
historiadores norte-americanos e latino-americanos no sentido de diluir
as singularidades do processo de formação político brasileiro frente ao das
repúblicas da América espanhola, o que, como argumentou André Furtado,
vai se consubstanciar no projeto da coleção História Geral da Civilização
Brasileira (HGCB).43

Universidades de Indiana, Nova York e Yale entre os anos de 1966 e o seguinte. Foi nesta
estadia que pôde se atualizar na produção norte-americana sobre os temas afins ao do seu
livro, resenhando esta produção em 1968, justamente, no “Prefácio à segunda edição” de
Visão do Paraíso.
41. WILLIAMS, George Huntston. Wilderness and Paradise in Christian Thought. 2ª ed.
Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2016, p. 99.
42. WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 70-87.
43. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,
historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018.

42
A comparação entre os ibéricos e os anglo-saxões pode nos remeter
a Max Weber e a oposição que propôs entre A Divina Comédia, de Dante
Alighieri (1265-1321), e o Paraíso Perdido, de John Milton (1608-1674). Naquela,
“o poeta já no Paraíso não encontra palavras para se exprimir, inundado que
está pela contemplação dos mistérios de Deus”, enquanto que no “desfecho
do poema que se convencionou chamar a ‘Divina Comédia do puritanismo’
[,] [d]epois de relatar a expulsão do Paraíso, Milton fecha [...] o último canto
do Paraíso Perdido”44 com os versos: “E a contragosto assim não perderás / O
Paraíso em vão, que um Paraíso / É o que farás com as mãos, e mais feliz”.45
Aliás, no que se refere à diferença de natureza da crença entre os
colonizadores anglo-saxões e os ibéricos, seguindo a sugestão de Luiza
Larangeira, recorro à distinção estabelecida por Max Weber, em Confucionismo
e Taoísmo, entre um racionalismo de dominação racional do mundo, advindo
do protestantismo, e um racionalismo de adaptação ao mundo, ligado ao
confucionismo.46 Conforme escreve Larangeira, de acordo com Weber,
“um dos meios de medir o nível de racionalização de uma religião é a
verificação do seu grau de distanciamento em relação à magia. Neste sentido,
o protestantismo ascético atingiu o nível mais elevado de racionalização
entre todas as religiões”.47
Como escreve Weber,
O ponto de vista decisivo para essa tomada de posição da ascese
protestante [...] era o seguinte: [...] [a]creditava-se justamente ser possível
alcançar, a partir da apreensão empírica das leis divinas inscritas na
natureza, o conhecimento do “sentido” do mundo, ao qual, entretanto,
dado o caráter fragmentário da revelação divina [...] jamais se poderia
aceder pela via da especulação conceitual. Para a ascese protestante, o

44. WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004, p. 79.
45. MILTON, John apud WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 80.
46. WEBER, Max. Ética econômica das religiões mundiais: ensaios comparativos de socio-
logia da religião – 1 Confucionismo e taoísmo. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 358.
47. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 54.

43
empirismo do século XVIII era o meio de buscar a “Deus na natureza”.
O empirismo parecia levar até Deus, enquanto a especulação filosófica
parecia afastar dele.48

Isto é muito diferente da relação analógica com a natureza mantida pelos


ibéricos. Como sustenta Luiza Larangeira, há uma aproximação entre os
dois povos hispânicos “na medida em que ambos operam com a linguagem
analógica, ou seja, não estão inseridos na perspectiva epistemológica
que caracteriza os tempos modernos”. A autora argumenta a partir dos
comentários de Luiz Costa Lima ao se referir à linguagem analógica e o que
a distingue da linguagem descritiva, a qual se tornou, a partir dos Tempos
Modernos, o meio de expressão da relação epistemológica entre o homem
e o mundo. Escreve Larangeira,
No pensamento analógico, o conhecimento do mundo pelo homem se
dá por meio de associações em que a tradição, oral ou escrita, assume
o papel de referencial. O “conhecimento” do mundo físico segundo a
lógica das analogias é uma releitura deste mundo. Uma releitura do que
foi revelado por Cristo e fixado nas Sagradas Escrituras; uma releitura
dos sábios clássicos que prenunciaram, sem o saber, essa revelação;
uma releitura dos desdobramentos e interpretações da revelação; e,
enfim, uma releitura da releitura, que são os relatos dos viajantes que,
em suas peregrinações por terras distantes, se deparavam com seres
extraordinariamente maravilhosos, muitas vezes de uma monstruosidade
maravilhosa, mas em grande medida familiares, velhos conhecidos de
relatos anteriores e narrativas de origem remota.49

Um dos motivos mais constantes do Paraíso terreal detectado por Sérgio


Buarque era o do clima ameno. Entre os primeiros colonos norte-americanos
não era diferente. É possível encontrar visões semelhantes àquelas que corriam
entre os ibéricos, que buscavam reencontrar o Paraíso perdido já pronto.

48. WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004, p. 236-237.
49. MELLO, Luiza Larangeira Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005, p. 46.

44
Um bom exemplo disso é o do puritano Thomas Morton, que chegando à
Nova Inglaterra em 1622 pensa encontrar a “nova Canaã”. Justamente o que
lhe faz assim pensar é o critério do locus amoenus, pois, para ele, a nova terra
partilha ao mesmo tempo do calor e do frio, mas não é sobrecarregada
nem por um nem por outro. Pode-se dizer, em verdade, que ela se situa
no interior dos limites do justo meio-termo, que é muito propícia à
habitação e à reprodução, já que Deus Todo-Poderoso, o Grande criador,
a colocou na zona chamada temperada.50

No entanto, mesmo contando com casos como esse relatado por Jean
Delumeau, parece plausível a insistência de George Williams em perseguir
uma visão quase que antagônica a esta, predominante entre os ibéricos, pois
a imagem mais corrente entre os puritanos para descrever a nova terra é a
do deserto, da qual o historiador norte-americano é capaz de traçar uma
longa tradição que remonta ao Velho Testamento e o êxodo do povo judeu
do Egito, quando Israel, guiado por Moisés, peregrina durante quarenta anos
no deserto antes de alcançar a terra prometida. Nesta tradição se delineia o
duplo significado do termo wilderness que ganha tanto um sentido positivo
de lugar de proteção e de missão dos cristãos, como um negativo, de terra
devastada e sem redenção, e, em todo caso, significa o local onde deverá ser
construído o Éden. Assim o wilderness constitui-se num lugar de refúgio e
missão preparado para a verdadeira Igreja perseguida pelo mundo desde
os tempos de Moisés, podendo vir a se tornar o Jardim do Senhor através
da subjugação moral e espiritual mais do que pela mera conquista física.51
Nesse quadro, nas prédicas da construção da verdadeira igreja no deserto, a
amenidade do clima, deixando de ser uma qualidade inerente às novas terras,
pode se transmutar em metáfora da ação transformadora dos pioneiros,
conforme, por exemplo, um caso já do século XIX apresentado por Williams,
o do fundador da Universidade de Yale, Timothy Dwight, que, discorrendo
sobre a missão das instituições de ensino em 1812, pregava dizendo:

50. Citado em DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma história do Paraíso. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 237.
51. Cf. WILLIAMS, George Huntston. Wilderness and Paradise in Christian Thought. 2ª
ed. Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2016, p. 5.

45
The Gospel is the rain and sun-shine of heaven upon the moral world.
Wherever its beams are shed, and its showers fall, the wilderness
blossoms as the rose, and the desert as the garden of God: while the
world beside is an Arabian waste, where no fountains flow, and no
verdure springs, and where life itself fades, languishes and expires.52

Ou seja: o Paraíso, para os puritanos, não se encontra pronto nas terras do


Novo Mundo. Desse modo, talvez seja possível dizer que, se o tropos do lugar
ameno esteve presente entre os puritanos norte-americanos, este motivo foi
antes uma metáfora para a ação purificadora do Evangelho, que um atributo
do lugar onde o colonizador deveria se estabelecer, independente de se saber,
neste caso, se este era um motivo literário que encontrava correspondência
no clima efetivo ou não.
No corpo do livro, Sérgio Buarque evitou inferir consequências de sua
tese que perdurassem mais longamente na história do Brasil e do Continente.
Na altura do prefácio em que passa a fazer um balanço bibliográfico dos
autores norte-americanos que trabalham com as imagens do Paraíso e do
wilderness que orquestraram a colonização dos Estados Unidos, Sérgio
Buarque se refere ao projeto desses autores de encontrarem uma chave
explicativa para seu país. Contudo, mesmo a diferenciação entre Paraíso a
ser ganho e a ser construído sugerida por Williams a partir da sua leitura do
seu próprio livro, não parece ser adotada por Sérgio Buarque como chave
explicativa da história do Continente. Por outro lado, mais adiante, quase no
fim do prefácio, o próprio Sérgio Buarque de Holanda parece corroborar as
considerações comparativas dos autores norte-americanos, afirmando que:
“Dedicou-se este livro à tentativa de estudar essa espécie de fantasia e sua
influência imediata sobre o esforço colonizador. Não se exclui, com isso,
que através de possíveis avatares, continuasse ela a atuar sobre os destinos
dos povos americanos, brasileiro inclusive [...]”.53

52. DWIGHT, Timothy apud WILLIAMS, George Huntston. Wilderness and Paradise in
Christian Thought. 2ª ed. Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 2016, p. 124.
53. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. XXIV-XXV.

46
Aliás, ainda em 1959, ano da primeira edição comercial do livro, em
uma curta entrevista publicada na Tribuna da Imprensa, após negar um
amplo poder explicativo de suas teses, Sérgio Buarque é capaz de observar
logo depois: “Vejo também que a construção de Brasília está dentro da nossa
mania de grandeza, uma visão edênica das coisas, ressurgindo aqui a tese do
meu último livro”.54 Em outras palavras, embora na entrevista e também no
livro se recuse a extrapolar suas hipóteses para além dos séculos iniciais da
colonização, Sérgio Buarque parece sugerir a existência de avatares culturais
que atuariam nos destinos dos povos da América.
Apesar das significativas modificações pelas quais passou a reflexão de
Sérgio Buarque de Holanda e sua forma de se colocar no universo intelectual
e acadêmico, temas estudados intensamente nos últimos anos, Sérgio Buarque
parece ter continuado a navegar em águas weberianas. Pinheiro Machado
sugeriu que Raízes do Brasil consiste em um reexame da “história da sociedade
brasileira à luz da problemática e da metodologia weberiana”. Nesse exame,
Sérgio Buarque lançaria mão da obra de Weber “sem o seu ‘diálogo com
Marx’ e sem as reelaborações que os pensadores não alemães lhe deram”.55
A ausência de diálogo com Marx, significa que em Raízes o capitalismo é
interpretado não como um sistema, mas fundamentalmente como uma
racionalidade específica. Com esse quadro em vista, podemos dizer então
que, para Machado, Sérgio Buarque elaborou uma interpretação do Brasil
espelhada nas teses de Weber sobre o surgimento do espírito da racionalidade
capitalista burguesa.56 Penso que Sérgio Buarque não estava distante do
mesmo universo de questões ao escrever Visão do Paraíso, ainda que Weber
tenha desaparecido de suas referências bibliográficas.
Assim, perseguir os motivos paradisíacos entre os colonizadores
pode sugerir, como lembra Williams, chaves explicativas para a história do
continente mais complexas e vivas do que a oposição entre uma América

54. História Brasileira num castelo medieval. Entrevista publicada originalmente na Tribuna
da Imprensa, em 15 de novembro de 1959. In: MARTINS, Renato (org.) Sérgio Buarque de
Holanda: encontros. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009, p. 66.
55. WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 29.
56. WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 29.

47
Católica e uma América Protestante.57 Vale ainda acrescentar que, pela mesma
via, a América Católica torna-se mais complexa desde que se explore aquelas
diferenças de tonalidades apontadas em Visão do Paraíso sobre mitos por
assim dizer semelhantes, vinculados ao que Williams caracterizou como um
Paraíso terrestre meramente à espera de ser ganho, mas que podem ser mais
descoloridos e humildes entre os luso-brasileiros que entre os hispânicos.
Ou melhor, retornando à discussão inicial sobre o próprio texto de
Visão do Paraíso, retomo o resumo de Renato Martins sobre a estrutura do
livro. O argumento de Sérgio Buarque é constituído, por um lado, a partir da
conceitualização do Renascimento europeu pela ótica de O Problema
da Incredulidade, de Lucien Febvre; bem como uma subsequente
análise da proximidade do imaginário dos colonizadores espanhóis
do Renascimento europeu a partir, sobretudo, da investigação das
visões paradisíacas de Cristóvão Colombo.58

Enquanto, por outro lado, há


a formulação do termo “realismo pedestre” tendo como referência A
Arte Clássica, de Heinrich Wölfflin, e uma correlata crítica à concepção
de Renascimento português, de Jaime Cortesão. Enfim, os subsídios
explicativos que, a partir do entendimento da modernidade renascentista
como um período místico e pré-lógico, possibilitam a Sérgio Buarque
tratar os colonizadores portugueses pela ótica da tradição e os espanhóis
pelo viés da modernidade.59

Ainda que não desenvolva este raciocínio de forma explícita, é possível


elucubrar que Sérgio Buarque estaria pensando que o imaginário português,
que espera um Paraíso pronto, a ser ganho, ajudou a desenvolver um tipo
de capitalismo aventureiro, mais afeito a um esforço descontinuado e pouco
sistemático, lembrando um pouco a mentalidade do semeador, exposta em

57. WILLIAMS, George Huntston apud HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333).
2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Edusp, 1969, p. XIII.
58. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 9.
59. MARTINS, Renato. Sérgio Buarque de Holanda e o estudo comparado dos imaginários
ibéricos em Visão do Paraíso (1959). Ler História, n. 72, p. 177-198, jun. 2018, p. 9.

48
Raízes do Brasil. Por sua vez, o imaginário espanhol, com a espera de um
paraíso pronto e eivado de maravilhas, conduziria a um capitalismo em
que o Estado seria central para a administração e exploração da riqueza,
lembrando a mentalidade do ladrilhador. Enquanto o imaginário puritano,
com a gana para conquistar o wilderness para transformá-lo em Paraíso,
levaria a um capitalismo individualista e competitivo. No horizonte de
questões levantadas pela Sociologia do Desenvolvimento dos anos 1950, que
trazia à tona o debate sobre os obstáculos culturais para a modernização,
não seria descabido que este tipo de reflexão estivesse na perspectiva de
Sérgio Buarque de Holanda.
Voltando ao prefácio de 1969, Sérgio Buarque não deixa de responder
a Mircea Eliade quando este afirma que, ao estudarem os motivos edênicos
da colonização, os historiadores da religião norte-americanos – e também
Sérgio Buarque de Holanda e seu Visão do Paraíso! – estariam procurando
“voltar atrás, [...] encontrar a história primordial dos seus países, [o que]
[d]enotaria também uma vontade de começar de novo, uma nostálgica
ambição de reviver a beatitude e exaltação criadora das origens, em suma
como uma saudade do Éden”.60 Na sua resposta, Sérgio Buarque afirma que,
ao contrário de desejar operar como um taumaturgo, que traz de volta à
vida os espíritos do passado, pretende, como historiador, ser um exorcista e
expulsar estas presenças. Talvez não possa haver uma confissão mais explícita
de que o autor considerava que o imaginário que orquestrou a colonização da
América portuguesa ainda tinha efeitos na história, na política e na economia
brasileira. E, agora, este imaginário deveria ser exorcizado.

60. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobri-
mento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional / Edusp, 1969, p. XVII.

49
CAPITULO 2

Visão do Paraíso e as marcas do intercurso cultural1

Eliana de Freitas Dutra (UFMG)

Em uma música brasileira muito popular, em que a cultura do carnaval


é usada como alegoria da liberdade, encontramos referências que nos levam
ao coração da experiência da mestiçagem, dos hibridismos e das circulações
culturais no Brasil. Em versos bastante sugestivos, o seu autor e intérprete,
o compositor Chico Buarque de Holanda, fala de um samba popular que,
cantado e dançado durante o carnaval, nos lembra de nossos antepassados
e nos traz recordações de um tempo que não pode ser esquecido, em
que os filhos do Brasil “erravam cegos pelo continente, levavam pedras
feito penitentes, erguendo estranhas catedrais”. Mas, nos dias de carnaval,
momentos de “alegria fugaz”, e breve alívio do trabalho penoso, permitiam-se,
como hoje, a inversão alegórica, às vezes grotesca, dos papéis e das hierarquias

1. Este texto é uma versão reduzida e modificada de um texto de intervenção no colóquio


L’Éxpérience Métisse ocorrida entre 2 e 3 de abril de 2004, em Paris, coorganizado pelo
Museu do Quai Branly, então em fase de instalação, e pelo Museu do Louvre sob a direção
científica de Serge Gruzinski, com o título La construction du Brésil métis chez l’historien
Sérgio Buarque de Holanda. A partir de sua versão original o texto foi adaptado oralmente
para a apresentação na Jornada de Estudos que resultou neste livro, para o qual foi traduzi-
do por Thayrine Muzy Pezé (Universidade Federal Fluminense – UFF), por iniciativa dos
organizadores, a quem agradeço.

51
sociais, desfilando pelas avenidas como “a ala dos barões famintos, o bloco
dos napoleões retintos e os pigmeus do bulevar”.2
Estes versos musicais sugerem a antiguidade e sobrevivência dos ritmos
africanos no samba; a estranheza das formas e práticas, certamente trazidas ao
Brasil pelos colonizadores, traduzidos pela metáfora das catedrais; a presença
dos símbolos da civilização europeia no imaginário popular, seja como
caricatura, seja como desejo do outro, revelados pelas fantasias de carnaval.
Na realidade, Chico Buarque de Holanda, por meio de uma linguagem
poética/musical, retoma em pequena escala e de formação não menos crítica,
o tema que chamou a atenção de seu pai, o historiador Sérgio Buarque de
Holanda, ou seja, o encontro das civilizações e das culturas. A obra de Sérgio
Buarque, a sua sensibilidade e seu olhar sobre os contatos entre o Velho e
o Novo Mundo resultaram em um rico retrato social e cultural do Brasil.
Optamos por percorrer neste capítulo sua obra Visão do Paraíso,3 datada
de 1959, com algumas incursões de contraste com sua obra anterior, Caminhos
e fronteiras,4 de 1957. No centro deste conjunto está um tópos que assegura
nitidamente o enquadramento da obra de Sérgio Buarque de Holanda: a
questão do legado da cultura ibérica na América portuguesa e espanhola
com seus movimentos, tensões e dinâmicas.
Para compreender a origem de suas escolhas temáticas, devemos lembrar
que Sérgio Buarque, um dos historiadores mais notáveis da História do
país, pertenceu a uma geração intelectual5 que, no Brasil, durante a agitada
década de 1920-1930, seguiu uma trajetória que inclui o jornalismo6 e a

2. HOLANDA, Chico Buarque de; HIME, Francis. Vai passar. Faixa 10. Direção artística:
Mazola. Rio de Janeiro: Estúdio Polygram, 1984.
3. Usado na seguinte edição: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos
edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
4. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
5. Integrada por ensaístas, poetas e escritores como Manuel Bandeira, Prudente de Morais
Neto, Paulo Prado, Graça Aranha, Sergio Milliet, Mário e Oswald de Andrade, Gilberto
Freyre, entre outros.
6. Sérgio Buarque exerceu a profissão de jornalista e publicou artigos em revistas literárias
e na imprensa em São Paulo e no Rio de Janeiro. Enquanto correspondente de imprensa
ele vai para Alemanha, em Berlim, local em que permanece de 1929 até 1931. Esta estadia
será decisiva para a sua formação histórica e sociológica. Aproveitou a oportunidade para
estudar História e Ciências Sociais na Universidade de Berlim. No plano sociológico, ele
descobre as obras de Max Weber, George Simmel, Werner Sombart, entre outros; no âmbito

52
crítica literária, e integrou a vanguarda do movimento modernista com todo
o seu repertório de novidades estéticas e teóricas.7 As questões levantadas
por Sérgio Buarque de Holanda sobre o destino da modernidade brasileira,
a singularidade do Brasil e a diversidade cultural inscrita nas realidades
históricas da América Luso-Hispânica surgiram de sua participação no
debate intelectual desta época. A partir deste período, nas décadas seguintes,8
manterá a sua preocupação em compreender os movimentos culturais das
tradições ibéricas, bem como a formação histórica e social do Brasil.
Historiador iconoclasta reconhecido por estar em ruptura com os valores
tradicionais,9 não é por acaso que vai questionar a transplantação das tradições
ibéricas na América, principalmente nas terras brasileiras, interrogando-se
sobre o contraste entre os legados europeus e as elaborações culturais que
se produziram nos cenários históricos da América hispânica e portuguesa.
Este tópos, cujo referencial empírico nasceu da realidade da conquista
do Novo Mundo e da problematização do seu legado, é abordado tanto em

histórico e filosófico, segue as lições de Leopold von Ranke, Friedrich Meinecke, Wilhelm
Dilthey. Regressou ao Brasil em 1931 e, em 1935, publicou um artigo chamado Corpo e alma
do Brasil, no qual apresentou algumas ideias que irá retomar e expandir na sua obra Raízes
do Brasil, publicada em 1936 e que, de fato, tinha começado a escrever em 1928, antes da
sua ida para a Alemanha.
7. Sobre a relação de Sérgio Buarque com o modernismo, ver: PRADO, Antônio Arnoni.
Raízes do Brasil e o Modernismo. In: CANDIDO, Antonio (org.). Sérgio Buarque de Holanda
e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998; AVELINO FILHO, Jorge. As raízes
de Raízes do Brasil. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 18, p. 33-41, set. 1987; & WEGNER,
Robert. A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2000.
8. Nos anos 1930-1940, o Brasil sofreu mudanças no poder, viveu o desencadeamento de
um processo de modernização do país e mudanças no seu panorama intelectual com a
publicação de ensaios que fizeram uso inovador das ferramentas conceituais da sociologia,
antropologia e economia, a exemplo dos ensaios considerados, desde o momento de sua
publicação, e posteriormente pela historiografia, como os mais importantes para a análise
da formação social brasileira: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; Casa-grande
& senzala, de Gilberto Freyre; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.
Além disso, o país assistiu à gestação de uma política cultural implementada pelo Estado
destinada à valorização e preservação das particularidades culturais brasileiras, bem como
à afirmação de uma identidade nacional. Estes marcos estão também na origem de várias
iniciativas intelectuais destinadas a explicar o Brasil, o conhecimento da história, do povo e
do território brasileiros, onde a questão da cultura nacional foi um tema chave. As primeiras
obras, ensaios e história de Sérgio Buarque de Holanda datam deste período.
9. Segundo DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Política e sociedade na obra de Sérgio Buarque
de Holanda. In: CANDIDO, Antonio (org.) Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 1998.

53
Caminhos e fronteiras, nesse caso de forma explícita, como em Visão do
Paraíso, onde a referência à fronteira é mais sutil, mas nem por isso menos
evidente. E essa referência aproxima Caminhos e fronteiras e Visão do Paraíso
a partir de dois elementos aparentemente opostos: o oceano e o sertão. O
mar e o sertão são, na nossa opinião, as chaves retóricas que o autor mobiliza
para falar dos espaços privilegiados do encontro dos povos e das tradições,
encontro aberto à experiência das trocas, das hibridações e da mestiçagem
cultural.10 Esta é a reflexão que tentaremos desenvolver neste capítulo.
O sertão já tinha suscitado o interesse de outro autor, Alcântara Machado,
que havia escrito uma obra não menos crucial para os estudos brasileiros
sobre a cultura material11 bem antes de Sérgio Buarque de Holanda. Para
Machado, o sertão era “o centro solar do mundo colonial”,12 com a encarnação
do mistério, a sedução do risco, “uma provocação permanente ao espírito
imaginativo e à índole aventureira dos conquistadores”,13 e ele não esquece
do oceano que, assim como o sertão, provocava o mesmo espanto, o mesmo
temor, a mesma impressão vertiginosa de infinito e eternidade. Para ele,
as afinidades entre marinheiros e sertanistas eram da ordem da partilha
de uma única atração e de uma mesma intrepidez, ambas necessárias para
enfrentar o desconhecido. Se, por sua vez, Sérgio Buarque parece manter as
afinidades entre oceano e sertão, ele vai deslocar o centro da vida colonial do
país longínquo em direção à fronteira ou em direção a vários caminhos de
chão e de água, que asseguravam as relações entre o Velho e o Novo Mundo,
entre a costa e o sertão, pois assim como o mar, o sertão é igualmente um

10. Tomo aqui a noção de “mestiçagem” como uma mistura de culturas, tradições, crenças
e suas dinâmicas de identificação, criação, acomodação, rejeição e resistências. Sobre este
assunto, ver: GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras,
2001; GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário. Sociedades indígenas e ocidenta-
lização no México Espanhol. Séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Sobre o tema dos contatos entre culturas, ver também, entre outros: CANCLINI, Nestor
García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp,
2000; & PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação.
Bauru: EDUSC, 1999.
11. Refiro-me aqui a MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte:
Itatiaia / São Paulo: Edusp, 1980 [1ª ed. 1929].
12. MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte: Itatiaia / São
Paulo: Edusp, 1980, p. 231.
13. MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte: Itatiaia / São
Paulo: Edusp, 1980, p. 232.

54
lugar de passagem, de movimento. Em Caminhos e fronteiras o caminho tem
um referente geográfico expresso pelo afastamento do litoral, e é nomeado
pelo autor como o “que convida ao movimento”. O trajetos é sugestivo da
mobilidade das populações paulistas, onde se encontram as pessoas, as
práticas, as técnicas, os hábitos e as crenças. A fronteira é expressão dessa
mobilidade que, em Visão do Paraíso, volta-se para as culturas. É um espaço
móvel, permeável da circulação cultural, dos encontros e relações entre o
Novo e o Velho Mundo.
A distância, sugerida pelo oceano, bem como os sentimentos de
isolamento e solidão inspirados pelo sertão são superados e vencidos pela
audácia e pelo espírito aventureiro. A diferença e a estranheza da paisagem
física, humana e simbólica, na qual se encontra a origem do contato entre os
dois mundos, dão lugar em Visão do Paraíso ao reconhecimento de motivos,
à metamorfose dos mitos e das tradições.
Em Visão do Paraíso,14 Sérgio Buarque estuda o universo das
representações veiculadas durante as descobertas e a conquista do Novo
Mundo15 pelos portugueses e espanhóis, com todas as referências culturais
da Renascença e da Contrarreforma subjacentes. O oceano se torna o veículo
de trânsito de uma ideia migratória capaz de viajar no tempo e no espaço:
o Paraíso terrestre. Esta ideia, difundida na época das descobertas, veio se
ancorar ao Brasil e às Índias de Castela. Neste livro extraordinário, de notável
erudição, o autor propõe uma análise profunda dos motivos edênicos a fim de
demonstrar de que forma, em torno da imagem de Éden, agruparam-se vários

14. Ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no des-
cobrimento e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. Sobre este livro, é
preciso lembrar que ele foi apresentado como tese de concurso para a cátedra de História
da Civilização Brasileira na Universidade de São Paula (USP), em 1958. Sobre esta obra, ver:
VAINFAS, Ronaldo. Sérgio Buarque de Holanda, historiador das representações mentais.
In: CANDIDO, Antonio (org.) Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 1998; LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso.
Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 42-53, mar./maio. 2002; CARVALHO FRANCO, Maria
Sílvia. A terra encantada. In: O Paraíso redescoberto de Sérgio Buarque de Holanda. Caderno
Mais. Folha de São Paulo – SP, 23 jun. 2002, p. 12-15.
15. Várias informações sobre a descoberta e a conquista da América e do Brasil se encontram
em: THEODORO, Janice. América barroca. Temas e variações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1992; NOVAES, Adauto (org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998; NOVAES, Adauto (org.). A outra margem do mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.

55
fatores que presidiram à ocupação do Novo Mundo e, deste modo, explicar
o passado brasileiro. Para tal, ele retoma as fontes documentais históricas
como a literatura de viagem, as crônicas dos missionários, navegadores,
cartógrafos, exploradores, conquistadores, bem como textos escritos por
pensadores da Igreja e dos eruditos da Antiguidade e da Idade Média.16
Os aventureiros da descoberta, os pioneiros do povoamento do Novo
Mundo buscavam e encontraram, segundo Sérgio Buarque, “uma espécie de
cenário ideal, feito de suas experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais”.17
Este cenário tinha sido desenhado pela tradição cristã europeia, que lhe
trazia imagens alimentadas pela leitura de textos proféticos, descrições do
Antigo Testamento e pensamento teológico da Igreja. A imagem edênica,
presente na imaginação dos navegadores, favorecerá o nascimento, na
América portuguesa e espanhola, da mestiçagem das tradições, do sagrado
e do profano, dos mitos e utopias. Os objetivos utilitários da conquista vão
se misturar com as cores da fantasia e os conquistadores vão se mover e
evoluir entre a devoção e o utilitarismo, a religião e a ambição. Na origem
desta oscilação, Sérgio Buarque aponta a sobrevivência arcaica da herança
da Idade Média nas raízes da geografia fantástica da Renascença. Como foi
assinalado por Maria Silvia de Carvalho Franco,18 ao aliar o pensamento de
Sérgio Buarque de Holanda – que ela qualifica de idealista – ao programa
romântico, em Visão do Paraíso “não há fissura entre os ícones teleológicos
e o imaginário aventureiro movido pela cobiça devota”.19 Segundo ela, a
perspectiva idealista de Sérgio Buarque privilegiou o maravilhoso e rebaixou
o racionalismo, o pragmatismo, o conhecimento e o progresso técnico dos
portugueses, postos ao serviço das suas conquistas além-mar.

16. Estudiosos já assinalaram que Sérgio Buarque de Holanda optou por procurar na “velha
retórica” a tópica que tomou como princípio heurístico nos seus procedimentos metódicos
aplicados às fontes literárias, inspirando-se na obra de Ernst Curtius, Europäische Literatur
und Lateinisches Mittelalter, de 1948, que era traduzida no Brasil desde 1957. Uma análise
interessante e erudita sobre o uso pelo autor da tópica de Curtius, no entendimento histórico,
foi feita por: LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso. Revista USP,
São Paulo, n. 53, p. 42-53, mar./maio. 2002.
17. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 315.
18. CARVALHO FRANCO, Maria Sílvia. A terra encantada. In: O Paraíso redescoberto de
Sérgio Buarque de Holanda. Caderno Mais. Folha de São Paulo – SP, 23 jun. 2002, p. 12-15.
19. CARVALHO FRANCO, Maria Sílvia. A terra encantada. In: O Paraíso redescoberto
de Sérgio Buarque de Holanda. Caderno Mais. Folha de São Paulo – SP, 23 jun. 2002, p. 12.

56
Subjacente à análise das miragens paradisíacas está a intenção do
autor de comparar as políticas de colonização portuguesa e espanhola. Ele
defende a ideia de que o gosto pelo maravilhoso tocou os portugueses e os
espanhóis de maneira diferente. Estes últimos, inspirados pelas narrativas
de piedade e pelas histórias devotas, bem como pelo ideal de cavalheirismo
da Idade Média, mantiveram uma sensibilidade muito forte ao milagroso, ao
mistério e ao exotismo e acolheram o imaginário fabuloso que alimentava
um mundo lendário nascido da conquista castelhana. Neste mundo, as
visões do Paraíso, exploradas no livro, seriam ornamentadas com novos
atributos. O fabuloso castelhano que se desenvolve após a descoberta será
reforçado pelo prestígio do “reino mágico de todos os esplendores”, tesouros
e riquezas: o Peru, cuja descoberta confirmou a lenda, irá enriquecer as
visões do Paraíso com novos motivos. Mas este mundo mágico e sacralizado
perdeu, segundo o autor, a sua cor e o seu brilho quando entrou nas terras
lusitanas em razão do pragmatismo e realismo dos portugueses.20 Em sua
opinião, a formação dos mitos da conquista e a elaboração do fantástico e
do maravilhoso que dela resultou foram obra dos espanhóis e a participação
portuguesa foi mínima. Assim, já no início do livro, o autor assinala uma
divisão: os lusos, nas suas conquistas ultramarinas, situavam-se do lado da
experiência e os hispânicos da fantasia. No entanto, como veremos, isso
não significa que os portugueses não tenham se sensibilizado pela atração
do fantástico e não tenham se rendido perante o fabuloso, nem que não
tenham sido seduzidos pela promessa do milagre. Mas as repercussões de
toda essa mitologia no estilo da política ibérica de colonização21 ultrapassam

20. A postura mais secularizada, mais mundana e, em certo sentido, indiferente aos prodígios
do português se explica, segundo Sérgio Buarque, por um lado, pelo fato deste povo estar
bastante habituado às conquistas dos territórios e dos povos estrangeiros, a exemplo do
Oriente e da África, onde ainda estavam bastante presentes. Por outro lado, pelo fatalismo
religioso dos lusitanos que os fazia aceitar o mundo tal como se apresentava. Sérgio Buarque
destaca o contraste entre o idealismo e a fantasia da Renascença e o “realismo pedestre” do
português, característico da arte da Idade Média. Observa igualmente a impregnação da
tradição aristotélica e da escolástica da Idade Média na adesão do português à experiência
direta e imediata do mundo.
21. A exemplo da centralização administrativa portuguesa e do caráter disperso, fragmentado
e linear, mais preocupado, segundo o autor, com o armazenamento do que com a coloniza-
ção, que caracteriza as atividades dos portugueses ultramarinos face à concepção imperial
e civilizadora do espanhol. Em seu ensaio Raízes do Brasil, Sérgio Buarque mostrou como
essas diferenças vão se inscrever, por exemplo, nas cidades coloniais: planejadas e simétricas

57
o objetivo deste capítulo. Quanto ao que nos interessa aqui, é a própria
presença de um imaginário do paraíso difundido na América com este
repertório simbólico que devemos lembrar. E, acima de tudo, este imaginário
posto em circulação e estruturado em torno de motivos edênicos se tornará,
em nossa opinião, um habitat em que um pensamento mestiço encontrará
abrigo. Após atravessar o oceano, penetrará no sertão, trazendo uma miríade
de sinais, figuras, motivos, herdeiros de uma hermenêutica fundamentada
nas tradições cristã e greco-latina.
Segundo Sérgio Buarque, Cristóvão Colombo, certo de ter chegado ao
Paraíso terrestre, em “outro mundo”, como escreve em suas cartas aos Reis
Católicos da Espanha, retomará em sua fantasia edênica, a tópica das visões
do Paraíso, tal como era difundida nos textos eruditos, especialmente os da
Idade Média, mas também nos textos dos poetas clássicos e historiadores da
Antiguidade, muito antes das viagens de descobrimento. A atração e a força da
própria ideia do Paraíso terrestre na Idade Média e na época das descobertas
marítimas, recorda-nos Sérgio Buarque, já eram tributárias de uma mistura, de
uma convergência entre a tradição cristã, apoiada pelo Gênesis, e a tradição do
paganismo, tal como formulada nos textos clássicos de Ovídio, Plínio, Virgílio.
Ambas as tradições não só conservaram e compartilharam os estereótipos
de um mundo sublime e delicioso, associado a riquezas extraordinárias, mas
em contrapartida, segundo o autor, preservaram a crença de que o Paraíso
pertencia, se não ao passado, pelo menos ao futuro. O que aproxima o
sujeito paradisíaco do sujeito do Paraíso perdido e da esperança eterna de
um encontro. Este conjunto irá alimentar as fantasias coletivas guardadas
na memória e a utopia de um “outro mundo”, como dizia Colombo. Na
verdade, o que o autor nos mostra é um imaginário edênico que, antes de
chegar à América, manteve os traços de diferentes tradições e já havia sido
objeto de um intercâmbio cultural, o que lhe permitiu implodir os limites
temporais e espaciais do mito do Paraíso. Assim, em nossa opinião, o mar
é para o autor uma espécie de ponto de ligação fronteiriça entre o passado
e o futuro, entre o antigo mundo do primeiro Paraíso e o Novo Mundo,

nas possessões espanholas; dispersas, como as estrelas no céu, no espaço português. Ver:
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Coleção “Documentos Brasileiros” (v. 1).
25ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p. 82.

58
encontro do segundo Paraíso. É o mar, que como os caminhos que levam
ao sertão em Caminhos e fronteiras, vai tornar possível o recurso à noção de
intercurso cultural que preside a análise de Sérgio Buarque de Holanda, para
quem a fronteira é usada como artifício metafórico, lugar da mobilidade.
Portanto também em Visão do Paraíso a fronteira é uma espécie de “entre
lugar”,22 espaço privilegiado das elaborações da cultura, no qual se afirmam
os princípios da “diferença cultural”, do hibridismo, do rearranjo das formas
e dos motivos, da ressignificação dos sentidos em oposição à noção das
culturas, como unidades totalizantes, fechadas, separadas entres si, e que
aparecem referidas a uma identidade coletiva única, estável e homogênea.
Assim, às descrições de Colombo sobre o Novo Mundo serão
acrescentadas várias outras, as dos marinheiros, geógrafos, viajantes,
missionários, entre outros, que serão enriquecidas por vários elementos
fantásticos. Nestas descrições, fala-se da beleza da natureza, da vegetação, do
clima ameno, da abundância das frutas, do perfume das flores, das criaturas
fantásticas, da fauna antropomórfica, das fontes de juventude com água
milagrosa e regeneradora, das mulheres guerreiras, as amazonas, das ilhas
fêmeas, dos rios com quatro bocas, que, como no Gênesis, saíam do Paraíso,
e do Eldorado, com seus tesouros e riquezas auríferas.
Sérgio Buarque mostra que, no Brasil, o contato frequente entre os
portugueses e os índios irá “reanimar alguns dos motivos edênicos trazidos da
Europa e que tanto vicejaram em outras partes do Novo Mundo”23 por causa
da existência, entre os índios, de miragens paradisíacas. Mesmo considerando,
como o autor aponta, que os arquétipos edênicos guiaram a tradução do
discurso dos índios pelos conquistadores europeus, não podemos esquecer

22. Esta noção da fronteira como um entre-lugar foi instrumentalizada por BHABHA,
Homi. Os locais da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, estudo já clássico sobre
as formas culturais em sociedades coloniais e pós-coloniais. A análise de Sérgio Buarque
de Holanda na perspectiva analítica adotada tanto em Caminhos e fronteiras quanto em
Visão do Paraíso opera avant la lettre com elementos que parecem saídos dessa noção, ainda
que em outra fatura teórica e histórica. No caso de Caminhos e fronteiras ver: DUTRA,
Eliana de Freitas. Sérgio Buarque de Holanda viajante: o lugar da cultura em Caminhos e
fronteiras. In: PAIVA, Eduardo França; ANASTASIA, Carla Maria Junho (org.). O trabalho
mestiço: maneiras de pensar e formas de viver – séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume/
PPGH-UFMG, 2002.
23. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 35.

59
que, para que os mitos edênicos pudessem prosperar, a presença de uma
fabulosa geografia indígena desempenhava um papel que não podemos
desprezar. É o caso da ideia de uma terra misteriosa, onde nunca se morria –
por causa das migrações dos índios Tupinambás – e das montanhas brilhantes,
contendo metais e cristais preciosos em regiões chamadas pelos indígenas de
“sol da terra”, símbolo recuperado por Sérgio Buarque. Esta segunda visão,
mais que a primeira, é que teria seduzido os pragmáticos portugueses. A
imagem desta montanha deslumbrante se multiplicará em outras réplicas
seguindo o exemplo da montanha de esmeralda e da montanha de prata.
Isto reflete o desejo português de encontrar minas no Brasil semelhantes às
minas do Peru que os membros das forças expedicionárias e os bandeirantes
– aqueles que, no século XVII, adentravam o interior do país em busca de
ouro e outras riquezas minerais – acreditavam não estar longe da costa do
Brasil. A alegoria da própria serra brilhante se fundirá com a alegoria do
Lago Dourado, ou Grande Lago, que guardava tesouros e que os indígenas
apelidarão de Boca do Mar.
A extensão dessa mitologia dos tesouros escondidos no fundo do
deserto, dos rios de pedras preciosas, dos lagos fantásticos de onde provinha
a água do Amazonas, vai, segundo Sérgio Buarque, enriquecer a geografia
mítica dos sertões nos ocidentais. Um rio chamado São Francisco, que
atravessa o centro do Brasil, será reconhecido como a fonte do Eldorado. O
estabelecimento de um paralelo entre, por um lado, o rio São Francisco e o
rio Prata – que corria através das terras do domínio espanhol – e, por outro,
o Nilo e o Giom, tomando como base as antigas interpretações do Novo e
do Antigo Testamento que mencionam quatro rios nascidos no Jardim do
Éden, vai reforçar a geografia edênica. Assim, os motivos paradisíacos do
mito do Eldorado, de origem espanhola, também são reafirmados entre os
portugueses. Neste caso, explica o autor, devido à predominância de uma
mentalidade acostumada a um pensamento por analogia, em que a natureza
era lida como um livro escrito por Deus, esta, como a Bíblia, tinha alguns
significados ocultos. O uso da linguagem analógica ajudará a migração dos
motivos edênicos para o Novo Mundo e, também, explica o fato de que
os grandes mitos da conquista desse espaço, nascidos fora da fronteira do
Brasil, serão acolhidos nas terras lusitanas da América.

60
A leitura da terra nova a partir dos motivos edênicos permitiu, segundo
Sérgio Buarque, a exaltação da vida primitiva e as associações com o cenário
bíblico das origens tal como encontrada na utopia indígena que associa os
corpos nus dos índios à inocência dos habitantes das “primeiras idades”, que
viam na vegetação constante das folhas e das árvores tropicais a promessa da
primavera eterna. Entre os animais que fazem parte do universo simbólico
da descoberta, a jiboia, uma espécie de cobra grande encontrada nas florestas
tropicais, seria muito facilmente associada à serpente do jardim do Paraíso.
Em meio às representações alegóricas que vão prosperar na América, Sérgio
Buarque observa que, no cortejo dos milagres e das maravilhas que ilustram a
conquista, o papagaio despertará a imaginação dos espanhóis e portugueses e
ocupará um lugar especial no cenário edênico do Novo Mundo. Este pássaro,
ele nos lembra, é aquele que, nos textos consagrados, habitava o Jardim do
Éden nas margens de seus rios sagrados. Sua palavra seria um vestígio de
sua condição anterior, a do anjo, que por causa do pecado se tornou, após
a queda, um pássaro que manteve a palavra, atributo de todos os animais
no começo do mundo. Sua presença no cenário edênico, a beleza e a cor de
suas penas, sua inclusão no meio das maravilhas indígenas, sua associação
ao sublime, tudo isso deu a este pássaro uma reputação que só o prestígio
do beija-flor pode igualar, pois, independentemente de sua beleza, o beija-
flor, na América, será objeto de uma mistura de elaborações imaginárias.
Segundo o autor, será tomado pelos espanhóis como “uma réplica americana
da fabulosa ‘fênix’”24 devido à lenda que conta que o beija-flor morre ou dorme
no mês de outubro e depois ressuscita ou acorda após um longo sono, no
momento em que eclodem as flores, no mês de abril. Esta associação – apesar
dos meses mencionados não coincidirem com as estações do hemisfério Sul
– também será muito difundida no Brasil e vai se misturar com uma outra
lenda que os índios vão transmitir aos portugueses: a da metamorfose das
borboletas em beija-flor. Todas essas misturas de motivos, tão reveladoras
da miscigenação cultural, são muito significativas de uma mestiçagem entre
motivos sagrados e profanos cuja explicação deve ser investigada seja na

24. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 220.

61
origem dos motivos que a compõem, seja na mistura do plano das ideias
com o plano prático da ocupação e colonização do território. Imaginação
exacerbada, devoção piedosa, religião, combinavam-se e associavam-se à
ambição, ornadas como estavam, destaca o autor, com a cor da fantasia.
Assim, a reputação do papagaio e do beija-flor os tornou extraordinariamente
procurados, o que, desde o início da colonização, contribuiu para o declínio
destas espécies animais. A utopia indígena, por outro lado, não impedia
que os índios fossem tratados como escravos. Como contraponto de uma
visão simbólica e sacralizada da natureza, da ganância e da busca por metais
preciosos, a loucura que impulsionou a busca de gemas, como as esmeraldas,
encontrou seu lugar em um misticismo simbólico de acordo com a linguagem
metafórica das Escrituras e outros textos da tradição clássica que enalteciam
as virtudes e propriedades maravilhosas das pedras e as vantagens de possuí-
las, os quais não escaparam ao autor.
A sacralização da natureza é um aspecto central da análise de Sérgio
Buarque em Visão do Paraíso e é o que leva a afirmar que os portugueses e
espanhóis, apesar de seu interesse pela fauna e pela flora do Novo Mundo,
valorizavam mais os aspectos esplêndidos da natureza do que sua ordem
natural, o que os levou a cultivar um estilo caracterizado por “um modo
aparente de ver a natureza, que consiste antes em ver através e apesar da
natureza”.25 Essa postura, entre os lusitanos, estava de acordo com antigas
tradições, como a dos missionários jesuítas luso-brasileiros e do famoso
padre Antônio Vieira. Este, explica Sérgio Buarque, tinha um estilo de
pensamento e uma maneira de pregar centrados na “interpretação simbólica
das realidades aparentes”.26 Essa postura marcará as narrativas que tomam
a fauna e a flora do Novo Mundo como tema. As flores e frutas, assim
como os animais, vão suscitar mais do que admiração por suas qualidades
e beleza. Desafiarão, sobretudo, é que nos mostra o autor, a imaginação dos
conquistadores orientada para o mistério divino que os habita, pois para
eles, a natureza é um mundo mágico cercado por uma auréola religiosa que

25. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 230.
26. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 230.

62
guiará a leitura dos significados místicos de seus elementos. O gosto por
emblemas e a atração por enigmas e hieróglifos, característicos da prática
da interpretação simbólica da realidade, podem ser observados, nos lembra
Sérgio Buarque, nos textos dos cronistas quando falam das flores e frutos
do novo continente. É o caso da Flor-da-paixão e da Granadilla da Nova
Espanha, que ganharam grande reputação entre os espanhóis, muito embora,
segundo o autor, acreditavam levar “as insígnias dos padecimentos do Senhor:
cravos, coluna, açoites, coroa de espinhos e chagas”.27
No Brasil, o misticismo simbólico destas flores e seus frutos, chamados
de maçã edênica, tal como Sérgio Buarque assinala, vai se difundir em
um ritmo mais lento do que na América espanhola, de onde se originou
– e adquirir um certo prestígio. No entanto, o maracujá e sua flor serão
destronados pelo abacaxi que se tornará o rei das frutas brasileiras. Com
seu cheiro, sabor e a insígnia real de suas folhas, este fruto foi associado ao
rosário, que guarda o mistério da redenção da humanidade. Referindo-se
a um tratado impresso em 1702 e intitulado Frutas do Brasil, escrito pelo
Irmão Antônio do Rosário, Sérgio Buarque afirma que o autor desta obra
não procurava realmente conhecê-las, mas “o que a simples aparência delas
pudesse dissimular: seus secretos significados e seu hieróglifo misterioso”.28
Mais uma vez, podemos notar que o pensamento analógico é o que
autoriza e limita o pensamento mítico, comprovando a afirmação de Sérgio
Buarque de que o realismo português era tributário de sua credulidade e que
o naturalismo estava contaminado por um idealismo que, em nossa opinião,
fazia do cosmos um grande poema. Mas nestes realismo e naturalismo, o
sobrenatural manteve seu lugar e seus direitos, ainda que as visões e promessas
milagrosas não tivessem a mesma força e importância na atividade colonial
portuguesa como nas novas terras da Espanha, dado seu papel na conquista
do território e na ocupação do sertão.
Uma certa atenuação dos motivos edênicos pelos portugueses, a
abundância da produção de mitos de conquista pelos espanhóis e o movimento

27. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 235.
28. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 243.

63
contínuo dos motivos edênicos da América espanhola em direção às terras
brasileiras não teriam impedido, de forma alguma, a difusão portuguesa
de um mito luso-brasileiro: o mito de São Tomé. Podemos ver ali, como o
autor nos aponta, um mito exemplar da miscigenação das tradições cristãs e
crenças indígenas com os habitantes primitivos da terra. Nascido na tradição
cristã do Oriente e importado para o Brasil pelos portugueses, esse mito é,
de fato, a expressão, segundo o autor, do outro lado de uma ideia migratória
que vai se mover entre o Oriente e o Novo Mundo. Contrariamente aos
outros mitos da conquista, este, uma vez na América, passará do Brasil para
o Paraguai, Peru e Prata. Missionário na Ásia, figura lendária, objeto de um
culto religioso, São Tomé teria deixado vestígios de seus passos em vários
lugares do Oriente, bem como no Novo Mundo. Apóstolo dos gentios, São
Tomé será conhecido no Brasil e no Paraguai, pertencerá aos nativos da
terra, os índios, como Sumé e Pay Tumé no Peru. Traços de suas passagens
podem ser encontrados na Bahia; segundo um cronista jesuíta,29 citado
por Sérgio Buarque, os índios contavam que, fugindo de suas flechas, ele
havia chegado a um rio; a água havia se aberto, permitindo a São Tomé
caminhar em terra firme até a outra margem, de onde ele havia partido para
a Índia. Entre seus milagres na Bahia está a menção a uma fonte de água
milagrosa, nascida da pegada de seu pé sobre a rocha, que curava todas as
doenças. A narrativa dos índios e as crônicas dos missionários e viajantes,
aponta o autor, concordam sobre este ponto: o simples toque dos vestígios
do pé de São Tomé era suficiente para curar várias doenças. Do Peru teria
partido a lenda que diz que os índios, tentados pelo demônio, amarraram
e espancaram Pay Tumé. Mas este, libertado pelos pássaros, estendeu seu
casaco no lago vizinho e viajou assim. É por isso que todas as flores e plantas
que crescem ao redor do lago guardam um poder curativo e são usadas para
curar os doentes. Aqui, Sérgio Buarque nos confronta com a transposição
de crenças e a persistência de motivos culturais a redesenhar as fronteiras
e o mapa da conquista.

29. A referência em destaque é a Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil,


atribuída a Simões de Vasconcelos, citada em HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do
Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1992, p. 113.

64
À lenda de seus poderes taumatúrgicos e suas curas prodigiosas, os índios
ainda acrescentaram seus ensinamentos úteis para o cultivo da mandioca
e o uso do chá mate, assim como sua reputação de engenheiro, retomando
os termos de Sérgio Buarque inspirado nas lendas que contam que Sumé
abriu estradas, caminhos, como o que ligava o Brasil ao Paraguai. Segundo
o autor, a passagem de São Tomé, ou Sumé dos índios, trazia, de um país
para outro, metamorfoses do mito. Se no Brasil São Tomé anda descalço,
no Paraguai usa sandálias, no Peru sapatos que parecem sandálias com
três solas. Ainda no Peru, a lenda contava que São Tomé havia punido os
índios várias vezes por causa de suas emboscadas e tirania que atrasavam o
amadurecimento da mandioca. Sérgio Buarque não esquece de nos lembrar
da ajuda que este mito proporcionará para o desenvolvimento do trabalho
missionário no Novo Mundo. É certo que a identificação do apóstolo das
Índias com o que o autor chama de um herói mítico ancestral dos índios pôde
favorecer o trabalho dos missionários, assim como as muitas trocas entre
os nativos e os conquistadores.
O que o autor nos mostra neste livro de grande complexidade é que os
motivos edênicos que os ibéricos trouxeram ao Brasil e os mitos dos nativos
da terra americana desempenharam, a seu modo, um papel de “passeurs
culturelles”30 em mão dupla, tornando possível os intercursos humanos
propiciando deslocamentos culturais de um lugar para outro. Não por acaso
as circulações e trocas culturais, a miscigenação das tradições, crenças e mitos,
a metamorfose dos símbolos, o reconhecimento dos motivos nascidos do
contato do colonizador com os índios chamou a atenção de Sérgio Buarque
de Holanda. No entanto, além das maravilhas paradisíacas do Novo Mundo,
ele também será atraído pela invenção de estratégias de sobrevivência na
floresta, pela formação dos hábitos, pelos procedimentos técnicos e práticas
diárias exigidas pela difícil aventura de ocupar uma terra estranha e perigosa.

30. Entendidos aqui como agentes, elementos capazes de fazer a transição entre culturas,
seja no tempo ou no espaço. Ver: GRUZINSKI, Serge. La colonisation des langages. In:
GRUZINSKI, Serge; WACHTEL, Nathan (org.) Le Nouveau Monde Mondes Nouveaux;
l’expérience américaine. Paris: Éditions Recherche sur les Civilisations / Éditions de l’École
des Hautes Études en Sciences Sociales, 1996; QUEIJA, Berta Ares; GRUZINSKI, Serge (org.)
Entre dos mundos; fronteras culturales y agentes mediadores. Sevilla: Escuela de Estudios
Hispano-Americanos de Sevilla, 1997.

65
Também é atraído pelo movimento dos homens, pelos caminhos que seguem
e por seus encontros nas diferentes fronteiras. O resultado desta atração está
no cerne do livro Caminhos e fronteiras, o qual precede Visão do Paraíso.
Diante do que foi exposto até agora, acreditamos poder afirmar que
nas relações culturais pensadas a partir do espaço da fronteira tanto em
Caminhos e fronteiras quanto em Visão do Paraíso, onde a fronteira se torna
um limiar, um espaço ambivalente e contraditório, heterogêneo e plural,
aberto e em expansão, por fim híbrido, se, por um lado, vemos a implosão
de divisões binárias como aquelas que existem entre tradição e modernidade,
primitivos e civilizados, atraso e progresso, passado e presente, por outro
lado, descobrimos os impasses e limites da noção de identidade, seja ela a
identidade das culturas ou a identidade das nações. Este é o ponto central
da nossa reflexão que buscou lidar com as duas chaves retóricas que, em
nossa opinião, permitiram a Sérgio Buarque de Holanda falar dos espaços de
encontro privilegiados entre povos e culturas: o mar e o sertão. Ambos, aliás,
elementos de uma antiga profecia milenarista ainda viva entre os brasileiros
que diz: o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão... como que a sugerir a
promessa de que o espetáculo dos contatos humanos deixe de ser poroso às
intolerâncias decorrentes das diferenças de tradição, cultura, religião e raça.

66
CAPÍTULO 3

A construção de uma História Comparada das


Américas em Visão do Paraíso e a atuação
institucional de Sérgio Buarque de Holanda1

Renato Martins (USP)

Apesar de completar seis décadas de existência e representar um


verdadeiro paradigma para a historiografia brasileira, o livro Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil segue pouco
estudado. Talvez porque as investigações sobre Sérgio Buarque de Holanda
(1902-1982) sigam reforçando de forma predominante a inquirição sobre
Raízes do Brasil, a mais famosa, lembrada e debatida reflexão do autor. Os
avanços nesse caso foram significativos, de modo que é possível falar de
algumas matrizes interpretativas do impresso de 1936, estabelecidas desde
a década de 1960: a matriz sociológica, que valoriza fundamentalmente a
crítica das raízes ibéricas e a inspiração weberiana presente no livro; a matriz
identitária ou historicista, atenta às relações de mudança e permanência
históricas em Raízes do Brasil; e, enfim, a matriz da integração, que assinala

1. A versão mais detalhada do conteúdo e do argumento do presente capítulo se encontra


em MARTINS, Renato. Tradição, modernidade e história das Américas em Visão do Paraíso
(1946-1969). Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São Paulo – USP, São
Paulo, 2017.

67
os contrastes na publicação (sobretudo sociais e identitários) sem dar
privilégio a nenhum deles.2 Além disso, a fortuna crítica de Raízes do Brasil
tem investido numa espécie de revisionismo, ou pelo menos na relativização
ou historicização, do argumento e dos posicionamentos do autor em torno das
condicionantes ibéricas na formação do Brasil ao longo das diferentes edições
do livro.3 Visão do Paraíso se origina da tese de concurso apresentada por
Sérgio Buarque à cadeira de História de Civilização Brasileira da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
em 12 de novembro de 1958. No ano seguinte foi publicada pela primeira
vez em formato comercial. Até hoje, quando contabiliza oito edições, os
poucos estudos especializados sobre Visão do Paraíso não culminaram em
matrizes interpretativas do livro. Mas parecem concordar com o fato de que
uma das tópicas mais importantes do pensamento de Sérgio Buarque, isto é,
a investigação comparada das Américas, pode ser considerada um aspecto
fundamental de suas páginas.
É o caso de uma das modalidades de investigação a respeito, que
corresponde a apresentações (prefácios, posfácios etc.) e artigos publicados
em revistas especializadas ou na imprensa periódica desde os anos 1990 até
hoje. Entre os quais, Sérgio Buarque de Holanda, historiador das representações
mentais (1998), de Ronaldo Vainfas; e Sérgio Buarque de Holanda: Visão do
Paraíso (2002), de Luiz Costa Lima.4 Vainfas, ao atualizar um denominador

2. A riqueza e complexidade dessas matrizes são maiores do que as referências aqui men-
cionadas. Foram bem explicadas no primeiro capítulo de EUGÊNIO, João Kennedy. Ritmo
espontâneo: organicismo em Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Teresina:
EdUFPI, 2011.
3. Ver, entre outros, WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque
de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 26, n.
76, p. 39-62, jun. 2011; MONTEIRO, Pedro Meira; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Introdução –
Uma edição crítica de Raízes do Brasil: o historiador lê a si mesmo. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de. Raízes do Brasil. Edição crítica (organização: Pedro Meira Monteiro, Lilia
Moritz Schwarcz; estabelecimento de texto e notas: Mauricio Acuña, Marcelo Diego). São
Paulo: Companhia das Letras, 2016; Dossiê: Sérgio Buarque de Holanda: 80 anos de Raízes
do Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 36, n. 73, jul./dez. 2016. Para uma
síntese desse investimento, ver a resenha de: CARVALHO, Raphael Guilherme de. Raízes
do Brasil, edição crítica: uma virada na memória da obra. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, São Paulo, v. 34, n. 100, p. 1-6, nov. 2018.
4. VAINFAS, Ronaldo. Sérgio Buarque de Holanda: historiador das representações mentais.
In: MONTEIRO, Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio Buarque de Holanda:
perspectivas. Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro EdUERJ, 2008 [originalmente

68
comum da crítica de Sérgio Buarque, isto é, que a comparação das Américas
é uma tópica que, além de concentrada em Raízes do Brasil, acompanha
a totalidade da reflexão do autor, salienta que, em Visão do Paraíso, ela
atinge “abrangência máxima e plasticidade plena”. Particularmente de dois
modos: no tempo, cotejando a mitologia do imaginário edênico veiculado
na América; e no espaço, alicerçado no cotejo sistemático entre Brasil e
América hispânica.5 Costa Lima, por sua vez, atribui tanto a problemática da
comparação como o livro como um todo a uma singularidade metodológica
“que o funda”. Exatamente isso que, não obstante o “tripé” que forma junto
com Raízes do Brasil e Do Império à República, o diferenciaria das demais
reflexões de Sérgio Buarque.6
Outra modalidade consiste nas pesquisas de pós-graduação (dissertações
de mestrado e teses de doutorado). Parcial ou integralmente dedicadas a
Visão do Paraíso, algumas delas têm o mérito de associar a comparação das
Américas às relações entre tradição e modernidade. A começar pelo livro A
conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda (2000),
de Robert Wegner, fruto de sua tese de doutorado, centrado nos textos de
Sérgio Buarque acerca da conquista do Oeste, mas sem esquecer de Visão
do Paraíso.7 Wegner inaugura a interpretação da colonização portuguesa
na publicação como uma modernidade weberiana, isto é, que instaura a
racionalidade capitalista; sem dúvida uma senda aberta à Natureza e artifício:
Sérgio Buarque de Holanda e as formae mentis portuguesa e espanhola na
conquista e colonização do Novo Mundo, dissertação de Luiza Larangeira da

publicado como VAINFAS, Ronaldo. Sérgio Buarque de Holanda, historiador das represen-
tações mentais. In: CANDIDO, Antonio (org.). Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998]; e LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda:
Visão do Paraíso. In: MONTEIRO, Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio
Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro: EdUERJ,
2008 [originalmente publicado como LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão
do Paraíso. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 42-53, mar./maio. 2002].
5. VAINFAS, Ronaldo. Sérgio Buarque de Holanda: historiador das representações mentais.
In: MONTEIRO, Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio Buarque de Holanda:
perspectivas. Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008, p. 552.
6. LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso. In: MONTEIRO,
Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas.
Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008, p. 521-522.
7. WEGNER, Robert. A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

69
Silva Mello, cujo escopo é que as formae mentis dos colonizadores portugueses
e espanhóis se relacionam aos elementos arcaicos e modernos que marcaram
diferentes tipos de racionalidade renascentista.8
O livro Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio Buarque
de Holanda nos anos 1950, de Thiago Lima Nicodemo, enfim, inaugura
uma renovada compreensão de modernidade na obra que pouco deve
a Max Weber: a forma mentis renascentista dos portugueses, no caso, é
portadora de um arcaísmo de matriz medieval, uma vez que estes, durante
o processo de colonização do Brasil, guiaram-se mais por um empirismo
do que propriamente a busca de um paraíso mítico, processo intitulado por
Sérgio Buarque de Holanda de “realismo pedestre”. Ocorre que o apego à
empiria tem suas bases no tradicionalismo da Idade Média e não no mundo
social desencantado da racionalização moderna.9 Além disso, Urdidura do
vivido renova ou mesmo inaugura uma metodologia de estudo de Visão do
Paraíso ao superar a empobrecedora disjuntiva entre uma leitura interna
e externa do impresso de 1959 por meio de uma análise da especificidade
da modernidade portuguesa tanto no texto como em uma circunstância
específica de sua produção institucional: a defesa da tese homônima, realizada
em 1958, para a cadeira de História da Civilização Brasileira da FFCL-USP,
da qual, como vimos, se origina o livro.10

8. MELLO, Luiza Larangeira da Silva. Natureza e Artifício: Sérgio Buarque de Holanda


e as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2005.
9. NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio
Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008.
10. Sobre a definição de análise “interna” e “externa” é bom lembrar a de Heloísa Pontes,
para quem a primeira pode ser pensada como “uma análise interna das obras e dos produtos
culturais, os quais têm sua inteligibilidade assegurada no sistema interno de sua produção”;
a seguinte recai “nas condições sociais de produção das obras”. PONTES, Heloísa. Círculos
de intelectuais e experiência social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12,
n. 34, p. 57-69, jan./jun. 1997. François Dosse salienta que a tentativa de superação dessa
disjuntiva faz parte da própria consolidação da história intelectual: DOSSE, François. La
marcha de las ideas: historia de los intelectuales, historia intelectual. Valencia: Universitat
de València, 2007, p. 14. Maria Arminda do Nascimento Arruda tem razão ao afirmar que
“em sentido estrito, nenhuma reflexão pode estar infensa ao desafio de enfrentar, simul-
taneamente, a singularidade da produção cultural e os condicionamentos de vária ordem,
devendo romper, portanto, a conhecida disjuntiva entre análise interna ou externa, crítica
imanente ou transcendente, pois se traduzem em falso problema”. ARRUDA, Maria Arminda

70
Mas a própria literatura sobre Visão do Paraíso, ao mesmo tempo,
chama atenção para a ausência de estudos sobre a comparação das Américas
no livro. Sobretudo, dois pontos: a complexidade da explicação relativa
à modernidade portuguesa,11 bem como aqueles “tons diferenciados” do
imaginário luso-brasileiro e hispânico no conjunto na obra.12 De modo que,
se por um lado a comparação das Américas é uma tópica do pensamento
buarqueano, bastante adensada, ademais, por Raízes do Brasil, por outro,
pouco se sabe, concretamente, o sentido e o lugar que lhe são reservados no
impresso de 1959. O problema central da minha tese, que busca averiguar as
relações entre tradição e modernidade no estudo comparado dos imaginários
português e espanhol sobre o mito do paraíso terrestre da América em Visão
do Paraíso, portanto, buscou preencher a lacuna.13
Minha tese salienta que foram os colonizadores espanhóis, e não os
portugueses, os grandes autores, no livro, de uma concepção de modernidade
cujo imaginário mitológico, pautado na procura desvairada do Paraíso
terrestre, é sua expressão mais importante. Uma concepção sobretudo mística
de modernidade, ou seja, contrária à lógica. E que contrasta forte, embora
não totalmente, com o realismo pedestre dos portugueses, corporificado na
ideia de lógica medieval que os levam a desacreditar no mito. A hipótese do
trabalho é que a comparação das Américas na publicação, nos termos aqui
tratados, corresponde ao objetivo central do livro. E que esse argumento
tem a sua cota de ocasião, uma vez que a sua fabricação se encontra tanto
mais ligada às circunstâncias do concurso para a cadeira de História da
Civilização Brasileira da FFCL-USP e menos à trajetória intelectual do
autor como um todo.

do Nascimento. A moderna cultura latino-americana: interpretações e reconstrução. Revista


de Ciências Sociais - Política & Trabalho, João Pessoa, n. 39, p. 159-177, out. 2013, p. 161.
11. SOUZA, Laura de Mello e. Prefácio. In: NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido:
Visão do Paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008.
12. WEGNER, Robert. América, alegria dos homens: uma leitura de Visão do Paraíso e de
Wilderness and Paradise in Christian Thought. In: ROCHA, João Cezar de Castro; ARAÚJO,
Valdei Lopes de (org.). Nenhum Brasil existe: pequena enciclopédia. Rio de Janeiro: Topbooks
/ EdUERJ / UniverCidade Editora, 2003, p. 375.
13. MARTINS, Renato. Tradição, modernidade e história das Américas em Visão do Paraíso
(1946-1969). Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São Paulo –USP, São
Paulo, 2017.

71
É preciso frisar que a ocasião do argumento, no caso, não significa que a
própria obra Visão do Paraíso seja um “livro de ocasião”, embora algumas das
suas circunstâncias de produção o sejam; não significa que o argumento em
pauta e, sobretudo, esse estudo, deixem de preservar relações estreitas com
a trajetória intelectual de Sérgio Buarque de Holanda. Significa enfim que
o objetivo de Visão do Paraíso, ou se preferirmos o seu objeto – a intricada
combinação entre comparação das Américas e a ótica peculiar do imaginário
paradisíaco da Época Moderna –, foi produzido, de forma significativa, para
a ocorrência da defesa da tese homônima. E não como “consequência” e
“continuação” de uma ‘tópica’ do pensamento buarqueano. Laura de Mello e
Souza se intriga com o que ela denomina de “novidade do recorte e do objeto”
de Visão do Paraíso: “a projeção de um mito antiquíssimo, ‘venerando’, como
diz o autor, na história [...]. Esse mito era o do Paraíso terrestre, gestado,
através dos tempos [...] até impregnar o imaginário [...] dos navegadores
ibéricos à época dos descobrimentos”.14 Essa novidade é exclusiva de Visão
do Paraíso e não perdura da mesma forma nas demais reflexões e atuações
do autor. Isto é: fora do livro ela não assume a abrangência e plasticidade
sublinhada por Vainfas e, principalmente, a singularidade metodológica que,
segundo Costa Lima, funda Visão do Paraíso.

Circunstâncias internas: a transformação da tese em livro


Na tese Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e
colonização do Brasil,15 o que vamos entendendo por objetivo central já está
presente enquanto proposição de uma tese de cátedra. Ou seja: é a tese que
confere às suas 382 páginas o estatuto de tese.16 Sem introdução e conclusão, o

14. SOUZA, Laura de Mello e. Posfácio. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 544.
15. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira) –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), 1958.
16. Não há estudos nem consenso sobre a forma de uma tese de cátedra apresentada para
concurso na FFCL-USP, entre 1934, ano de criação da Faculdade de Filosofia, e 1969, quando da
Reforma Universitária que extinguiu o regime de cátedras o substituindo por Departamentos.
A afirmação se baseia, além da legislação, sobretudo na comparação da tese Visão do
Paraíso com teses importantes defendidas nesta instituição e período. Principalmente a
partir de JÚNIOR, Alfredo Ellis. Meio século de bandeirismo (1590-1640). Tese de Cátedra

72
trabalho então apresentado é dividido em sete capítulos.17 “A experiência e a
fantasia”, primeiro deles, pode ser lido como introdução ao trabalho acadêmico.
Em termos metodológicos, é exemplo de uma prática historiográfica ocidental
que, aproximadamente entre 1850 e 1950, busca se desfazer das abordagens
nacionais ao admitir a viabilidade do estudo comparado da história.18 O
que se compara, no caso, não são nações e sim culturas, entendidas como
“estruturas de sentimento”.19 As referências intelectuais do capítulo transitam
desde Le problème de l’incroyance au XVIe siècle (1942), de Lucien Febvre, do
qual se aproveita a tese do historiador francês de que os homens do século
XVI desconheciam o “senso do impossível”, isto é, a noção de natural se
opondo a sobrenatural, para ilustrar uma renascença propriamente mística;20
até Classic Art (1924), de Heinrich Wölfflin, que fornece a Sérgio Buarque a
própria noção de “realismo pedestre” medieval (advinda da caracterização
do historiador suíço da arte da Idade Média segundo a qual os santos não
voam, portanto, não sonham).21

(Cadeira de História da Civilização Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras


(FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), 1939; FRANÇA, Eduardo d’Oliveira. Portugal
na época da Restauração. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Moderna e
Contemporânea) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de
São Paulo (USP), 1951; PAULA, Eurípedes Simões de. Marrocos e suas relações com a ibéria
na Antiguidade. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Antiga e Medieval)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1946. Sobre a relação de teses de cátedra defendidas na FFCL-USP, ver PAULA, Eurípedes
Simões de. Algumas considerações sobre a contribuição da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a historiografia brasileira. Revista de
História, São Paulo, v. 43, n. 88, p. 425-451, jul./dez. 1971; & PAULA, Maria Regina da Cunha
Rodrigues Simões de. Teses defendidas no departamento de História da Universidade de
São Paulo (1939-1974). Revista de História, São Paulo, v. 50, n. 100, p. 821-857, jul./dez. 1974.
17. I – A experiência e a fantasia; II – Terras incógnitas; III – Do Eldorado à Serra da Prata;
IV – O Paraíso perdido; V – Mundo Velho e Novo Mundo; VI – non ibi aestus; VII – América
Portuguesa e Índias de Castela.
18. Sobre a História Comparada, ver PRADO, Maria Lígia Coelho. Repensando a História
Comparada da América Latina. Revista de História, São Paulo, n. 153, p. 11-33, jul./dez. 2005;
e o primeiro capítulo de OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Americanos: representações da identidade
nacional no Brasil e nos EUA. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
19. Ver WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1969.
20. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira) –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), 1958, p. 8.
21. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira) –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), 1958, p. 4.

73
Ao caracterizar a comparação dos imaginários ibéricos, Sérgio Buarque
recorre, contudo, a uma crítica à concepção de Renascimento da historiografia
portuguesa moderna segundo a qual os Descobrimentos são o fato social
total do Renascimento ao prefigurarem uma moderna nação luso-brasileira.22
A crítica é especialmente dirigida a um de seus principais expoentes, o
historiador Jaime Zuzarte Cortesão. E remonta a uma polêmica travada entre
os dois historiadores em 1952 pelas páginas da imprensa periódica brasileira
em torno de uma das principais contendas geopolíticas ibéricas dos séculos
XVI e XVII: o impacto da Ilha Brasil no imaginário dos colonizadores
portugueses.23 Segundo “A experiência e a fantasia”,
Sabe-se como o fato de numerosos mapas quinhentistas e seiscentistas
mostrarem as águas do Amazonas e as do Prata unidas no nascedouro,
através de uma grande lagoa central, levou o historiador Jaime Cortesão a
sugerir ultimamente a ideia de uma “Ilha Brasil”, que teria sido concebida

22. Sobre a historiografia portuguesa moderna, ver TORGAL, Luís Reis, MENDES, José
Maria Amado; CARTOGA, Fernando. História da história em Portugal: séculos XIX-XX.
Lisboa: Círculo de Leitores, 1996; ARRUDA, José Jobson de Andrade; TENGARRINHA, José
Manuel. Historiografia luso-brasileira contemporânea. Bauru: EDUSC, 1999; GODINHO,
Vitorino Magalhães. A historiografia portuguesa: orientações, problemas, perspectivas.
Revista de História, São Paulo, v. 10, n. 21/22, p. 3-21, jan./jun. 1955.
23. A Ilha Brasil é um mito presente na cartografia dos séculos XVI e XVII formulado
por índios e europeus durante o descobrimento da América, concomitante ao imaginário
paradisíaco e caracterizado, segundo Iris Kantor, pela crença numa geografia fantástica
na qual “as nascentes do[s rios da] Prata, Amazonas e São Francisco tinham origem num
mesmo lago [no] interior [do continente americano]”. KANTOR, Iris. Usos diplomáticos
da Ilha Brasil: polêmicas cartográficas e historiográficas. Varia História, Belo Horizonte, v.
23, n. 37, p. 70-80, jan./jun. 2007, p. 71. Sobre os artigos de Sérgio Buarque de Holanda, ver
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Um mito geopolítico: a Ilha Brasil. In: ______. Tentativas
de mitologia. São Paulo: Perspectiva, 1979. Além deste artigo, as críticas de Sérgio Buarque
se encontram em: HOLANDA, Sérgio Buarque de. A lenda negra. Diário Carioca, Rio de
Janeiro, 06 abr. 1952; ______. História e geopolítica. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 13 abr.
1952; ______. Tentativa de mitologia. Folha da Manhã, São Paulo, 15 jun. 1952; ______.
História econômica. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 24 ago. 1952; ______. A Ilha Brasil.
Diário Carioca, Rio de Janeiro, 22 e 29 jun. 1952; ______. Historiografia portuguesa. O
Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 nov. 1960. Alguns destes artigos foram republicados em:
COSTA, Marcos (org.). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos (2 vols.). São Paulo:
Unesp / Fundação Perseu Abramo, 2011. Sobre os de Jaime Cortesão, ver CORTESÃO,
Jaime. Aleixo Garcia: descobridor de humanidades. Diário de Notícias. 18 maio. 1952;
______. Obedeceu a um plano a expansão do Brasil? Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
01 jun. 1952; ______. Introdução ao debate sobre a Ilha Brasil. Diário de Notícias, Rio de
Janeiro, 13 jul. 1952; ______. Portugueses e espanhóis na América. Diário de Notícias, Rio
de Janeiro, 27 jul. 1952.

74
entre os portugueses da época sob a forma de um mito geopolítico. /
Não é fácil, contudo, imaginar-se de que forma concepções como essa,
se é que existiram de fato, poderiam ter tido papel tão considerável na
expansão lusitana.24

Diferentemente dos artigos de 1952, Visão do Paraíso contrasta a reflexão


em torno da Ilha Brasil com um estudo de fôlego das elucubrações imaginárias
de Cristóvão Colombo, presente sobretudo no segundo capítulo da tese,
“Terras incógnitas”, que preserva estreita continuidade com o argumento
do primeiro capítulo do trabalho acadêmico. Colombo pode ser lido como
um dos personagens mais importantes de Visão do Paraíso; aquele que
literalmente mais acreditou na existência do Paraíso terrestre na América. O
capítulo é inaugurado com a experiência histórica do desbravador no Haiti,
que o torna prontamente “embaixador”, por toda a tese, de um pensamento
renascentista propriamente dito, ao demonstrar a legitimidade da contradição
lógica entre os séculos XVI e XVIII: nesses termos, é possível ver ao lado de
árvores “que parecem tocar o céu” o rouxinol canoro, pássaro que constituía
um atributo fixo do imaginário paradisíaco da Idade Média e, por essa razão,
da visão de Colombo do Haiti, mas que não existia concretamente à época
no hemisfério.25 É possível também explorar a imaginação de Colombo
das Amazonas (mulheres guerreiras que constituíam um empecilho à
chegada ao Paraíso terrestre), que Sérgio Buarque recorre para concluir as
proposições do segundo capítulo.26 De modo que a comparação entre os
imaginários paradisíacos ibéricos, proposta por “A experiência e fantasia” e
“Terras incógnitas”, é um dos elementos mais importantes de consolidação
do impresso de 1958 como uma tese de cátedra.

24. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 13.
25. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 19-20.
26. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 39-41.

75
Outro elemento da sua tese é a História Comparada construída em torno
da conquista do Oeste brasileiro a partir do Planalto paulista, exposta em
“Do Eldorado à Serra da Prata”, terceiro capítulo do trabalho.27 A primeira
página já apresenta o argumento de que “a imagem do Dourado”, seja qual for
(Omágua, Manoa, Dourado de Meta, Chibcha, Vupubuçu, Paraupava etc.),
“não teve para nenhum dos cronistas portugueses, ao que se saiba, aquelas
cores deslumbrantes ou a auréola paradisíaca de que se envolvera a Manoa
lendária”.28 As páginas seguintes tentam demonstrá-lo pelas expedições
bandeirantes: entre elas a de Pero Lobo, que parte de Cananeia em 1531
numa busca meio em vão por metais preciosos;29 ou ainda, o malogro das
entradas organizadas em São Paulo por D. Francisco de Sousa em atingir
“uma terra chamada das esmeraldas”.30
A peculiaridade do argumento, porém, é seu método. As bandeiras
são cotejadas com um vasto estudo apresentado para o concurso de 1958
sobre as buscas bem-sucedidas dos espanhóis às lagoas douradas. Tudo
leva a crer que o principal exemplo corresponde à história do mito de São
Tomé nas Américas. O apóstolo é mencionado pelos bandeirantes, mas nas
variações castelhanas acaba ganhando uma riqueza imaginativa ausente,
segundo Sérgio Buarque, das versões encontradas na América portuguesa.
Por exemplo, “entre os espanhóis [...] [São Tomé] alcançou grande veneração
pelos muitos milagres que lhe atribuíram, sendo o maior deles o de que, à
imitação da cruz de Cristo, não minguava de tamanho, por mais que lhe
arrancassem continuamente fragmentos para edificação dos fiéis”.31

27. O termo “Oeste brasileiro a partir do Planalto paulista” vem de WEGNER, Robert.
A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2000, p. 13.
28. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 79.
29. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira) –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), 1958.
30. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 79.
31. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)

76
De uma parte específica do capítulo “Do Eldorado à Serra da Prata”
(transformada em capítulo próprio a partir da primeira edição do livro,
como veremos), até “América Portuguesa e Índias de Castela”, último capítulo
do trabalho de 1958, percebe-se outro elemento da construção da tese: o
tratamento do mito como política e da política como mito, um e outro
se articulando a estruturas de sentimento ao mesmo tempo específicas e
complementares. Por um lado, a modernidade renascentista espanhola é
caracterizada por uma noção política de Império, cuja ambição reside na
expansão e dominação da Europa mediterrânica, para a qual o papel do
Novo Mundo era um elemento importante. Por outro, “é pelo vivo contraste
com as novas perspectivas que à expansão de Castela [...] se realça o caráter
mais de feitorização que de colonização, assumido [...] pelas atividades
ultramarinas dos portugueses”.32
Alguns meses depois da defesa, Visão do Paraíso ganha sua primeira
edição pela Livraria José Olympio Editora (LJOE) na coleção “Documentos
Brasileiros”,33 voltada, segundo Fábio Franzini, à valorização de estudos
documentais da “história social do brasileiro”.34 No que diz respeito ao estudo
comparado dos imaginários ibéricos, a estrutura do texto não apresenta
modificações significativas em relação à tese. Ainda assim, uma modificação
importante feita na primeira edição deve ser levada em conta: a transformação
dos sete capítulos da tese em doze;35 transformação explicada em detalhes

– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),


1958, p. 79.
32. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História da Civilização Brasileira)
– Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP),
1958, p. 352.
33. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobri-
mento e colonização do Brasil. Coleção “Documentos Brasileiros” (v. 107). Rio de Janeiro:
José Olympio, 1959.
34. FRANZINI, Fábio. À sombra das palmeiras: a coleção Documentos Brasileiros e as
transformações da historiografia nacional. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa,
2010, p. 153.
35. O terceiro capítulo da tese, “Do Eldorado à Serra da Prata”, desmembra-se a partir da
primeira edição no terceiro, quarto, quinto e sexto capítulos do livro de 1959, respectivamente
intitulados “Peças e pedras”, “O ‘outro Peru’”, “Um mito luso-brasileiro” e “As atenuações
plausíveis”. Já “non ibi aestus” se transforma em 1959 em “Voltando a Matusalém”, “O
mundo sem mal” e em “non ibi aestus”, respectivamente o nono, décimo e décimo primeiro
capítulos da primeira edição do impresso.

77
na edição seguinte, de 1969, publicada pela Companhia Editora Nacional
(CEN) e a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), quando Visão
do Paraíso ganha o “Prefácio à segunda edição”, concluído em novembro
de 1968.36 Destinado a desfazer “enganos de interpretação” gerados pela
recepção à primeira edição de Visão do Paraíso, é possível dizer que ele
é capaz de iluminar tanto o argumento do texto de 1959, o de 1969, mas
também o da tese de cátedra. Sobretudo porque sejam as resenhas sobre
a primeira edição, às quais o prefácio se dirige, seja a comissão julgadora
do concurso, apontam críticas parecidas à primeira edição (resenhas) e à
tese de cátedra (comissão): ambas, afinal, têm dificuldades em entender e
classificar de forma segura a tese e o livro.37 Isso permite fazer uma análise
das transformações do texto do livro desde a sua versão em forma de tese
à edição do que se entende por definitiva.
A partir da primeira edição, a proposição do texto de 1958 se transforma
em objetivo central do livro. “O que nele se tencionou mostrar”, insiste o
prefácio, “é até onde, em torno da imagem do Éden, tal como se achou
difundida na era dos descobrimentos marítimos, se podem organizar num
esquema altamente fecundo muitos dos fatores que presidiram a ocupação
pelo europeu do Novo Mundo, mas em particular da América hispânica, e
ainda assim enquanto abrangessem e de certa forma explicassem o nosso
passado brasileiro”.38 O problema, por sua vez, estrutura o surgimento e
transformação dos capítulos ao longo dos textos de 1958 e 1959, que atendem,
entre outras, à insistência de Sérgio Buarque em lapidar a aclaração do objetivo
central da obra. Talvez o melhor exemplo corresponda à apresentação de “As
atenuações plausíveis”, sexto capítulo, que surge a partir da segunda edição

36. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Prefácio à segunda edição”. In: ______. Visão do
Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana”
(v. 333). São Paulo: Companhia Editora Nacional / Edusp, 1969.
37. Ver LIMA, José Adil Blanco de. Entre a Crítica e a História: a construção de Visão do
Paraíso de Sérgio Buarque de Holanda. Dissertação (Mestrado em História). Universidade
Federal de Juiz de Fora – UFJF, Juiz de Fora, 2013; & FURTADO, André. Leituras e leito-
res à margem da primeira edição de Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda (1959).
In: ______; SILVA, Bruno (org.). Anais do I Encontro de Graduandos e Pós-Graduandos
do Núcleo de Pesquisa e Estudos em História Cultural. Niterói: PPGHistória-UFF, 2013.
38. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Prefácio à segunda edição”. In: ______. Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 12.

78
precisamente para “desfazer enganos”: “no caso da colonização ibérica,
onde a mitologia da conquista, que tão vivaz se manifestava nas Índias
de Castela, passava a descolorir-se e a definhar, uma vez introduzida na
América portuguesa: o fenômeno que neste livro recebe o nome de ‘atenuação
plausível’”. Dele “se trata expressamente no capítulo VI, embora as possíveis
razões históricas das atenuações também sejam desenvolvidas em outras
partes desta obra”.39
A terceira edição, publicada em parceria entre a Companhia Editora
Nacional (CEN) e a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo, em 1977,40 mantém a estrutura do texto de 1969, o “Prefácio” e os
doze capítulos, mas acrescenta um anexo: as “Notícias antecedentes, curiosas e
necessárias das Cousas do Brasil”, abertura de Crônica da Companhia de Jesus
(1663), de Simão de Vasconcelos. Nela, o clérigo jesuíta defende a existência
de um paraíso terrestre no Brasil, mas é censurada à época por uma ordem
superior que alegou que seu conteúdo era contrário à santa fé católica. A
Crônica é uma das fontes mais importantes de “As atenuações plausíveis”.
Sua abertura, acessada por Sérgio Buarque após o lançamento da segunda
edição, só reitera sua preocupação em melhor esclarecer a forma de Visão
do Paraíso, ao anexar uma fonte que testemunha um ângulo importante do
realismo pedestre: a censura ao imaginário mitológico dos colonizadores
portugueses na América.
André Furtado estudou as comunidades de leitores na trajetória de
Sérgio Buarque de Holanda entre os anos 1930 e 1970, percorrendo algumas
circunstâncias editoriais das edições de Visão do Paraíso.41 Elas de fato são
diversas e extrapolam a estreita correlação presente na intenção do autor
de demarcar o que vamos entendendo por objetivo central de Visão do
Paraíso. A exemplo da edição venezuelana do livro, publicada em 1987 pela

39. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Prefácio à segunda edição”. In: ______. Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 23.
40. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1977.
41. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,
historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018.

79
Biblioteca Ayacucho, dirigida pelo crítico literário uruguaio Ángel Rama,
que contou com a ajuda de Darcy Ribeiro e Antonio Candido na elaboração
das publicações para o projeto. A Biblioteca, no caso, buscava publicar obras
que versavam sobre a história da “Nuestra America” desde sua “origem” até
“hoje”.42 O que ajuda a pensar que as demandas de publicação comercial e de
recepção de Visão do Paraíso não raro obedecem a solicitações mais amplas,
ou mesmo consideravelmente diversas, da insistência de Sérgio Buarque em
delimitar o objeto e a peculiaridade metodológica de Visão do Paraíso nos
termos aqui tratados.

Circunstâncias externas: a defesa da tese Visão do Paraíso


A defesa da tese Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil deixa mais claro o objetivo central da tese (e do
livro).43 Afonso Arinos de Mello Franco, um dos arguidores, pergunta ao
então candidato à cadeira de História da Civilização Brasileira qual era a
tese da tese.44 Sérgio Buarque responde que é o mito como objeto de uma
história escrita a partir do “confronto entre as descrições desses cronistas”.45
Eduardo d’Oliveira França, outro arguidor, estranha, por sua vez, o fato
de que, nos termos da tese Visão do Paraíso, o português ter “uma certa
atitude arcaizante” em relação ao Renascimento: “O moderno na época do

42. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,
historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018, p. 399-402.
43. A Comissão julgadora do concurso foi composta pelos professores Hélio Vianna, catedrá-
tico de História do Brasil da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da então Universidade
do Brasil (UB); Afonso Arinos de Mello Franco, catedrático de Direito Constitucional da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (UB); José Wanderley de Araújo
Pinho, catedrático de História do Brasil da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia;
Eduardo d’Oliveira França e Eurípedes Simões de Paula, respectivamente catedráticos de
História Moderna e Contemporânea e de História Antiga e Medieval da Universidade de
São Paulo (USP).
44. Baseio-me sobretudo no “Noticiário” da defesa de Visão do Paraíso, produzida por
Myriam Ellis. ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da cadeira de História
da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./jun. 1959, p. 496.
45. ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da cadeira de História da
Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./jun. 1959, p. 496-497.

80
Renascimento”, segundo França, “consistia nas novas descobertas e criações
de povos como o português”,46 seu significado sendo “relacionado diretamente
com o desenvolvimento técnico, econômico e político [...] [que] ligava-se à
formação [...] do Estado-nação português”.47 Este momento da defesa permite
tratar a crítica de Sérgio Buarque a Jaime Cortesão como parte importante
da construção do argumento: o posicionamento de França acolhe, com
as devidas peculiaridades, o nacionalismo metodológico que amparou a
historiografia portuguesa moderna. E também porque, na resposta a França,
o candidato confirma esse “certo arcaísmo”.48
A arguição de outro membro da comissão julgadora do concurso, Hélio
Vianna, também foi publicada na forma de resenha em dezembro de 1959,49
reiterando a suposição de que as críticas dos membros da banca, bem como
dos resenhistas da primeira edição do livro, são em alguns pontos parecidas.
Vianna reconhece a visão paradisíaca de Cristóvão Colombo na região do
Haiti, presente no capítulo “Terras incógnitas”, como um elemento importante
da tese.50 Não obstante, ao defender que “o que houve” ao longo da colonização
portuguesa foi “a vontade de construir uma nação”, e, dessa forma, fazer
coro aos pressupostos metodológicos nacionalistas de alguns membros da
comissão, sugere que estas mesmas visões paradisíacas se encontram nos
cronistas portugueses. Toma como exemplo as entradas bandeirantes, às
quais confere uma interpretação mítica, esta equivalendo aos elementos
fundamentais da conquista e integração do território nacional. Mas vai
além na defesa de sua concepção de História quando aconselha incorporar
uma fonte iconográfica da primeira metade do século XIX, ausente na tese:

46. NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio
Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008, p. 105.
47. NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio
Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008, p. 107.
48. NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio
Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008, p. 108.
49. VIANNA, Hélio. Visão do Paraíso (I, II e III). Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 13,
20 e 27 dez. 1959.
50. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da
cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 497; & VIANNA, Hélio. Visão do Paraíso (I, II e III). Jornal do Comércio, Rio
de Janeiro, 13, 20 e 27 dez. 1959.

81
a bandeira nacional brasileira, decretada em 18 de setembro de 1822 pelo
príncipe regente D. Pedro e referendada por José Bonifácio.51 Sérgio Buarque,
ao responder, reforça a importância de Colombo na tese, argumentando
inclusive que o desbravador chegou a visualizar as Amazonas nas Antilhas.52
A resposta dada ao uso da versão oitocentista da bandeira nacional parece
servir também ao comentário de Vianna sobre as entradas, pois afirma que
poderia utilizar uma versão da bandeira contemporânea à colonização,
representativa da Casa de Bragança e da Casa da Áustria. Desse modo,
Sérgio Buarque parece delimitar a periodização do trabalho e a hipótese
do “realismo pedestre”.53
A arguição de José Wanderley de Araújo Pinho segue, em parte, na
mesma linha. Ele, porém, reconhece que uma das teses do trabalho reside em
alguns andaimes do argumento relativo ao cotejo entre as noções políticas
de Império (espanhol) e feitorias (portuguesas).54 A observação, sem dúvida
relevante, permite tratar os termos políticos da comparação das Américas
como parte dos objetivos do trabalho. Até porque, nesse aspecto, não há
discordância entre Sérgio Buarque e o arguidor.55

51. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da ca-
deira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 497.
52. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da
cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 499.
53. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da ca-
deira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 499.
54. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da
cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 501.
55. VIANNA, Hélio apud ELLIS, Myriam. Noticiário. Concurso para provimento da ca-
deira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 38, ano X, p. 493-508, abr./
jun. 1959, p. 502.

82
Sérgio Buarque na cadeira de História da Civilização Brasileira
da USP
A produção do livro Visão do Paraíso está incontestavelmente atrelada
às circunstâncias que, segundo estudiosos do autor, foram definitivas à sua
carreira de historiador acadêmico. É possível dizer que elas se concentram
em sua atividade no Museu Paulista, do qual foi diretor entre 1946 e 1956;
na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), onde é professor entre 1947
e 1957 e aluno, entre 1956 e 1958; além da própria atuação na USP, em que é
professor e pesquisador entre 1956 e 1969; particularmente no Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB), sendo seu fundador em 1962.56 Tal constatação
me levou a pesquisar a atuação institucional de Sérgio Buarque na USP,
entre 1956 e 1969, para averiguar como o objetivo central do livro poderia
ser percebido sobretudo em suas atividades como professor da cadeira e
orientador de dissertações de mestrado e teses de doutorado. A pesquisa da
documentação, no caso, levou a uma conclusão diferente da que se esperava
chegar. Pois, na condição de professor interino e titular da cadeira, nosso
autor se afasta, em alguma medida, tanto daquela “novidade do recorte e do
objeto” como da peculiaridade metodológica encontrada na tese e no livro
Visão do Paraíso. A exemplo de sua atividade docente. Nela, a comparação das
Américas não está ausente das aulas. Porém, ela aparece de forma periférica na
documentação e largamente despida da combinação entre mitologia edênica
e colonizações ibéricas. A julgar pelas fontes,57 que abordam os tópicos a
partir dos quais Sérgio Buarque apresentava as exposições orais, estas se
concentravam, em suma, numa História sobretudo política e econômica da
“Civilização Brasileira”: noção que abrange os períodos Colonial, Imperial e
Republicano, explicados especialmente pelo protagonismo bandeirante na

56. Sobre a centralidade de Visão do Paraíso em sua atividade de historiador acadêmico,


ver, entre outros: DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sérgio Buarque de Holanda na USP.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 22, p. 269-274, set./dez. 1994; & WEGNER, Robert.
Latas de leite em pó e garrafas de uísque: um modernista na Universidade. In: MONTEIRO,
Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas.
Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
57. Ver Programas aprovados pela Congregação para o ano letivo de 1959, 1960, 1962, 1965,
1966, 1967, 1968. São Paulo: Seção de Publicações, FFCL-USP; & Relatório das atividades da
cadeira de História da Civilização Brasileira. São Paulo: FFCL-USP, 1958.

83
formação Colonial de São Paulo e do Brasil e pelas relações de proximidade
e distância entre aqueles três períodos da história do país. De modo que
estas aulas acolhem a reflexão de Sérgio Buarque presente em livros como
Monções e Caminhos e fronteiras, mas também em Do Império à República
e em toda coleção História Geral da Civilização Brasileira – HGCB (do qual
foi diretor entre 1960 e 1972).
A proposta de curso de Sérgio Buarque dos Programas aprovados
pela Congregação fornece uma perspectiva da sua atuação em sala de aula.
Característico de suas explanações é o tópico “Tropas e tropeiros: as feiras
de Sorocaba”, presente no programa de 1966, que trata principalmente da
história da colonização bandeirante e da formação do Império brasileiro.
Esse tema é discutido, entre outros, em “Do peão ao tropeiro”, capítulo
de Caminhos e fronteiras que aborda as feiras de animais da região para
ilustrar a modernização comercial da sociedade paulista no século XVIII.58
Outros tópicos emblemáticos são: “A guerra do Paraguai”, “A crise de 1868
e o primeiro ataque às instituições monárquicas” e “A questão do elemento
servil e a abolição”, presentes no programa do ano seguinte: três temas,
no limite, de “Política e guerra”, quarto capítulo do primeiro livro de Do
Império à República, cuja primeira edição é de 1972. Nele, por exemplo,
Sérgio Buarque não abandona a comparação das Américas. Mas compara
as relações entre aquele conflito ocorrido no Cone Sul entre 1864 e 1870 e a
crise da escravidão e da monarquia brasileira por se deparar com países da
região que já haviam abolido o trabalho forçado.

Orientador de dissertações e teses


Os orientandos de Sérgio Buarque preservam preocupações parecidas.
Basta verificar os trabalhos de Pós-Graduação dos alunos do então professor
da cadeira de História da Civilização Brasileira. Entre os quais, A lavoura
canavieira em São Paulo: expansão e declínio, tese de doutorado de Maria
Thereza Schorer Petrone, defendida em 1964.59 Seu objetivo consiste

58. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994, p. 132-133.
59. PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio
(1765-1851). Tese (Doutorado em História). Cadeira de História da Civilização Brasileira –

84
em “mostrar a importância do ‘ciclo do açúcar’ para o desenvolvimento
econômico da Capitania e depois Província” de São Paulo, desenvolvido
entre o governo de Morgado de Mateus (1765-1775) até 1850-1851, quando
o volume da exportação de açúcar é ultrapassado pelo de café.60 Ou seja:
uma tese sobre a história econômica paulista cuja periodização abrange
dois períodos.
Petrone colabora com alguns capítulos para a HGCB, como por exemplo
“As áreas de criação de gado” e “Imigração assalariada”. Se estes não são
desdobramentos literais de sua pesquisa de doutorado, ao menos oferecem
uma ponte segura para o profundo interesse pela História Econômica do
mesmo período e região, pois chegam a tratar, respectivamente, da economia
pecuária e cafeeira, inclusive em São Paulo.61 Emília Viotti da Costa, por
sua vez, não foi orientada formalmente por Sérgio Buarque. Sua tese de
livre-docência, Escravidão nas áreas cafeeiras: aspectos econômicos, sociais e
ideológicos da desagregação do sistema escravista, tem origem num projeto de
doutorado transformado no referido trabalho, como aponta Sérgio Buarque
na arguição durante a defesa do mesmo, da qual foi um dos membros da
banca.62

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1964.


60. PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e
declínio (1765-1851). Tese (Doutorado em História). Cadeira de História da Civilização
Brasileira – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-
USP), 1964, p. I.
61. PETRONE, Maria Thereza Schorer. As áreas de criação de gado. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira (t. I). Administração, economia,
sociedade (v. 2). Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2003; ______. Imigração assalariada. In:
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira (t. II). Reações
e transações (v. 3). São Paulo: Difel, 1967.
62. COSTA, Emília Viotti da. Escravidão nas áreas cafeeiras: aspectos econômicos, sociais
e ideológicos da desagregação do sistema escravista. Tese (Livre Docência). Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1964. Sobre a defesa
de livre docência de Emília Viotti, ver CASTRO, Luís Antônio de Moura; SILVA, Raul de
Andrada e. Livre-docência na cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo,
n. 67, p. 263-284, set. 1966. A banca examinadora do trabalho contou com os professores
José Wanderley de Araújo Pinho, Francisco Iglésias, Brasil Pinheiro Machado, Eurípedes
Simões de Paula e o próprio Sérgio Buarque de Holanda.

85
A tese procura estudar a escravidão nas áreas cafeeiras brasileiras e não
numa região específica.63 É possível dizer que a interferência de Sérgio Buarque
como orientador da versão original do trabalho (tese de doutorado) e depois
como leitor e arguidor das versões posteriores (forma de livre-docência)
resida fundamentalmente no apreço da autora à “questão do açúcar” na
Capitania e, depois, Província de São Paulo, tema bastante frequentado por
seus orientandos.64 Seja como for, Emília Viotti também contribui com um
capítulo para a HGCB: intitulado “O escravo na grande lavoura”, trata do
funcionamento e desagregação do escravismo,65 problema também discutido
por toda a sua tese. Ainda assim, a comparação das Américas propriamente
dita não deixa de ser tratada por alguns alunos. Talvez o caso mais expressivo
seja A imigração norte-americana para o Brasil após a Guerra Civil, tese de
doutorado do aluno Frank Perry Goldman, defendida em 1961, cujo título
aponta habilmente a reflexão exposta, também transformada em “Aspectos
das migrações norte-americanas após a Guerra Civil”, capítulo da HGCB.
Contudo, a comparação se dá no âmbito da imigração de sulistas norte-
americanos para o Brasil que, com o fim da Guerra Civil nos Estados Unidos
e a abolição da escravidão no país, preferem se estabelecer na “terra de D.
Pedro II”, onde ainda era possível obter escravos.66

63. Ver a explicação de Emília Viotti da Costa sobre os objetivos do trabalho em: CASTRO,
Luís Antônio de Moura; SILVA, Raul de Andrada e. Livre-docência na cadeira de História
da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo. Revista de História, São Paulo, n. 67, p. 263-284, set. 1966, p. 274; & a COSTA, Emília
Viotti da. Introdução. In: ______. Escravidão nas áreas cafeeiras: aspectos econômicos,
sociais e ideológicos da desagregação do sistema escravista. Tese (Livre Docência). Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1964, p. XVI.
64. Ver COSTA, Emília Viotti da. Escravidão nas áreas cafeeiras: aspectos econômicos,
sociais e ideológicos da desagregação do sistema escravista. Tese (Livre Docência). Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1964.
65. Ver, por exemplo, as partes “Condenação do sistema escravista”, “A ideia da abolição
ganha o povo” etc., de COSTA, Emília Viotti da. O escravo na grande lavoura. In: HOLANDA,
Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira (t. II). Reações e transações
(v. 3). São Paulo: Difel, 1967.
66. GOLDMAN, Frank Perry. A Imigração Norte-Americana para o Brasil após a Guerra
Civil. Tese (Doutorado em História). Cadeira de História da Civilização Brasileira – Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1961, p. 1-2.

86
Sérgio Buarque de Holanda no Instituto de Estudos Brasileiros
(IEB)
A atuação de Sérgio Buarque no IEB, além de, por um lado, preservar
vasos comunicantes com a sua atuação na cadeira de História da Civilização
Brasileira, por outro contempla muito pouco do objeto de Visão do Paraíso.
João Ricardo de Castro Caldeira salienta que o IEB foi pensado como area
studies center, voltado à integração entre as diferentes disciplinas acadêmicas,
e tendo por objeto o amplo horizonte da realidade brasileira. Se a exploração
desse aspecto multidisciplinar foge da finalidade dessas páginas, cabe iluminar
o Setor de História da Instituição, ligado à divisão de Pesquisa, ainda pouco
investigada. Nele, entre 1962 e 1969, basicamente duas alunas de Sérgio
Buarque têm uma atuação que ajuda a esclarecer a preocupação do setor,
igualmente, com uma História da Civilização Brasileira.
Maria Thereza Schorer Petrone, entre elas, desenvolve uma investigação
sobre “Antonio da Silva Prado, Barão de Iguape, no cenário econômico de
São Paulo na primeira metade do século XIX”, registrada no “Noticiário”
do primeiro número da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, de 1966.67
A autora se baseia no “Apêndice” de sua tese de doutorado.68 A outra aluna
é Maria Odila Leite da Silva Dias, que produziu a dissertação de mestrado
intitulada O Brasil na historiografia romântica inglesa: Robert Southey e Walter
Scott: um estudo de afinidades de visão histórica, orientada por Sérgio Buarque
e defendida em 1965.69 Salvo engano, ela se dedica à única pesquisa centrada
no tema paradisíaco no interior do setor e da instituição até o final da década
de 1960. No quinto número da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros,
que retrata suas atividades em 1967, lê-se: “‘A obra histórica de Southey e o

67. Ver Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo: IEB-USP, n. 1, 1966, p. 188. A
pesquisa de Maria Thereza Schorer Petrone pode ser também acompanhada na Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo: IEB-USP, n. 5, 1968, p. 185; e n. 6, 1969, p. 201-202.
68. Ver Apêndice: um comerciante do ciclo do açúcar: Antonio da Silva Prado: 1817-1829. In:
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio
(1765-1851). Tese (Doutorado em História). Cadeira de História da Civilização Brasileira –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1964.
69. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. O Brasil na historiografia romântica inglesa: um estudo
de afinidade de visão histórica: Robert Southey e Walter Scott. Dissertação (Mestrado em
História). Cadeira de História da Civilização Brasileira – Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), 1965.

87
Brasil’ – a cargo da licenciada Maria Odila Dias Curly: a) Redação dos itens
do trabalho [...] completando-se a bibliografia do mito paradisíaco do Novo
Mundo, considerado tema constante da obra poética de Southey [...]”.70 A
pesquisa tem proximidade com o argumento de Visão do Paraíso, ainda
que se concentre predominantemente na passagem do século XVIII para
o XIX, e que se proponha a comparar a historiografia brasileira e inglesa.

Sérgio Buarque no Museu Paulista


Durante sua gestão no Museu Paulista, Sérgio Buarque também não
deixou de criar condições para a maior autonomia de diferentes áreas de
atuação acadêmica. Isso se revela, sobretudo, na maior reforma administrativa
de sua própria gestão, a de 1946, fruto da promulgação do Decreto-lei n.
16.565, que cria novas seções (de etnologia, numismática e linguística). E, ao
mesmo tempo, reforça as antigas, como a Seção de História, criada em 1922
durante a gestão de Affonso d’Escragnolle Taunay, pois “lhe permitiu maior
concentração no objeto próprio de sua atividade”.71 Esse “objeto próprio”
corresponde, nas palavras de Sérgio Buarque, ao “de História do Brasil,
especialmente de São Paulo”,72 verificado também na publicação vinculada
ao setor, os Anais do Museu Paulista, “corolário natural” dessa orientação.73
As Américas, especialmente as ibéricas, são objeto de estudo no período
em que Sérgio Buarque foi diretor da instituição. Pode-se identificá-las no
XIII tomo dos Anais, o primeiro (de dois), publicados entre 1946 e 1956.74

70. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo: IEB -USP, n. 5, 1968, p. 184-185.
71. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Anais do Museu Paulista, tomo XIII, São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 1949, p. V.
72. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Museu Paulista. In: COSTA, Marcos (org.). Sérgio
Buarque de Holanda: escritos coligidos (v. 2). São Paulo: Unesp / Fundação Perseu Abramo,
2011, p. 166 (originalmente publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Rio de Janeiro, 1952).
73. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Revista do Museu Paulista. In: COSTA, Marcos (org.).
Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos (v. 1). São Paulo: Unesp / Fundação Perseu
Abramo, 2011, p. 381 (originalmente publicado em O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 nov. 1947).
74. Os dois tomos são: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Anais do Museu Paulista, tomo
XIII, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1949; & ______. Anais do Museu Paulista,
tomo XIII, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1950. Sobre as diretrizes dos Anais, ver
também os Relatórios referentes aos anos de 1946-1956 apresentado pelo diretor do Museu
Paulista, Sérgio Buarque de Holanda.

88
Constam na “Explicação necessária” de Tito Lívio Ferreira, chefe da Seção
de História na época, à documentação publicada no tomo.75 Trata-se dos
“Documentos Espanhóis”, copiados no Arquivo de Sevilha por Taunay nos
quais a história dos “homens de São Paulo” se relaciona à dos espanhóis
por conta da expansão das “jornadas sulinas” ao “Paraná abaixo, rumo do
Paraguai, Uruguai e bacia do Prata”, durante o século XVII.76 Desnecessário
insistir o quanto estas jornadas se destinam à busca de metais preciosos,
aspecto concomitante do mito paradisíaco, e que a relativa desistência em os
encontrar levou os primeiros paulistas a optarem pela escravização dos índios,
problema debatido na “Explicação”. Porém, o mito do Paraíso terrestre, em
sua versão desvairada ou atenuada, não se transfigura em “objeto próprio”,
tão pouco a comparação entre portugueses e espanhóis ganha estatuto
metodológico no interior da seção.

O professor e o aluno na Escola Livre de Sociologia e Política


(ELSP)
As principais atividades de Sérgio Buarque na ELSP são parte integrante
da sua contribuição para a disciplinarização do saber histórico. Uma delas,
como docente da cadeira de História Econômica do Brasil, entre 1947 e 1956,
atividade documentada sobretudo pelos Anuários da instituição.77 Ainda que
as aulas do autor se concentrem nos aspectos econômicos da História do
Brasil, elas preservam estreita correlação com as diretrizes abraçadas pela
gestão de Sérgio Buarque no Museu Paulista, posto que também prioriza uma
“História do Brasil, especialmente de São Paulo”. Assim, os tópicos das aulas
abordam, por exemplo, as relações entre bandeirismo e escravidão, presente
no tópico “A expansão paulista e suas causas econômicas. A necessidade de
braços para a lavoura como fator mais decisivo do bandeirismo”;78 ou ainda

75. FERREIRA, Tito Lívio. Explicação necessária. Anais do Museu Paulista, tomo XIII,
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1949.
76. FERREIRA, Tito Lívio. Explicação necessária. Anais do Museu Paulista, tomo XIII,
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1949, p. 290-A.
77. Anuário da Escola Livre de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade
de São Paulo). São Paulo: Escola Livre de Sociologia e Política, 1947, 1948 e 1949.
78. Anuário da Escola Livre de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade
de São Paulo). São Paulo: Escola Livre de Sociologia e Política, 1947, p. 57.

89
um tema concomitante, o das monções, como no tópico “A água e a conquista
do sertão. Caminhos fluviais. Canoas monóxilas e balsas. As monções de
povoado: embarcações usadas no comércio de Cuiabá”79.
Outra atividade ocorre a partir de 1956, quando Sérgio Buarque se
matricula na Escola Graduada em Ciências Sociais, da ELSP, a fim de obter
um título acadêmico pós-graduado (dissertação de mestrado), exigência para
prestar o concurso de cátedra da USP.80 Uma das exigências do curso, as provas
e trabalhos finais, não trazem uma discussão aprofundada da comparação;
mas outro requisito, a defesa de uma dissertação de mestrado, já acolhe
um estudo comparado de fôlego que, enfim, pode ser considerado parte da
conceitualização política depois reencontrada no último capítulo da tese e do
livro Visão do Paraíso, “América Portuguesa e Índias de Castela”, favorecendo a
hipótese de que o estudo comparado dos imaginários foi circunstanciado pelo
concurso de 1958. Intitulada Elementos formadores da sociedade portuguesa
na época dos descobrimentos, foi defendida aproximadamente quatro meses
antes da defesa do concurso para a cátedra. Ainda que não traga uma reflexão
exaustiva sobre os imaginários ibéricos, ela sustenta, por um lado, que a
colonização portuguesa corresponde a uma “simples linha de [...] feitorias”,81
ao passo que a espanhola, “mais do que a conquista de suas Índias, o que
a engrandece [...] são as formas de organização política, religiosa, militar
e intelectual, que a convertem numa das grandes potências europeias”.82

79. Anuário da Escola Livre de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade


de São Paulo). São Paulo: Escola Livre de Sociologia e Política, 1947, p. 57.
80. Sobre o funcionamento do regime de cátedra, ver “Estrutura e funcionamento do re-
gime de cátedra”, primeiro capítulo de ROIZ, Diogo. Os caminhos (da escrita) da história
e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de história
na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968).
Curitiba: Appris, 2012.
81. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Elementos formadores da sociedade portuguesa na época
dos Descobrimentos. São Paulo: Escola Livre de Sociologia e Política – ELSP (Dissertação
de Mestrado), 1958, p. 1.
82. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Elementos formadores da sociedade portuguesa na época
dos Descobrimentos. São Paulo: Escola Livre de Sociologia e Política – ELSP (Dissertação
de Mestrado), 1958, p. 104.

90
Considerações finais
A construção de uma História Comparada das Américas, na tese ou no
livro Visão do Paraíso, que tem como foco os imaginários edênicos ibéricos
na Época Moderna, mais do que representar uma tópica do pensamento
buarqueano, se acentua num momento peculiar da sua trajetória: a
contribuição de Sérgio Buarque ao malogrado projeto de Álvaro Lins, que
pretendia publicar, pela Editora José Olympio, uma História da literatura
brasileira; bem como outro projeto inconcluso, desenvolvido paralelamente:
um livro intitulado A era do Barroco no Brasil.83 Isso explica o fato do autor se
encontrar nos anos 1950 mergulhado em estudos sobre a literatura colonial,
e particularmente na poética paradisíaca que, não obstante o subsídio
americanista, tem como alicerce o Brasil colonial e o Barroco.84
Tais projetos são interrompidos de forma significativa por conta do
concurso de 1958, como atesta um depoimento de Sérgio Buarque: “eu tinha
começado a juntar material para um trabalho sobre o Barroco no Brasil.
Era para ser uma introdução, mas quando surgiu a possibilidade de fazer
o concurso, mudei o enfoque”; de modo que “em 1958 me disseram para
prestar o concurso, pois do contrário eu seria demitido. O material eu já
tinha, e então preparei uma tese, rápido, em quatro meses, de onde saiu
meu livro Visão do Paraíso”.85 A “mudança de enfoque” diz respeito seja
à significativa transformação daqueles malogrados projetos para o objeto
central de Visão do Paraíso; seja ao fato de que, se a tese e o livro acolhem
décadas de reflexão de seu autor, o enfoque propriamente dito parece se
concentrar, aproximadamente, nos meses em que Visão do Paraíso é escrito.
Ainda que, em suas edições como livro, se atenda a demandas que extrapolam
a ocasião do concurso.

83. Ver CANDIDO, Antonio. Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos
de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 8-9.
84. NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura
na obra de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Fap-Unifesp, 2014. Sobre o subsídio
americanista do Barroco de Sérgio Buarque, ver MONTEIRO, Pedro Meira. Signo e desterro:
Sérgio Buarque de Holanda e a imaginação do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2015.
85. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Corpo e alma do Brasil. In: ______. Encontros: Sérgio
Buarque de Holanda (organização: Renato Martins). Rio de Janeiro: Beco do Azougue,
2009, p. 184 e 177-178.

91
Portanto, vista do ângulo de Visão do Paraíso, a comparação das
Américas presente na atividade institucional de Sérgio Buarque está ancorada
a dois objetos que tomam conta de suas preocupações durante décadas: o
bandeirismo, essa estrela que lhe acompanha a vida inteira;86 e uma história
nacional referendada por diferentes especialistas, já clamada pelo autor em
sua função de diretor do Museu Paulista.87 Paralelamente, é possível dizer que
Sérgio Buarque desejou escrever uma história comum das Américas, cujo
epicentro repousa nas relações entre o Império do Brasil e o continente.88
Nesse caso, há, portanto, uma espécie de atenuação plausível da própria
“novidade do recorte e do objeto”, bem como da peculiaridade metodológica,
de Visão do Paraíso, que se diluem, pois, em direção a uma realidade histórica
menos mitológica e mais bem mais dilatada.

86. Ver SOUZA, Laura de Mello e. Estrela da vida inteira. In: HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Monções. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
87. Ver FURTADO, André. As edições do cânone. Da fase buarqueana na coleção História
Geral da Civilização Brasileira (1960-1972). Niterói: Eduff, 2016.
88. VENANCIO, Giselle; FURTADO, André. Passados (im)perfeitos ou a ótica buarqueana
sobre o Império do Brasil na América. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 36, n.
73, p. 1-23, jul./dez. 2016.

92
ILUSTRAÇÕES

“Paraísos expostos” em seis décadas de ensaio:


debates e desafios na arte de montar uma exposição

Mariana Rodrigues Tavares (UFF)

Não só o deslumbramento de um Colombo divisava as suas Índias e


as pintava, ora segundo os modelos edênicos provindos largamente de
esquemas literários, ora segundo os próprios termos que tinham servido
aos poetas gregos e romanos para exaltar a idade feliz posta no começo
dos tempos, quando em solo generoso, sob constante primavera, dava de si
espontaneamente os mais saborosos frutos (Sérgio Buarque de Holanda).

A imagem paradisíaca descrita por Sérgio Buarque de Holanda na


obra que inspirou a organização da Jornada de Estudos que está na origem
da presente coletânea e, consequentemente, de sua exposição, representa a
dupla associação entre os propósitos de estruturação dos documentos que
foram expostos e o vínculo com as seis décadas de edição da tese (1958) e,
depois, do livro (1959), Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil.
Para a realização deste trabalho adotou-se, como princípio, uma
exposição com a ideia de associar aquele que visita e o objeto contemplado.
Em nosso caso mais específico, as imagens que retratavam, não apenas, a

93
obra em si, mas demonstravam um capítulo dos mais importantes a respeito
da trajetória acadêmica de Sérgio Buarque de Holanda, a saber, o que se
referia à construção, apresentação e defesa de Visão do Paraíso.
A concepção de uma exposição apresenta-se como um sistema de
comunicação dotado de lógica e sentido próprios que pretendem desempenhar
o papel de comunicar e representar as leituras acerca de um determinado
tema/objeto.1 O nosso propósito foi de pensar a exposição acerca de Visão
do Paraíso como um texto passado a limpo sobre a própria trajetória
acadêmica de Sérgio Buarque de Holanda. Nesse sentido, afirmamos que a
nossa exposição e, de certa maneira, as exposições em geral, são construídas
com diversos elementos e sinais de distinção. Elas têm um discurso, uma
estratégia informacional objetivando uma comunicação, isto é, representam
uma articulação, um ritmo, uma gramática, conectando seus elementos.2
A tônica escolhida para dar sentido à exposição “Nas estantes das
Humanidades: Sérgio Buarque de Holanda e Visão do Paraíso na UFF”
procurou apresentar, não apenas, a obra em si, mas imagens fotográficas
de Sérgio Buarque aliadas às obras expostas de sua autoria preservadas na
Biblioteca Central do Gragoatá (BCG) da Universidade Federal Fluminense
(UFF) como forma de dar representatividade ao conjunto da produção
buarqueana. Além dos textos impressos, há de se considerar as imagens
disponibilizadas pela Divisão de Documentação do Centro de Informação e
Difusão Cultural (CIDIC) do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual
de Campinas (Siarq-UNICAMP) que nos permitiu a reprodução imagética.
Nas próximas páginas há uma parte das fotografias apresentadas na Exposição
que ocorreu em novembro de 2019. Com isso, pretendemos “recuperar” um
pouco do “texto exposto” a respeito de Visão do Paraíso em seis décadas
de ensaio.

1. Instituto Brasileiro de Museus. Caminhos da memória: para fazer uma exposição /


pesquisa e elaboração do texto (Katia Bordinhão, Lúcia Valente e Maristela dos Santos
Simão). Brasília: IBRAM, 2017.
2. CUNHA, Marcelo Bernardo da. A exposição museológica como estratégia comunicacio-
nal: o tratamento museológico da herança patrimonial. Revista Magistro. Rio de Janeiro,
v. 1, n. 1, p. 109-120, 2010.

94
Ilustrações

Imagem 1
Série Produção de Terceiros. 2476 – Reprodução fotográfica de uma gravura de Adão
e Eva, da Coleção Alberto Düre, pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
integrante de um artigo de Augusto Meyer, intitulado “Visão do Paraíso”, publicado na
Revista do Brasil, n. 6, p. 76-78, jul. 1987. p&b. 17, 5x23 cm. Pt 461 P68P. Fundo “Sérgio
Buarque de Holanda” (SBH), Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas
(Siarq-UNICAMP).

95
Imagem 2
Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro Sérgio Buarque de Holanda”,
com o programa do Encontro, xerox do pontos e notas obtidos por SBH, na sua defesa
de tese e seu curriculum vitae. São Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento
nº 7]. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

96
Imagem 3
Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro Sérgio Buarque de Holanda”,
com o programa do Encontro, xerox do pontos e notas obtidos por SBH, na sua defesa
de tese e seu curriculum vitae. São Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento
nº 5]. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

97
Imagem 4
Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro Sérgio Buarque de Holanda”,
com o programa do Encontro, xerox do pontos e notas obtidos por SBH, na sua defesa
de tese e seu curriculum vitae. São Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento
nº 6]. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

98
Imagem 5
Série Vida Pessoal. 90 – Fotografia de A Gazeta de SBH durante a sua defesa de tese, no
concurso para a Cátedra de História da Civilização Brasileira na Universidade de São
Paulo. São Paulo, 1958. b&p. 18x12. Vp 90 P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

Imagem 6
Série Vida Pessoal. 89 – Fotografia da banca examinadora do concurso de SBH, para
Cátedra de História de Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia da USP, onde
se vê Eduardo d’Oliveira França, Afonso Arinos de Mello Franco e Paulo Savoya. São
Paulo, 1958. b&p. 29. 5x24. (reprod. ampliada). Vp 89 P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

99
Imagem 7
Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro Sérgio Buarque de Holanda”,
com o programa do Encontro, xerox do pontos e notas obtidos por SBH, na sua defesa
de tese e seu curriculum vitae. São Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento
nº 36]. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

100
Imagem 8
Série correspondência. Subsérie: Passiva. 532 – Carta em francês de Henri Baudet a
SBH comentando o livro “Visão do Paraíso” e agradecendo a dedicatória do mesmo.
Groningen, 28 out. 1971. as. Henri Baudet. 1p. Cp 310 P11. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

101
Imagem 9
Série correspondência. Subsérie: Passiva. 549 – Carta em espanhol de Ángel Rama a
SBH, informando sobre a publicação em espanhol de seu livro “Visão do Paraíso” pela
Biblioteca Ayacucho e enviando o contrato. Caracas, 28 set. 1976. as. ileg. 1p. Cp 327 P11.
Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

102
Imagem 10
Série Vida Pessoal. 121 – Carteira de Prof. Catedrático da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP. São Paulo, 28 fev. 1969. c. as. Vp 121 P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

103
CAPÍTULO 4

Éden historiográfico, Purgatório receptivo e Inferno


editorial buarqueanos em Visão do Paraíso1

André Furtado (UNIFESSPA)

As competências culturais dos leitores marcarão sempre os limites da


compreensão. Mas a apropriação é sempre criativa, a produção de uma
diferença, a preposição de um significado que pode ser inesperado (Roger
Chartier).

Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do


Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), não é um texto que se lê
facilmente, carecendo mesmo de iniciativas como as da Jornada de Estudos
agora convertida na presente coletânea.2 Também é esta a razão pela qual

1. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),


que fomentou meu doutoramento (2014-2018) sobre a fortuna crítica de Sérgio Buarque de
Holanda (1902-1982), com bolsa de estudos, no Brasil e na França; bem como à Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), devido
à minha condição de bolsista, à época da Jornada de Estudos, do programa “Pós-doutorado
Nota 10 / PDR-10” (2018-2020), com o desenvolvimento de um projeto sobre a tradução da
literatura ibero-americana mediada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO). Isso porque o presente texto une partes de cada uma
dessas investigações.
2. Sobre a trajetória do intelectual, tendo por limite a publicação do estudo citado, Cf. o
Apêndice A – Cronologia biobibliográfica, de Sérgio Buarque de Holanda, até o surgimento

105
ao invés de considerar propriamente o conteúdo da tese-livro sob a ótica
autoral, este capítulo se voltará – como procedi na Palestra proferida do
evento citado – àquilo que ela representou dos pontos de vista historiográfico
e receptivo, portanto, de seus leitores coevos, além dos tortuosos percursos
editoriais do impresso.
Conforme já foi tratado nos estudos cá reunidos e o será nos próximos
trabalhos, o texto preliminar desta pesquisa buarqueana integrara uma das
etapas do certame para o provimento da cadeira de História da Civilização
Brasileira, ocorrido em novembro de 1958, na então Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP). Foi lá que
seu nome outrora identificado com mil facetas polígrafas, passou ainda
pelo crivo das duras avaliações nas fases das provas do memorial, escrita e
didática que o aprovaram como historiador. De tal acontecimento se pode
reiterar que se tratava, enfim, de sua efetiva institucionalização acadêmica
e não mais em caráter provisório ou interino.
À época, as falas da arguição foram desde a possível integração da
tese à História das Ideias, conforme disse Afonso Arinos de Mello Franco
(1905-1990), membro da banca;3 até às pautas nacionalistas, no evidente
embate antigo e atualizado que travou com Hélio Vianna (1908-1972), outro
integrante externo da comissão avaliadora;4 ou aquelas da conciliação entre
passado-presente em face do arguidor José Wanderley de Araújo Pinho

de Visão do Paraíso como tese e no formato de livro (1902-1959).


3. Afonso Arinos de Mello Franco era natural de Belo Horizonte (MG), filho de uma tra-
dicional família de políticos, intelectuais e diplomatas, tendo falecido na cidade do Rio de
Janeiro (RJ). Tornou-se Bacharel, formado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, a
partir de 1927. Entre os anos 1940 e o decênio subsequente, conquistou, por meio de concurso,
a cadeira de Direito Constitucional da Universidade do Brasil (UB). A propósito de sua vida
e obra, Cf. SANTOS, Alessandra Soares. Afonso Arinos historiador: uma identidade para
as elites brasileiras. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, Belo Horizonte, 2006.
4. Hélio Vianna, também era natural de Belo Horizonte e faleceu na capital fluminense.
Polígrafo, atuou como professor e formou-se pela Faculdade Nacional de Direito, Rio de
Janeiro – RJ (DF), em 1932. Em 1939, tornou-se o primeiro catedrático de História do Brasil
na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi / RJ, da Universidade do Brasil – UB). Depois,
em 1941, acumulou a mesma cadeira e de História da América na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Quanto aos seus percursos e produção, Cf. VALE,
Nayara Galeno do. Hélio Vianna e Pedro Calmon: identidade do historiador e embates em
torno da escrita da História do Brasil. Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP).
Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional (FBN), 2012.

106
(1890-1967).5 Elas atingiram igualmente a centralidade de Eduardo d’Oliveira
França (1915-2003) – “ovelha negra” na configuração da banca porque longe
dos circuitos do Ancien Régime historiográfico marcado pela inserção nos
projetos editorias das coleções –;6 e Eurípedes Simões de Paula (1910-1977) –
editor da Revista de História da USP e um dos alunos prediletos de Fernand
Braudel (1902-1985), segundo registros – como correspondentes, portanto,
da corrente dos Annales na casa.7

5. José Wanderley de Araújo Pinho, por sua vez, era natural de Santo Amaro (BA) – tam-
bém oriundo de uma família muito ativa na vida política e cultural brasileira de longa
data – e morreu na cidade do Rio de Janeiro (era neto, por exemplo, do Barão de Cotegipe,
citado na prova escrita buarqueana do concurso, que expôs o argumento das elites e do
Partido Conservador como partícipes das profundas transformações sociais ocorridas
no Brasil Imperial). Obteve, em 1910, a diplomação em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade Livre de Direito da Bahia. Além da cátedra de História do Brasil na Universidade
da Bahia, foi Presidente de honra do Instituto Geográfico e Histórico daquele estado (IGHB)
e Terceiro-vice-presidente do Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro (IHGB). Acerca de
sua trajetória, Cf. NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. O mestre, o historiador, o fidalgo
Wanderley Pinho. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – RIHGB, Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, v. 320, p. 381-391, jul./set. 1978.
6. Eduardo d’Oliveira França, era natural de Queluz (SP) e faleceu na capital paulista.
Seus pais foram professores e seus avós, tanto maternos quando paternos, fazendeiros em
Guaratinguetá (SP) e Barra Mansa (RJ). Ingressou em 1932 na Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco (SP) e, em 1934, iniciou o curso de História e Geografia da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), da então recém-criada Universidade de São Paulo
(USP). Formou-se em Ciências Jurídicas (1936), tendo sido calouro de Eurípedes Simões
de Paula. Posteriormente foi indicado para ser Professor Assistente, tendo passado pela
cátedra de História Antiga e Medieval e concluído seu doutorado em 1946, até fixar-se no
posto de História Moderna e Contemporânea, para a qual prestou concurso e ingressou
como efetivo em 1951, em banca composta, entre outros, pelo próprio Sérgio Buarque de
Holanda, à época diretor do Museu Paulista, cargo que o habilitava para atividades dessa
natureza na USP. Para outros dados de sua biografia, Cf. RODRIGUES, Lidiane Soares. A
produção social do marxismo universitário. Mestres, discípulos e “Um seminário” em São
Paulo (1958-1978). Tese (Doutorado em História). USP, São Paulo, 2012.
7. Eurípedes Simões Paula igualmente teve uma trajetória que passou pela formação em
Ciências Jurídicas, conforme os demais membros da banca de 1958 e o próprio candidato.
A exemplo deste, Simões de Paula era paulista, natural da capital, e faleceu nesta cidade.
Foi aluno no Colégio São Bento, entre 1917 e 1925, o mesmo grupo escolar em que Buarque
de Holanda frequentara no período entre 1915 e 1918, não se excluindo a possibilidade de
terem se cruzado pelos corredores da instituição de ensino, quando também talvez tenham
encontrado o mestre em comum, Affonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958) pela primeira vez,
que depois viria a se tornar o primeiro catedrático de História da Civilização Brasileira da
FFCL-USP. Nos anos 1930, ele matriculou-se no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
(CPOR) e na Faculdade de Direito, posteriormente incorporada às escolas da USP. Em 1937,
já formado, foi contratado como Assistente-adjunto da cátedra de História da Civilização
da FFCL-USP e, cerca de dois anos depois, ocupou o cargo de professor Adjunto da cadeira
de História da Civilização Antiga e Medieval, posto este no qual se efetivou após aprovação

107
Vis-à-vis ao penúltimo foi que a mobilização, pelo candidato, de escritos
inéditos, feitos desde a década de 1940 e convertidos em tese repentina,
emergia como um gesto que unia o útil ao agradável, pois tinha a virtude de
se diferenciar de Portugal na época da restauração, tese catedrática de Oliveira
França, de 1951, que contara, aliás, com a avaliação do próprio Buarque de
Holanda. Ao fazê-lo, este ficara a uma distância segura para não repetir a
tópica Barroca, apequenada no complexo Renascentista mais amplo, em
séculos e imaginários. Logo, o autor assegurava a originalidade de Visão do
Paraíso como “obra” tardia e circunstancial, criando a distinção necessária.
A América como um todo era o que lhe importava, em particular a
porção de domínio ibérico, apesar disso nem sempre ter soado bem em
um concurso destinado a preencher uma vaga cujo alvo era o passado
brasileiro. Daí a singularidade que, em trabalho de maior fôlego (minha
tese de doutorado), notei neste último livro como sendo o único assinado
exclusivamente pela autoria de Sérgio Buarque de Holanda a comportar
um subtítulo, detalhe este nada singelo e, até então, ignorado por outros
pesquisadores.8 Miradas à parcela continental luso-espanhola, as falas do
salão nobre da FFCL ecoaram como polifonias textualizadas.
Vencido o certame, era chegada a hora de transformar a tese em livro
pela Livraria José Olympio Editora (LJOE). Não mais em tiragem restrita ao
corpo docente de catedráticos avaliadores ou de amigos e sim como volume

em concurso, sendo então nomeado como catedrático na FFCL-USP. Adicionalmente, vale


sublinhar sua atuação institucional também na criação, em 1950, da Revista de História,
da USP, ainda existente e de excelência reconhecida, a qual dirigiu por quase 30 anos. Para
mais informações a seu respeito, Cf. THEODORO, Janice. Eurípedes Simões de Paula
(1910-1977). Revista de História, São Paulo, n. 160, p. 17-50, jan./jun. 2009. No que se refere
aos percursos de Fernand Braudel, Cf. LIMA, Luís Corrêa. Fernand Braudel (1902-1985).
In: PARADA, Maurício (org.). Os historiadores: clássicos da História – de Tocqueville a
Thompson (v. 2). Petrópolis: Vozes / PUC-Rio, 2013.
8. Cf. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,
historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018. Defendido em 20 de abril de 2018, este trabalho teve a sua comissão
avaliadora composta pelos professores Giselle Martins Venancio (Orientadora e Presidente
da banca, UFF), Ronaldo Vainfas (Arguidor interno, UFF), Robert Wegner (Arguidor exter-
no, Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ / PUC-Rio), Laura de Mello e Souza (Arguidora
externa, Université Paris IV Sorbonne / USP) e Jean Hébrard (Coorientador e Arguidor
externo, École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS / Johns Hopkins University
/ Michigan University).

108
107 da prestigiada coleção Documentos Brasileiros, que já contava 23 anos
no mercado. No entanto, seu aparecimento correspondeu simultaneamente
ao ápice e declínio do êxito deste empreendimento. Tanto por problemas
enfrentados pela indústria livresca no país, diante de uma legislação nada
favorável, quanto pelo surgimento de outras casas editoriais e catálogos
concorrentes.9 Além disso, a marca José Olympio enfrentou um desafio
inédito no fim de 1959, qual seja: encontrar um novo diretor. Tratava-se
do terceiro da série inaugurada por Gilberto de Mello Freyre (1900-1987),
pois seu coordenador da vez, Octávio Tarquínio de Sousa (1889-1959) – que
substituíra o autor de Casa-grande & senzala em 1939 –, havia sido vítima de
um acidente aéreo no qual faleceu junto com sua esposa, a também escritora
Lúcia Miguel Pereira (1901-1959).10
A relevância dessas questões se avoluma quando se observa o emaranhado
da pauta letrada daquele decênio. Sua configuração contou com a força do

9. VENANCIO, Giselle Martins; FURTADO, André. Brasiliana & História Geral da


Civilização Brasileira: escrita da história, disputas editoriais e processos de especialização
acadêmica (1956-1972). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 9, p. 05-23, jan./
jun. 2013.
10. Gilberto de Mello Freyre era natural de Recife (PE), filho de Alfredo Freyre (Juiz e
catedrático de Economia Política na Faculdade de Direito de Recife) e Francisca de Mello,
tendo falecido em sua cidade natal. Polígrafo mais conhecido só como Gilberto Freyre, for-
mou-se em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais e em Letras pela Columbia University, nos
Estados Unidos da América (EUA), em 1922. Foi o primeiro a dirigir a coleção Documentos
Brasileiros da Livraria José Olympio Editora (LJOE). Em 1935, tornou-se docente de Sociologia
na Universidade do Distrito Federal (UDF / RJ), deixando-a para ministrar cursos em
instituições estadunidenses e europeias. Na década de 1950, integrou debates promovidos
pela Organisation des Nations Unies pour l’Éducation, la Science et la Culture (UNESCO).
Para uma caracterização completa do principal livro de sua autoria, Cf. ARAÚJO, Ricardo
Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos
30. São Paulo: Editora 34, 1994. Octávio Tarquínio de Sousa, por sua vez, era natural do
Rio de Janeiro, então capital do Império, filho de Bráulio Tarquínio de Sousa Amaranto
(advogado e professor de direito) e Joana Oliveira. Polígrafo, atuou também como fun-
cionário público, mobilizando sua formação pela Faculdade Nacional de Direito, Rio de
Janeiro, em 1907-1908. A propósito de sua vida e trabalhos de maior destaque, Cf. o Verbete:
TARQUÍNIO DE SOUSA, Octávio. In: Dicionário bibliográfico de historiadores, geógrafos
e antropólogos brasileiros; sócios falecidos entre 1921-1961; preparado por Vicente Tapajós
com a colaboração de Pedro Tórtima. Rio de Janeiro: O Instituto, 1993, v. 3, IHGB. Por fim,
Lúcia Miguel Pereira nasceu em Barbacena (MG) e morreu, como já afirmei, na cidade do
Rio de Janeiro. Polígrafa, suas atividades intelectuais mais conhecidas foram nas áreas
da crítica literária e da tradução. Acerca de sua trajetória, Cf. o Verbete: LÚCIA Miguel
Pereira. Disponível em: <https://dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/LuciaMiguelPereira.
htm>. Acesso em: 12 jul. 2020.

109
nome de Tarquínio de Sousa, o alcance e o destaque que o projeto por
ele coordenado atingiu. Porque não se tratava de mera coincidência que,
mesmo declinando, Sousa foi convidado para arguir Visão do Paraíso, esteve
na plateia e, quando morreu, abriu-se o espaço para Afonso Arinos (que
integrou a referida banca) o substituir na Documentos Brasileiros. Sondado
para a tarefa, este último só passou oficialmente a exercê-la em 1962, após
um período de orfandade enfrentado pela coleção.11
Quando veio comercialmente a público sem demora após o certame,
Visão do Paraíso manteve o ineditismo em sistematizar a análise do tema
edênico, que Sérgio Buarque extraiu, sobretudo, de crônicas e relatos coloniais,
movido por uma grande diligência em compreender a constituição das
sociedades americanas, em especial na parcela do Atlântico Sul. A par disso,
não convém excluir a análise de certo esquecimento sobre o livro de 1959,
considerado a pesquisa favorita do seu autor.12 Suspeita-se que a emergência
do texto coincidiu com o vigor da atenção aos aspectos econômicos na
historiografia brasileira. Daí não faltando quem discernisse a força de
predileções que ficavam “em torno das obras de Caio Prado Jr. e de Celso
Furtado”,13 de modo a postergar-se o interesse na tese buarqueana, despertado
décadas depois.
Sem embargo absoluto do crédito que existe nesta assertiva, tal explicação
não serve para a totalidade do problema em apreço e, por esse motivo, só
pode ser acolhida com prudente reserva. Logo, à hipótese citada agrego
outra, que remete às trajetórias editorial e receptiva do impresso de Sérgio
Buarque de Holanda como fatores, estes sim, ao que parece, mais decisivos
para inferir acerca do seu esquecimento ainda em princípios da década de
1960. Isso porque, quanto ao traço inicial, Visão do Paraíso somente receberia
uma segunda edição cerca de dez anos após o seu lançamento. E, como se

11. Isso porque, até 1961, as capas dos volumes que saíram pela Documentos Brasileiros
registravam a coordenação de Octávio Tarquínio de Sousa, pois eram livros encaminhados
às prensas ainda durante a sua direção.
12. Cf. SANTOS, Nelson Pereira dos. Raízes do Brasil – Uma cinebiografia de Sérgio Buarque
de Holanda. São Paulo: Estação Filmes, 2003. 1 DVD (148 min).
13. SOUZA, Laura de Mello e. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil Colonial.
In: FREITAS, Marcos (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto,
1998, p. 28.

110
não bastasse, deixava a Documentos Brasileiros para integrar o catálogo
da concorrência. Isto é: concorrente em termos de livros monográficos,
que a alocou entre os volumes da coleção Brasiliana, dirigida à época por
Américo Jacobina Lacombe (1909-1993) na Companhia Editora Nacional
(CEN), em coedição com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp),
que abordarei mais adiante.14
As fontes que utilizei fizeram parte do corpus documental de minha
tese de doutorado, já referenciada. São registros correspondentes a artigos
saídos em periódicos do Brasil e um no exterior, assinados por letrados de
diferentes searas: jornalistas, romancistas, acadêmicos etc. A partir deles
atentei aos limites do compreensível que se encontravam sob seus olhos
naqueles remotos horizontes, buscando identificar os perfis interpretativos
mediante os quais eles representavam o livro e o seu autor. Em paralelo,
cabe avaliar se relacionavam a “obra” com outros trabalhos do próprio
Buarque de Holanda ou não, sincrônica e diacronicamente. Trata-se de
refletir sobre as vias percorridas para que o impresso fosse apropriado em sua
emergência nos meios intelectuais, para mapear o circuito intra e paratextual
específico daquela conjuntura que conferia sentido às discussões, dotando-
as de coloridos típicos de seu tempo.
Tais papéis se encontram na subsérie Resenhas do Fundo “Sérgio Buarque
de Holanda” (SBH) do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de
Campinas (Siarq-UNICAMP). São 104 registros que formam 181 textos
publicados entre 1936 e 1981. Destes, 98 se referem às sete primeiras edições-
versões e à tradução italiana de Raízes do Brasil; 38 à edição princeps de
Caminhos e fronteiras; 34 (18,79%) à primeira e terceira de Visão do Paraíso;
4 às duas de Cobra de vidro; também 4 sobre Tentativas de mitologia; 2 à

14. Américo Jacobina Lacombe nasceu no Rio de Janeiro e faleceu nesta mesma cidade.
Em 1927, iniciou o bacharelado na faculdade de Direito, formando-se no ano de 1931. Em
1939 foi nomeado diretor da Casa de Rui Barbosa, ficando à frente desta instituição por 54
anos, afastando-se apenas na época em que foi secretário de Educação e Cultura do antigo
Distrito Federal, entre 1959 e 1960, além do biênio de 1962-1963, quando presidiu a Casa do
Brasil, em Paris, França. Lacombe foi ainda professor de História em vários colégios do Rio
de Janeiro, na PUC e docente de História no Instituto Rio Branco (Itamarati), além de ter
sido Presidente do IHGB. Sobre a atuação editorial de Lacombe, Cf. VENANCIO, Giselle
Martins. O homem por trás dos livros: Américo Jacobina Lacombe na direção da coleção
Brasiliana (1956-1993). Curitiba: Appris, 2019.

111
coleção História Geral da Civilização Brasileira (HGCB); e 1 propaganda a
respeito de Monções.
Das 34 resenhas sobre o livro Visão do Paraíso, 31 se referem à edição
princeps, de 1959, e apenas 3 à terceira, de 1977. Desse montante, 12 não
contêm identificações e 22 possuem alguma forma de autoria e/ou assinatura,
integrando parte do quadro receptivo que analisarei aqui e que circularam
entre 1958 – porque alguns resenharam a partir da defesa da tese de cátedra
– e 1961, pois a maioria era relativa, como eu disse, aos leitores da primeira
versão comercial (utilizarei, ao todo, 12 exemplos, entre anônimos e assinados,
para ilustrar).
De uma forma geral, pode-se dizer que a dúzia de notas saídas na
imprensa comporta tanto linhas de conteúdo dos principais temas de
Visão do Paraíso quanto as de natureza catalográfica, cujo intuito levou,
quase invariavelmente, a toda sorte de classificação recaída sobre seu autor,
complacentes, negadoras ou que lhe reajustavam as imagens públicas prévias.
Assim é que se pode observá-las narrando que a “obra” investigava
o poder das fábulas “na descoberta e colonização do Brasil durante a
Renascença, acentuando a íntima relação entre as operações mágicas e a
ciência naqueles tempos” e, por isso, era “uma contribuição nova e brilhante
ao estudo de nossa história”.15 Ora, confluindo para a leitura canônica já
desenvolvida e defendia pelo autor por ocasião da banca na FFCL-USP
no tocante à periodização, bem se sabe que, de outro lado, pelo viés do
conteúdo, a tese era bem outra. Afinal, sua ideia consistia em demonstrar
como, na América portuguesa ao menos, os motivos edênicos até existiam,
muito embora, comparados àqueles das Índias de Castela, pouco ou quase
nenhum efeito teriam suscitado na ação colonizadora da gente lusa, marcada
à época por um realismo pedestre.
Outros o viam como ensaísta cujo entusiasmo dominava o leitor num
trabalho pioneiro para a bibliografia histórica, chegando a lembrar as edições
de seus títulos de 1936 e 1957, ou seja: Raízes do Brasil & Caminhos e fronteiras,

15. Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2200 – Resenha intitulada “Sérgio
Buarque com novo livro”, sobre o livro “Visão do Paraíso”, da Coleção Documentos Brasileiros.
Diário da Noite. s. l., 04 nov.195[9]. s/p. Pt 185 P61. Fundo “Sérgio Buarque de Holanda”
(SBH). Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (Siarq-UNICAMP).

112
para distinguir o livro de 1959. Porque este se voltava às “inquietações
renascentistas que caracterizaram as culturas e o homem europeu, nos
séculos XIV e XV, a ponto [...] de traçarem determinantes de descobridores
e navegadores espanhóis, genoveses, franceses”16 na busca do mundo onde
lendas e realidade se misturavam. Nesta passagem, mais cautelosa que a
anterior, os portugueses não foram incluídos.
Tamanho era o leque classificatório que uma das publicações recepcionou
o lançamento como o mais importante da semana. O artigo alertava a não
se enganarem se o título lembrasse um livro de ficção, pois era um “estudo
histórico-social” no qual o “fino escritor” colaborava “com o sociólogo, em
cerca de 400 páginas de lúcida interpretação de nosso passado”.17
Entre os que mais vivamente destacam o fato de o impresso ter surgido
para o concurso de 1958, residiam as tônicas sobre a originalidade e a vasta
erudição buarqueana, que transitava, nos dizeres dos impressos, em textos de
antigos e modernos, absorvendo-os em muitas línguas. Logo, plantava “uma
dimensão nova na história e na sociologia brasileiras”, que seduzia pelo “estilo
de extraordinária precisão e densidade”, situando o autor entre os “grandes
prosadores”18 cuja investigação não se restringia ao plano doméstico. Daí
porque a resenha acreditava que as traduções inglesa, francesa, espanhola e
alemã poderiam engrandecer a cultura ocidental, não faltando até reproduções
na íntegra do capítulo Experiência e fantasia.19 Chamando-o de historiador
mais completo do país, lastimava-se apenas a sua demora no tema, já que
o Brasil andava longe de assemelhar-se com o Éden.20
Apesar de mínimo, este quadro receptivo anônimo e/ou propagandístico
situava Visão do Paraíso como texto brilhante em estilo que honrava o ensaísta

16. ______. 2204 – Resenha intitulada “Novidades”, sobre o livro “Visão do Paraíso”. Correio
do Povo. s. l., 11 dez. 195[9]. s/p. Pt 189 P61. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
17. ______. 2242 – Resenha sobre o livro “Visão do Paraíso”. Diário Carioca. Rio de Janeiro,
15 out. 1959. s/p. Pt 227 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
18. ______. 2243 – Resenha intitulada “A Visão do Paraíso de Sérgio Buarque”, sobre o
livro “Visão do Paraíso”. Tribuna da Imprensa. [Rio de Janeiro], 04 nov. 1959. s/p. Pt 228
P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
19. ______. 2244 – Resenha [sic] intitulada “Visão do Paraíso – experiência e fantasia”,
sobre o referido livro. Tribuna da Imprensa. [Rio de Janeiro], 07 nov. 1959. s/p. Pt 229 P62.
Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
20. ______. 2245 – Resenha intitulada “Erudição”, sobre o livro “Visão do Paraíso”. O
Semanário. s.l., 07-13 nov. 1959. s/p. Pt 230 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

113
sob análise. Tratava-se, segundo a resenha não assinada, de “um dos trabalhos
mais importantes de sua obra de historiador, com o qual obteve a cátedra”
através do tema “quase inédito” das crenças que alimentaram ambições e
moveram as atitudes “econômica, social e até política muitos espíritos que
de outra forma se aquietariam nos pontos populacionais primitivamente
estabelecidos”.21 Ligando o livro de 1959 aos de 1936 a 1957 – por sinal, também
publicados pela LJOE –, tais dispositivos propunham um vínculo e/ou uma
continuidade entre seus objetos de estudos, dando-lhes já um caráter de “obra”.
Observados esses traços gerais, pode-se notar como a sua própria
trajetória, assentada em múltiplas facetas “depunha” contra ele. Afinal, quais
critérios o definiam e ao seu trabalho? As resenhas até aqui consideradas
tenderam a incutir-lhes o domínio da História. Mas o fizeram em consideração
ao fato de o texto ter sido escrito para o concurso de cátedra na FFCL-
USP, dotando a instância universitária da força ordenadora de todas as
práticas letradas e da produção intelectual do autor. Do contrário, talvez não
buscassem atar seus títulos para os conferir um sentido de obra, conforme
destaquei. E mesmo assim resistiram aos argumentos do volume editado pela
LJOE. Porque embora endossassem a tese do português infenso às lendas,
uma vez em contato com os índios no Brasil e suas cosmogonias isso tudo
amolecia, bem mais na ótica das resenhas então veiculadas do que na obra
de Sérgio Buarque.
Nos dizeres de Valdemar Cavalcanti (1912-1982) – e agora passo a
alguns exemplos de resenhas com identificação de autoria –, Buarque de
Holanda era um mestre “dos fatos de natureza histórica e dos fenômenos de
cunho sociológico e antropológico”.22 Ao abarcar três áreas que, à exceção da
Sociologia, ainda tateavam seus objetos de estudo ao delimitarem os limites
do espaço universitário, o elogio pode ser visto como um indício da baixa
diferenciação disciplinar do campo acadêmico nacional, justo quando Sérgio

21. ______. 2246 – Resenha intitulada “Visão do Paraíso”, sobre o referido livro. Correio
Paulistano. São Paulo, 08 nov. 1959. s/p. Pt 231 P62; & ______. 2253 – Resenha intitulada
“Visão do Paraíso”, sobre o referido livro. O Diário. Belo Horizonte, 21 nov. 1959. s/p. Pt 238
P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
22. ______. 2250 – Recorte de jornal intitulado “SBH: Visão do Paraíso”, com resenha de
Valdemar Cavalcanti, sobre o livro “Visão do Paraíso”. O Jornal. Rio de Janeiro, 17 nov.
1959. s/p. Pt 235 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

114
Buarque não hesitava em se dizer historiador e era assim lido.23 No fim de
seu texto, Cavalcanti incluiu a “obra” no gênero ensaístico, apreciável pelo
“encanto do estilo de um escritor que dia a dia apura[va] a forma”, de modo
que Visão do Paraíso era um dos grandes “acontecimentos literários de 59”.24
Tal colocação não era disparatada. Isso porque, apesar de ser um dado
pouco conhecido mesmo entre os seus intérpretes, uma vez editada a versão
comercial da tese, esta recebeu o Prêmio “Paula Brito”, de 1960, em concurso
realizado pela Comissão Municipal de Bibliotecas da Secretaria de Educação
e Cultura da Prefeitura do Distrito Federal, então localizada na cidade do
Rio de Janeiro. Mas, sintomaticamente ou não, a distinção veio na categoria
“Ensaio”, ao passo que Pedro Calmon (1902-1985) foi o premiado no domínio
da “História”.25
Esta dificuldade encontrada no público do livro buarqueano de 1959
era latente quando tentavam classificá-lo. Também esse é o caso do artigo
de Sergio Milliet (1898-1966), que lhe realçou as qualidades estilísticas
como impulsos prazerosos à leitura, além de responsabilizar o volume
pela especialização do humanista Sérgio Buarque sem escravizá-lo a tal
movimento.26 Afirmou ainda que, pelo valor do trabalho, ele era tanto poeta

23. Valdemar Cavalcanti era natural de Maceió (AL), mas faleceu no Rio de Janeiro (RJ).
Polígrafo, atuou também no funcionalismo público. Próximo aos 20 anos teria datilogra-
fado os originais de Menino do engenho (1932), de José Lins do Rego (1901-1957), do qual
era próximo ao participar do “Grupo de Maceió”, composto ainda por nomes como os de
Graciliano Ramos (1892-1953) e Raquel de Queiroz (1910-2003). Em 1933, mudou-se para o
Rio de Janeiro (DF), onde colaborou no Diário Carioca e no Diário de Notícias. Para outras
informações a seu respeito, Cf. o Verbete CAVALCANTI, Valdemar. In: COUTINHO,
Afrânio (org.). Brasil e brasileiros de hoje (2 v.). Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1961.
24. Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2250 – Recorte de jornal intitulado
“SBH: Visão do Paraíso”, com resenha de Valdemar Cavalcanti, sobre o livro “Visão do
Paraíso”. O Jornal. Rio de Janeiro, 17 nov. 1959. s/p. Pt 235 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
25. PRÊMIO Paula Brito. Correio da Manhã – RJ, 10 jan. 1960. Hemeroteca da FBN, p. 2.
Devo essa informação à historiadora Nayara Galeno do Vale a quem deixo registrado aqui
o meu agradecimento.
26. Sergio Milliet da Costa e Silva nasceu e morreu em São Paulo (SP). Polígrafo mais
conhecido só como Sergio Milliet, atuou na crítica de arte e literária, foi bibliotecário e tra-
dutor. Formou-se em Ciências Econômicas e Sociais, curso iniciado na Escola de Comércio
de Genebra e concluído na Universidade de Berna (Suíça), em fins da década de 1910 e
começo de 1920. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922 (SP) e, ainda na capital,
foi professor de Sociologia da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), de 1938 a 1944.
Dirigiu a Biblioteca “Mário de Andrade” e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM
/ SP), entre 1952 e 1957. Traduziu muitos pensadores, filósofos, viajantes etc. Quanto a novos

115
quanto historiador e sendo esta última face forjada na crítica literária com a
prática ensaísta, tornando-o comparável a poucos. Em outro ponto, atentou
aos gestos portugueses no Novo Mundo, entendendo-os como frutos de
uma “mentalidade prática” – palavras do crítico – que legara “Camões, um
narrador, e não Cervantes, um sonhador”, além de fazer do país “o milagre
latino-americano”.27
Daí que, apropriando-se de maneira diversa das mesmas razões tomadas
pelo autor para descrever a atenuação plausível dos lusitanos na América,
Milliet registrou que compreendia suas atitudes como cheias de êxitos,
porque tais agentes teriam fitado o céu sem arredar os pés do chão. Ora,
ou isso discordava da tese e/ou os motivos edênicos eram encarados como
mais atuais no Brasil de 1950 do que nos séculos das descobertas. Afinal de
contas, para o resenhista, o país se apresentava como espécie de representante
milagroso do continente e, em referência à “obra” de estreia que lera mais
de duas décadas antes, anotou que, em 1936, o intelectual já havia apontado
a diferença da colonização portuguesa, que preferia o mundo de formas
vivas, palpáveis, a universos abstratos das congêneres europeias. E isso a
deixara em vantagem na assimilação do gentio – as palavras são do crítico.
Eis talvez aí, portanto, o sentido do milagre citado por Milliet: a população
brasileira seguia mestiça, mas este não era mais um dado necessariamente
negativo como nas décadas iniciais do século XX, por mais que o racismo e
suas práticas estivessem totalmente institucionalizados, como infelizmente
prosseguem.
Não foi diferente a percepção de Temístocles Linhares (1905-1993).28
Para este crítico, Buarque de Holanda mostrava como, desde a Idade Média,

dados sobre os seus itinerários e estudos, Cf. SILVA, Renata Rufino da. Sergio Milliet por
seus contemporâneos: uma trajetória singular no modernismo entre o Brasil e a Europa.
In: VENANCIO, Giselle Martins; VALE, Nayara Galeno do; FURTADO, André (org.).
Histórias no singular: textos, práticas & sujeitos. Curitiba: Appris, 2019.
27. Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2255 – Recorte de jornal intitulado
“Visão do Paraíso”, com resenha de Sergio Milliet, sobre o livro. O Estado de S. Paulo. São
Paulo, 06 dez. 1959. s/p. Pt 240 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP [grifos meus].
28. Temístocles Linhares era natural de Curitiba (PR). Foi catedrático de Literatura Brasileira
e Hispano-americana na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Compôs o conselho editorial da revista Letras (1972-1974), que ajudou a
criar em 1953. Colaborou com os jornais cariocas Diário de Notícias, Correio da Manhã, O
Jornal & A Manhã; e com os paulistas Folha da Manhã, O Estado de S. Paulo & Diário de São

116
o Ocidente sonhava com o Éden e considerava os descobrimentos decisivos
às imagens paradisíacas, então mais próximas do que nunca de hortos e
lagos mágicos. Invertendo os sinais daquilo que, na banca da USP, fora um
outro problema enfrentado pela tese, com razão afirmava aos interessados
no assunto que o livro reunia a exata medida do significado dessa incrível
geografia para o Renascimento, pois, a despeito do subtítulo centrado no
Brasil, Visão do Paraíso abordava a existência dos motivos edênicos “em
relação a toda a América”.29 Pela impressionante massa documental e a
análise que não descuidava, segundo as palavras do leitor, do magnífico
estilo, enfatizou que um estudioso da História do tipo puro, sem a vasta
formação cultural de Sérgio Buarque, jamais alcançaria tamanha façanha
na escrita que lhe parecia uma autêntica expressão artística.
Mesmo tendo sido membro da banca, em 1958, Hélio Vianna (1908-
1972) também escreveu uma resenha publicada em três partes na imprensa
carioca, sob a justificativa de que a ata divulgada na Revista de História
da USP resumira muito os debates do concurso. Daí que seus artigos os
explorariam. Mas, ao fim e ao cabo, repetiu quase tudo daquelas páginas,
inclusive a sua fala segundo a qual só por exigência do certame o ensaio
fora chamado de tese.
Atento aos traços que disse terem sido ignorados em ata, o crítico não
percebeu o aproveitamento, pelo autor, da sua réplica quanto ao capítulo III
(“Do Eldorado à Serra da Prata”) possuir a extensão desmedida, segundo
Vianna, de 124 páginas, presente só no rascunho da sua arguição – que
descobri durante o doutorado nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). Afinal de contas, a julgar pela nova estrutura da “obra”,
pode-se inferir que sua fala foi aceita por Sérgio Buarque no livro de 1959. Basta
verificar a nova distribuição apresentada. O longo capítulo III dividiu-se em
III, IV, V e VI, com títulos distintos (a saber: “Peças e pedras”, “O ‘outro Peru’”,
“Um mito luso-brasileiro” e “As atenuações plausíveis”, respectivamente);

Paulo. Para outras informações, Cf. o Verbete LINHARES, Temístocles. In: COUTINHO,
Afrânio (org.). Brasil e brasileiros de hoje (2 v.). Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1961.
29. Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2261 – Resenha intitulada “Da antiga
à nova visão”, de Temístocles Linhares, sobre o livro “Visão do Paraíso”. O Estado de S.
Paulo. São Paulo, 12 mar. 1960. s/p. Pt 246 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

117
o V (“Mundo Velho e Novo Mundo”) virou o VIII (“Visão do Paraíso”); o
antigo VI (“non ibi aestus”) se desdobrou em IX, X e XI (ou seja, pela ordem:
“Voltando a Matusalém”, “O mundo sem mal” e, aí sim, a chamada de “non
ibi aestus”); e sendo mantido os títulos dos capítulos I e II (“Experiência
e fantasia” e “Terras incógnitas”), além das chamadas dos novos VII e XII
(“Paraíso Perdido” e “América Portuguesa e Índias de Castela”).
Ao término de sua análise, Hélio Vianna disse a que veio ao se posicionar
contrário à citação feita em Visão do Paraíso sobre o sentido do projeto luso,
na qual Sérgio Buarque teria comungado as teses de Caio Prado Júnior (1907-
1990), de Formação do Brasil contemporâneo (São Paulo: Martins Editora,
1942).30 O resenhista discordava “da exclusividade dos objetivos econômicos
da colonização portuguesa de nosso país”,31 pois via naquelas atitudes o gesto
construtor da nação. Ao contrário, porém, do que ele asseverara em seu ataque
frontal a parte dos argumentos de Prado Jr., Visão do Paraíso citava, mas não
acatava todas as teses do historiador marxista. Delas muito se aproximou
quanto à expansão do modelo civilizacional europeu, que derivaria das
metas comerciais até então responsáveis por ligar o Mediterrâneo ao mar
do Norte, desde o tempo das repúblicas italianas, mas que as novas rotas na
África e, depois, rumo à América, provocaria um realinhamento de forças no
Velho Continente; apesar disso ter dado preponderância aos reinos Ibéricos,
tornando Portugal uma sociedade com os olhos voltados para o oceano e
gerado um caráter de feitoria nas ações econômicas da Coroa lusa. Destoava,
em especial, da ideia segundo a qual, passados os momentos iniciais da
retirada daqueles produtos que facilmente a terra dava, os progressos no

30. Caio Prado Júnior nasceu e morreu na capital paulista. Tornou-se Bacharel pela Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco (SP), em 1928, quando também ingressou na política.
Fundou, com Monteiro Lobato (1882-1948), na década de 1940, a editora Brasiliense, e
exerceu legislaturas a partir de 1945 pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) da seção de
São Paulo, até 1948, quando seu mandato foi cassado devido ao cancelamento do registro
da legenda pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que a considerou um instrumento de
intervenção estrangeira no país. Acerca de seus percursos e obra, Cf. o Verbete CAIO Prado
Júnior. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/
caio_prado_junior>. Acesso em: 13 jul. 2020.
31. Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2256 – Recortes de jornal intitulados
“Visão do Paraíso (I), (II) e (III)”, com resenha de Hélio Vianna, sobre o referido livro. Jornal
do Comércio. Rio de Janeiro 13, 20 e 27 dez. 1959. s/p. Pt 241 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

118
uso do território se subordinariam às atividades da agricultura.32 Afinal, em
Formação do Brasil contemporâneo, o sentido do projeto colonizador lusitano,
nos dizeres de Prado Jr., iria pressupor um modelo econômico de efetiva
ocupação da costa fundada no tripé latifúndio-monocultura-escravidão.33
Entretanto, com o estudo dos mitos edênicos, Buarque de Holanda
minava um pouco tal análise, pois – desde seus trabalhos sobre as Bandeiras
– ele notava e defendia São Paulo como o nervo central de um complexo
sistema de vias, que ligava o Novo Mundo dos domínios português e espanhol.
Ora, sendo uma Capitania de gente paupérrima, que escravos poderiam ter
senão indígenas? Talvez por isso os negros apareciam pouco em sua “obra” e
sendo o continente africano quase ignorado por completo para não malograr
seu argumento do tosco realismo luso, conforme a crítica feita pelo mesmo
Vianna desgostoso com os motivos econômicos.
Em meio a todas essas questões, Sérgio Buarque foi se moldando como
historiador e sendo modelado através das pautas geracionais e aquelas
defendidas por suas comunidades de leitores. O cume classificatório de sua
autoria como historiador se encontra, portanto, na fortuna crítica de Visão
do Paraíso, apesar deste livro prosseguir meio dividido entre a seara literária
e, positivamente ou não, o ensaio. Esta identidade intelectual era legitimada
pela conquista da cátedra na FFCL-USP e a publicação das recentes versões
estrangeiras de Raízes do Brasil – em italiano, no ano de 1954 (Roma / Torino:
Fratelli Bocca Editori); espanhol, em 1955 (Ciudad de México / Buenos Aires:
Fondo de Cultura Económica – FCE), da terceira edição desta “mesma”
“obra”, em 1956, e pelo surgimento de Caminhos e fronteiras, em 1957 (LJOE).
Cerca de dez anos depois, deixando seu catálogo original junto à casa
José Olympio, o título foi publicado pela empresa outrora concorrente quase
exclusiva, a CEN, como volume 333 da coleção Brasiliana, dirigida por

32. Entre os especialistas há uma enorme discussão a respeito da preferência do termo


“rural” por parte de Sérgio Buarque de Holanda, tendo em vista que “agricultura” denota
uma atividade regular e disciplinada, circunstância que o autor de Visão do Paraíso, desde
Raízes do Brasil, não reconhecia por completo na colonização portuguesa.
33. PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Martins
Editora, 1942.

119
Américo Jacobina Lacombe.34 Nessa época, 1969, Visão do Paraíso reaparecia
aumentada, com reparos, um prefácio de fôlego do autor e coeditada pela
Edusp, então presidida pelo ex-reitor da instituição, Mário Guimarães Ferri
(1918-1985).35
Jacobina Lacombe havia se tornado diretor da Brasiliana em 1956 ao
suceder a Fernando de Azevedo (1894-1974). No período inicial de sua
coordenação, houve um incremento nos títulos da coleção. Entre 1957 e
1961, foram publicados 22 novos livros, uma média de cinco por ano, o que
evidencia a boa fase da indústria editorial brasileira, garantida, entre outros
fatores, por uma legislação favorável à ampliação do mercado editorial
nacional.36
É neste período, portanto, que, mesmo a Brasiliana seguindo certa
tendência de publicar intelectuais polígrafos, nela também foram incluídos
estudos como Os holandeses no Brasil, 1624-1654, de Charles Ralph Boxer
(1904-2000), em 1961, de caráter mais universitário.37 Embora tais escolhas

34. Cf. VENANCIO, Giselle Martins; FURTADO, André. Brasiliana & História Geral da
Civilização Brasileira: escrita da história, disputas editoriais e processos de especialização
acadêmica (1956-1972). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 9, p. 05-23, jan./
jun. 2013.
35. Mário Guimarães Ferri nasceu em São José dos Campos (SP) e faleceu na capital paulista.
Licenciou-se em Ciências Naturais nos anos 1940, quando também concluiu o doutorado,
tudo pela FFCL-USP, e a livre-docência em 1951. Quatro anos depois já era Catedrático de
Botânica nesta instituição. Em 1963 tornou-se Vice-reitor e logo ingressou no Conselho da
Editoria da Universidade de São Paulo (Edusp), que ajudou a fundar, chegando à reitoria da
USP em 1967. Para outras informações, Cf. o Verbete MÁRIO Guimarães Ferri. Disponível
em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/mario-guimaraes-
-ferri>. Acesso em: 1 set. 2019.
36. Cf. VENANCIO, Giselle Martins. Brasiliana segunda fase: percurso editorial de uma
coleção que sintetiza o Brasil (1956-1993). In: DUTRA, Eliana de Freitas (org.). O Brasil em
dois tempos. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. Quanto a Fernando de Azevedo, convém
sublinhar que ele nasceu no município de São Gonçalo de Sapucaí (MG) e faleceu em São
Paulo capital. Graduou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo, tendo sido um dos re-
presentantes-mor do movimento intitulado Escola Nova. Lecionou Sociologia Educacional
no Instituto de Educação e na FFCL-USP como catedrático do Departamento de Sociologia
e Antropologia (1938-1941). No início da década de 1930, fundou e coordenou por anos a fio
(1931-1946), na Companhia Editora Nacional (CEN), a Biblioteca Pedagógica Brasileira (BPB),
da qual fazia parte a série Brasiliana. No plano internacional, foi membro correspondente do
projeto UNESCO para uma Histoire Scientifique et Culturelle de l’Humanité. A propósito de
sua vida e obra, Cf. o Verbete: Fernando de Azevedo. In: ABREU, Alzira Alves de (coord.).
Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
37. Charles Ralph Boxer nasceu em Sandown, na Ilha de Wight (Inglaterra) e morreu no
mesmo país, em Saint Albans. Em 1923, ingressou no regimento de Lincolnshire como

120
revelassem disputas – pois se nota ausências significativas de autores
marxistas, em particular àqueles ligados ao Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb) –, nesta época o projeto se dedicou a uma renovação
intensa, publicando muitos textos inéditos.
Porém, com o avançar dos anos 1960, algumas mudanças ocorreriam
no interior do empreendimento editorial. Ao aceitar um convite para ser
o Presidente da Maison du Brésil, em Paris – casa fundada com o objetivo
de abrigar os estudantes brasileiros que se dirigiam à capital francesa –,
Lacombe deixou o país e a sua temporada no exterior coincidiu com um
período de queda brusca nas publicações da coleção. No ano de 1962, nenhum
título foi publicado, em 1963 apenas dois e, em 1964, cinco. O declínio foi
simultâneo às dificuldades enfrentadas pela indústria editorial no Brasil,
porque nos governos de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) foi
revogada a legislação que dificultava a importação de livros e estabelecidas
novas leis. Estas encareceram o papel importado ainda muito necessário à
indústria nacional.
Além disso, esse período marcou uma diminuição do prestígio de
Américo Jacobina Lacombe, pois ele se envolveu numa polêmica. Ao produzir
um parecer contrário sobre a coleção de livros didáticos intitulada História
Nova do Brasil, lançada em 1964 e logo abortada pelo regime civil-militar
que se instaurou após o golpe de Estado, Lacombe foi acusado de promover a
cassação de seus autores participantes, ao considerá-los adeptos de um certo
materialismo histórico. Tratava-se de um projeto conjunto do Ministério da
Educação e Cultura do governo Goulart e do Iseb, no qual Nelson Werneck
Sodré (1911-1999) era diretor.38

segundo Tenente. Renunciou às Forças Armadas com a patente de Major, em 1947, quando
lhe foi oferecida a cadeira Camões, de estudos portugueses, junto ao King’s College, na
Universidade de Londres, cargo fundado e financiado conjuntamente por Lisboa. Ele ocu-
pou este posto até se aposentar, em 1967, passando então a professor Emérito. Para outros
dados de sua trajetória, Cf. CHARLES Boxer. Magisterial historian of Portugal and its
dark imperial past. Disponível em: <https://www.theguardian.com/news/2000/may/16/
guardianobituaries1>. Acesso em: 13 jul. 2020.
38. Cf. LACOMBE, Américo Jacobina. História Nova. RIHGB, Rio de Janeiro, v. 263, p.
283-302, abr./jun. 1964. Disponível em: <https://ihgb.org.br>. Acesso em: 30 out. 2017; &
SODRÉ, Nelson Werneck. História da História Nova. Petrópolis: Vozes, 1986. Quanto a
Nelson Werneck Sodré, cabe dizer que ele era natural do Rio de Janeiro (DF). Polígrafo,
atuou, sobretudo, como oficial do Exército e professor no Instituto Superior de Estudos

121
Face a esses problemas, a saída encontrada foram as reedições, o que
parece ter dado bom resultado, pois, a partir de 1965, a Brasiliana entrou
numa nova fase de expansão. Nesta, a publicação dos livros foi, muitas
vezes, promovida por coedições com o Instituto Nacional do Livro (INL)
ou com editoras universitárias, a exemplo da citada Edusp. Esta última
emitiu a circular 6.092 em outubro de 1964, explicando suas diretrizes na
matéria e informando que buscaria publicar, nas mais diversas áreas do
conhecimento, obras para o ensino e a pesquisa, desde que fossem de notável
valor e reduzido mercado.39
O que pretendiam era ajudar no barateamento de livros, bastando
que os interessados escrevessem para a Comissão responsável por avaliar
as propostas. Ao saber da notícia a LJOE buscou negociar alguns títulos,
cujos ecos se preservam em correspondências de março de 1965 e fevereiro
de 1967. Nelas se esclarecia que, ao examinar a linha de publicação planejada
em seus catálogos, a casa tinha achado por bem solicitar a análise de vários
livros, mas pedia especial atenção aos de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda. Afinal, registravam que esses se filiavam “à melhor corrente da
nossa historiografia moderna, tornando-se, desde a sua primeira publicação,
elementos de consulta obrigatória para os estudiosos do nosso passado”.40
Ato contínuo, listou alguns volumes. Os de Sérgio Buarque ofertados eram
Raízes do Brasil, que solicitavam a quinta edição, e Caminhos e fronteiras, que
iria para a sua segunda, ambos ou com 3 ou 4 mil exemplares de tiragem, ao
custo de 6 ou 8 mil Cruzeiros (Cr$), respectivamente com e sem subvenção.
Em resposta, por intermédio de seu Presidente, a Edusp recusou, anotando

Brasileiros (Iseb) a partir de 1955. Apoiou o governo Goulart a ascender à Presidência da


República após a renúncia de Quadros (1961), mas acabou interrogado e preso, seguido do
destacamento forçado para as bases militares de Belém (PA). Optando pela reserva, em 1962,
com a patente de General, permaneceu só no Iseb, onde se tornou chefe do Departamento
de História. Com o golpe de 1964, entrou na lista daqueles que tiveram os direitos políti-
cos cassados por dez anos. Para mais dados a seu respeito, Cf. o Verbete SODRÉ, Nelson
Werneck. In: COUTINHO, Afrânio (org.). Brasil e brasileiros de hoje (2 v.). Rio de Janeiro:
Editorial Sul Americana, 1961.
39. Arquivo Livraria José Olympio Editora. LJOE. RLI.75. José Olympio. Relação com
instituição. Edusp. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
40. ______. Carta da LJOE à Comissão Editorial da USP, São Paulo – 24 de maio. 1966. FCRB.

122
em 17 de fevereiro de 1967 que se tratava de “reedições ou de livros de fácil
aceitação no mercado” e que preferia não os incluir “em sua programação”.41
Com efeito, porém, se à LJOE eles recusaram os livros buarqueanos
de 1936 e de 1957, com a CEN seria diferente. Nesta fase, muito produtiva e
heterogênea em termos de títulos no catálogo da editora, destacam-se livros
como a reedição d’Os dois Brasis, de Jacques Lambert (1901-1991), em 1967;
A idade de ouro do Brasil, de Charles Boxer; e Visão do Paraíso, de Sérgio
Buarque de Holanda, ambas em 1969, sendo esta última na modalidade
coedição. Tais publicações se inserem na retomada da Brasiliana que, por
sua vez, também coincidiu com a volta de Lacombe ao país em uma ação sua
mais direta no projeto editorial. Mesmo diante das polêmicas que levantou,
ele se manteve como diretor e tomou para si inúmeras atividades: foi tradutor
e prefaciador e/ou apresentador dos volumes.42
No caso da segunda edição da tese catedrática buarqueana, Américo
Lacombe fez a orelha, na qual, após traçar a sua trajetória no modernismo
e, depois, na crítica – destacando o livro Cobra de vidro –, passou por Raízes
do Brasil e a apresentação desta “obra” de estreia por Gilberto Freyre, para
logo registrar que, em Visão do Paraíso, “aparecem temas básicos da nossa
formação, encarados com uma profundeza e uma objetividade que lhes dão
um relevo até agora não atingido”. Finalmente anotou que a nova versão não
se tratava só de uma leitura para brasileiros, pois pertencia “ao pensamento
historiográfico universal” ao contribuir para a compreensão da “alma latina
do continente”.43

41. ______. Carta da Comissão Editorial da USP à LJOE, São Paulo – 17 de fev. 1967. FCRB.
42. Cf. VENANCIO, Giselle Martins. O homem por trás dos livros: Américo Jacobina
Lacombe na direção da Brasiliana (1956-1993). Curitiba: Prismas, 2019. No que se refere
a Jacques Lambert, faz-se necessário informar que ele nasceu e morreu em Lyon, França.
Concluiu seus estudos escolares em 1919 e, seguindo os passos do pai, Édouard Lambert,
ingressou na área jurídica, a partir de estudos iniciados em 1926, formação que lhe renderia
uma carreira acadêmica na universidade de sua cidade natal, sendo conhecido, mais tarde,
como historiador do direito. No início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ele estava no
Brasil, como titular da cadeira de Direito Comparado na FNFi (RJ), pois integrava o grupo
de professores da missão estrangeira que ajudou a estruturar a faculdade em apreço. Para
obter informações acerca de sua biografia e produção intelectual, Cf. LAMBERT, Jacques.
Disponível em: <https://peoplepill.com/people/jacques-lambert-1/>. Acesso em: 9 set. 2020.
43. LACOMBE, Américo Jacobina. Orelha. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do
Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana”
(v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Edusp, 1969.

123
Talvez o fato de sua tese de cátedra ter saído na coleção Brasiliana sob
Américo Jacobina Lacombe possa ter contribuído para o notável silêncio
que se abateu sobre a segunda edição do livro. Não quero dizer com isso
que o insucesso pudesse se encerrar nas contendas de ordem estritamente
políticas, mesmo porque, a morte do proprietário da Companhia Editora
Nacional (CEN), Octalles Marcondes Ferreira (1901-1973), contribuiu para
esse cenário e, ademais, se houve certo descrédito este foi bem anterior por
se firmar algo diferente na configuração em destaque.44 Pode-se, inclusive,
dizer que o projeto da coleção HGCB, que Buarque de Holanda coordenava
desde fins dos anos 1950 e cujas publicações se iniciaram a partir de 1960,
pela Difusão Europeia do Livro (Difel), certamente contribuiu para lançar
sombras sobre a visibilidade dos títulos mais recentes de seu autor.45
Mas o caso da tese catedrática se mantém frisante no que toca ao tímido
êxito de vendas – afinal isso fora a condição para que a Edusp pudesse coeditar
o livro com a CEN –, porque só atingiria uma terceira edição, mais definitiva,
quase um decênio depois, em 1977. Nesta versão foi acrescentado o relato
do religioso Simão de Vasconcelos (1597-1671) sobre a descrição do Éden
na América portuguesa, que fora censurada de sua Crônica da Companhia
de Jesus (1663) pelas autoridades políticas da Coroa lusa e religiosas do
seiscentos. Atualmente, Visão do Paraíso se encontra apenas em sua sétima
edição, de 2010 (com algumas reimpressões), sendo, no entanto, depois de
Raízes do Brasil, o trabalho mais reeditado. Outros dez anos se passariam
até que a sua primeira tradução fosse concluída, em espanhol – e, até agora

44. Octalles Marcondes Ferreira (1901-1973) nasceu em Belo Horizonte (algumas notas
biográficas apontam Congonhas do Campo – MG) e faleceu em São Paulo (SP), tendo
iniciado suas atividades no mundo editorial ainda em 1919, como auxiliar de Monteiro
Lobato na empresa que este comandava. Mais tarde, tornaram-se sócios e fundaram, em
1925, a Companhia Editora Nacional (CEN). Em 1929, porém, acabou comprando as ações de
Lobato na empresa, convertendo-se em seu único proprietário. Ainda que Octalles Ferreira
não ocupasse mais um cargo administrativo desde os anos de 1960, sua participação foi
marcante em projetos que envolviam autores de grande destaque. Cf. outros dados acerca
de seus percursos no Verbete FERREIRA, Octalles Marcondes. In: COUTINHO, Afrânio
(org.). Brasil e brasileiros de hoje (2 v.). Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1961.
45. Acerca da citada coleção HGCB, em minha dissertação de mestrado aprofundei o tema
da atuação buarqueana para mobilizar, ao menos desde 1957, suas redes de sociabilidade na
direção desse empreendimento editorial que lhe conferiu enorme prestígio acadêmico. Cf.
FURTADO, André. As edições do cânone. Da fase buarqueana na coleção História Geral
da Civilização Brasileira (1960-1972). Niterói: Eduff, 2016.

124
(reviso o presente capítulo em 2020), somente para este idioma –, como
Visión del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del
Brasil, pela Biblioteca Ayacucho, de Caracas, em 1987.46
Esta coleção foi dirigida por Ángel Rama (1926-1983), com fomento do
governo venezuelano, e surgiu para comemorar as batalhas que consolidaram
a Independência da América espanhola, para reunir cerca de 300 volumes
sobre as principais referências “en la literatura, el pensamiento y la historia,
de Nuestra América (la española, portuguesa y francesa) desde sus orígenes
hasta hoy, es decir, desde los poemas de Netzahualcoyotl hasta los grandes
maestros de la literatura actual (Guimarães, Neruda, Carpentier, Borges,
Drummond etc.)”.47
Para tanto, Rama obteve ajuda de Darcy Ribeiro (1922-1997) e Antonio
Candido de Mello e Souza (1918-2017) na elaboração das listas de obras
selecionadas para este projeto iniciado por volta de 1974.48 Trabalhavam à

46. Sobre essa tradução, Cf. o capítulo seguinte da presente coletânea, de autoria da pro-
fessora Giselle Venancio.
47. ROCCA, Pablo. Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil: dos caras de un
proyecto latinoamericano. Tese (Doutorado em Letras). USP, São Paulo, 2006, p. 356. Filho
de imigrantes espanhóis, Ángel Rama nasceu na capital uruguaia, Montevidéu. Bacharel
em Direito nos anos 1940, passou a trabalhar na Biblioteca Nacional de seu país, sendo
funcionário da instituição até 1965. Neste meio tempo, publicou em vários periódicos de
expressão nacional (a exemplo de Marcha), responsabilizou-se por seções literárias de
jornais e começou a ser identificado com o modernismo e, depois, pelo conceito de trans-
culturação que ele mobilizou mais tarde para refletir sobre a América Latina. Em fins da
década de 1960 se integrou aos debates das reuniões de experts da UNESCO, quanto foi
nomeado diretor do Departamento de Literatura Hispano-Americana da Faculdade de
Humanidades e Ciências de Montevidéu, na qual atuava desde 1947. Nos anos 1970 se esta-
beleceu em Caracas, Venezuela, atuando na Universidade Central deste país, onde acabou
conduzindo o citado projeto da Biblioteca Ayacucho, passando depois para a Maryland
University (EUA). A propósito de sua vida e obra, Cf. AGUIAR, Flávio; VASCONCELOS,
Sandra Guardini (org.). Ángel Rama. São Paulo: Edusp, 2001.
48. Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros (MG) e faleceu em Brasília (DF). Diplomou-
se em Ciências Sociais pela ELSP no ano de 1946, especializando-se em Antropologia.
Tornou-se etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), tendo igualmente colaborado
na fundação do Parque do Xingu. Foi também docente de Etnologia da FNFi (RJ), no biênio
1955-1956. Além disso, ajudou a criar a Universidade de Brasília (UnB), na qual foi o seu
primeiro reitor. No governo Goulart, assumiu o Ministério da Educação, sendo ainda chefe
da Casa Civil. Com o golpe de Estado, em 1964, seus direitos políticos foram cassados e ele
precisou se exilar. A partir de então, passou a viver em vários países latino-americanos,
chegando a lecionar na Universidad Oriental (Uruguai). Passaram-se quatro anos desde seu
retorno ao Brasil, em 1976, para que ele conseguisse ser anistiado, em 1980. Ao integrar-se
ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), foi eleito Vice-governador do Estado do Rio de

125
distância porque, nesse ano, desde a primeira reunião planejada entre os
três, somados a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Caio Prado
Júnior, foram boicotados pelo regime civil-militar brasileiro que impediu
a saída do país deste intelectual identificado com o marxismo.49 Contudo,
isso não esmoreceu seus compromissos com o horizonte latino-americano.
Tais debates – sintomaticamente atualíssimos – politizaram as discussões
sobre a cultura diante dos fracassos das esquerdas no continente, quando
também se viram preocupados com a dívida das universidades em relação
à sociedade, além da herança da profissionalização que poderia separar suas
agendas da pauta política.50
Das correspondências que Ángel Rama trocou com Antonio Candido,
pode-se inferir que esses planos, embora imersos na configuração dos
constrangimentos sociais pela onda de golpes de Estado que se alastram

Janeiro no ano de 1982 na chapa liderada por Leonel Brizola (1922-2004). Cf. sua “Biografia”
no site da ABL. Disponível em: <https://www.academia.org.br/academicos/darcy-ribeiro/
biografia>. Acesso em: 9 set. 2020. Já Antonio Candido de Mello e Souza, mais conhecido
apenas como Antonio Candido, é natural da cidade do Rio de Janeiro, tendo falecido em
São Paulo capital. Em 1939, ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e
no curso de Ciências Sociais da FFCL-USP. Finalizou seu Bacharelado e Licenciatura em
Ciências Sociais no ano de 1942. Neste momento, tornou-se professor na citada FFCL como
Assistente da cátedra de Sociologia II, então coordenada por Fernando de Azevedo, já citado.
Mais tarde, em 1945, obteve a Livre Docência em Literatura Brasileira, tendo seu doutorado
concluído no ano de 1954. Lecionou Literatura na Faculdade de Filosofia de Assis (SP), entre
1958 e 1960. No ano seguinte retornou à USP, assumindo um posto de professor Colaborador
junto às disciplinas de Teoria Literária e Literatura Comparada. Aposentou-se em 1978, mas
permaneceu ligado à pós-graduação da USP, orientando trabalhos acadêmicos até o ano
de 1992. Pouco mais de uma década antes, fundou, ao lado de nomes como os do próprio
Sérgio Buarque de Holanda, o Partido dos Trabalhadores (PT). Acerca de sua produção
intelectual e principais reflexões, Cf. JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida. Estudo
sobre a sociologia de Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,
v. 16, n. 47, 127-184, out. 2001.
49. Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (MG) e morreu na cidade do Rio
de Janeiro. Entre o fim dos anos 1920 e início de 1930, ingressou como redator do jornal
Minas Gerais, vindo a se tornar, pouco depois, redator chefe. Em 1942, passou a integrar
o catálogo da prestigiada LJOE, com a publicação do livro Poesias (Rio de Janeiro: José
Olympio), época em que começou a atuar, enfaticamente, em periódicos do eixo Rio-São
Paulo. No ano de 1945 passou a trabalhar na Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (DPHAN), aposentando-se em 1962. Para outros dados, Cf. Carlos Drummond
de Andrade. Vida. Cronologia. Disponível em: <https://www.carlosdrummond.com.br/
conteudos/visualizar/Cronologia#>. Acesso em: 9 set. 2020.
50. Cf. BOMENY, Helena; JOSIOWICZ, Alejandra. O exílio de Darcy Ribeiro e Ángel
Rama: intelectuais, cultura e política na América Latina. Interseções, Rio de Janeiro, v. 19
n. 2, p. 320-346, dez. 2017.

126
nos países de antigo domínio ibérico, contou, igualmente, com os encontros
fomentados pela Organisation des Nations Unies pour l’Éducation, la Science
et la Culture (UNESCO). Afinal, ao escrever da capital uruguaia em 11 de
dezembro de 1967, Rama lhe avisava que havia conhecido Sérgio Buarque em
Lima, na reunião de experts para o debate das culturas latino-americanas, cuja
proposta eles haviam concentrado inicialmente no século XX. O encontro
referido era do comitê de Estudo das culturas latino-americanas, do qual
Sérgio Buarque participou quatro vezes: neste na capital peruana; o segundo
em San José, na Costa Rica, em 1968; o terceiro e o quarto na Ciudad de
México, em 1973 e 1974.51
Dois anos após o último comitê que Buarque de Holanda fez parte,
novas missivas, de 8 e 30 de setembro de 1976, que triangulava a relação
entre eles, nas quais se abordou a tradução de Visão do Paraíso, com a
assinatura do contrato.52
O começo de uma possível arrancada da tese de cátedra parecia se iniciar,
mas não sem concorrências no mesmo plano editorial, pois cabe dizer que
também estava em curso – e mais adiantada – a negociação com Gilberto
Freyre, cujo título Casa-grande y senzala sairia na Biblioteca Ayacucho, em
1977, com prólogo e cronologia de Darcy Ribeiro.53 Já no caso de Visão do
Paraíso, o plano se estenderia ainda por uma década, aparecendo apenas
em 1987, cinco anos após a morte de seu autor, ocorrida em 24 de abril de
1982, e quando também o próprio Ángel Rama havia falecido, morto no ano
seguinte, em 27 de novembro de 1983 e, concidentemente, tal como Octávio
Tarquínio, vindo a óbito devido a um acidente aéreo.
A despeito desse momento representar uma espécie de virada na
trajetória da publicação, o fato é que, com a data, completava-se um ciclo

51. ROCCA, Pablo. Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil: dos caras de un proyecto
latinoamericano. Tese (Doutorado em Letras). USP, São Paulo, 2006, p. 334-335; & Cf. Actes
de la Conférence générale. Quatorzième session (Paris, 1966). Résolutions à l’adresse des
États membres. Sciences sociales, sciences humaines et culture. Archives de l’Organisation
des Nations Unies pour l’Éducation, la Science et la Culture (UNESCO). CFS.67/VI.4/F, 1967.
52. Cf. ROCCA, Pablo. Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil: dos caras de un
proyecto latinoamericano. Tese (Doutorado em Letras). USP, São Paulo, 2006, p. 380-382.
53. Cf. FREYRE, Gilberto. Casa-grande y senzala: formación de la familia brasileña bajo el
régimen de la economia patriarcal. Colección “Biblioteca Ayacucho”. Caracas: Fundación
Biblioteca Ayacucho, 1977.

127
importante desta que pode ser considerada, por assim dizer, a odisseia da
tese de cátedra, logo convertida em Divina comédia buarqueana. Isto é: foi
um Éden historiográfico, porque nas configurações do Departamento de
História da USP – para o qual foi submetida em 1958 –, apresentava um
tema inédito, digno, portanto, de aprovação em concurso, apesar das duras
arguições; um Purgatório receptivo, posto que formado por leitores que
constituíam uma fortuna crítica desorientada, pois embora a figura autoral
de historiador tenha se fortalecido nos anos subsequentes, o livro em si ficara
um tanto perdido, no limbo, em classificações ecléticas que oscilavam entre
a ciência da investigação e a arte da narrativa, mesmo à sombra da coleção
HGCB, por ele coordenada, face ao novo tipo de crítica que se formava na
ocasião; bem como um Inferno editorial – fechando a tríade dantesca –, uma
vez que o texto pareceu ser impresso sempre na hora, lugar e sob a direção
das pessoas – se é possível afirmar desta maneira – erradas.
Novas perspectivas editoriais se descortinaram ao livro em 1992, quando
das efemérides e discussões a propósito do V Centenário da chamada
descoberta da América, sendo o texto impresso pela quinta vez, agora junto à
Brasiliense (SP) e, mais recentemente – repito –, em 2010, momento no qual
saiu pela primeira vez no selo da também paulista Companhia das Letras, que
já detinha os direitos autorais, por exemplo, de Caminhos e fronteiras (desde
1994, momento no qual o livro recebeu a sua terceira publicação) e Raízes
do Brasil (a partir de 1995, momento no qual a “obra de estreia” já entrava
em sua vigésima sexta edição).54 Se a semente deste best-seller igualmente
germinará no jardim das delícias buarqueanas de Visão do Paraíso: os motivos
edênicos no descobrimento e colonização do Brasil e, neste caso, se dará bons
frutos para novos “pecados” dos quadros receptivos, perplexos e um tanto
desorientados ao classificar essa tese-livro, é algo que ainda não se pode
dizer. O fato, porém, é que seus leitores, seguindo a tradição da fortuna
crítica aqui sintetizada, seguirá se deleitando com o Éden acerca do qual o
historiador nos pôs a refletir e, sobretudo, a procurar.

54. Sobre as publicações da tese-livro, Cf. o Apêndice B – As edições-versões e a tradução


de Visão do Paraíso.

128
CAPÍTULO 5

Notícia bibliográfica: breves considerações sobre


Visión del Paraíso na Biblioteca Ayacucho1

Giselle Martins Venancio (UFF)

Visão do Paraíso teve apenas uma tradução. Uma única versão em


língua espanhola, publicada na Venezuela, na coleção Biblioteca Ayacucho,
diferentemente de Raízes do Brasil que conheceu diversas versões em línguas
estrangeiras.2 Visão do Paraíso, no entanto, nesta única publicação no exterior,
foi inserido numa destacada coleção internacional, embora esta tenha
merecido uma acolhida extremamente discreta da imprensa brasileira. A
despeito da enorme importância da coleção, no que se refere aos processos
de compilação e circulação de textos latino-americanos, a edição de Visión

1. Este texto apresenta resultados parciais de duas pesquisas em curso sobre a tradução
de autores brasileiros no exterior. Agradeço ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica
e Tecnológica (CNPq), que financia a pesquisa intitulada No “trânsito geral do mundo”:
traduções de autores brasileiros na Europa e Estados Unidos (1940-1970), mediante uma bolsa
de Produtividade em Pesquisa (2020/2023); e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) que, por meio da bolsa de Cientista do
Nosso Estado (2019/2022), aporta recursos à pesquisa As trad(u/i)ções do Sul: travessias
intelectuais de autores brasileiros na Europa e Estados Unidos (1940-1970).
2. São elas as edições nas línguas italiana (Milão e Roma, 1954; Firenze, 2000); espanhola
(Cidade do México e Buenos Aires, 1955; Buenos Aires, 2016); japonesa (Tóquio, 1971, 1976
e 1993); alemã (Frankfurt, 1995; Berlim, 2013); mandarim (Pequim, 1995); inglesa (Indiana,
2012); & albanesa (Tirana, 2012).

129
del Paraíso3 contou com apenas uma nota, breve, na coluna Opinião, do 1o
caderno do Jornal do Brasil, de 05 de setembro de 1987. Nela, Moacir Werneck
de Castro4 afirmava,
E já que estamos no domínio da cultura, quero registrar um
acontecimento de especial relevância: a publicação da obra de Sérgio
Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, em tradução para o espanhol, na
Biblioteca Ayacucho, de Caracas. É o 125o volume dessa famosa coleção
criada pelo governo venezuelano, em 1974 [...]. O volume intitulado
Visión del Paraíso – motivos edénicos en el descubrimiento y colonización
del Brasil, traz um bem documentado prólogo de Francisco de Assis
Barbosa sobre a vida e a obra de Sérgio. Quando resgataremos a nossa
dívida para com a cultura da América hispânica, nesse campo em que a
Biblioteca Ayacucho nos contempla com tanta dignidade e competência?5

A nota de Werneck de Castro, apesar de curta, apontava questões


fundamentais a respeito da publicação do livro de Sérgio Buarque de Holanda
em espanhol. O texto se inserira na coleção Ayacucho, o que lhe dava um
destacado lugar de reconhecimento e consagração, ao lado de outros autores
considerados os mais representativos do que de melhor havia sido produzido
nas Américas, na visão de seu idealizador, o uruguaio Ángel Rama.6 Um
segundo aspecto destacado pelo articulista do Jornal do Brasil era que o
texto vinha acompanhado de um prefácio de Assis Barbosa que apresentava
a obra de Sérgio Buarque ao público latino-americano, o que, de certa forma,
apontava para um terceiro aspecto importante evidenciado na conclusão da

3. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento
y colonización del Brasil. Tradução de Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.
4. Moacir Werneck de Castro foi jornalista e escritor atuante na imprensa carioca. Iniciou
sua carreira profissional no jornalismo como redator da Revista Acadêmica e Diretrizes.
Posteriormente, nos anos 1940, foi redator dos jornais Tribuna Popular e Imprensa Popular.
Na década seguinte, fundou, com Jorge Amado e Oscar Niemeyer, o jornal Para Todos –
Quinzenário de Cultura Brasileira. Dos anos 50 até 1971, foi redator-chefe do jornal Última
Hora, passando, depois, a atuar como articulista semanal do Jornal do Brasil e do Jornal da
Tarde, de São Paulo. Cf. O ADEUS a Moacir Werneck de Castro. Disponível em: <http://
www.abi.org.br/o-adeus-a-moacir-werneck-de-castro/>. Acesso em: 15 out. 2020.
5. Jornal do Brasil, 1º caderno, coluna Opinião, 05 set. 1987.
6. A propósito de sua trajetória, Cf. AGUIAR, Flávio; VASCONCELOS, Sandra Guardini
(org.). Ángel Rama. São Paulo: Edusp, 2001.

130
nota, de que, apesar da proximidade do autor de Visão com a intelectualidade
da América Latina, ainda havia um grande desconhecimento no Brasil sobre
os autores dos países de língua espanhola, o que também era verdadeiro a
respeito da negligência sobre os autores brasileiros nas Américas.
Para investigar as questões propostas por Werneck de Castro em sua
sucinta nota, este texto – uma breve notícia bibliográfica sobre a publicação
– abordará, de forma resumida, os três aspectos por ele tratados: a coleção
Biblioteca Ayacucho; o projeto articulado por Antonio Candido7 e Ángel
Rama para a inclusão de autores brasileiros num amplo empreendimento
editorial de caráter latino-americanista e a publicação de Visão do Paraíso;
e, finalmente, o prólogo de Francisco de Assis Barbosa e a apresentação feita
por ele sobre a obra de Buarque de Holanda.

Biblioteca Ayacucho e o melhor de nuestra América

La Biblioteca Ayacucho es, finalmente, un homenaje de Venezuela a


la cultura de nuestra América, a la vez que pretende constituirse en el
repositório de su rica tradición literária, subrayando lo que tiene de
lección viva y presente para las generaciones actuales y lo que en ella
convoca a una plena autonomia intelectual y a una amplia unidade
continental.8

Criada por um decreto presidencial do governo venezuelano em 10 de


setembro de 1974, a Biblioteca Ayacucho teve sua primeira Comissão Editorial
formada por José Ramón Medina, Ángel Rama, Ramón J. Velásquez, Oswaldo
Trejo, Miguel Otero Silva, Ramón Escobar Salom e Simón Alberto Consalvi,
acrescida, posteriormente, por Oscar Sambrano Urdaneta, Pascual Venegas
Filardo e Pedro Francisco Lizardo. Os autores que se dedicaram a investigar
o empreendimento editorial Ayacucho são unânimes em destacar a situação

7. Quanto aos seus estudos e percurso, ver JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida.
Estudo sobre a sociologia de Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 16, n. 47, 127-184, out. 2001.
8. Texto extraído da orelha do livro de HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision del Paraíso:
motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil. Tradução de Estela dos
Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.

131
excepcional da Venezuela num contexto político em que a América Latina,
dos anos 70, era “dominada pelas ditaduras militares”. Atribuem o sucesso
do projeto ao apoio do presidente Carlos Andrés Pérez e a presença em
Caracas de Ángel Rama, bem como do editor venezuelano José Ramón
Medina, presidente da “Fundación Biblioteca Ayacucho”.9
O projeto da coleção remetia-se diretamente a uma iniciativa editorial
anterior, desenvolvida pelo escritor venezuelano Rufino Blanco-Fombona,
que, em 1924, “criou em sua editora [...] uma coleção de livros a que chamou
de Biblioteca Ayacucho10 [...] na celebração do primeiro centenário da ‘Batalla
de Ayacucho’”.11
Cinquenta anos mais tarde, em 1974, a coleção Biblioteca Ayacucho
retornaria como projeto editorial, acrescida da ideia de se tornar uma grande
vitrine da produção literária da América Latina. O projeto liderado por Ángel
Rama condensaria seu desejo de contribuir para a integração do continente
e “reescrever a História da literatura latino-americana”, como informou a
Antonio Candido, em carta de 08 de novembro de 1973.12
Inicialmente idealizada e organizada por Ángel Rama (1926-1983), a
coleção contou ainda com o auxílio dos brasileiros Darcy Ribeiro (1922-1997)
e, como já mencionado, Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017) para
a seleção de autores e títulos do Brasil que deveriam integrá-la.
Assim, pode-se supor que partiu de Candido a inclusão do título de
Sérgio Buarque na coleção, pois foi justamente na Ayacucho que Visión del
Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil, veio
a público, em língua espanhola, em 1987.

9. COELHO, Haydée Ribeiro. O papel do intelectual, a cultura e a Biblioteca Ayacucho.


Antonio Candido, Ángel Rama e Darcy Ribeiro. In: AGUIAR, Flavio; RODRIGUES, Joana
(org.). Ángel Rama. Um transculturador do futuro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013,
p. 126 -127.
10. COELHO, Haydée Ribeiro. O Brasil na “Biblioteca Ayacucho”: vertente literária e
cultural. O eixo e a roda: Revista de Literatura Brasileira, Belo Horizonte, v. 18, n. 2, p.
85-103, jul./dez. 2009.
11. A Batalha de Ayacucho data de 9 de dezembro de 1824, quando a Espanha reconhece
a independência do Peru. Sobre o tema, Cf., entre outros, TORRES, José Chaupis. Patria
y nación: Leguía durante el centenario de la Batalla de Ayacucho. Investigaciones Sociales,
Lima, v. 19, n. 34, p. 131-141, jan./jun. 2015.
12. Todas as cartas usadas neste texto foram publicadas no livro intitulado Conversa cor-
tada. Ángel Rama, 08 de novembro de 1973. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada:
a correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 80.

132
Rama e Candido: tramas de amizade e publicação de Visão do
Paraíso na Ayacucho
Em carta datada de 20 de maio de 1982, Antonio Candido informava a
Ángel Rama sobre a morte de Sérgio Buarque de Holanda, ocorrida em 24
de abril daquele ano: “Não sei se você sabe da morte de Sérgio [...]. Era um
dos meus melhores amigos, e sem dúvida o maior intelectual brasileiro. Sei
que você o estimava e lamentará muito”.13
A carta seguinte, imediata resposta de Rama, lamentava não apenas a
morte de Sérgio Buarque, mas, particularmente, o fato dela ter ocorrido antes
de que o livro Visão do Paraíso tivesse sido publicado na Ayacucho. Ángel
Rama afirmava sentir-se “culpado de não ter conseguido” entregar a Sérgio
a edição tantas vezes adiada e “de reparar o desconhecimento imperdoável,
na América hispana, de sua esplêndida obra intelectual”.14
O sentimento expressado por Rama explicava-se por muitas razões.
Afinal, a publicação de Visão do Paraíso na Ayacucho fora projeto de
primeira hora na coleção. O nome e a obra do historiador paulista haviam
sido indicados logo na primeira troca de correspondências entre Rama e
Antonio Candido. E, aliás, foi o próprio Sérgio Buarque de Holanda que
trouxera, de sua visita a Caracas, a carta escrita por Ángel Rama15 a Candido
convidando-o para fazer parte de um novo empreendimento editorial de
caráter latino-americanista, a coleção Biblioteca Ayacucho.
Na carta, Rama, que havia conhecido Candido em janeiro de 1960,
em Montevidéu, quando o crítico brasileiro fora convidado para ministrar
quatro conferências na Universidad de la República,16 e com ele trocava

13. Candido, 20 de maio de 1982. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a correspon-
dência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-americano,
1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 179.
14. Pablo Rocca, organizador da correpondência de Antonio Candido e Ángel Rama,
considera haver um certo exagero na fala de Rama aqui. Rocca afirma que Sérgio já era
conhecido do público hispano falante desde, pelo menos, a publicação de Raízes do Brasil
pela Fondo de Cultura Económica, em 1955. Cf. ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada:
a correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 180.
15. Ángel Rama havia conhecido Sérgio num dos encontros da Organisation des Nations
Unies pour l’Éducation, la Science et la Culture (UNESCO) cujo tema era justamente o
debate sobre as culturas latino-americanas.
16. ROCCA, Pablo apud TORRES, Alejandra Torres. Ángel Rama y la Editorial Arca: una
mirada latinoamericana para un intento de construcción del canon. In: SCHAPOCHNIK,

133
correspondências desde então, falava sobre a criação da coleção e o convocava
para selecionar os textos de autores brasileiros que deveriam compor o
empreendimento:
Aproveito que Sérgio Buarque de Holanda passa por Caracas para lhe,
mandar em mãos, estas linhas e para lhe pedir desde já sua colaboração
para o grande projeto em que estamos metidos. [...] consistirá numa
biblioteca de aproximadamente uns trezentos volumes onde queremos
selecionar os mais importantes autores e obras, na literatura, no
pensamento e na história, de nossa América (a espanhola, a portuguesa
e a francesa) desde suas origens até hoje, quer dizer desde os poemas de
Netzahualcoyotl até os grandes mestres da literatura atual (Guimarães,
Neruda, Carpentier, Borges, Drummond etc.). Conto com você para
toda a parte brasileira.17

A carta de Ángel Rama foi rapidamente respondida por Antonio Candido


em correspondência que listava, em anexo, alguns títulos que considerava
importantes serem considerados para publicação na coleção. Entre eles,
incluía, no que ele sugeria para a série Estudos, o livro de Sérgio Buarque
de Holanda “a sair sobre o Império no conjunto”.18 Não seria este, como se
sabe, o livro do autor que viria a público na Ayacucho. A coleção publicaria,
na década seguinte, a única versão do livro Visão do Paraíso em língua
castelhana.19
Talvez a sugestão inicial de Candido tenha sido aventada pelo fato
de, em sua carta, Rama ter solicitado o envio dos “volumes da História
do Brasil dirigida por Sérgio Buarque de Holanda”. Afirmava que “com o

Nelson; VENANCIO, Giselle Martins (org.). Escrita, edição e leitura na América Latina.
Niterói: PPGH-UFF, 2016. Disponível em: <https://www.historia.uff.br/sharp/livro/down-
load/escrita_america_latina.pdf>. Acesso em: 15 out. 2020.
17. Ángel Rama, 17 de setembro de 1974. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 87.
18. Antonio Candido, 08 de outubro de 1974. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada:
a correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 93.
19. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visión del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento
y colonización del Brasil. Tradução de Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.

134
plano que abraçamos nenhum livro mais necessário que essa História”.20
Tratava-se da coleção História Geral da Civilização Brasileira (HGCB),21
organizada por Buarque de Holanda e publicada entre 1960 e 1972, para a
Difel – posteriormente substituído na direção da coleção por Boris Fausto
(até 1984) – e que, naquele momento, já contava com a publicação do 5º
volume do Tomo II, Do Império à República,22 escrito de forma completa
pelo próprio organizador. O prometido livro sobre o Império Brasileiro, em
seu conjunto, contudo, não seria publicado na Ayacucho. As negociações
que se estenderiam, por meio de trocas epistolares, de meados dos anos
1970 ao final da década de 80, levariam à publicação do livro Visión del
Paraíso na coleção.
Além da sugestão dos textos a serem publicados, em cartas ainda nos anos
70, Rama demandava a Candido a criação de uma comissão de brasileiros
que pudesse propor títulos para a coleção. Candido indica os nomes de
Caio Prado, Buarque de Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Décio de
Almeida Prado, Paulo Emílio, Alfredo Bosi,23 membros da intelectualidade
paulista, conforme afirma Rama em carta de 20 de janeiro de 1976. Quanto
aos títulos, embora ele não esclareça quais haviam sido sugeridos, afirma
que Candido lhe “parecia seletivo demais” e que considerava que se poderia
“conceder maior representação à Colônia e ao Império e também aos textos
sociológicos, folclóricos e etc.”. 24 Assim, em carta de 13 de agosto de 1976,
Rama decide: “À parte os títulos de sua lista, encarei outro volume dedicado

20. Ángel Rama, 17 de setembro de 1974. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-a-
mericano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 88-89.
21. Sobre a coleção, o trabalho mais completo é: FURTADO, André. As edições do cânone.
Da fase buarquena na coleção História Geral da Civilização Brasileira (1960-1972). Niterói:
Eduff, 2016.
22. Cf. FURTADO, André. Do Império à Republica e o término da fase Buarquena: renovação
de teses, embates finais, democracia e civilização. In: ______. As edições do cânone. Da fase
buarquena na coleção História Geral da Civilização Brasileira (1960-1972). Niterói: Eduff, 2016.
23. Ángel Rama, 20 de janeiro de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-a-
mericano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 110-111.
24. Ángel Rama, 20 de janeiro de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-a-
mericano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 110-111.

135
a Machado de Assis, incluindo uma seleção de contos que pedi diretamente
a Alfredo Bosi, de quem estou aguardando resposta e contrato assinado”.25
Ao longo dos anos 1970 e 80, as trocas de correspondências entre os
dois amigos continuariam tratando dos títulos que seriam incluídos na
coleção. Assim, Visão do Paraíso aparece em carta de 08 de setembro de
1976, quando Rama afirma ter recebido o livro, sem saber se isso significaria
uma concordância de publicação na Ayacucho, visto que não havia nenhuma
carta sobre o assunto.26 Em carta seguinte, Candido esclareceria, “ele [Sérgio
Buarque] me disse que concordou com a substituição de Raízes do Brasil
por Visão do Paraíso”.27
Por que essa troca teria ocorrido? Teria sido pelo fato de Raízes do Brasil
já contar com uma tradução para o espanhol desde 1955? Ou teria sido uma
sugestão da historiadora Laura de Mello e Souza, filha de Antonio Candido,
e, de certo modo, também integrante do projeto editorial da Ayacucho?28
Em entrevista a Zuenir Ventura, no caderno Ideias, do Jornal do Brasil,
de 01 de novembro de 1986, por ocasião das comemorações do cinquentenário
de Raízes do Brasil, Laura afirmava que “adorava o livro [Raízes do Brasil],
mas que o livro que fez a cabeça de sua geração foi Visão do Paraíso”, na sua
opinião “menos datado”. Foi, segundo ela, “a partir dele que Sérgio começ[a]ou
a reinventar a história. Visão do Paraíso vai cada vez mais influenciar as
próximas gerações”.29 Livro difícil, erudito, não se pode dizer que ele realmente
foi sendo progressivamente apropriado pela nova geração de historiadores.
Ainda hoje Visão do Paraíso é pouco lido e não há muitos trabalhos que o
utilizam como referência ou que lhe são críticos. No entanto, o interesse de

25. Ángel Rama, 13 de agosto de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a corres-
pondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-americano,
1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 116.
26. Ángel Rama, 08 de setembro de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 122.
27. Antonio Candido, em 15 de setembro de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada:
a correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 124.
28. Laura de Mello e Souza foi autora da cronologia publicada no livro sobre Lima Barreto
na mesma coleção, por sugestão de Antonio Candido.
29. Caderno Ideias, Jornal do Brasil, p. 6-7, 01 nov. 1986.

136
Laura de Mello e Souza pelo livro, e sua participação na Aycacucho, podem
insinuar que partiu dela a sugestão do título.
No mesmo mês de setembro de 1976, Rama responderia a Candido
dizendo que havia enviado a Sérgio o contrato por seu Visão do Paraíso
e que já estava encarando a tradução que seria, em suas palavras, “longa e
lenta”.30 Solicitava ainda o endereço de Maria Odila Dias para que ela pudesse
começar a providenciar o prólogo.
Como se sabe, o prefácio deste livro não seria escrito por esta autora.
Algum motivo, que não conseguimos precisar, fez com que fosse Francisco
de Assis Barbosa seu autor. Contudo, esse assunto não aparece mais na
correspondência entre os amigos Candido e Rama. Talvez porque essa decisão
tenha sido tomada após a morte de Ángel Rama, ocorrida em 1983.

Estranho prefácio de um livro ausente


O projeto editoral da coleção Ayacucho tinha, como se viu, o objetivo
de publicar os mais significativos textos de literatura e estudos latino-
americanos, traduzidos para o espanhol, com prefácio e notas de importantes
e reconhecidos intelectuais. Todos os volumes contavam, assim, com um
prólogo que apresentava a obra, bem como com uma cronologia da vida do
autor e uma exaustiva bibliografia.31 Na coleção, organizadores, compiladores e
prefaciadores ocupavam um lugar de destaque, assumindo um protagonismo
apenas relativamente inferior aos autores dos volumes.
Como se sabe, os prefácios têm frequentemente grande importância
nos livros. São textos ricos em informações sobre o próprio livro, seu autor
e crítica. Textos iniciais, os prefácios portam o objetivo de apresentar o que
vem a seguir, de modo a despertar nos leitores o desejo da leitura. São, na
maior parte das vezes, escritos para provocar um comportamento positivo do

30. Ángel Rama, 30 de setembro de 1976. In: ROCCA, Pablo (org.). Conversa cortada: a
correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto latino-
-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 127.
31. COELHO, Haydée Ribeiro. O papel do intelectual, a cultura e a Biblioteca Ayacucho.
Antonio Candido, Ángel Rama e Darcy Ribeiro. In: AGUIAR, Flavio; RODRIGUES, Joana
(org.). Ángel Rama. Um transculturador do futuro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 127.

137
leitor, “configurando claramente uma situação na qual o discurso proferido
busca[va] engendrar uma prática de leitura”.32
No projeto da Ayacucho, aos responsáveis pelos prólogos cabia a
apresentação do autor e a organização das informações sobre o livro publicado.
Em busca de tornar aqueles que eram considerados os mais importantes
autores brasileiros conhecidos do público dos países americanos de origem
hispânica, a coleção publicou nos seus primeiros 20 anos (entre 1974 e 1994),
diversos autores de língua portuguesa. Todos eles tiveram seus volumes
apresentados por intelectuais brasileiros de grande expressão, como se pode
verificar no quadro abaixo:

Número do Data da
Título Autor Prefaciador / Prólogo
volume publicação
11 Casa-grande y senzala Gilberto Freyre Darcy Ribeiro 1977
Memorias de un sargento de Manuel Antonio de
25 Antonio Candido 1977
milicias Almeida
33 Cuentos Machado de Assis Alfredo Bosi 1978
Arte y arquitetura del Aracy Amaral
47 Aracy Amaral 1978
modernismo brasileño (compilación)
Dos novelas: recurdo del
Francisco de Assis
49 escribiente Isaias Caminha. El Lima Barreto 1978
Barbosa
triste fin de Policarpo Quaresma
52 Quincas Borba Machado de Assis Roberto Schwarcz 1979
Obra escogida. Novela, cuento,
56 Mario de Andrade Gilda de Mello e Souza 1979
ensayo, epistolario
79 Los sertones Euclides da Cunha Walnice Nogueira Galvão 1980
84 Obra escogida Oswald de Andrade Haroldo de Campos 1981
93 Ensayos literarios Silvio Romero Antonio Candido 1982
Sérgio Buarque de Francisco de Assis
125[33] Vision del Paraiso 1987
Holanda Barbosa
33

Fonte: essa tabela foi montada utilizando algumas informações presentes no texto
de COELHO, Haydée Ribeiro. O Brasil na “Biblioteca Ayacucho”: vertente literária e
cultural. O eixo e a roda. Revista de Literatura Brasileira, Belo Horizonte, v. 18, n. 2,
p. 85-103, jul./dez. 2009 e completadas com pesquisas sobre o catálogo da Biblioteca
Ayacucho.

32. VENANCIO, Giselle Martins. A utopia do diálogo: os prefácios de Vianna e a construção


de si na obra publicada. In: GOMES, Angela de Castro; SCHMIDT, Benito Bisso (org.).
Memórias e narrativas (auto)biográficas. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
33. Não foi possível identificar se houve a publicação de algum autor brasileiro entre os
volumes 93 e 125, publicados entre os anos de 1982 e 1987. Atribuímos essa possível ausência
de brasileiros na coleção à morte de Ángel Rama, ocorrida em 1983, e a provável reordenação
da organização da coleção.

138
Para a apresentação do livro Visión del Paraíso: motivos edénicos en el
descubrimiento y colonización del Brasil, pensou-se, inicialmente, num texto
escrito por Maria Odila Dias.34 Porém o volume publicado somente após
a morte de seu autor, Sérgio Buarque, ocorrida em 1982, e de Ángel Rama,
organizador da coleção, em 1983, teve prólogo de Francisco de Assis Barbosa.
A apresentação de Assis Barbosa é um longo texto de cerca de 50 páginas,
no qual ele expõe a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda, desde os seus
primeiros escritos de crítica literária, nos anos 1920, até a publicação de Raízes
do Brasil, em 1936. Por estranho que possa parecer, o prólogo se encerra nos
anos 30, deixando de considerar toda a trajetória e a produção profissional
e bibliográfica de Sérgio Buarque ao longo dos anos 40 e, especialmente,
nos anos 50, quando o livro Visão do Paraíso foi defendido como tese de
cátedra na Universidade de São Paulo (USP) e, posteriormente, publicado.
O prefácio, que tem o título de Formação de Sérgio Buarque de Holanda,
se divide em oito partes: Iniciação literária; São Paulo dos anos 20; Translado
ao Rio de Janeiro; Estética; Sob a névoa (Bajo la neblina); No final dos anos
20; Berlim, 1929 -1930; & Raízes do Brasil.35 Em cada uma dessas partes,
Assis Barbosa destaca aspectos que considerava importantes na trajetória
de Buarque de Holanda, enfatizando, especialmente, suas relações com o
movimento modernista, particularmente, com o modernismo paulista.
De forma profundamente elogiosa, o autor inicia seu prólogo destacando
a enorme erudição de Sérgio Buarque de Holanda que, segundo ele, ainda
estudante da escola preparatória, se dedicava na “antiga Biblioteca Pública
do Estado de São Paulo, na Praça João Mendes”36 à leitura dos cronistas
portugueses do período moderno e à História de Portugal da Real Academia.
Assis Barbosa utiliza, em seu texto, citações de um escrito do próprio Sérgio

34. Maria Odila Leite da Silva Dias fez graduação (1961), mestrado (1965) e doutorado (1972)
em História Social na Universidade de São Paulo – USP. É atualmente Professora Titular
aposentada desta mesma universidade.
35. Todos os subtítulos aparecem aqui traduzidos para o português, embora eles estejam
no prólogo em espanhol.
36. BARBOSA, Francisco de Assis. Prólogo. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision
del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil. Tradução de
Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987, p. IX.

139
Buarque que, na Apresentação do seu livro Tentativas de mitologia,37 refere-
se ao fato de Manuel Bandeira criticá-lo por um “certo casticismo em sua
prosa” e a quem ele responde afirmando:
Só mais tarde comuniquei-lhe que, [...] fui muitas vezes à antiga
Biblioteca do Estado de São Paulo, à praça João Mendes, e ali pude
tomar conhecimento de velhos cronistas portugueses, entre eles, pelo
menos de um do Quatrocentos, o sempre admirado Fernão Lopes.
[...] pois sei que as li, às vezes saltando páginas, em um dos 5 vastos
calhamaços da coleção de Inéditos da História Portuguesa, da Real
Academia [...].38

O texto, como se vê, é quase idêntico ao escrito por Assis Barbosa


no prólogo que, de forma justa, lhe faz referência. Ao utilizar um texto do
próprio Sérgio para apresentá-lo ao público hispano falante, Francisco de
Assis Barbosa ratifica processos de autorrepresentação do autor. Esta é,
contudo, apenas uma das muitas alusões que Barbosa faz ao texto escrito
pelo historiador paulista. Com estrutura praticamente idêntica à organização
dada por Buarque de Holanda ao texto de Tentativas de mitologia, o autor
do prólogo faz menção à crítica de Manuel Bandeira a Sérgio, e destaca
que o gosto deste último pela escrita quinhentista não se devia à beleza da
narrativa dos autores portugueses, mas ao apreço pelo uso da expressão
exata. Mais uma vez, uma citação literal do texto do próprio autor paulista
serve de base para o argumento de Assis Barbosa. Nela, Buarque de Holanda
afirma que o que o conduziu ao uso dos textos quinhentistas, “não foi a
vontade de escrever bem, em um dos sentidos mais comuns da palavra, o
que me conduziu a tais recursos, e sim o desejo de usar de uma linguagem
mais precisa e expressiva do que propriamente bonita”.39
Barbosa acrescenta ao texto que o estilo de Buarque de Holanda havia
sido enriquecido também pela leitura de autores de outros idiomas, pois

37. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Apresentação. In: ______. Tentativas de mitologia.
São Paulo: Perspectiva, 1979.
38. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Apresentação. In: ______. Tentativas de mitologia.
São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 19.
39. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Apresentação. In: ______. Tentativas de mitologia.
São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 20.

140
destaca que Sérgio era um “verdadeiro ‘rato’ de biblioteca e livrarias” e, para
corroborar a sua análise, cita Sergio Milliet que afirmava que a erudição de
Sérgio Buarque humilhava os seus amigos, “mesmo que ele disfarçasse com
uma boa dose de humor”.40
Desse modo, sublinha também o gosto de Sérgio pelo cinema, pela
dança e pelos bailes realizados em São Paulo e Campinas, de forma a criar
para o historiador paulista um lugar de maior proximidade com os amigos
modernistas.
Entretanto, apesar do reconhecimento da grande erudição de Sérgio
Buarque, Barbosa não deixa de citar mais uma vez Manuel Bandeira que
afirmava que “Sérgio talvez não tivesse lido todavia a Ilíada ou a Divina
comédia, porém lia todas as novidades das literaturas francesa, inglesa, alemã,
italiana e espanhola”,41 sugerindo que o historiador paulista se esforçava
para se manter atualizado com o que de melhor se publicava em termos de
literatura no mundo.
Após se referir à formação literária de Sérgio Buarque, Assis Barbosa
passa a descrever a vida literária paulistana, de meados dos anos 1920,
destacando particularmente sua inserção no modernismo paulista. Afirma
que a cidade de São Paulo era “a mais cosmopolita do país, talvez a única”42
e destaca a ação editorial paulistana, mesmo de indivíduos vistos como
distantes do grupo dos modernistas, como é o caso de Monteiro Lobato. São
o modernismo paulista e a própria intelectualidade de São Paulo o centro
do argumento de Assis Barbosa.
Estranhamente, seu texto trata de muitos temas – Semana de Arte
Moderna de São Paulo, Klaxon, Lima Barreto, Partido Comunista, movimento
de 18 do Forte, Centro Dom Vital, repressão ao tenentismo, conflitos entre
Gilberto Freyre e os modernistas, Revolução Constitucionalista de 1932 – mas

40. BARBOSA, Francisco de Assis. Prólogo. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision
del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil. Tradução de
Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987, p. XII.
41. BARBOSA, Francisco de Assis. Prólogo. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision
del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil. Tradução de
Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987, p. XIII.
42. BARBOSA, Francisco de Assis. Prólogo. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Vision
del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil. Tradução de
Estela dos Santos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987, p. XVI.

141
não se refere, em nenhum momento, à Visão do Paraíso, o texto que deveria
apresentar. O prólogo finaliza em 1936, tratando da publicação de Raízes do
Brasil. Nem uma palavra foi escrita sobre o livro prefaciado.
As razões desse estranho prefácio de um livro ausente são, contudo,
ainda difíceis de supor e evidenciar. No entanto, é certo afirmar que resultado
do desejo de Ángel Rama de ampliar o conhecimento literário recíproco
entre os países da América Latina, a coleção biblioteca Ayacucho foi, como
destaca Antonio Candido, “uma das mais notáveis empresas de conhecimento
e fraternidade continental através da literatura e do pensamento”.43
A coleção promoveu a tradução, publicação e difusão de obras literárias, e
mais amplamente, de livros oriundos das áreas de ciências humanas, advindos
dos diversos países latino-americanos. No caso aqui em foco, o livro Visión
del Paraíso: motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del Brasil,
contribuiu para a difusão, nas Américas, de um maior conhecimento da
história e da historiografia do Brasil, bem como colaborou para a legitimação
do nome Sérgio Buarque de Holanda como uma autoria reconhecível44 no
âmbito da América hispânica.

43. CANDIDO, Antonio apud ROCCA, Pablo. Prólogo. In: ______ (org.). Conversa cor-
tada: a correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama. O esboço de um projeto
latino-americano, 1960-1983. Rio de Janeiro / São Paulo: Ouro Sobre Azul / Edusp, 2018, p. 9.
44. Sobre as relações entre o ensaio e a legitimação da autoria, ver: PÉCORA, Alcir. O ensaio
na época da morte do ensaio. Limiar, Guarulhos, v. 5, n. 10, p. 64-79, jul./dez. 2018, p. 78-79.

142
CAPÍTULO 6

Visão eurocêntrica de um Paraíso impossível1

Ronaldo Vainfas (UFF / UERJ)

Visão do Paraíso na obra de Sérgio Buarque


Publicado em 1959, Visão do Paraíso figura entre os melhores livros do
autor, para alguns o melhor de todos e, como se sabe, resultou da tese para a
cátedra de História da Civilização Brasileira alcançada por Sérgio Buarque
na Universidade de São Paulo (USP) um ano antes.
A historiografia sobre a obra de nosso autor é atualmente vastíssima
e qualificada. Limito-me a citar dois historiadores, por razões um tanto
subjetivas, sem prejuízo do reconhecimento historiográfico. O primeiro é João
Kennedy Eugênio, que defendeu tese originalíssima sobre a base organicista,
sobretudo germânica, no pensamento de Sérgio. Fê-lo na Universidade
Federal Fluminense (UFF), sob a minha orientação, e ganhou o Prêmio
Jabuti em 2012.2 O segundo é André Furtado, um dos organizadores da

1. Agradeço os fomentos ao presente texto que contou tanto com financiamentos da Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) quanto
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no qual sou
atualmente Pesquisador de Produtividade nível 1A.
2. EUGÊNIO, João Kennedy. Um ritmo espontâneo: organicismo em Raízes do Brasil de
Sérgio Buarque de Holanda. Teresina: EdUFPI, 2011.

143
presente coletânea, cuja tese, Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio
Buarque de Holanda, historiador desterrado, defendida em 2018, está para
ser publicada. É livro cirúrgico sobre a obra completa de Sérgio conjugando
abordagem teórica e historiográfica.3 Entre um e outro, há uma plêiade de
historiadores com os quais aprendi muitíssimo, comentados em artigo que
publiquei em 2016.4
Motivado a inserir Visão do Paraíso na obra de Sérgio Buarque, e sem
a ilusão de sustentar qualquer originalidade, diria que o livro em foco, além
de atestar a maturidade de um historiador que vinha de longe, marca um
momento de inflexão e, ao mesmo tempo, de continuidade na trajetória
de Sérgio Buarque, não apenas como historiador, senão como intelectual
empenhado em pensar o Brasil. Pensar a formação do Brasil, a história do
país na longa duração, os modelos culturais que presidiram a construção da
nacionalidade – mesclados ou superpostos – bem como a cultura política
derivada de tais modelos.
Visão do Paraíso dá continuidade à obra que Sérgio Buarque havia
até então publicado, antes de tudo pelo que disse acima: o seu empenho
apaixonado em interpretar o Brasil. A nação brasileira, o Estado brasileiro, sua
história e seu povo. Compreender e interpretar os brasileiros de seu tempo à
luz de uma experiência histórica que, no fim dos anos 1950, ainda não tinha
completado meio século. Experiência curta, considerada outras experiências
na história planetária, ocidentais e orientais. Apesar de a história brasileira
ser um século mais velha do que a norte-americana – uma comparação
que Sérgio fez, um tanto implicitamente, em Raízes do Brasil, à diferença
de outros intelectuais, que a realizaram abertamente.5

3. FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda,


historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense
– UFF, Niterói, 2018.
4. VAINFAS, Ronaldo. O imbróglio de Raízes: notas sobre a fortuna crítica da obra de
Sérgio Buarque de Holanda. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 36, n. 73, p. 19-40,
jul./dez. 2016.
5. Para citar três exemplos clássicos de diferentes épocas: PRADO, Eduardo. A ilusão ame-
ricana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933 [1ª ed. 1893]; MOOG, Clodomir Vianna.
Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1985 [1ª ed. 1954]; & MORSE, Richard. O espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

144
Visão do Paraíso também dá continuidade às inquietações do jovem
Sérgio de Raízes porque verticaliza a experiência colonizadora dos ibéricos,
cotejando portugueses e castelhanos. Em Raízes, ao menos na edição
considerada definitiva dos anos 1960, o capítulo inaugural traz por título
Fronteiras da Europa. Refere-se aos reinos de Portugal e a Castela, vanguarda
da expansão oceânica europeia, destacando o que possuíam em comum,
no campo da geografia, voltada para o Atlântico; dos valores, a herança
da Reconquista contra os muçulmanos, do aventureirismo típico de gente
forjada em fronteiras geográficas, culturais e políticas. O tema da fronteira,
neste sentido amplo, sempre foi caro a Sérgio Buarque, talvez pela força
dele na historiografia e nos valores norte-americanos.6 Mais adiante, no
mesmo livro de 1936, o autor atenua as convergências ibéricas, rastreando os
contrastes entre portugueses e castelhanos enquanto colonizadores. Refiro-me
ao capítulo O semeador e o ladrilhador, no qual o semeador é o português e o
ladrilhador o castelhano. Duas metáforas. O português é semeador porque,
segundo Sérgio, ateve-se a uma colonização litorânea, apoiada em uma
agricultura predatória voltada para a exportação, enquanto o castelhano foi
ladrilhador porque interiorizou a colonização desde o princípio, sobretudo
na terra firme, escalando planaltos mexicanos e peruanos, acalentando um
projeto de construir uma civilização hispano-americana na América.
A reforçar o contraste, Sérgio Buarque qualificou a colonização
portuguesa do Brasil como feitorial, epidérmica, fundamentalmente litorânea,
a exemplo do que era praticado na Ásia e na África. Os portugueses, para
nosso autor, viviam embebidos de uma nostalgia do reino, ansiosos por
regressar, tão logo enriquecessem, à custa da terra brasílica e dos povos que
nela habitavam. Sérgio Buarque avança em tal argumento alegando o pouco
caso dos portugueses com a fundação de cidades, no que parece considerá-las
um indício de processo civilizador, ao contrário dos castelhanos, que fizeram
das cidades um marco de sua presença colonizadora.7 As cidades fundadas
pelos portugueses, escreveu Sérgio, ao invés de se governarem pela geografia,

6. TURNER, Frederick Jackson. The significance of the frontier in American History. In:
______. The frontier in American History. New York: Dove, 1996 [1ª ed. 1906].
7. Um excelente paralelo encontra-se no clássico de ROMERO, José Luís. América Latina:
as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, 2009 [1ª ed. 1976].

145
eram comandadas por ela, acompanhavam a silhueta da topografia, daí suas
ruas tortuosas, o desequilíbrio arquitetônico, o improviso que parece ter
prevalecido. Os castelhanos, ao contrário, mesmo quando acoplaram suas
cidades sobre cidades indígenas que existiam há séculos – como Tenochtitlán,
no México asteca, ou Cusco, no império incaico, seguiram o modelo filipino,
com destaque para a famosa Plaza Mayor, em quadrilátero, erigidas em
todas as principais cidades hispano-americanas.
Não é caso, aqui, de questionar este modelo um tanto esquemático
construído em Raízes. Mas vale mencionar aspectos que Sérgio Buarque
deixou de lado ao comparar tais estilos colonizadores. Castela era reino
muito mais populoso do que o pequeno Portugal, que tinha que dar conta
de um império marítimo pluricontinental. Interiorizar a colonização era
tarefa dificílima, comparada à tarefa castelhana. Também vale dizer que os
castelhanos descobriram veias auríferas desde a exploração das Antilhas e
também souberam, muito cedo, da existência de impérios abastados em
ouro e prata no interior do continente. Os portugueses não tiveram a mesma
sorte. Enfim, ousaria dizer que, se o estilo da colonização portuguesa era
feitorial, o melhor título metafórico para esse capítulo seria “O mercador
e o ladrilhador”.
Mas esta minha última opinião vale somente dois tostões. O que
me interessa sublinhar é que Visão do Paraíso retoma o contraste entre
a experiência colonizadora de portugueses e castelhanos – e nisto há
continuidade na obra de Sérgio, ou melhor, retomada – considerando que
tal contraste foi abandonado pelo autor nos anos 1940. Acrescento que Raízes
do Brasil, enquanto projeto, desde fins dos anos 1920 pretendia resultar em
uma Teoria da América – projeto natimorto.8 Visão, repensando Raízes em
nova chave, retoma o contraste luso-castelhano desde o primeiro capítulo,
do que tratarei adiante.

8. Um esboço original do que seria a “Teoria da América” foi publicado por BONFIM,
Manuel. A América Latina: males de origem [1ª ed. 1905]. In: SANTIAGO, Silviano (org.).
Intérpretes do Brasil (3. v.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. O livro teve repercussão
sofrível, muito rejeitado pela intelectualidade brasileira de inícios do século XX. Só nas
últimas décadas foi redescoberto. Sérgio Buarque não o citou em Raízes do Brasil.

146
Enfatizei as continuidades até aqui. Mas onde está a inflexão a que me
referi? Penso que reside no deslocamento de foco que, se em Raízes recaiu
sobre a moral, a sociologia, a ética, quem sabe a cultura política, em Visão se
concentra no Imaginário. Nas expectativas ibéricas acerca do Novo Mundo,
nas narrativas produzidas sobre esta terra até então desconhecida, ignota.
Inspira-se nas utopias, lembrando que no século XVI, na Europa, elas se
tornaram um gênero literário, uma tópica discursiva, a começar pelo livro
do inglês Thomas Morus, intitulado Utopia. Em Morus, obra idealizadora de
uma sociedade perfeita, sem desigualdades sociais ou propriedade privada,
isenta da intolerância religiosa daquele tempo. Uma espécie – porque não
dizer – de Paraíso terreal.
O foco de Visão no imaginário, porém, deu ensejo a alguns equívocos
na interpretação da obra. Comentei o assunto em livro comemorativo dos
noventa anos de nascimento de Sérgio Buarque, em 1992,9 e voltei a ele
no posfácio da obra, publicada em 2010,10 comemorativa da passagem do
quinquagésimo aniversário do livro. Permito-me, aqui, retomar o argumento
contra o que considerei equívocos de interpretação.
Em resumo, sempre discordei, ao analisar Visão, de ser obra precursora
da História das Mentalidades francesa, primeiro porque tal corrente pertence
à terceira geração dos Annales, florescente desde finais dos anos 1960, e
também porque Sérgio Buarque não se apegou sequer aos fundadores dos
Annales quando escreveu sua obra. Não cita Bloch sequer uma vez e apenas
cita duas vezes Lucien Febvre. Neste caso, cita em trecho de O problema da
incredulidade, na edição francesa de 1947, na qual o francês afirma que os
homens do século XVI “ne disaient pas: impossible”.11 Argumento caro a
nosso autor, empenhado em sublinhar o peso do maravilhoso e da religião
nas mentalidades europeias do século XVI. Cita, ainda, outro texto de Febvre,

9. VAINFAS, Ronaldo. Sérgio Buarque de Holanda, historiador das representações men-


tais. In: CANDIDO, Antônio. Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Perseu
Abramo, 1998.
10. VAINFAS, Ronaldo. Posfácio. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do Paraíso: os
motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companha das
Letras, 2010.
11. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 5.

147
publicado em 1952, sobre a transição do gosto pelo concreto para o abstrato
na literatura europeia quinhentista.12
É muito pouco para conectar Visão à História das Mentalidades, não
obstante Febvre tenha cunhado o conceito de outillage mental exatamente
na obra sobre Rabelais e as visões de mundo daquela época. Febvre, sim,
foi precursor das mentalidades. Sérgio, não. Ouso dizer que, nos anos 1950
Sérgio Buarque apenas flertava com a historiografia francesa, embora décadas
depois tenha publicado texto capital sobre as relações entre o historicismo,
que admirava, e o movimento dos Annales, que passou a admirar.13
Nos anos 1950, ao escrever Visão do Paraíso, a historiografia europeia mais
inspiradora era alemã e italiana. No primeiro caso, o livro de Ernst Curtius,
publicado em 1948, numa Alemanha arrasada pela guerra: Europäische
Literatur und Leteinisches Mittelalter (traduzida para o português em 1957
com o título Literatura europeia e Idade Média Latina, pelo Instituto Nacional
do Livro – INL). Costa Lima resume o caso: “foi o estudo da tópica por
Curtius que serviu de principal ferramenta para que Sérgio Buarque pusesse
em movimento e conseguisse um modo de articular sua imensa erudição,
convertendo-a em um precioso instrumento interpretativo sobre a forma
mentis dos colonizadores ibéricos”.14 No caso italiano, o livro de Arturo
Graf,15 várias vezes citado por Sérgio Buarque, Miti, leggende e superstizioni
del Medio Evo (Mitos, lendas e superstições da Idade Média), publicado em
1886. Os dois autores foram guias da concepção de Visão. Franceses, quando
citados, só o foram lateralmente.

12. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 222.
13. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O atual e o inatual na obra de Leopold von Ranke.
Revista de História, São Paulo. v. 50, n.100, p. 431-482, 1974.
14. LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso. In: MONTEIRO,
Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas.
Campinas: Ed.UNICAMP / Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008, p. 523.
15. Arturo Graf (1848-1913) era de ascendência alemã, nasceu em Atenas e viveu na Itália,
onde se formou, vindo a lecionar nas Universidades de Roma e Turim.

148
Entre a Experiência e O “outro Peru”: a tese central da obra
No entanto, fiel ao argumento de que Visão dá continuidade e, ao mesmo
tempo, marca uma inflexão na obra de Sérgio Buarque, menciono o primeiro
capítulo da obra em foco.
Experiência e Fantasia é o título do capítulo que, a meu ver, enuncia
a tese central do autor, na linha da continuidade misturada com inflexão.
Inflexão porque Sérgio desloca a reflexão da sociologia histórica para a cultura
imaginária. Continuidade porque, como já disse acima, o autor retoma
o contraste entre a colonização castelhana e portuguesa, com vantagem,
outra vez, para os espanhóis. Os mitos edênicos transbordam na crônica
espanhola dos descobrimentos – a Juventa, as Amazonas, os Eldorados –
enquanto escasseiam na lusitana, inibidas pelo “realismo pedestre” que
caracterizava o português. É mesmo formidável, comparando Raízes com
Visão, que Sérgio Buarque tenha conseguido valorizar a experiência dos
espanhóis, em contraste com a lusitana, por motivos opostos: em Raízes,
pela racionalidade da colonização em face do improviso português; em
Visão, pela fantasia abundante contra o pragmatismo desencantado. Nos
dois casos, os portugueses ficam amesquinhados na cena.
O “outro Peru” é, a meu ver, o capítulo que demonstra a tese central
de Visão. Sérgio Buarque acentua a mescla, nas narrativas castelhanas, da
espiritualidade e da materialidade, de lendas e riquezas, do Paraíso terreal
e dos metais preciosos. Afirma o autor que, a “geografia fantástica do Brasil
[...] [viu-se] contaminada, desde cedo, por determinados motivos que, sem
grande exagero, se podem considerar arquetípicos”.16 Ao longo do capítulo,
Sérgio precisa a ideia e se corrige, demostrando que tais arquétipos integraram
muito mais a narrativa castelhana do que a portuguesa.
Relaciona tais miragens cobiçosas às “minas preciosas da Índia, guardadas
e exploradas por uma casta de formigas mineradoras, grandes como cães
ou raposas e extremamente agressivas, que impediam a aproximação de
qualquer ente humano”. Menciona, a propósito, Heródoto e Estrabão, além

16. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 65.

149
de autores medievais que relacionavam tais riquezas naturais ao Alíaco,
“certa montanha de esmeralda, que coloca na Líbia, não muito longe, por
sinal, do curso do Nilo”.17 Sérgio Buarque examinou de perto a cartografia
imaginária da Baixa Idade Média, em especial as Imago Mundi, que faziam
confluir a África e Ásia, sem qualquer precisão geográfica, cativa de uma
ideia de outro mundo que misturava riqueza material e salvação espiritual
da humanidade.
Eis uma questão que aproxima Sérgio Buarque da escola francesa das
mentalidades, embora fortuitamente. Jean Delumeau escreveu grande obra
sobre a construção do Paraíso na tratadística cristã, percebendo a mescla
entre riqueza material e salvação da alma, concebida, porém, como um
retorno ao Paraíso terreal perdido por Adão e Eva.18 Jacques Le Goff escreveu
artigo seminal sobre o Oriente no imaginário baixo-medieval, visto como
“horizonte onírico” dos cronistas cristãos,19 tanto pelas tremendas riquezas
inauditas como pela proximidade do Paraíso terreal, localizado na suposta
embocadura dos rios Nilo, Eufrates, Ganges e Tigre. Porém, tais autores
franceses escreveram décadas após Sérgio Buarque, e não conheciam Visão
do Paraíso. Sérgio Buarque preconizou o que os franceses da terceira geração
dos Annales viriam a pesquisar? Já vimos que não. As referências e inspirações
de nosso autor eram outras. Mas talvez por esta similaridade temática,
Sérgio Buarque tenha sido por alguns caracterizado como historiador das
mentalidades avant la lettre. Um equívoco circunstancial e compreensível.
Ainda assim, um equívoco.
A pesquisa cirúrgica que Sérgio Buarque realizou nos anos 1950,
mergulhando em historiadores antigos ou coevos, visava a demonstrar que
a mitologia clássica e a tratadística medieval sobre terras maravilhosas esteve
presente nas narrativas castelhanas sobre o Novo Mundo, porém ausentes,
ou quase, das portuguesas.

17. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 65.
18. DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma história do Paraíso. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
19. LE GOFF, Jacques. O Ocidente medieval e o Oceano índico: um horizonte onírico. In:
______. Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1980.

150
Lembremos de Experiência e Fantasia, capítulo inaugural, no qual
a última é associada aos castelhanos desde Colombo, genovês a serviço
dos Reis Católicos, descrevendo as Antilhas como o Paraíso terreal pela
exuberância natural e pela expectativa de encontrar ouro. Ou frei Gaspar
de Carvajal, dominicano, capelão da expedição de Fransisco Orellana em
busca o Eldorado, autor de Relación del nuevo descubrimiento del famoso
rio Grande, no século XVI, nada menos do que o rio Amazonas, justamente
pelo autor ter visto as amazonas guerreiras da tradição clássica à margem do
rio-mar. Foi esta a razão de o rio ter sido chamado de Rio das Amazonas.20
Ou, ainda António de Léon Pinelo autor de El Paraíso en el Nuevo Mundo
(1656), em cinco livros, que localizou o Paraíso terreal entre o Rio da Prata,
o Madalena, na atual Colômbia, o Amazonas e o Orenoco. Acrescentou que
o fruto da árvore do bem e do mal não era a maçã ou o figo, mas o maracujá,
que os hispânicos chamavam de granadilla e os franceses de fruit de la pasion.
Fantasia castelhana, experiência portuguesa, sem qualquer especial
apreço por miragens edênicas. Escrita por cronistas não raro veteranos no
desbravamento de terras e oceanos ou, quando menos, mui familiarizadas
com a epopeia lusitana. Homens pragmáticos só preocupados em relatar
ao rei o potencial econômico daquela conquista, como escreveu Pero Vaz
de Caminha, que a terra, de tão fértil, “em se plantando tudo dá”. Segundo
Sérgio Buarque, os portugueses da época dos descobrimentos eram cativos
de um “realismo pedestre”. A tal ponto de, segundo Sérgio, sequer os anjos
voavam, na iconografia religiosa. Nosso autor não resiste a comparar a
crônica castelhana do Novo Mundo, de cariz edênico, com “aqueles sete
parágrafos de Simão de Vasconcelos” – jesuíta português do século XVII.21
O “outro Peru” é uma expressão que ocorre a Sérgio Buarque a propósito
da ambição do governador da Bahia, Diogo Botelho, que acalentava a
“esperança de governar outro Peru ou uma segunda Índia”, quem sabe porque

20. Luiz Mott aprofundou o tema das mulheres guerreiras registradas pelos castelhanos
no que veio a chamar-se Rio das Amazonas. Cf. MOTT, Luiz. As amazonas: um mito e
algumas hipóteses. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). América em tempo de conquista. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
21. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 135.

151
o território luso-brasileiro se ia alargando terra adentro, ultrapassada a
fronteira de Tordesilhas em meio à União Ibérica. Nesta altura Sérgio Buarque
não conhecia as denunciações da Segunda visitação do Santo Ofício à Bahia,
em 1618, na qual o mesmo governador é citado por promover orgias no
palácio soteropolitano, denunciado por um pajem de obrigar guardas a
terem relações sexuais uns com os outros, nas quais ele atuava no mínimo
como voyeur.22
Orgias a parte, prevaleceu, na crônica portuguesa, a miragem utilitária,
a busca de riquezas, a descoberta de ouro, que custou muito a chegar, e nisto
Paulo Prado identificou a principal frustração dos colonos portugueses nos
dois primeiros séculos.23 Os eldorados portugueses seriam menos encantados,
porém concretos. “Os das minas, certamente, mas ainda o do açúcar, o
do tabaco, de tantos outros gêneros agrícolas, que se tiram da terra fértil,
enquanto fértil, como o ouro se extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem
retribuição de benefícios”.24 Novamente aqui, inspiradíssimo na escrita,
Sérgio retoma o contraste entre a colonização civilizatória e culturalmente
mais rica dos castelhanos e a colonização predatória dos portugueses.
Nos itens seguintes, vou ousar esboçar algumas críticas à obra cuja
monumentalidade é indiscutível. Evitando, porém, repetir o que outrora
escrevi, lançarei foco sobre três questões a meu ver cruciais sobre a ideia de
Paraíso presente em Visão:
A) Trata-se de um Paraíso que, algumas vezes, mistura tópicas edênicas
do discurso cristão, devidamente relacionadas com mitos antigos e medievais,
com outras que nada têm a ver com o Éden ou o Jardim das delícias onde
viveram Adão e Eva antes do pecado original. O melhor exemplo encontra-
se no capítulo sobre a presumida presença de São Tomé em solo brasílico
desde priscas eras, uma lenda transportada da Índia para o Brasil pelos

22. VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.
Rio de Janeiro: Campus, 1989, p. 227.
23. O tom não esmorece no capítulo dedicado por Paulo Prado à “Cobiça”, antes de tudo
vista na obsessão avassaladora pelo “ouro, ouro, ouro”, de que o Brasil era falto no início,
ao contrário da América Espanhola.
24. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 323.

152
portugueses. O que São Tomé tem a ver com o Éden? Nada. São Tomé tem
a ver com narrativas do Novo Testamento, que aludem ao apóstolo que só
acreditaria na ressurreição de Cristo se a visse com os próprios olhos. Carente
da fé, o apóstolo cético foi punido com a obrigação de pregar nas finisterras
do mundo. Eis uma confusão que por vezes ocorre na obra: a utilização de
narrativas religiosas cristãs sobre tópicos diferentes dos registrados no livro
hebreu do Gênesis, como pertinentes a um imaginário edênico, quando são,
na verdade, apostólicos. Não desenvolverei esta crítica em minúcia, mas, no
decorrer do capítulo, creio que ela ficará esclarecida.
B) A ideia de Paraíso na obra é circunscrita à cultura letrada, uma opção
legítima do autor que, no entanto, não chegou a explicitá-la, deixando-a
subentendida. O resultado é que o Paraíso terreal de Visão é, antes de tudo,
um conjunto de superposições, mesclas e justaposições entre mitologias da
Antiguidade Clássica, textos medievais sobre as maravilhas do Oriente e
projeções de tudo isto no imaginário presente nas narrativas ibéricas sobre
o Novo Mundo. Os indícios de ideias de Paraíso terreal no Novo Mundo,
inclusive no Brasil, não registrados em livros publicados, Sérgio Buarque deixa
de lado. É como se a ideia do Paraíso terreal resultasse de uma intercessão
de narrativas escritas – temporal e espacialmente distintas.
C) O Paraíso terreal em Visão é fundamentalmente uma ideia ocidental.
Uma viagem de ideias no tempo e no espaço que, quando se fizeram presentes
no Novo Mundo, exprimiram um percurso literário europeu, particularmente
ibérico e preferencialmente castelhano. Os povos nativos aparecem, no
máximo, como coadjuvantes, informantes que confirmam ou não as ilusões
dos conquistadores ibéricos. Por vezes, Sérgio admite que mitologias nativas
tiveram algum peso nas miragens ibéricas, adensando-as, nada além disso.
Se houve, em várias culturas ameríndias, um horizonte utópico similar ao
do Paraíso terreal do imaginário cristão-ocidental, Sérgio mal cogita da
hipótese, embora não a ignore completamente.

Um Paraíso da cultura letrada


A tese contida em Visão do Paraíso, herdeira em parte e Raízes do
Brasil, abriga uma interpretação fundamental da história ibérica no Novo

153
Mundo. Implica em comparação sistemática entre lusitanos e castelhanos,
abre inúmeras sendas de reflexões, estimulando – como estimula –, projetos
de pesquisa inovadores.
Mas é tese exclusivamente ancorada em uma perspectiva ocidental.
Ibérica, antes de tudo, mas também europeia, tantas são as evocações de
franceses, ingleses e italianos que escreveram no mesmo tempo. Uma tese não
só sobre o Brasil – embora já seja muito – senão sobre a história europeia na
época do Renascimento, sem deixar de contemplar, à farta, textos religiosos,
tratados e crônicas medievais, além de autores da Antiguidade greco-romana.
Maior erudição impossível.
A tese central se comprova, ainda, pela escassez de textos fantasiosos na
crônica portuguesa, presentes apenas em passagens de alguma carta inaciana,
em qualquer comentário tímido de um Pero de Magalhães Gandavo, nos
modestos parágrafos de Simão de Vasconcelos. Quando concluiu Visão, em
1958, ainda sob o formato de tese de cátedra, Sérgio não conhecia a narrativa
quiçá a mais edênica sobre o Brasil escrita por autor português, Pedro de
Rattes Henequim. Este já estaria condenado à exclusão da obra de Sérgio, se
me permitem dizê-lo, porque jamais escreveu qualquer livro. Henequim era,
porém, um homem de formação letrada, filho do cônsul holandês em Lisboa,
e da portuense Maria da Silva e Castro. Estudou por dez anos gramática e
latim com o cura paroquial de Oeiras e depois mais três anos no Colégio
inaciano de Santo Antão, em Lisboa. Um ano de Filosofia, dois de Teologia.
Aspirava a tornar-se sacerdote, mas foi para Minas Gerais por volta de 1702,
animado por tornar-se um homem rico. Abandonou o sonho seminarista
em favor da cobiça, diria Sérgio.
O que se sabe sobre Henequim consta de um processo da Inquisição
Portuguesa de mais de mil fólios, depositado no Arquivo Nacional da Torre do
Tombo (ANTT), base de dois livros importantes publicados nos anos 1990, o
primeiro por Plínio Freire Gomes,25 o segundo por Adriana Romeiro.26 Sabe-
se, assim, que Henequim regressou a Lisboa, em 1724, longe de acumular a

25. GOMES, Plínio Freire. Um herege vai ao Paraíso: cosmologia de um ex-colono condenado


pela Inquisição (1680-1744). São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
26. ROMEIRO, Adriana. Um visionário na corte de d. João V: revolta e milenarismo nas
Minas Gerais. São Paulo: Humanitas, 2001.

154
riqueza desejada, tentou ordenar-se padre, mas se casou, teve filhos. Por volta
de 1732 foi preso pela justiça secular sob suspeita de conspirar contra o rei,
do que jamais se encontrou prova confiável. Mas como era dado a falar de
religião com certa liberdade acabou encaminhado ao Santo Ofício de Lisboa
sob acusação de heresia. Foi réu de tamanha eloquência que terminou seus
dias condenado à morte pela Inquisição.
As tais heresias de que foi acusado eram muitas: a Virgem Maria era
andrógina, uma virgem varonil; Adão nascera no Brasil; Deus se comunicava
com a corte celeste em português; o Quinto Império do Mundo estava
próximo. Ecos de várias crônicas ou sermões, algumas parecidas às que
escrevera Léon Pinelo, outras muito parecida aos escritos de Antônio Vieira,
mormente sobre o advento do Quinto Império, encabeçado por Portugal.
Henequim era letrado e afirmou sua intenção de escrever um livro chamado
“Paraíso restaurado”.
Os comentários de Henequim sobre o Paraíso terreal são os que
interessam aqui. Podemos divisá-los na ideia do Adão brasileiro, mas este
não foi o único. Assim como Pinelo nomeou rios sul-americanos como os
quatro rios em cuja embocadura se localizava o Paraíso, porém destacou o
Brasil, particularmente as terras entre os rios Amazonas e São Francisco.
Para ele, o Jardim do Éden ficava, provavelmente, nas Minas Gerais, capitania
que só foi oficializada nos anos 1720, pouco antes de nosso visionário voltar
ao reino. Henequim estava convencido de que o homem fora criado na
América do Sul. Foi provavelmente inédita a sua ideia de que o fruto do
pecado original era a banana, o que jamais se cogitara na bibliografia erudita
até então, religiosa ou laica, antiga, medieval ou moderna.
Sérgio Buarque só se referiu a Henequim no prefácio à segunda edição
de Visão do Paraíso, em 1968, e com certeza não leu o manuscrito no ANTT,
do contrário não diria que ele foi condenado pela “Relação de Lisboa, por
acórdão de 21 de junho de 1744”.27 Não serei eu a criticar nosso autor maior
por desconhecer a processualística inquisitorial que, quando sentenciavam
réus “à justiça secular”, condenavam-no à fogueira, não à Relação de Lisboa.

27. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Prefácio à segunda edição. In: ______. Visão do Paraíso:
os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333).
2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Edusp, 1969, p. XXIII.

155
O documento citado por Sérgio existe, e não deixa de ser uma descoberta: de
fato, a Relação registrava o procedimento condenatório baseado na sentença
inquisitorial. Não encontrei algo assim, nos quase 30 anos de pesquisa, em
qualquer processo de “relaxados”, tampouco os especialistas o encontraram.
É uma súmula da sentença inquisitorial que remete aos inquisidores, é claro,
acrescida da pena que as Ordenações Filipinas reserva aos hereges. Nosso
autor, aqui, parece não ter consultado o processo, dando a impressão de que
o réu foi condenado à morte pela justiça secular. E não se trata de filigrana,
porque houve quem aventasse que Henequim conspirava contra d. João V
em favor do Infante d. Manuel.
Paciência. É mesmo caso de lastimar, isto sim, que Sérgio não tenha dado
qualquer atenção às ideias de Henequim, que o processo de mais de mil fólios
oferece à farta. As ideias de Henequim, aliás, longe de colocarem sua grande
tese em xeque, confirmam-na plenamente, pois é caso absolutamente singular
na América Portuguesa. Não há vários Henequins. Mas é pena, repito, que
as ideias de Henequim não tenham passado pelo crivo de Sérgio Buarque.
Aliás, Henequim era tão audacioso que, considerando suas próprias
exegeses sobremodo complexas, pediu aos inquisidores, logo no primeiro
interrogatório, que lhe dessem papel e pena para escrevê-las. Recusava a
cultura oral como veículo e saber legítimo. Como não tinha status de homem
douto, os inquisidores recusaram o pedido – ao contrário do que fizeram com
Vieira, por exemplo, cerca de 100 anos antes – e o mandaram falar sobre suas
culpas. O registro escrito era da conta deles, os juízes. Sérgio Buarque, por
mero acaso, agiu como os inquisidores, que só fizeram cumprir o regimento,
não humilhar o réu. A coincidência fortuita e infeliz reside em que nosso
historiador e o Santo Ofício não reconheceram em Henequim, cada um a
seu modo, como letrado de boa estatura intelectual. Os sete parágrafos de
Simão de Vasconcelos são tão insignificantes diante da obra de León Pinelo,
afirmou Sérgio, como o são em face das ideias de Henequim, afirmo eu.
É certo que ele mesmo, Henequim, estava demasiado convencido de
sua sabedoria, a ponto de insultar os inquisidores, soberbo, chamando-os de
ignorantes, exigindo que lhe fosse permitido expor suas exegeses ao papa,
em Roma. Henequim era o tipo de réu que os inquisidores não poupavam,
por mais que insistissem para que confessasse seu erro em troca do perdão

156
capital. No jargão inquisitorial, Henequim era incorrigível e pertinaz –
teimava em sustentar suas ideias como verdadeiras, ainda que sob risco de
vida. Poucos réus da inquisição ousaram tanto. Foi condenado à fogueira,
isto é, a ser relaxado à justiça secular – talvez por isso Sérgio Buarque, pouco
familiarizado com as lides e normas do Santo Ofício, repito, tenha atribuído a
sentença ao tribunal régio. Isto porque a Inquisição, como tribunal religioso
encarregado de julgar crimes contra a fé católica, não explicitava a pena de
morte escancaradamente, senão através daquela fórmula. Significava que
o réu, por incorrigível, devia ser relaxado (submetido) ao castigo secular
que, nas Ordenações Filipinas, Livro V, previam a morte na fogueira para
hereges deste jaez.
Sérgio Buarque, malgré lui-même, excluiu o valioso ideário de Henequim,
e o próprio personagem, de Visão do Paraíso. Compreende-se, aceita-se. Não
fosse tal omissão e talvez não tivéssemos os importantes livros já citados de
Plínio Gomes e Adriana Romeiro. Mas confesso aos leitores que lamento a
mencionada omissão. Henequim é um expoente da “visão do Paraíso” de
cariz luso-brasileiro. Expoente graúdo, o maior deles.

Mito luso-brasileiro ou ibero-ameríndio?


Omissão mais eloquente diz respeito à contribuição dos nativos à
sacralização do Novo Mundo, inclusive no tocante ao Paraíso terreal. É
certo que as narrativas dos povos nativos sobre a existência de uma terra ou
tempo míticos só aparecem, basicamente, em fontes ibéricas. Passaram pelos
filtros culturais de cronistas católicos, não raro religiosos, sobre o que há farta
bibliografia atualmente. Não no final dos anos 1950, comparativamente às
últimas décadas. Os diversos Paraísos ameríndios podem ter sido inventados
ou cristianizados pelos intérpretes europeus, logo eurocêntricos. Podem,
também, no entanto, ter sido reinterpretados pelas mitologias heroicas de
tais povos, apegadas a uma visão cíclica do tempo, convencidas de que o
mundo era criado e recriado inúmeras vezes, cada destruição preludiando
uma restauração idealizadora.28

28. VAINFAS, Ronaldo. Idolatrias e milenarismos: a resistência indígena nas Américas.


Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, p. 29-43, jan./jun. 1992.

157
Sérgio Buarque não considerou tais hipóteses, muito raras na
historiografia do meado do XX, embora não na etnologia. Paciência, Sérgio
Buarque não se dedicou, na obra, a fazer qualquer espécie de etno-história,
senão uma história do pensamento ocidental acerca do Paraíso. É, como
ele mesmo disse, a “biografia de uma ideia”, não de um mito, e se for mito,
um mito cristão-ocidental.
Em todo caso, os nativos aparecem muito em Visão do Paraíso. Mas
aparecem, quase exclusivamente, como coadjuvantes inevitáveis, informantes
dos cronistas portugueses e espanhóis, não raro em diálogos equivocados,
pela falta de conhecimento mútuo das línguas em causa. Não custa lembrar,
a propósito, que o único intérprete levado por Colombo na viagem de 1492,
era tradutor de árabe, intérprete inútil, cuja ação resultou em tremendos
mal-entendidos.29 Na viagem de Cabral ao Brasil, Caminha registrou outros
diálogos delirantes, fruto da mistura de linguagem gestual e do entendimento
fonético completamente errôneo.
Mas Sérgio Buarque reservou aos nativos papel secundário na invenção
do Paraíso terreal como ideia. Basta ler a obra com atenção para constatar
que os indígenas pouco aparecem designados a partir de alguma identidade
autoconstruída. O índice remissivo de Visão não inclui quaisquer personagens
graúdos da história ameríndia como Atahualpa, Montezuma, Cuauhtémoc,
Araribóia e outros. Não que tais personagens sejam importantes para resgatar
a versão nativa do Paraíso terreal, mas um ou outro episódio, aqui e ali,
talvez merecessem comentário. Malinche, em particular, é uma ausência
digna de nota. Foi uma intermediária cultural exemplar,30 açulou Cortez
a buscar as riquezas do império asteca, conquistando-a. E se o Paraíso
terreal, como demonstra Sérgio, tem a ver não só com redenção espiritual,
mas com prosperidade material, a jovem maia Malintzín foi injustamente
retirada de cena.

29. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins
Fontes, 1983, p. 3-50.
30. Tzvetan Todovov escreveu: “A Malinche glorifica a mistura em detrimento da pureza
(asteca ou espanhola) e o papel de intermediário. Ela não se submete simplesmente ao outro
[...], adota a ideologia do outro e a utiliza para compreender melhor sua própria cultura, o que
é comprovado pela eficácia de seu comportamento”. In: TODOROV, Tzvetan. A conquista
da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 98.

158
Causa certo espanto a omissão de personagens ameríndios, como sujeitos
da história, sobretudo porque Sérgio Buarque foi um dos pioneiros em
demonstrar o peso decisivo de índios e mamelucos na expansão portuguesa
para o Oeste, em Caminhos e fronteiras, escrito na década de 1940.31 Papel
decisivo no conhecimento das trilhas, na tecnologia da navegação fluvial,
no modo de encontrar alimentos na floresta, na pesca, no combate às feras,
na extirpação de venenos por mordida de serpentes. O Sérgio Buarque
de Caminhos fez, para São Paulo e para o bandeirantismo, o que Gilberto
Freyre fizera em Casa-grande & senzala, sustentando a primazia africana na
conformação da formação cultural nordestina, como uma vitória cultural
da senzala sobre a casa-grande. Em Sérgio de Caminhos, esta primazia é
indígena e decisiva para a epopeia bandeirante.
Afirmar que Sérgio desprezava o protagonismo indígena na colonização
seria, portanto, um disparate, considerando seus estudos dos anos 1940.
Mas em Visão, repito, os nativos são coadjuvantes, informantes, por vezes
“maus informantes”, pois diziam que os eldorados estavam mais adiante, não
raro mui longe, para afugentar os ibéricos. A demonstração desta crítica
encontra-se estampada no capítulo “Um mito luso-brasileiro”, dedicado a
rastrear os vestígios da peregrinação de São Tomé em terra brasílica. Tomé
fora apóstolo que duvidara da ressureição de Cristo, após a Paixão, afirmando
que só acreditaria nisto se visse, de olhos abertos, o Cristo ressuscitado.
Fora por isso condenado a pregar nos confins da Terra, na Ásia, na África,
em terras ignotas.
Pois Sérgio abre o capítulo afirmando que “Pode-se, quando muito,
apontar um mito da conquista cuja difusão esteve a cargo dos portugueses e,
em contraste com os demais, foi do Brasil que se expandiu para o Paraguai,
o Peru e o Prata”.32 Da difusão da hagiografia de São Tomé, Sérgio deu lição,
lembrando que os portugueses a conheciam havia tempos.

31. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companha das
Letras, 1992 [1ª ed. 1957].
32. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 104.

159
Não foi certamente novidade, para os portugueses quinhentistas, a lenda
da pregação de São Tomé Apóstolo na Índia, já largamente divulgada
e mesmo canonizada, ou da existência ali de seu verdadeiro sepulcro,
mencionado em numerosas relações medievais do Oriente [...], sem
falar na famosa carta do Preste João.33

Nesta última versão, São Tomé também havia estado na Etiópia, e não
tardaria a migrar para o Novo Mundo. Tal percurso é chave em Visão: a ideia
do Paraíso medieval formulada pela cultura erudita de inspiração cristã, um
pouco pagã, localizava o Éden no Oriente, admitia também que podia estar
na África e acabou migrando para a América. Penso haver certa confusão,
neste caso, pois nem tudo o que é cristão pode ser considerado edênico. Há
pouca afinidade entre a ideia do Paraíso terreal do Gênesis hebreu, e a ideia
do apostolado cristão, presente no Novo Testamento. Nada há de comum
entre Adão e Tomé. Em todo caso, o certo é que várias narrativas ocidentais
sobre o Oriente migraram para a América, resvalando, por vezes, em partes
d’África,34 como demonstrou François de Medeiros em livro original.
Sérgio Buarque sustenta, no capítulo “Um mito luso-brasileiro”, que a
lenda de São Tomé foi levada ao Brasil pelos portugueses, e dali se espraiou por
terras hispano-americanas, mencionando o Paraguai, o Rio da Prata e o Peru.
Foi caso único, afirma o autor, antes de tudo porque os portugueses não eram
chegados a fantasias e, quando muito, adotaram narrativas castelhanas neste
sentido sem qualquer entusiasmo. Há também certa imprecisão geográfica
nas considerações de Sérgio sobre a divulgação da lenda de São Tomé na
América Hispânica.
Escrevendo nos anos 1974, cerca de 15 anos após a primeira edição de
Visão, o francês Jacques Lafaye afirmou e demonstrou que a lenda de São Tomé
ou São Tomás – dá no mesmo – na América ibérica, resultou do encontro de
textos bíblicos com fatos novos e crenças da Antiguidade. Reconhece, como
Sérgio, uma certa primazia portuguesa nesta difusão, citando Manuel da
Nóbrega e outros, mas detalha com mais cuidado a conexão entre São Tomé

33. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 105.
34. MEDEIROS, Françoise de. L’Occident et l’Afrique, XII-XV siècle. Paris: Karthala, 1995.

160
e heróis de várias mitologias nativas: o Pay Zumé ou Sumé, no Brasil e no
Paraguai; Viracocha ou Bochica, no Peru e no Equador incaicos, demiurgos
benfeitores de diversas mitologias heroicas indígenas. Lafaye também faz
referências aos Chibchas, na atual Colômbia, e aos Mapuches, no Chile.35 O
maior exemplo da tese reside na combinação entre São Tomé e Quetzalcóatl,
emblema da mitologia asteca, uma espécie de horizonte utópico que valorizava
a paz e o autossacrifício em terra que celebrava a guerra e os sacrifícios
humanos em honra de vários deuses. Lafaye prova, em suma, que a lenda
de São Tomé no mundo ibérico colonial não foi luso-brasileira, tampouco
exclusivamente ibérica. Resultou de um encontro e da mescla, repito, de
culturas nativas com a bagagem cristã de castelhanos e portugueses.
Sérgio Buarque percorre, com a maestria habitual, diversas narrativas
portuguesas para demonstrar que pelo menos esta lenda não foi invenção
espanhola, examinando documentos jesuíticos do século XVI, relatos em
que os inacianos buscaram, infrenes, as pegadas do apóstolo no Brasil
quinhentista. Mas em tais relatos, Sérgio percebe os nativos como informantes,
coadjuvantes, nada mais.
Isto quer dizer que nosso autor deixou este processo à sombra em Visão
do Paraíso? Seria injusto afirmá-lo, sobretudo a partir de um certo parágrafo
de nosso autor no mesmo capítulo:
Parece de qualquer modo evidente que muitos pormenores dessa
espécie de hagiografia do São Tomé brasileiro se deveram sobretudo à
colaboração dos missionários católicos, de modo que se incrustaram,
afinal, tradições cristãs em crenças dos primitivos moradores da terra.
Que a presença das pegadas nas pedras se tivesse associado, entre estes,
e já antes do advento do homem branco, à passagem de algum herói
civilizador, é admissível quando se tenha em conta a circunstância de
semelhante associação se achar disseminada entre muitas populações
primitivas [...].36

35. LAFAYE, Jacques. Quetzalcoatl y Guadalupe. Madrid: Fondo de Cultura Económica


– FCE, 1977, p. 253-259.
36. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 109.

161
Eis aqui uma solitária admissão de que as populações nativas tiveram
algum peso na construção da lenda de Sumé na América ibérica. Admissão
tímida, quase uma concessão, sem dados etnográficos ou exemplos, muito
menos explicações de como ou porquê. Coerente com o espírito da obra,
Sérgio Buarque se apega ao texto escrito de cronistas de procedência ibérica,
justifica o protagonismo português neste caso. Mas os nativos de várias
culturas e espaços são secundarizados no seu eventual protagonismo,
diferentemente do que nosso autor escrevera em “Índios e Mamelucos”
cerca de 15 anos antes, incluso no clássico Caminhos e fronteiras.
Historiador eclético nosso Sérgio Buarque, na interpretação histórica
do Brasil. Em Raízes afirmou que nossa formação histórica se ancorava,
fundamentalmente, na cultura portuguesa, acrescentando que “o resto”
se adaptou a esta fôrma lusitana. Em Caminhos e fronteiras iluminou o
protagonismo indígena na colonização de São Paulo e do Centro-Oeste
brasílico, com destaque para a cultura material. Em Visão, retomando Raízes,
tornou a colocar as culturas nativas nos bastidores, se tanto.

Paraíso perdido
Eis o título de mais um capítulo capital de Visão, aqui citado para reforçar
a minha exegese, um tanto audaciosa, do Paraíso presente nas narrativas
ibéricas sobre a América. Isto porque o “Paraíso perdido” é tratado como
tema europeu, um tema do cristianismo bíblico e, portanto, medieval (pois
os Evangelhos são obra da Patrística). O Paraíso perdido aqui evocado é o
indígena, isto é, os horizontes utópicos de diversas culturas ameríndias.
Não raro cristianizadas, é verdade, pois o que se conhece delas, em grande
maioria, provém da crônica colonizadora. Já se encontram contaminadas
pelo cristianismo prosélito e evangelizador – base de uma ideia de culturas
nativas reconstruídas por homens que buscavam destruí-las, com destaque
para os missionários.
Em todo caso, crônicas à parte, há documentação manuscrita – seriada e
abundante – que ilumina os horizontes utópicos das culturas nativas. Sérgio
Buarque não se dedicou, porém, sabe-se lá por qual razão, a examinar fontes
manuscritas sobre o tema, mormente as inquisitoriais, como se viu no caso
de Pedro de Rattes Henequim.

162
No caso do Brasil quinhentista, a Inquisição de Lisboa coligiu várias
confissões e denúncias relacionadas a um movimento conhecido como
Santidade, organizada no recôncavo baiano, movendo diversos processos
contra indivíduos acusados de apoiá-lo ou dele participar. O movimento era
liderado por um pajé-açu chamado Antônio, trânsfuga do aldeamento de
Ilhéus que pregava em favor de uma “terra sem males”, morada dos ancestrais
dos tupinambás, um lugar de imortalidade onde as “mulheres velhas se
tornavam jovens”, as flechas caçavam sozinhas no mato, os alimentos brotavam
da terra sem que ninguém os plantasse ou colhesse. Um autêntico Paraíso
tupi de morfologia híbrida, pois misturava a mitologia heroica deste grupo
cultural com temas edênicos. No caso desta Santidade baiana a mescla era
ainda mais complexa, pois liderada por nativos nascidos em aldeamentos
e, portanto, ensinados na doutrina católica. Reinterpretavam-na, porém, à
sua moda, cultuando um ídolo de pedra personificado com cabelos, nariz
e olhos ao qual chamavam Tupanasu, “grande deus” – exatamente o nome
que os jesuítas utilizaram para designar o deus cristão na catequese.37
A Santidade baiana é a versão mais conhecida e documentada da versão
nativa do Paraíso terreal dos tupinambás, justamente por causa da intervenção
inquisitorial no caso, entre 1591 e 1593. Muitos presenciaram o ritual em que
os pajés-açu, em várias capitanias, pregavam, em transe, a busca do Paraíso
terreal dos nativos, estimulando-os, ainda, a lutar contra os portugueses, os
jesuítas e a escravidão.
Quando Sérgio Buarque escreveu Visão do Paraíso, havia fontes quer
para tratar do Paraíso terreal pregado pela Santidade baiana – impressas e
escritas. Bastaria citar, como exemplo monumental, as Confissões da Bahia
organizadas e publicadas por Capistrano de Abreu em 1922. Deste último
autor, Sérgio somente incluiu na bibliografia de Visão o Caminhos antigos
e povoamento do Brasil, publicação póstuma de 1930. Do mesmo modo,
José Calasans, etnólogo baiano, publicou valioso opúsculo em 1952 sobre a
mesma Santidade, baseado nas fontes impressas por Capistrano, sem chegar
a consultar os manuscritos completos do arquivo da Torre do Tombo.

37. VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São
Paulo: Companha das Letras, 1995, p. 71-95.

163
Poder-se-ia dizer, em réplica justa a essas observações, que Visão do
Paraíso é obra sobre o imaginário ibérico e, assim sendo, é livro exaustivo
na pesquisa pertinente. A visão nativa do Paraíso não integra o seu objeto.
É “outra visão”, dir-se-ia, inscrita em território histórico-etnológico que
nosso autor preferiu deixar de lado, inclusive porque muito do que sabemos
a respeito provém de fontes europeias, sobretudo ibéricas. Além do mais, o
autor dessas linhas só pesquisou a Santidade indígena quinhentista no início
da década de 1990, cerca de 10 anos após a morte de Sérgio Buarque. Nesta
altura, sim, buscando os significados histórico-antropológicos do Paraíso
tupinambá com base em outras perspectivas teóricas, mergulhei em fontes
pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas. No tempo em que realizei
esta pesquisa, Visão do Paraíso foi uma inspiração, entre outros trabalhos
de Sérgio Buarque. Faço aqui uma autocritica da crítica, sem abandonar
completamente, porém, esta última.

Atenuações plausíveis
Novamente tomo de empréstimo o título de um capítulo de Visão para
encerrar este texto, e o faço, como no item anterior, em sentido distinto ao
adotado pelo autor.
“Atenuações plausíveis” retoma, na obra, em perspectiva mais específica,
o contraste entre as visões castelhana e portuguesa do Novo Mundo. O autor
abre o capítulo afirmando que:
todo o mundo lendário nascido nas conquistas castelhanas e que suscita
eldorados, amazonas, serras de prata, lagoas mágicas, fontes de juventa,
tende antes a adelgaçar-se, descolorir-se ou ofuscar-se, desde que se
penetra na América lusitana. Mesmo os motivos sobrenaturais de fundo
piedoso, já bem radicados na Península, parecem amortecer-se no
Brasil e, de qualquer forma, desempenham papel menos considerável
na conquista do território.38

38. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 126.

164
Resumindo em breves palavras, Sérgio verticaliza o contraste Experiência
versus Fantasia, esmerando-se, é claro, em adensar os aspectos fantasiosos
da narrativa castelhana, ao contrário da portuguesa. Sugere que, entre os
últimos, os aspectos do maravilhoso medieval estavam bastante desgastados,
passados mais de um século de aventuras oceânicas nos sete mares, incluindo
as Áfricas, atlântica e oriental, o Sul da Índia, ilhas do Índico e partes do
Extremo-Oriente. A experiência portuguesa nos descobrimentos confere
plausibilidade às atenuações de seus cronistas na descrição do Brasil.
É tese irreprochável, talvez superior àquela que o próprio autor enuncia,
como hipótese secundária, no capítulo inaugural, ou seja, a de que os
portugueses eram pragmáticos, prisioneiros de um “realismo pedestre”, pouco
imaginosos, em suma. Disse “talvez superior” porque estudos mais recentes
sobre a visão portuguesa de suas conquistas oceânicas, no Atlântico ou no
Índico, parecem reforçar exatamente este pragmatismo da crônica lusitana,
admirada com as diferenças culturais, porém, sem delírios fantasiosos.
Em algumas delas há mesmo alguma sensibilidade etnológica no registro
etnográfico.39
Quero crer, no entanto, que a experiência dos descobrimentos e o
realismo pedestre não são excludentes. Em contraste com os castelhanos,
revigora-se o binômio lusitano, anestesiado em face do maravilhoso, dado que
os hispânicos, na época de sua expansão ultramarina, estavam embriagados
pela Reconquista cristã da península, além de flagelados pela convivência
dos monoteísmos cristão, judaico e muçulmano em uma jovem monarquia
compósita40 e inebriados pelas canções de gesta medievais, sobretudo pelos
romances de cavalaria.
Em todo caso, as minhas “atenuações plausíveis” integram a autocrítica
que mencionei no final do item anterior. Dedico-me, doravante, a atenuar
as críticas que fiz a nosso autor por secundarizar, por vezes desmerecer, o
protagonismo indígena na construção do Paraíso terreal na América hispano-

39. ALBUQUERQUE, Luiz et. al. (org.). O confronto do olhar: o encontro dos povos na
época das navegações portuguesas, séculos XV e XVI – Portugal, África, Ásia, América.
Lisboa: Caminho, 1991.
40. ELLIOT, John. Una Europa de monarquías compuestas. In: ______. España, Europa
y el mundo de ultramar (1500-1800). Madrid: Taurus, 2009.

165
lusitana. Para escrever como Sérgio escreveu, no lugar de desmerecer, usaria
os verbos adelgaçar, descolorir, ofuscar o papel dos nativos na construção
do Paraíso terreal hispano-lusitano.
A historiografia brasileira das últimas décadas, inspirada em modelos ou
sensibilidades antropológicas, oferece vários exemplos de colonização ibérica
das mitologias nativas e vice-versa. Não seria o caso de citar obras e autores
desta linha, sob risco de fazer comentários extemporâneos, anacrônicos.
Seria pertinente, contudo, mencionar etnólogos ou sociólogos que se
dedicaram ao estudo dos tupinambás – tomado aqui como genérico para
tratar dos tupis-guaranis – omitidos ou tratados apenas lateralmente por
nosso autor. Entre as omissões, a maior é de Florestan Fernandes, autor da
tese A organização social dos Tupinambás (1949) e de A função da guerra
na sociedade tupinambá, textos que conectam a sociedade nativa em causa
com sua mitologia heroica.
Quanto aos demais autores pertinentes, Curt Nimuendajú, Alfred
Métraux e Egon Schaden constam de Visão. De Curt Nimuendajú, etnólgo
alemão que percorreu a região platina na primeira metade do século XX,
Sérgio cita texto capital: Leyenda y la Cracion y Juicio Final del Mundo como
Fundamento de la Religión de los Apopokuva Guarani, original de 1914. Egon
Schaden consta de uma citação, em Visão, ao livro Aspectos fundamentais
da Cultura Guarani (1954), que trata da terra sem mal tupi-guarani, lugar
“onde ninguém morre e onde todos encontram de sobra os mais deliciosos
manjares”.41 Alfred Métraux é o mais citado – cinco vezes – dentre os autores
antigos. Citado em obras sobre migrações e cultura material dos tupinambás,
porém não no livro A religião dos tupinambás, clássico dos anos 1920, talvez
a principal matriz bibliográfica para se compreender o Paraíso terreal tupi-
guarani na sua lógica interna.
Das citações de Métraux, uma é particularmente decisiva, quando
Sérgio alude, como crença “daquelas tribos”, a “uma terra misteriosa onde
não se morre”. Como nosso autor interpreta esta “terra misteriosa”? Alguma
perspectiva histórico-antropológica? Que o leitor avalie: “a mestiçagem e o

41. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 136.

166
assíduo contato dos portugueses com o gentio da costa, longe de amortecer,
era de molde talvez a reanimar alguns dos motivos edênicos trazidos pela
Europa e que tanto vicejaram em outras partes do Novo Mundo”.42
À luz do trecho acima a Terra sem Mal da cultura tupinambá, para
Sérgio, é um mito nativo absorvido pelos portugueses, quem sabe para
“reanimar motivos edênicos... em outras partes do Novo Mundo”. Em outras
partes que não o Brasil português, só se for na América Hispânica... Frase
desconcertante. Acaso a origem luso-tupinambá deste mito e sua difusão
no litoral brasílico arranharia a magnífica tese de Visão? Em todo caso, este
mito, embora exprimisse uma visão híbrida de Paraíso terreal – católico-
tupinambá – só consta da crônica portuguesa anodinamente e, nas fontes
inquisitoriais, registra-se como heresia ou abusão da fé católica. Nosso
grande historiador parece ter claudicado neste ponto.
Mas Sérgio Buarque não ignorou o peso das informações ou mesmo das
lendas tupinambás para tratar do Paraíso terreal no imaginário ibérico. Esta
é a minha “atenuação plausível” da omissão, quase menoscabo, que nosso
autor assumiu em um ponto crucial. Mas devo dizer, com certa agonia, que
escrever sobre o Sérgio Buarque de Visão do Paraíso é tarefa inglória, embora
excitante, pois coloca o comentarista em uma encruzilhada. Como texto
historiográfico, Visão é um documento e, ao mesmo tempo, um monumento.43
Isto também vale, é óbvio, para o autor.
Faço cá minha autocrítica, portanto, mas não abjuro das críticas, quiçá
extemporâneas. O fato é que Visão do Paraíso é obra eurocêntrica. Mas o que
pode surpreender na minha opinião se, desde Raízes, Sérgio escrevera que
os brasileiros eram “uns desterrados” em nossa própria terra...?44 Desterro
e exílio não combinam com Paraíso. Não houve, não há, nem haverá, se
me permitem, qualquer Paraíso no Brasil. Os portugueses, desde o início,
perceberam o engodo de tamanha ilusão. Sérgio Buarque também.

42. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento
e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional / Edusp, 1969, p. 34-35.
43. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed.UNICAMP, 1990.
44. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companha das Letras,
1995. “Somos até hoje uns desterrados em nossa terra...”, p. 39.

167
APÊNDICE A
Cronologia biobibliográfica, de Sérgio Buarque de
Holanda, até o surgimento de Visão do Paraíso
como tese e no formato de livro (1902-1959)1

Os Organizadores

1902 – Nasceu Sérgio Buarque de Holanda, em 11 de julho, no bairro


Liberdade, em São Paulo, capital, filho de Heloisa (Gonçalves Moreira/
Costa) Buarque de Holanda (1868-1957), carioca, e de Christovam Buarque
de Holanda (1861-1932), pernambucano.
1911 – Iniciou seus estudos primários na Escola Caetano de Campos e,
com nove anos de idade, compôs uma valsa que chamou de Vitória régia,
então publicada na revista Tico-Tico.

1. O material que irá compor o presente Apêndice, devidamente limitado ao ano de 1959,
quando foi publicada comercialmente a tese Visão do Paraíso: os motivos edênicos no des-
cobrimento e colonização do Brasil, foi extraído do seguinte trabalho, orientado pela pro-
fessora Giselle Martins Venancio: FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações
ou Sérgio Buarque de Holanda, historiador desterrado. Tese (Doutorado em História).
Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, 2018. Além desta informação preliminar,
cabe dizer que este material foi produzido com base nos documentos preservados no Fundo
“Sérgio Buarque de Holanda” (SBH) do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de
Campinas (Siarq-UNICAMP), além das seguintes referências: NOGUEIRA, Arlinda Rocha
et. al. (org.). Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria de Estado da
Cultura / Universidade de São Paulo – USP / Instituto de Estudos Brasileiros – IEB, 1988;
HOLANDA, Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda. Apontamentos para a cronologia de
Sérgio, 2002. Disponível em: <http://www.unicamp.br/siarq/sbh/biografia.html>; COSTA,
Marcos. Biografia histórica: a trajetória intelectual de Sérgio Buarque de Holanda entre os
anos de 1930 e 1980. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista – UNESP,
Assis, 2007; & HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Edição crítica (organização:
Pedro Meira Monteiro, Lilia Moritz Schwarcz; estabelecimento de texto e notas: Mauricio
Acuña, Marcelo Diego). São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

169
1915 – Após o término da etapa escolar anterior, passou ao secundário
do Colégio São Bento, também de sua cidade natal, onde foi aluno de Affonso
d’Escragnolle Taunay (1876-1958).
1918 – Começou os testes preparatórios no Ginásio do estado de São
Paulo e em Campinas.
1919 – Frequentou o Ginásio Arquidiocesano da capital paulista.
1920 – Apresentou-se às Forças Armadas, cuja obrigatoriedade de
alistamento o fez se submeter aos exames para reservista do Exército
Brasileiro, no Tiro de Guerra n. 35, em São Paulo (SP). Entre os companheiros
dessa época, estavam: Guilherme de Almeida (1890-1969), Rubens Borba de
Moraes (1899-1986) e, em algumas oportunidades, Sergio Milliet (1898-1966).
Tornou-se amigo de Mário (1893-1945) e Oswald de Andrade (1890-1954).
Colaborou no jornal Correio Paulistano (publicando seu primeiro artigo,
Originalidade literária, no dia 22 de abril, por intervenção de Taunay, antigo
mestre e amigo de seu pai). Também publicou textos na revista A Cigarra.
1921 – Mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro, Distrito Federal
na ocasião, indo residir primeiro na Gávea, no começo da rua Marquês de
São Vicente, e, em seguida, passando às ruas São Salvador, Oitis, Visconde
de Silva, Ipiranga e Maria Angélica. Matriculou-se na Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, depois transformada em Faculdade
Nacional de Direito da Universidade do Brasil (UB). Fez aí dois grandes
amigos: Prudente de Morais, neto (1904-1977), e Afonso Arinos de Mello
Franco (1905-1990), com os quais frequentou, entre outras, a livraria francesa
Garnier, a inglesa Crashley e aquela que mais tarde seria a alemã, de nome
Edanée. Publicou na revista Fon-Fon. Colaborou no Rio-Jornal, na Revista
do Brasil – quando provavelmente conheceu Monteiro Lobato (1882-1948)
– e na Ideia Ilustrada.
1922 – Representou no Rio de Janeiro e colaborou com a revista
modernista Klaxon. Por esta época, conheceu Cândido Portinari (1903-
1962), Cecília Meireles (1901-1964), Manuel Bandeira (1886-1968), Graça
Aranha (1868-1931), Rodrigo Mello Franco de Andrade (1898-1969) etc.,
participando de colóquios sobre política, arte e literatura com alguns deles.
1923 – Foi listado entre os colaboradores – e assim foi – da revista
América Brasileira.

170
1924 – Trabalhou na agência telegráfica Havas, apresentado por Américo
Facó (1885-1953). Com Morais, neto, fundou a revista – igualmente de
inspiração modernista – intitulada Estética. Mais ou menos por esse tempo
ouviu falar/conheceu Gilberto de Mello Freyre (1900-1987).
1925 – Concluiu os estudos de Direito. Em suas atividades profissionais,
entretanto, não constam dados significativos sobre o exercício da advocacia.
Publicou vários artigos de crítica literária em diversos periódicos.
1926 – Trabalhou em outra agência telegráfica, a United Press, e
fez amizade com Múcio Carneiro Leão (1898-1969) e Belarmino Maria
Austregésilo Augusto de Ataíde (1898-1993). Conheceu Alceu Amoroso
Lima (1893-1983), bem como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
e outros modernistas mineiros. Colaborou com O Jornal, para o qual pôde
entrevistar, por exemplo, Luigi Pirandello (1867-1936), Blaise Cendrars (1887-
1961) e Felippo Marinetti (1876-1944).
1927 – Mudou-se para Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde
dirigiu o periódico O Progresso (daí seu apelido de então: Dr. Progresso) e
foi convocado para substituir um fiscal na cidade espírito-santense de Muniz
Freire (talvez o único momento que exerceu sua formação em Direito).
Depois de seis meses, voltou para o Rio de Janeiro. Publicou na Revista do
Brasil, em sua segunda fase, quando o título fora comprado de Lobato por
Assis Chateaubriand (1892-1968), e na qual Rodrigo Mello era secretário,
tendo Prudente de Morais como seu auxiliar.
1928 – Manteve a coluna diária O dia dos Senadores, sem assinar, no
Jornal do Brasil.
1929 – Convidado por Chateaubriand, viajou em 17 de junho para a
Europa, sendo descrito nas matérias que assinava como “enviado especial d’O
Jornal e do Diário de São Paulo à Alemanha, Polônia e Rússia” – para o qual
entrevistou, por exemplo, Thomas Mann (1875-1955). Fixou residência em
Berlim, Alemanha, mas também percorreu quase toda a Polônia. Trabalhou
na capital germânica, onde viu a eclosão do Nazismo. Na Universidade
berlinense, nos seus dizeres já bastante questionados pelos revisionistas de
um Sérgio Buarque já revisado, assistiu algumas aulas dos cursos de História
e Ciências Sociais. Traduziu filmes da Universum Film Aktiengesellschaft
(mais conhecida por UFA), entre eles O anjo azul, considerado o primeiro

171
êxito da atriz Marlene Dietrich (1901-1992). Colaborou com as revistas Duco
& Brasilianische Rundschau dedicadas às relações teuto-brasileiras.
1930 – Suspendeu-se a publicação da revista Duco e diminuíram em
muito as traduções dos filmes. Começou a se preparar para retornar ao
Brasil. Segundo seu depoimento que, depois, foi acriticamente repetido por
muitos intérpretes, teria retornado ao país com escritos que deveriam se
tornar um livro, intitulado a princípio de Teoria da América. É do rascunho
dessas quase 400 páginas que, conforme entrevista que concedeu a Richard
Graham, publicada em 1982, retirou ao menos dois capítulos para sua “obra
de estreia”, Raízes do Brasil. Entretanto, tal manuscrito jamais foi encontrado
em seus arquivos.
1931 – Desembarcou em 13 de janeiro na Capital Federal. Voltou a
trabalhar para as agências Havas e United Press. Tornou-se diretor, ainda
no Rio de Janeiro, da sucursal do Jornal de Minas, fundado, entre outros,
pelo já citado Afonso Arinos. Publicou um conto na Revista Nova, de claras
inspirações surrealistas, intitulado Viagem a Nápoles.
1932 – Supostamente foi preso, com Octávio Tarquínio de Sousa (1889-
1959), Ribeiro Couto (1898-1963) etc., por saudar São Paulo durante a chamada
Revolução Constitucionalista.
1933 – Publicou no Boletim de Ariel a resenha sobre Maquiavel e o
Brasil, de Octavio de Faria.
1935 – Teve impresso na revista Espelho um estudo com o título Corpo
e alma do Brasil, que foi uma espécie de prévia do livro Raízes do Brasil,
surgido no ano seguinte.
1936 – Foi nomeado Assistente do professor Henri Hauser (1866-1946),
na cátedra de História Moderna e Econômica; e do professor Henri Tronchon
(1877-1941), na cátedra de Literatura Comparada, ambas da Faculdade de
Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal (UDF). Em outubro,
apareceu Raízes do Brasil, seu primeiro texto transformado em livro, que
inaugurou a coleção Documentos Brasileiros, dirigida pelo já mencionado
Gilberto Freyre – que lhe prefaciou –, com capa de Tomás Santa Rosa (1909-
1956) e publicação da Livraria José Olympio Editora (LJOE). Logo, tem
razão a crítica ao mencionar as experiências alemã e/ou modernista como
decisivas para a produção dessa obra, mas não quando o fazem de forma

172
desmesurada e recorrente, pois só redundam em atos biográficos. Estes,
interessados em retratar certa trajetória luminosa, atomizam excessivamente
a imagem buarqueana como se a existência individual dos agentes tivesse
sentido por si só, apartada das relações que os prendem ao coletivo. Assim,
é interessante mencionar, com exemplos concretos, as entrevistas que ele
realizou com personalidades da cena política e literária de todo o mundo,
em particular Marinetti, que, em 1926, lhe distinguira brasileiros e argentinos
(útil à construção dos tipos trabalho e aventura, presentes no livro); bem
como suas desavenças no modernismo, sobretudo com o grupo de Aranha,
que propunham uma separação rígida entre natureza e cultura, civilização e
barbárie para a compreensão do país. Raízes do Brasil e seus textos seguintes
mostram a fronteira tênue desses aspectos na história brasileira. Em 28 de
dezembro, casou-se com Maria Amélia Alvim (1910-2010). O casal teve
sete filhos.
1937 – Passou da United Press para a Associated Press como Redator
Chefe. Com a partida dos mestres franceses, assumiu como professor Adjunto
as cátedras de História da América e História da Civilização Luso-Brasileira
na UDF. Residiu em um apartamento no Leme, na rua de Copacabana.
O mesmo que habitava José Olympio (1902-1990), cuja livraria na rua do
Ouvidor, 110, era o ponto de encontro com “os do Norte”, a exemplo de
José Lins do Rego (1901-1957), Graciliano Ramos (1892-1953) e Raquel de
Queiroz (1910-2003).
1938 – Deixou o apartamento na rua de Copacabana e passou a morar
na Avenida Atlântica. Concluiu sua participação no projeto da UDF, fechada
pelo Estado Novo (1937-1945).
1939 – Integrou a Comissão do Teatro Nacional. Extinta a UDF, começou
a chefiar a Seção de Publicações do Instituto Nacional do Livro (INL),
a convite de Augusto Meyer (1902-1970), que fora criado, em 1937, pelo
Ministério da Educação e Saúde (MES). Aí no INL, trabalhou, por exemplo,
com José Honório Rodrigues (1913-1987). Desligou-se da Associated Press.
1940 – Mudou-se para um apartamento no Lido. Fez crítica literária
no Diário de Notícias no lugar de Mário de Andrade, com quem trabalhou
no INL. Aproximou-se mais de Octávio Tarquínio.

173
1941 – Permaneceu três meses nos Estados Unidos da América (EUA),
convidado pela Divisão de Cultura do Departamento de Estado, quando
visitou as Universidades de New York, Washington, Chicago e Wyoming, tendo
proferido conferências sobre a história do Brasil nesta última. Participou de
debates na Universidade de Chicago sobre as relações políticas e econômicas
interamericanas sob os auspícios da Norman Wait Harris Foundation. Foi
publicado na revista do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
Travel in Brasil, o artigo “Outlines of Brazilian History” e, nesse mesmo ano,
também saiu a sua tradução de Memórias de um colono no Brasil (1850), de
Thomas Davatz (1815-1888), onde escreveu um longo prefácio e fez notas
explicativas para a coleção Biblioteca Histórica Brasileira, dirigida pelo já
citado Rubens Borba junto à Livraria Martins Editora. Talvez tenham sido
estas atividades, cujo convite recebeu ainda em 1939, e a indispensável
investigação sobre o século XIX que a tarefa lhe impôs, que direcionou
decisivamente seu olhar para o estudo do passado. Daí em diante, nota-se a
presença constante e crescente da História entre suas práticas letradas, ainda
que por vezes – e necessidade – tivesse atuado em outras frentes (sempre
complementares à Clio).
1942 – Sua tradução de Ethnologia Sul-americana – Círculos culturais
e estratos culturais na América do Sul, de Wilhelm Schmidt (1868-1954), foi
publicada pela coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional (CEN),
então coordenada por Fernando de Azevedo (1894-1974). Nessa época, travou
relações com Caio Prado Júnior (1907-1990).
1943 – Em um almoço oferecido pelo editor José de Barros Martins,
em São Paulo, conheceu Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017).
Colaborou no suplemento Autores e Livros, do jornal A Manhã, seção cujo
diretor era aquele seu amigo dos anos 1920, Múcio Leão.
1944 – Passou do INL para a Biblioteca Nacional (BN), como Diretor
da Divisão de Consultas, ficando a cargo de Borba de Moraes a Divisão de
Biblioteconomia e tudo sob a coordenação geral de Rodolfo Garcia (1873-
1949). Ainda pelo INL, os Diários de viagem, de Francisco José de Lacerda
e Almeida (1750-1798) – para o qual fez uma nota-prefácio –, foi publicado
com subsídio do MES na coleção Biblioteca Popular Brasileira. Junto com
Octávio Tarquínio, escreveu um livro didático para a terceira série ginasial,

174
que recebeu o título de História do Brasil, pela LJOE. Reuniu algumas de
suas críticas literárias e as viu publicadas sob o título de Cobra de vidro, pela
Livraria Martins Editora, na coleção Mosaico (volume 5).
1945 – Ministrou aulas sobre História do Brasil para os alunos do Curso
de Biblioteconomia da BN. Assinou a Declaração de Princípios contra o
Estado-Novo, de Getúlio Vargas (1882-1954), no I Congresso da Associação
Brasileira de Escritores (ABE), realizado na cidade de São Paulo, onde foi
eleito Presidente da seção do Distrito Federal daquela agremiação. Tornou-
se membro fundador da Esquerda Democrática. Foi publicado seu livro
Monções, pela Casa do Estudante do Brasil, junto à coleção Estudos Brasileiros
(volume 3). Ao enveredar-se aí pela defesa da distinção entre os movimentos
bandeirantes do século XVII e aqueles efetuados no setecentos, é interessante
notar como suas atividades como organizador, tradutor e/ou prefaciador
lhe despertaram a atenção para o tema. Destaca-se aqui, em particular, a
proximidade temática e a forte presença, em Monções, dos Diários de viagem,
de Almeida.
1946 – Regressou a São Paulo, depois de aproximadamente 25 anos
fora de sua cidade natal, e foi nomeado Historiógrafo do Museu Paulista
(posse em 1947). Aceitou o convite e participou do Curso de bandeirologia
com a fala intitulada As monções, que foi incluída, nesse mesmo ano, em
uma publicação do Departamento Estadual de Informações.
1947 – A Esquerda Democrática virou o Partido Socialista Brasileiro
(PSB). Apresentou seu nome como Deputado Municipal supostamente só
para completar o número de candidatos na formação das chapas, mas foi
derrotado no pleito. Venceu, porém, outra eleição: a de Presidente da ABE,
desta vez já na seção de São Paulo, mais tarde convertida em Sociedade
Paulista de Escritores (SPE). Foi membro da Direção do Conselho da ABE,
depois transformada em União Brasileira de Escritores (UBE). Atuou como
professor de História Econômica do Brasil na Escola Livre de Sociologia e
Política (ELSP) de São Paulo.
1948 – Foi eleito membro do Conselho Universitário da Universidade
de São Paulo (USP) como representante das Instituições Complementárias,
pois atuava no Museu Paulista. Publicou-se a segunda edição de Raízes do
Brasil, nos mesmos termos editoriais da primeira, mas com o texto revisado,

175
enormemente ampliado, com profundas mudanças de forma e fundo (mais
de cem páginas de diferença), prefácio do autor em lugar daquele produzido
por Freyre, que também fora substituído por Octávio Tarquínio de Sousa na
direção da coleção Documentos Brasileiros. Viu publicado o texto A expansão
paulista do século XVI e começo do século XVII, pela Faculdade de Ciências
Econômicas da USP.
1949 – Viajou para a Europa duas vezes, visitando a França a convite
da École Pratique des Hautes Études (EPHE) e, especialmente, de Lucien
Febvre (1878-1956), que o teria chamado para participar do Colóquio sobre o
Oceano Índico; e da Sorbonne, onde realizou uma palestra. Integrou diversos
comitês fomentados pela Organisation des Nations Unies pour l’Éducation,
la Science et la Culture (UNESCO), em Paris, para debater o conceito de
democracia e para o Estudo comparado das civilizações / culturas, quando
firmou uma declaração conjunta com os demais membros, neste último,
publicada na ata intitulada como: L’originalité des cultures, também impressa
nos idiomas espanhol e inglês. Nos Anais do Museu Paulista se imprimiu
uma nova pesquisa sua: Índios e mamelucos na expansão paulista. O seu
texto intitulado Período colonial apareceu no Manual bibliográfico de estudos
brasileiros (Rio de Janeiro: Gráficas Souza), antigo Handbook of brasilian
studies, organizado por Rubens Borba de Moraes e William Berrien – dos
contatos estadunidenses.
1950 – Visitou os Estados Unidos como membro da delegação brasileira
ao I Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, realizado na Library
of Congress (Washington), onde apresentou uma pesquisa sobre técnicas
rurais e, segundo seu currículo, retomou algumas relações estabelecidas
cerca de nove anos antes. A convite de Frank Tannenbaum (1893-1969),
da Columbia University, participou de um seminário em New York, junto
com Alice Piffer Cannabrava (1911-2003), que também integrou a delegação,
então composta por Pedro Calmon (1902-1985) e os já citados Rodrigo Melo,
Freyre, Afonso Arinos etc. Foi reeleito Presidente da ABE de São Paulo.
Tornou-se membro da Comissão de Redação da Revista de História (USP).
De historiógrafo passou a Diretor do Museu Paulista.
1951 – Trabalhou no Museu Paulista, na ELSP e na crítica literária.
Publicou um artigo mais tarde considerado importante: O pensamento

176
histórico no Brasil nos últimos cinquenta anos, no Correio da Manhã, do
Rio de Janeiro. Integrou a banca examinadora do Concurso da cátedra de
História Moderna e Contemporânea da então Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras (FFCL) da USP, para arguir o professor Eduardo d’Oliveira França
(1915-2003), entre outras participações, anteriores e posteriores a esta data,
como avaliador. Por esses anos também se relacionou com Eurípedes Simões
de Paula (1910-1977). Terminou seu mandato no Conselho Universitário da
USP. Atuou como membro correspondente da comissão da UNESCO para
o desenvolvimento de uma História científica e cultural da humanidade.
1952 – Foi publicado um volume de Antologia de poetas brasileiros
da fase colonial, com sua organização e notas, editado pelo Ministério da
Educação. Recebeu uma proposta para atuar como professor no estrangeiro,
indicado pelo Ministério de Relações Exteriores do Brasil. Traduziu os
estudos Tatuagem de unha de dedo de um índio Yamarikumá & Alcova de
parto entre os Baikiri, de Fritz Krause, saídos na Revista do Museu Paulista.
1953 – Após convite para lecionar na Itália, tornou-se docente da cadeira
de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, colaborando com o Instituto
de Studi Brasiliani, que ajudou a criar, e enviando correspondências irregulares
para o Diário Carioca e a Folha da Manhã. Foi publicado um segundo
volume de Antologia de poetas brasileiros da fase colonial. Sua comunicação:
As técnicas rurais no Brasil durante o século XVIII, apareceu nas Atas do
Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros (Nashville: Vanderbilt
University Press).
1954 – Viajou pela Itália, França e Suíça, sendo que nesta última participou
do Rencontres Internationales de Genève (fomentado pela UNESCO) e
proferiu a conferência Le Brésil dans la vie américaine, publicada nos anais
intitulado: Nouveau Monde et l’Europe (Neuchâtel). Organizou um número
da revista Ausonia, no qual saiu um texto de sua autoria: Apporto italiano
nella formazione del Brasile. Surgiu a primeira tradução de Raízes do Brasil,
como Alle radici del Brasile, feita por Cesare Rivelli junto à coleção Biblioteca
Mondiale Bocca – Scrittori Brasiliani (volume 4) da Fratelli Bocca Editori
(Milano / Roma). Eleito, ainda na Itália, para o comitê do International
Council of Museums (ICOM), subordinado à UNESCO, tomou parte na
reunião, em Paris, e participou de seus debates, realizados no Museu do
Louvre.
177
1955 – Retornou ao Brasil e reassumiu a direção do Museu Paulista. Foi
eleito Vice-presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).
Depois de uma atuação irregular e interrompida algumas vezes como
professor de História Econômica (também Social e Política) do Brasil, deixou
de ministrar aulas na ELSP. Raízes do Brasil foi traduzido para o espanhol,
como Raíces del Brasil, editado pelo Fondo de Cultura Económica (Ciudad
de México / Buenos Aires), traduzido por Ernestina de Champourcin para
a coleção Tierra Firme (volume 58).
1956 – Lecionou História do Brasil na Universidade de Sorocaba-SP, ano
em que passou igualmente a trabalhar na USP, assumindo interinamente a
cátedra de História da Civilização Brasileira junto à FFCL e deixando o Museu
Paulista. Imprimiu-se a terceira edição de Raízes do Brasil, nos mesmos termos
da anterior, prefácio da segunda versão e inclusão dos apêndices Variações
sobre o “homem cordial”, de Cassiano Ricardo, e Carta a Cassiano Ricardo.
Os anais do Rencontres Internationales de Genève (1954) foram publicados
em espanhol e em inglês (El Viejo y el Nuevo Mundo & The Old and the New
World) e, neles, o texto buarqueano, traduzido, respectivamente, como: El
Brasil en la vida americana & Brazil in American life.
1957 – Por esta época há indícios do convite que recebeu da editora
Difusão Europeia do Livro (Difel) e de seu editor, Paul Jean Monteil, para
coordenar o projeto da coleção História Geral da Civilização Brasileira
(HGCB), que passou a planejar e, depois, dirigir e a colaborar. Viu publicado
Caminhos e fronteiras, na coleção Documentos Brasileiros (volume 89), ainda
dirigida por Octávio Tarquínio e publicada pela LJOE. Tal estudo pode ser
visto como prova de que, a despeito das inúmeras tarefas que desenvolveu,
vinha tentando se dedicar, como podia, ao estudo do passado brasileiro.
Afinal, trata-se da reunião de uma série de textos de sua autoria saídos em
distintos periódicos e que, no entanto, conseguiu conferir uma unidade.
Mudou-se para o Pacaembu (SP) e fixou residência na rua Buri, 35, onde
morou até os seus últimos dias.
1958 – Defendeu a tese – ainda não publicada – de nome Elementos
formadoras da sociedade portuguesa na época dos descobrimentos e, com isso,
recebeu o grau equivalente ao de Mestre em Ciências Sociais na ELSP, onde,
paradoxalmente, fora professor até bem pouco tempo. Assim, ficou apto a

178
prestar o concurso para o provimento da cátedra de História da Civilização
Brasileira da FFCL-USP, ocorrido em novembro. Para tanto, defendeu uma
segunda tese no mesmo ano, a saber, Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Na ocasião, foi arguido pelos professores
Afonso Arinos de Mello Franco, catedrático de Direito Constitucional na UB;
Hélio Vianna, da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), e José Wanderley
de Araújo Pinho, da Universidade da Bahia, ambos catedráticos de História
do Brasil; e ainda por Eduardo d’Oliveira França, catedrático de História
Moderna e Contemporânea da USP; e Eurípedes Simões de Paula, que
presidiu a comissão avaliadora, catedrático de História Antiga e Medieval
da mesma instituição. Seu livro Caminhos e fronteiras recebeu o Prêmio
“Edgard Cavalheiro”, promovido pelo INL, como o melhor Ensaio de 1957.
Foi eleito para a Academia Paulista de Letras (APL) na vaga aberta com a
morte de Taunay, na cadeira de número 36 (cujo patrono era Euclides da
Cunha). Seu texto d’O pensamento histórico no Brasil nos últimos cinquenta
anos, foi traduzido para o espanhol como: El pensamiento histórico en el
Brasil, publicado na revista Ficción (Buenos Aires).
1959 – Visão do Paraíso foi publicada pela LJOE em edição comercial na
coleção Documentos Brasileiros (volume 107). Tanto este trabalho quanto o
texto produzido para a ELSP podem ser vistos, de um lado, como fruto das
experiências que acumulou inclusive junto à crítica literária – pois é deste
ponto de partida e conhecimentos que analisou os registros dos séculos XVI,
XVII e XVIII de que Antologia dos poetas brasileiros na fase colonial, por
ele organizada, é exemplar –; bem como, de outro lado, como a retomada
explícita e incisiva de abordagens um pouco abandonadas, como àquelas
relativas à reflexão continental do Novo Mundo, sobretudo no caso da tese
de cátedra, ponto alto da “perdida” Teoria da América.

179
APÊNDICE B
As edições-versões e a tradução de Visão do Paraíso

Os Organizadores

Título Edição / Versão


Texto original: 1958, submissão no formato de tese para o
Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil

concurso da cátedra de História da Civilização Brasileira da


Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo (FFCL-USP).
1.ed. 1959, impressa pela Livraria José Olympio Editora
(LJOE), na coleção “Documentos Brasileiros” (v. 107), Rio de
Janeiro.
2.ed. 1969, impressa conjuntamente pela Companhia Editora
Nacional (CEN) e a Editora da Universidade de São Paulo
(Edusp), na coleção “Brasiliana” (v. 333), São Paulo.
3.ed. 1977, impressa pela CEN e a Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, na coleção
“Brasiliana” (v. 333), São Paulo.
4.ed. 1985, impressa pela CEN, na coleção “Brasiliana” (v.
333), São Paulo.
1987, tradução para o espanhol, como Visión del Paraíso:
motivos edénicos en el descubrimiento y colonización del
Brasil, na Biblioteca Ayacucho, na coleção “Clásica”,
Caracas, Venezuela.
5.ed. 1992, impressa pela Brasiliense, São Paulo.
6.ed. 1996, impressa pela Brasiliense, São Paulo (com uma
reimpressão em 2000, na coleção Grandes Nomes do
Pensamento Brasileiro, da Publifolha).
7.ed. 2010, impressa pela Companhia das Letras, São Paulo.

180
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Ilustrações (Mariana Rodrigues Tavares)


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191
Holanda” (SBH), Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas
(Siarq-UNICAMP).
Imagem 2 – Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro
Sérgio Buarque de Holanda”, com o programa do Encontro, xerox do pontos
e notas obtidos por SBH, na sua defesa de tese e seu curriculum vitae. São
Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento nº 7]. Fundo SBH.
Siarq-UNICAMP.
Imagem 3 – Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro
Sérgio Buarque de Holanda”, com o programa do Encontro, xerox do pontos
e notas obtidos por SBH, na sua defesa de tese e seu curriculum vitae. São
Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento nº 5]. Fundo SBH.
Siarq-UNICAMP.
Imagem 4 – Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro
Sérgio Buarque de Holanda”, com o programa do Encontro, xerox do pontos
e notas obtidos por SBH, na sua defesa de tese e seu curriculum vitae. São
Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento nº 6]. Fundo SBH.
Siarq-UNICAMP.
Imagem 5 – Série Vida Pessoal. 90 – Fotografia de A Gazeta de SBH durante
a sua defesa de tese, no concurso para a Cátedra de História da Civilização
Brasileira na Universidade de São Paulo. São Paulo, 1958. b&p. 18x12. Vp 90
P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
Imagem 6 – Série Vida Pessoal. 89 – Fotografia da banca examinadora
do concurso de SBH, para Cátedra de História de Civilização Brasileira
na Faculdade de Filosofia da USP, onde se vê Eduardo d’Oliveira França,
Afonso Arinos de Mello Franco e Paulo Savoya. São Paulo, 1958. b&p. 29.
5x24. (reprod. ampliada). Vp 89 P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
Imagem 7 – Série Homenagens Póstumas. 2665 – Exemplar do “Encontro
Sérgio Buarque de Holanda”, com o programa do Encontro, xerox do pontos
e notas obtidos por SBH, na sua defesa de tese e seu curriculum vitae. São
Paulo, out. 1987. (c/dedic.) Hp 182 P78 [Documento nº 36]. Fundo SBH.
Siarq-UNICAMP.
Imagem 8 – Série correspondência. Subsérie: Passiva. 532 – Carta em francês
de Henri Baudet a SBH comentando o livro “Visão do Paraíso” e agradecendo

192
a dedicatória do mesmo. Groningen, 28 out. 1971. as. Henri Baudet. 1p. Cp
310 P11. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
Imagem 9 – Série correspondência. Subsérie: Passiva. 549 – Carta em espanhol
de Ángel Rama a SBH, informando sobre a publicação em espanhol de seu
livro “Visão do Paraíso” pela Biblioteca Ayacucho e enviando o contrato.
Caracas, 28 set. 1976. as. ileg. 1p. Cp 327 P11. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
Imagem 10 – Série Vida Pessoal. 121 – Carteira de Prof. Catedrático da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. São Paulo, 28 fev. 1969. c.
as. Vp 121 P2. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.

Capítulo 4 (André Furtado)


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Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2244 – Resenha [sic]
intitulada “Visão do Paraíso – experiência e fantasia”, sobre o referido livro.
Tribuna da Imprensa. [Rio de Janeiro], 07 nov. 1959. s/p. Pt 229 P62. Fundo
SBH. Siarq-UNICAMP.
Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2245 – Resenha intitulada
“Erudição”, sobre o livro “Visão do Paraíso”. O Semanário. s.l., 07-13 nov.
1959. s/p. Pt 230 P62. Fundo SBH. Siarq-UNICAMP.
Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2246 – Resenha intitulada
“Visão do Paraíso”, sobre o referido livro. Correio Paulistano. São Paulo, 08
nov. 1959. s/p. Pt 231 P62.
Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2250 – Recorte de jornal
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sobre o livro “Visão do Paraíso”. O Jornal. Rio de Janeiro, 17 nov. 1959. s/p.
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Série: Produção de Terceiros. Subsérie: Resenhas. 2255 – Recorte de jornal
intitulado “Visão do Paraíso”, com resenha de Sergio Milliet, sobre o livro.
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Apêndices (Os organizadores)

Apêndice A
COSTA, Marcos. Biografia histórica: a trajetória intelectual de Sérgio Buarque
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Universidade Estadual Paulista – UNESP, Assis, 2007.
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Universidade Estadual de Campinas (Siarq-UNICAMP).
FURTADO, André. Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de
Holanda, historiador desterrado. Tese (Doutorado em História). Universidade
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Pedro Meira Monteiro, Lilia Moritz Schwarcz; estabelecimento de texto e
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Paulo – USP / Instituto de Estudos Brasileiros – IEB, 1988.

Apêndice B
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Tese de Cátedra (Cadeira de História
da Civilização Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL)
da Universidade de São Paulo (USP), 1958
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Documentos Brasileiros”
(v. 107). Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 2ª ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional / Edusp, 1969.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 3ª ed.
São Paulo: CEN / Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de
São Paulo, 1977.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. Coleção “Brasiliana” (v. 333). 4ª ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional 1985.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visión del Paraíso: motivos edénicos en
el descubrimiento y colonización del Brasil. Coleção “Clásica”. Biblioteca
Ayacucho: Caracas, 1987.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. 7ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.

202
Sobre os autores

André Furtado é Graduado em História – Licenciatura e Bacharelado


(2010) – pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), Mestre
(2014) e Doutor (2018) nesta área pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), com estágio na
École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS / Paris) sob a direção
de Jean Hébrard, títulos obtidos na condição de bolsista da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foi vencedor
do edital “Biblioteca da UFF”, que converteu sua dissertação no livro
denominado As edições do cânone. Da fase buarqueana na coleção História
Geral da Civilização Brasileira, 1960-1972 (Eduff, 2016). A tese que defendeu,
em 2018, intitulada Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de
Holanda, historiador desterrado, recebeu três prêmios, a saber: o “Premio
Internacional de Historia Intelectual en América Latina” (2016), concedido
pela Asociación Europea de Historiadores Latinoamericanistas (AHILA)
devido ao desenvolvimento do trabalho, então apresentado parcialmente no
formato de artigo; o “Prêmio PPGH-UFF de Teses” (2019); e o “Prêmio UFF
de Excelência”, na categoria de Melhor Tese do “Colégio das Humanidades”
(2019). Quando da Jornada de Estudos, era vinculado à UFF na condição
de pesquisador bolsista do edital “Pós-Doutorado Nota 10 / PDR-10”, da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ). Atualmente é Professor da Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). É autor de artigos em revistas, no Brasil e
no exterior, além de livros, como a publicação de seu trabalho de mestrado,
já citado, e de coletâneas com outros professores, como: Passados impressos:
estudos sobre a circulação de ideias, séculos XVII-XX (CRV, 2018) & Histórias
no singular: ttextos, práticas & sujeitos (Appris, 2019).

203
Eliana de Freitas Dutra é Vice-presidente do International Committee
of Historical Sciences – ICHS (2015-2020), Professora Titular, aposentada,
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na qual atua junto ao
Programa de Pós-Graduação em História. Possui Graduação em História
pela UFMG (1974), Mestrado em Ciência Política pela mesma instituição
(1981), Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo – USP
(1990) e Pós-doutorado tanto na EHESS / Paris (1997-1998 e em 2010-2011),
quanto na Université de Versailles Saint-Quentin (2010-2011). Nesta última
instituição, foi Professora Visitante (2001 e 2003). Foi ainda Coordenadora da
Área de História (comitê) junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) – no qual é Pesquisadora nível 1A –, integrou
o comitê de Área de História da CAPES e o comitê da Área de Ciências
e Artes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG). É membro dos conselhos de inúmeras revistas, com destaque
para: Almanak (USP); Revista do Arquivo Público Mineiro, Tempo (UFF)
& Revue Monde(s) (Sorbonne Université – Paris I). É Coordenadora do
projeto de pesquisa Coleção Brasiliana, além de assessora Ad-Hoc da Agencia
Nacional de Promoción Científica y Técnica (ANPCyT / Argentina) e do
Fonds de la Recherche Scientifique (F.R.S. / Bélgica). É autora de artigos em
revistas, no Brasil e no exterior, além de vários livros, a exemplo de: O ardil
totalitário (Ed.UFRJ / Editora UFMG, 1997); Rebeldes literários da República
(Editora UFMG, 2005); & Política, nação e edição. O lugar dos impressos na
construção da vida política. Brasil, Europa e Américas (séculos XVIII-XX),
que organizou com Jean-Yves Mollier (Annablume, 2006).
Giselle Venancio é Professora do Departamento de História da UFF,
onde atua na Graduação e na Pós-Graduação. É bolsista de Produtividade
do CNPq (2014-...) e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ (2016-...).
Integra os seguintes projetos coletivos: Desigualdades globais e sociais em
perspectiva temporal e espacial (Programa Institucional de Internacionalização
– PrInt, da CAPES, 2018-2022) & Ideias em tempo de Guerra Fria (CAPES
/ Cofecub – Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária
com o Brasil, 2019-2022). Foi coordenadora do PPGH-UFF (2017-2019). É
pesquisadora do Escritas UFF (Escritas da História / Historiografias do Sul),
associada ao Centro de Estudos do Oitocentos (CEO / UFF) e ao projeto

204
Brasiliana (UFMG). Foi Professora Visitante na Universidade de Coimbra
(2020); na EHESS como Directeur d’Études Associé (Fundation Maison
des Sciences de l’Homme, 2017); e na Universidade de Évora (2007), com
bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Cursou Graduação em História
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (1987),
Mestrado em História na UFF (1996) e Doutorado em História Social na
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2003), com estágio doutoral
na EHESS sob a direção de Roger Chartier (bolsista CAPES, 2000-2001). Foi
bolsista de Pós-doutorado do CNPq / FAPEMIG (2006-2007), na UFMG, e
realizou estágio de Pós-doutorado na USP (2016-2017). É autora de artigos
em revistas, no Brasil e no exterior, além de vários livros, a exemplo de:
Pontes sobre o Atlântico (Vicio de Leitura / FAPERJ, 2012); Oliveira Vianna:
entre o espelho e a máscara (Autêntica, 2015); e O homem por trás dos livros:
Américo Jacobina Lacombe na direção da Brasiliana, 1956-1993 (Prismas /
Appris, 2018).
Mariana Rodrigues Tavares é Doutora (2020) em História Social pelo
mencionado Programa de Pós-Graduação em História da UFF, com a tese
intitulada A aclamação das letras: o Instituto Nacional do Livro e a pedagogia
literária no Brasil do século XX, concluída com financiamento da CAPES
(2016-2020), período no qual também realizou um estágio doutoral (2019)
na Universidade de Évora, desta vez com financiamento da FAPERJ, sob
a direção de Maria Fátima Nunes. É Mestre em História pelo PPGH-UFF
(2016), título obtido na condição de bolsista do CNPq, entre os anos de 2014-
2016, com o projeto Editar a nação e escrever sua história: livros, projetos
editoriais e disputas letradas no Instituto Nacional do Livro. É Bacharel e
Licenciada em História pela UFF (2013), Graduação quase toda realizada
igualmente na condição de bolsista de Iniciação Científica, seja via CNPq
ou FAPERJ, e tendo recebido o Prêmio Láurea Acadêmica da instituição no
ano de 2014. Foi Editora-chefe da Revista Escrita da História – REH (UFF-
USP) e, atualmente, integra os conselhos editoriais / é revisora dos seguintes
periódicos: Revista Cantareira (UFF) e Em Tempo de Histórias (Universidade
de Brasília – UnB). Recentemente foi credenciada e tornou-se Parecerista
do Ministério da Cidadania. É autora de artigos em revistas especializadas,
além de integrar e/ou organizar várias coletâneas, a exemplo de: Intelectuais e

205
palavra impressa (Eduff, 2016); Histórias no singular: textos, práticas, sujeitos
textos, práticas & sujeitos (Appris, 2019); & Tessituras históricas (Appris,
2020), que organizou com as professoras Giselle Martins Venancio e Roberta
Ferreira Gonçalves.
Renato Martins é Graduado em História (2007), Mestre em Antropologia
(2010), Doutor em História (2017) pela USP e, atualmente, é Pós-doutorando
em História pela mesma instituição. Atua na área de História, com ênfase
no diálogo entre História das Américas, História Intelectual e Teoria da
História. Suas pesquisas enfatizam intelectuais do continente americano
situados entre os séculos XIX e XXI que têm como base a reflexão sobre as
relações interamericanas e globais. É autor da tese Tradição, modernidade e
a História das Américas em Visão do Paraíso (1946-1969). Por ora desenvolve
uma investigação de pós-doutoramento, intitulada Próspero, soberano: o pan-
americanismo como história em Francisco García Calderón e Sérgio Buarque
de Holanda (1912-1920), sediado no Laboratório de Estudos de História das
Américas (LEHA-USP) e ligado ao grupo de pesquisa “História e Ficção”
do CNPq. É pesquisador da Cátedra Jaime Cortesão / Instituto Camões –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH (USP), na qual
faz parte do Grupo de Estudos Historiográficos Ibero-Americanos; e do Grupo
de Estudos de História Ibérica Moderna. Participa do projeto de cooperação
internacional Poética das margens no espaço literário franco-brasileiro, fruto
da parceria entre a USP e as universidades Paris VIII – Vincennes-Saint-
Denis e Paris X – Nanterre. É autor de artigos em revistas especializadas,
no Brasil e no exterior, além de livros e coletâneas, a exemplo de: Encontros
– Sérgio Buarque de Holanda (Azougue Editorial, 2009); e Makunaima grita!
Terra indígena Raposa Serra do Sol e os direitos constitucionais no Brasil, que
organizou com os professores Majoí Fávero Gongora, Julia Trujillo Miras e
Rogério Duarte do Pateo (Azougue Editorial, 2009).
Robert Wegner é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
desde 1999, onde atua como Professor do Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde (PPGHCS). Integra também o quadro
complementar de Professores da PUC-Rio, lecionando nos Departamentos de
Ciências Sociais e de História. Concluiu sua Graduação em Ciências Sociais
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1990, e realizou o Mestrado e

206
o Doutorado em Sociologia no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (atual Instituto de Estudos Sociais e Políticos – IESP, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro – UERJ), onde desenvolveu uma tese defendida
em 1999 que resultou no livro A Conquista do Oeste: a fronteira na obra de
Sérgio Buarque de Holanda (Editora UFMG, 2000). Entre agosto de 2018 e
julho de 2019 realizou pesquisa de Pós-doutorado na University of Illinois at
Urbana-Champaign, trabalhando no Lemann Center for Brazilian Studies e
desenvolvendo uma investigação sobre história da agricultura, da genética
e da eugenia nos Estados Unidos da América (EUA) nas primeiras décadas
do século XX. Na FIOCRUZ, foi chefe do Departamento de Pesquisa (2005-
2009), Membro da Comissão de Pós-Graduação (2011-2013), Coordenador
Adjunto (2013-2015) e Coordenador do PPGHCS (2015-2017). Atualmente,
faz parte da Comissão de Pós-Graduação na gestão 2019-2021 e é bolsista
de Produtividade em Pesquisa do CNPq (nível 2). É autor de artigos em
revistas, no Brasil e no exterior, além de livros, como a publicação de seu
trabalho de doutorado, já citado, sendo integrante de inúmeras coletâneas,
tais como: Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país (Companhia
das Letras, 2013); e Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas (Ed.UNICAMP
/ EdUERJ, 2008).
Ronaldo Vainfas é Licenciado em História pela UFF (1978), Mestre
pela mesma instituição em História do Brasil (1983) e Doutor em História
Social pela USP. Tornou-se Professor do Departamento de História da UFF a
partir de 1978 e Professor Titular de História Moderna, por concurso público,
desde 1994, universidade na qual se aposentou em 2015. É investigador do
CNPq desde 1990 e, atualmente, é Pesquisador de Produtividade nível 1A.
É membro do grupo Companhia das Índias – Núcleo de História Ibérica e
Colonial na Época Moderna, com inúmeros projetos aprovados. Foi Cientista
do Nosso Estado da FAPERJ em 2004, 2006, 2009 e 2014. Foi bolsista da
Freie Universität Berlin (1996) e da Biblioteca Nacional de Portugal (1997).
Como Professor / Pesquisador convidado, atuou nas seguintes instituições:
Universidade de Lisboa (1997), Universidad Nacional de Colombia, Medellín
(1997 e 2006), University of Essex, Inglaterra (1998), Ohio State University
(2001) e Brown University – Providence, EUA (2007). É membro da Cátedra
de Estudos Sefarditas da Universidade de Lisboa desde 1998. Realizou Pós-

207
doutorado na Universidade de Lisboa (2007) e na USP (2013-2014). Foi
Professor Visitante da Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN (2017 e 2019) e do Programa de Pós-Graduação em História da
UERJ – Faculdade de Formação de Professores (FFP), de 2016 a 2017 e,
novamente, a partir de 2020, ao qual se encontra vinculado. É autor de artigos
em revistas, no Brasil e no exterior, além de coletâneas e livros, a exemplo
dos seguintes títulos: Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição
no Brasil (Campus, 1989); A heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no
Brasil Colonial (Companhia das Letras, 1995); e Antônio Vieira: jesuíta do
rei (Companhia das Letras, 2011).

208
Coordenação editorial: Betânia G. Figueiredo
Diagramação e capa: Amanda Paim do Carmo

Formato: 15,5 x 22,5 cm | 210 p.


Tipologias: Minion Pro e Myriad Pro.
Papel do capa: Supremo 250g/m2
Papel do miolo: Chambril/avena 90g/m2
Ao ser apresentada como tese para o concurso
à cátedra de História da Civilização Brasileira
da Universidade de São Paulo (USP), em 1958,
Visão do Paraíso era o cartão de embarque
de Sérgio Buarque de Holanda para ingressar
no universo da historiografia acadêmica
institucionalizada.
Robert Wegner

Sérgio Buarque estuda o universo das


representações veiculadas durante as
descobertas e a conquista do Novo Mundo
pelos portugueses e espanhóis, com todas
as referências culturais da Renascença e da
Contrarreforma subjacentes. O oceano se torna
o veículo de trânsito de uma ideia migratória
capaz de viajar no tempo e no espaço: o Paraíso
terrestre.
Eliana de Freitas Dutra

Visão do Paraíso é uma tese não só sobre o Brasil


– embora já seja muito – senão sobre a história
europeia na época do Renascimento, sem
deixar de contemplar, à farta, textos religiosos,
tratados e crônicas medievais, além de autores
da Antiguidade greco-romana. Maior erudição
impossível.
Ronaldo Vainfas

ISBN: 978-65-991559-0-1

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