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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

REITOR: ANTONIO GUEDES RANGEL JÚNIOR


VICE REITOR JOSÉ ETHAN BARBOSA

COORDENAÇÃO GERAL DA ESPECIALIZAÇÃO


ÂNGELA MARIA CAVALCANTI RAMALHO

CENTRO DE HUMANIDADES
DIRETOR: WALDECI FERREIRA CHAGAS
DIRETOR ADJUNTO: FRANCISCO FÁBIO DANTAS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO:
CHEFIA: IVONILDES DA SILVA FONSECA
CHEFIA ADJUNTA: RITA DE CÁSSIA DA ROCHA CAVALCANTE

COMITÊ INSTITUCIONAL

CARLOS ADRIANO FERREIRA DE LIMA


MARCO AURÉLIO PAZ TELLA
RITA DE CASSIA DA ROCHA CAVALCANTE
SOLANGE PEREIRA DA ROCHA
TIAGO BERNARDON DE OLIVEIRA
WALLACE GOMES FERREIRA DE SOUZA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO: Educação étnico-racial na educação infantil


COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL:Waldeci Ferreira Chagas
COORDENAÇÃO DO CURSO: Ivonildes da Silva Fonseca
MONITORIA: Romário Farias Pedrosa dos Santos
Viviane Rodrigues Gomes
SECRETÁRIA DO CURSO: Patrícia Simões Gomes

PROJETO A COR DA CULTURA

COORDENAÇÃO DE CONTEÚDO: Azoilda Loretto da Trindade

COORDENAÇÃO DO PROJETO: Maria Correa e Castro

EQUIPE DO PROJETO: Luana Dias e Sandra Vale

Guarabira -2016
PB
Espaço da ficha técnica
Dedicatória

À Azoilda Loretto da Trindade (In memoriam)


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 05
A INFLUÊNCIA DAS LÍNGUAS AFRICANAS NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO: uma perspectiva ecolinguística 07
Marta Furtado da Costa
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E INTERMÍDIAS
Carlos Adriano Ferreira de Lima 13
Daniel Torquato Fonseca de Lima

GIRA CONTOS CONTADORES DE HISTÓRIAS: um relato de experiência


sobre arte de contar histórias como estímulo á criatividade e á leitura em
ambientes de aprendizagem na implementação da lei 10.639/03. 21
Fernanda Mara Ferreira Santos

CORES DA MULTIDISCIPLINARIDADE: o uso da arte como mediadora para os


preconceitos e conflitos em sala de aula 31
Ilson Roberto Moraes Saraiva

PROJETO ÁFRICA/BRASIL: Zumbi, aqui vamos nós!


39
Lúcia de Fátima Júlio
SABERES ANCESTRAIS NA ESCOLA
47
Paula Maria Fernandes da Silva
IDENTIDADE RACIAL E CIDADANIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
59
Solange P. Rocha
AS BRINCADEIRAS INFANTIS E OS MECANISMOS
DISCRIMINATÓRIOSCONTRA AS CRIANÇAS NEGRAS. 72
Ivonildes da Silva Fonseca
A LEI 10.639/03 E O COMBATE AO RACISMO ATRAVÉS DA LITERATURA
INFANTIL E SUAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
81
Rosilda Alves Bezerra
Maria Suely da Costa
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO USO DA MÚSICA NO ENSINO DE
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA 92
Waldeci Ferreira Chagas
CAIANA DOS CRIOULOS: território e etnicidade
102
Wallace Gomes Ferreira de Souza
5

APRESENTAÇÃO

Este livro foi originado do Curso de Especialização em Educação étnico-racial


na educação infantil do Departamento de Educação do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual da Paraíba - UEPB em parceria com a Fundação Roberto
Marinho através do Projeto A cor da cultura1e apoio dos Núcleos de Estudos Afro-
Brasileiros e indígenas da UEPB - Guarabira e da UFPB e a colaboração da
Organização de Mulheres Negras na Paraíba-Bamidelê.
Os textos que compõem este livro são de autorias de docentes que ministraram
aulas no referido curso. Inicialmente temos o texto “A influência das línguas africana no
português brasileiro: uma perspectiva ecolinguística” da Professora Dra. Marta Furtado
da Costa, ressaltando que para compreender um ecossistema linguístico é preciso levar
em consideração três variáveis: língua (L), que é um conjunto de códigos verbais ou não
verbais através dos quais as pessoas de um grupo se comunicam; território (T) e
população (P).
O texto “Educação étnico-racial e intermídias” elaborado pelos Professores Dr.
Carlos Adriano Ferreira de Lima e Especialista Daniel Torquato Fonseca de Lima,
pontua as práticas culturais e as novas tecnologias estabelecendo relações e novas
formas de reflexão sobre o conhecimento, a exemplo da produção e utilização de
Objetos de Aprendizagens (OAs) com foco na educação étnico-racial.
Contemplando a arte da contação de histórias, a arte-educadora e Especialista
Fernanda Mara Ferreira Santos, expôs em “Experiência sobre arte de contar histórias
como estímulo à criatividade e à leitura em ambientes de aprendizagem na
implementação da lei 10.639/03”, atividades desenvolvidas no projeto “Gira Contos
Contadores de histórias”, aprovado pelo Fundo de Incentivo à Cultura -FIC Augusto dos
Anjos.
O artista visual e Professor Ilson Roberto Moraes Saraiva, escreveu “Cores da
multidisciplinaridade: o uso da arte como mediadora para os preconceitos e conflitos em

1
O Projeto A cor da cultura é um projeto educativo de valorização da cultura
afro-brasileira, fruto de uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Cidan - Centro
de Informação e Documentação do Artista Negro, o MEC, a Fundação Palmares, a TV
Globo e a Seppir - Secretaria de políticas de promoção da igualdade racial.
6

sala de aula”, mostrando a importância para educadores do ensino da arte como


mediação para os preconceitos e conflitos surgidos em sala de aula.
O texto “Projeto África/Brasil: Zumbi, aqui vamos nós!” elaborado pela
Professora Especialista Lúcia de Fátima Júlio relata a sua vivência na escola, no
Distrito de Zumbi, formado por remanescentes de quilombos no Município de Alagoa
Grande/PB. .
Na condição de ministrante da disciplina Religiões afro-brasileiras, a Professora
Mestra Paula Maria Fernandes da Silva, escreveu “Saberes ancestrais na escola”,
justificando que a prática educativa em diálogo com a história e a cultura religiosa afro-
brasileira possibilita às crianças um ambiente lúdico no qual podem ser discutidos fatos
históricos e impactar ações de preconceito e discriminação religiosas.
O texto “A identidade racial e cidadania na educação infantil” da Professora Dra.
Solange Pereira da Rocha atesta um avanço no campo legal com relação à criança
negra, nomeando os mecanismos legais do século XXI. Todavia, comparando com a
infância negra em séculos passados mostra a permanência de hostilização.
Alertando para mecanismos racistas que não são vistos abertamente, porém,
sentidos profundamente por quem os sofrem, a Professora Dra. Ivonildes da Silva
Fonseca, reforça no texto, “As brincadeiras infantis e os mecanismos discriminatórios
contra as crianças negras”, a possibilidade de identificá-los.
O tema da Literatura infantil com personagens negras foi trabalhado pelas
Professoras Dras. Rosilda Alves Bezerra e Maria Suely da Costa no texto “A lei
10.639/03 e o combate ao racismo através da literatura infantil e suas relações étnico-
raciais”, recomendando a literatura infanto juvenil nas escolas de forma “planejada” e
“compromissada” para uma educação positiva, desde a infância.
Trazendo uma proposta metodológica a partir da música de Chico César,
“Respeitem meus cabelos brancos”, o Professor Dr. Waldeci Ferreira Chagas produziu
“ Considerações acerca do uso da música no ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana”, ressaltando que no contexto da diversidade étnica, em especial, das escolas
públicas, trabalhar com música como fonte histórica ou como recurso metodológico
trará avanços no processo de implementação de conteúdos étnico-raciais.
A questão referente às áreas quilombolas, foi abordada pelo Professor
Dr. Wallace Gomes Ferreira de Souza com o título “Caiana dos Crioulos: território e
etnicidade”, ressaltando aspectos sobre a formação e afirmação étnica e territorial dessa
comunidade.
7

A INFLUÊNCIA DAS LÍNGUAS AFRICANAS NO PORTUGUÊS


BRASILEIRO: UMA PERPECTIVA ECOLINGUÍSTICA

Marta Furtado da Costa

É impossível negar a relação entre o português falado no Brasil e as línguas


africanas. Linguistas, historiadores, sociólogos, entres tantos pesquisadores, tem detido
atenção a esta questão desde o início do século XIX. É certo que muito se discutiu sobre
o tema, mas agora proponho um olhar diferente. Observar a influência das línguas
africanas no português brasileiro na perspectiva ecolinguística.
A proposta deste capítulo é definir os interesses que conduzem as pesquisas no
campo da ecolinguística, ainda pouco difundido nos estudos linguísticos no Brasil.
Tendo em vista os diversos estudos envolvendo a busca por influências das línguas
africanas no português brasileiro e os processos de pidginização e crioulização,
discutiremos como as variáveis de um ecossistema linguístico determinam, ou não, a
ocorrência de cada fenômeno.
O conceito de ecolinguística está amparado por Haugen (1972) e Couto (2005,
2007, 2009, 2013). Os estudos sobre as línguas africanas e suas relações com o
português brasileiro estão apoiados em Almeida (2006), Bonvini (2008), Castro (2014)
e Mendonça (2012).

Desvendando a ecolinguística

A ecolinguística é um ramo, relativamente, novo da linguística, que tem muita


afinidade com o escopo da sociolinguística. O início dos estudos da ecolinguística
ocorreu entre o final da década de 80 e início da década de 90 (COUTO, 2009). Do
ponto de vista etimológico, o prefixo eco- nos leva a deduzir que o meio ambiente está
intrinsecamente ligado à teoria em questão. Com a publicação do livro Silent Spring, de
Rachel Carson, em 1962, as questões ambientais começam a ganhar atenção e destaque
nos discursos ao redor do mundo.
A autora fala sobre a primavera de cidades que foram silenciadas em decorrência
do uso de pesticidas, agrotóxicos e inseticidas, provocando sérios problemas ambientais.
8

A obra começa apresentando a história de uma pequena cidade no interior dos Estados
Unidos, onde todos pareciam viver em harmonia com o meio ambiente. Até que,
subitamente, uma doença estranha se espalha pelas plantas e muda a paisagem do lugar.
A tônica do livro Silent Spring é descrever diversas situações fictícias, que certamente
poderiam acontecer em qualquer lugar do mundo. Chamando a atenção para a
contaminação do meio ambiente, pelo uso de pesticidas, inseticidas e agrotóxicos e os
impactos ambientais, sociais e econômicos causados por esse processo.
Aos poucos, as mais variadas áreas do conhecimento passaram a incorporar a
consciência ecológica ao arcabouço de suas disciplinas. Surge a ecologia urbana,
proposta por Robert Park e Ernest Burgess, a sociologia ambiental de Riley E. Dunlap e
William R. Catton e a psicologia ambiental ou ecopsicologia, apresentada Günther &
Rosestraten (COUTO, 2013). Neste caminho, os estudos linguísticos também começam
a desenvolver um olhar voltado a esta consciência ambiental. Haugen (1972) em seu
livro The ecology of language, apresentou a definição que norteou a ecolinguística no
campo da linguagem. Para o autor, a ecologia da língua ou ecologia linguística é o
estudo das interações entre qualquer língua e seu meio ambiente. Segundo Haugen
(1972: 325) “o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade que a usa como um de
seus códigos”.
Couto (2013: 279), faz uma crítica à definição de Haugen (1972), uma vez que a
partir dela é possível entender a língua como uma "coisa" que se relaciona com o meio
ambiente. Diante disto, o autor conceitua a ecolinguística "como sendo o estudo das
interações verbais que se dão no interior do ecossistema linguístico". Para definir
ecossistema é preciso recorrer à biologia. O ecossistema é um conjunto de seres vivos
(biocenose) que interagem entre si e com o meio (biótipo). A união entre biótipo,
biocenose e as inter-relações dos organismos desse conjunto, forma o ecossistema.
Para compreender um ecossistema linguístico é preciso levar em consideração
três variáveis: língua (L), que é um conjunto de códigos verbais ou não verbais através
dos quais os membros de um grupo se comunicam, território (T) e população (P).
Pensar na perspectiva ecolinguística nos leva a considerar o conceito de meio ambiente
e tudo que está intrínseco a ele.

Para se chegar ao ecossistema linguístico basta observar a intuição do


leigo. Quando ele ouve o nome de uma língua pela primeira vez, a
primeira pergunta que faz é sobre que povo a usa. Diante da resposta,
ele deseja ainda saber onde se localiza esse povo. O povo ou
9

população (P) corresponde à população da ecologia; o onde, ao


território (T); os padrões de inter-relação, à língua (L). O
ecossistema linguístico básico é o todo formado por P, T e L
(COUTO, 2009: 127, grifo do autor).

O meio ambiente da língua pode ser descrito no interior de três ecossistemas:


natural, mental e social. O ecossistema natural da língua, também chamado de
ecossistema fundamental da língua, fornece as bases para tudo que se refere à língua.
Segundo Couto (2009: 128) "esse ecossistema consta de um povo ou população (P),
convivendo em determinado território (T) e falando a própria língua (L). Sem território
não há população e sem população não há língua." O ecossistema mental da língua vem
sendo estudado pela neurolinguística e outras neurociências, investigando processos de
aquisição, processamento e desestruturação da linguagem. Por fim, o ecossistema social
da língua, considera a sociedade como o meio ambiente onde a população de um grupo
se organiza e se constitui. Para Haugen (1972: 325) “o verdadeiro meio ambiente da
língua é a sociedade”.
Sob o olhar do ecossistema social, é possível discutir conceitos como
antropocentrismo, etnocentrismo, androcentrismo, assim como todas as questões
políticas que emergem junto com estas questões. Também do ponto de vista político, o
ecossistema social se expressa nas políticas linguísticas, no tratamento dado às
variedades linguísticas, aos dialetos, nos acordos ortográficos e nas perspectivas de
língua e de linguagem defendidas pelos documentos oficiais de um estado.
A língua, de maneira simplista, este conjunto de códigos verbais e não verbais
que os indivíduos de um grupo utilizam em suas relações entre si e com o meio onde
vivem, carrega um número infinito de conceitos políticos, filosóficos e de expressão do
meio ambiente.

Da África para o Brasil

O período que compreende o século XVI até o século XIX, foi marcado pela
chegada de cerca de cinco milhões de africanos escravizados, trazidos da África
subsaariana para o Brasil, aportando nos estados de Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro. Estas pessoas eram trazidas da região banto e da região sudanesa. É possível
ver na fígura 1 o local de origem, assim como o destino dos negros trazidos da África. A
região banto faz parte de um conjunto de 300 línguas, faladas em 21 países. As línguas
10

sudanesas mais importantes foram os iorubás e os povos de línguas do grupo ewe - fon
(CASTRO, 2015).

Figura 1 - Origem e destino dos negros (MENDONÇA, 2012: 50)

Quando se pensa no recorte temporal que marcou a chegada dos negros ao


Brasil, devemos considerar, do ponto de vista linguístico, a possibilidade de ocorrência
de alguns fenômenos ligados ao contato entre línguas. Quando povos, de diferentes
culturas, vindos de diferentes regiões, passam a manter contato, a ecologia da interação
comunicativa destes indivíduos tende a sofrer alterações. E através da língua nós
podemos identificar a natureza destas possíveis alterações.
Seria correto afirmar que a influência das línguas africanas no Brasil passou
pelos processos de pidginização e crioulização? Os dois fenômenos são resultado do
contato entre dois povos, ou mais povos. Na pidginização, um povo considerado mais
forte se desloca para um território onde convivem muitas línguas. Um processo de
colonização, com moradia permanente, cria a necessidade de estabelecer uma língua
franca de contato. Que, em geral, é a língua do povo colonizador. Já na crioulização,
tanto os povos mais fortes quanto os povos mais fracos, partem para um terceiro
território.
No que diz respeito à influência das língua africanas no português brasileiro,
Bovini (2008) recorda que muitas hipóteses foram consideradas e debatidas desde o
início do século XX. Tendo alguns pesquisadores defendido que a influência ocorreu na
forma crioulização ou mesmo semicrioulização. Elia (1979) defende que não existiram
crioulos no Brasil, apenas semicrioulos, que seria uma simplificação da língua
11

portuguesa. Se considerarmos que o português não integrou características das línguas


africanas, consequentemente, não sofreu a influência delas. Desta forma, a situação de
contato não promoveu uma fusão entre culturas, apenas provocou a assimilação de uma
cultura por outra, o que está ligado aos semicrioulos.
Não se pode negar os traços das línguas africanas no português europeu. O
contato entre estas culturas resultou na construção da modalidade da linguística
representativa da cultura brasileira. Um nova natureza linguística emergiu, incorporando
valores lexicais, morfológicos, semânticos e fonológicos a este ecossistema linguístico.
Em banto e em iorubá, as palavras nunca terminam com a pronúncia de uma
consoante. Podemos perceber a tendência do falante brasileiro em omitir as consoantes
finais das palavras ou transformá-las em vogais, a exemplo de cantá para cantar , fazê
para fazer. Outra influência das línguas banto e iorubá está na pronúncia de encontros
consonantais. Há a tendência de desfazê-los através de uma epêntese vocálica,
produzindo mais uma sílaba, a exemplo de saravá para salvar e fulô para flor (Castro,
2104: 11).
Quando o português do Brasil incorporou vocábulos como "samba, xingar,
muamba, tanga, sunga, jiló, maxixe, candomblé, umbanda, berimbau, forró, capanga,
banguela, mangar, cachaça, cachimbo, fubá, gogó" (Castro, 2104: 09), um conjunto de
valores inerentes ao ecossistema linguístico dos indivíduos que trouxeram estes
vocábulos, para fazer parte de um novo ecossistema, passam a coexistir e a confluir.
Esta confluência de culturas, mediada e possibilitada através da língua, produz um
conjunto ideológico que forma uma nova identidade como povo.

Algumas considerações

A ecolinguística é o estudo das interações entre a língua e seu meio ambiente.


Para compreender um ecossistema linguístico é preciso levar em consideração três
variáveis: língua (L), que é um conjunto de códigos verbais ou não verbais através dos
quais os membros de um grupo se comunicam, território (T) e população (P). Desenhar
um ecossistema linguístico significa considerar um território onde uma determinada
população possa interagir através de uma determina língua.
Segundo Haugen (1972: 325) “o verdadeiro meio ambiente da língua é a
sociedade que a usa como um de seus códigos”. Pensar a relação entre o português do
Brasil e as línguas africanas numa perspectiva ecolinguística é chamar a atenção para o
12

fato de que dois ecossistemas linguísticos confluíram para a formação de um conjunto


de crenças e ideologias que forjaram a nossa cultura hodierna. E é através da língua que
podemos recuperar as referências do meio ambiente de origem dos povos que nos
constituíram.
Referências

ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura Iorubá: costumes e tradições. Rio de
Janeiro: Dialogarts, 2006.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC,1981.

BONVINI, Emílio. Línguas africanas e português falado no Brasil. In: FIORIN, José
Luiz; PETTER, Margarida (Org.). África no Brasil: a formação da língua portuguesa.
São Paulo: Contexto, 2008.

CARSON, Rachel. Silent spring. Greenwich, Conn.: Fawcett Publications, 1962.

CASTRO, Yeda Pessoa de. A influência das línguas africanas no português brasileiro.
Disponível em <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/documentos/linguas-
africanas.pdf>. Acesso em 10 maio de 2014.

COUTO, Hildo Honório do. O que vem a ser ecolinguística, afinal? In: Cadernos de
Linguagem e Sociedade, 14 (1), 2013, p. 275-313.

____. Ecolinguística. In: Cadernos de Linguagem e Sociedade, 10 (1), 2009, p.125-


149.

_______. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília:
Thesaurus Editora, 2007.

_____. Descrioulização e insegurança linguística no crioulo português da Guiné-Bissau.


In: Endruschat, Annette & Axel Schönberger (orgs.) Portugiesische Kreolsprachen:
Entstehung, Ausbau und Verwendung. Frankfurt/Main: Domus Editoria Europaea,
2005, p. 83-105.

ELIA, Silvio. A unidade lingüística do Brasil. Rio de Janeiro: Padrão, 1979.

HAUGEN, Einar. The ecology of language. Stanford: Stanford University Press, 1972,
p. 325-339.

MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. Brasília:


FUNAG, 2012.
13

EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E INTERMÍDIAS

Carlos Adriano Ferreira de Lima

Daniel Torquato Fonseca de Lima

INTRODUÇÃO

A disciplina educação étnico-racial e intermídias se propôs a estabelecer um


diálogo com as novas tecnologias da informação e as questões étnico-raciais
contemporâneas. As práticas culturais e as novas tecnologias podem estabelecer
relações no intuito de constituir novas formas de refletir sobre o conhecimento, a
interdisciplinaridade no dialogismo demarcado pelo binômio educação e comunicação,
ou a educomunicação e as mediações mídia/suporte/meio. Educador pensado e
problematizado enquanto agente cultural, produzindo e utilizando as mídias para a
Educação étnico-racial infantil. Por fim, a construção de Objetos de Aprendizagens
(OAs) com foco na educação étnico-racial.
Na educação básica existe uma grande preocupação de proporcionar aos
estudantes aulas cujo conteúdo formal do componente curricular e forma possam
estimular atenção dos mesmos. Aliadas ao conteúdo pedagógico de cada disciplina,
auxiliem efetivamente no aprendizado. Os sujeitos estão sempre em constantes
transformações, sendo assim ansiamos por novidades, principalmente que venha
auxiliar na prática docente e na relação com os saberes. Por isso, frequentemente o/a
professor/a é conduzido a elaborar diferentes tipos de aulas da mesma matéria para
conseguir atingir uma ampla e diversificada gama de estudantes, em salas diferentes,
quando não, na mesma turma.
Refletindo sobre a questão é imperativo dispor de novos recursos que auxiliem
as abordagens dos temas, em especial nas atividades coletivas, geralmente reconhecidas
como “em grupo” e, desta maneira, estimular a participação e diálogo com os saberes e
dessa forma diminuir a desatenção e a indisciplina na sala de aula.
Nessa perspectiva o componente curricular: EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E
INTERMÍDIAS propôs discutir as práticas culturais e as novas tecnologias, o papel do
Educador como agente cultural, produzindo e utilizando as mídias digitais para a
Educação étnico-racial Infantil. Assim como também a construção de Objetos de
Aprendizagens (OAs) com foco na educação étnico-racial.
14

Durante o componente curricular foram traçadas estratégias de aprendizagem


para os docentes orientando a reflexão nos seguintes pontos: discutir a tecnologia como
área do conhecimento humano, fazendo perceber que as ferramentas tecnológicas
sempre estiveram presentes, longe de serem exclusividade do meio digital; identificar as
práticas culturais e as novas tecnologias no ensino, como as novas ferramentas vem
sendo aplicadas no espaço escolar; Problematizar o papel do educador como agente
cultural, trabalhando a valorização do profissional e a sua fundamental importância
como disseminador e estimulador dessas ideias; e a construção e manuseio das OAs,
principalmente com foco na educação étnico-racial.
Optamos por utilizar em nossas aulas conteúdos midiáticos do projeto “A cor da
cultura”, disponibilizados através do site (http://www.acordacultura.org.br/) como do kit
disponibilizados pela parceria do projeto aos alunos na conclusão do curso.

INTERMÍDIAS – INTER + MÍDIAS

Na década de 1980, Gerard Genette estabeleceu os “cinco tipos de


relações textuais (2010, p. 14). A transtextualidade seria uma espécie de grande bolsão
das reflexões das textualidade. O primeiro que recebeu destaque pela obra de Julia
Kristeva e corroborado por Roland Barthes, conhecido como intertexto tornou-se o mais
famoso e recorrente, nos estudos comparados.
Podemos tentar sintetizar a ideia de intertextualidade na perspectiva de
Genette, enquanto um texto dentro do outro, ou o texto (A) que se relaciona com o
texto (B). Tal abordagem e interpretação levou aos estudos comparados. Michael
Riffaterre amplia tal perspectiva, tornando o intertexto próximo do que seria
convencionado como transtextualidade, essa última designação abarcaria todas as
demais, tais como: intertexto, paratexto – discursos de acompanhamento do texto,
arquitexto – considerado o mais complicado por estabelecer a relação menos literal dos
anteriores, podendo ser apenas uma marca de textos anteriores,o metatexto – os
comentários para além do texto – e, por fim, o hipertexto – texto que deriva do outro.
Optamos por refletir sobre o inter em sua relação com a mídia, pois uma
relação intermidiática não pressupõe uma hierarquização proveniente de quem veio
primeiro ou a posteriori, e os elementos que se relacionam possuem suas marcas e
peculiaridades. Sua aglutinação no neologismo intermídias não reduz a condução da
15

mídia nem suas interrelações, ao contrário, torna mais amplo seu pensar e devir. Uma
chave de leitura possível para o intertexto é a seguinte:

a percepção, pelo leitor, da relação entre uma obra e outras que a tenham precedido
ou sucedido. Esta definição, de fato, corresponde à denominação mais geral de
Genette para a transtextualidade e encontra-se, segundo seu autor, restrita ao terreno
da literatura. Sua identificação é motivada por traços particulares, e não pela
existência de uma heterogeneidade constitutiva geral. (RIFATERRE apud
GENETTE, 1997, p. 2)

Claus Clüver ao pesquisar as relações entre as artes opta pelo termo interartes.
No primeiro momento focando na abordagem semiótica propõe em suas reflexões
problematizar as questões de intertextualidade, representação, transposição
intersemiótica – em outros autores, como Julio Plaza, conhecidas como traduções – o
leitor no processo de percepção da obra.
É necessário em um primeiro momento diferenciar os termos “Mídia”, “Meio” e
“Media”. A diferença também e para além de uma questão fonética e regional, visto que
a palavra media (latim) ao ser pronunciado em inglês ficaria próximo a palavra “mídia”
e que teria como significado “meios”. No Português Brasil, optou-se pela escrita mídia,
que remete ao sim produzido pelo termo em inglês media. Sendo assim, as relações
intermidiáticas e intermediáticas são sinônimos, cujo anterioridade está calcada na
discussão de intertexto.
O termo intermedia é utilizado com restrições nos EUA segundo Clüver enquanto
que na Alemanha Intermedialität é recorrente nos estudos de literatura comparada,
Artes Comparadas e os Estudos Interartes.

OBJETO DE APRENDIZAGEM – OA

Os OAs - objetos de aprendizagem, também conhecidos como: OED - objeto


educacional digital – ou ODA - objeto digital de aprendizagem; são bons exemplos de
recursos intermidíaticos para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem. Segundo o
PNLD (Plano Nacional do Livro didático) de 2014, relativo aos OAs:
esses objetos devem ser apresentados nas categorias audiovisual, jogo
eletrônico educativo, simulador e infográfico animado; ou congregar todas ou
algumas dessas categorias no estilo hipermídia, devendo cada objeto ser
identificável individualmente, armazenável em mídia e passível de
disponibilização em ambiente virtual.

Apesar de optar pelo termo hipermídia, numa aparente alusão ao multimídia,


devemos ressaltar as potencialidades e especificidades de determinadas objetos e suas
16

transposições/traduções para conteúdos digitais, por isso, reiteramos nossa abordagem


focada na discussão intermídia. O hiper, remete ao “salto” de um lugar para o outro,
enquanto que o hiper lembra que existem dois ou mais em relação. Além do conteúdo
multimídia ou mesmo que não citado, mas tão relevante quanto os mixmídias, os temas
curriculares e a possibilidade de trabalhar a transdisciplinaridade, os OAs pode trabalhar
através de jogos eletrônicos, simuladores, games sociais, infográficos animados,
histórias em quadrinhos – HQs, músicas e vídeos; apenas para citar alguns dos meios
mais recorrentes de construção e acesso aos conteúdos em ambientes virtuais.
Destacam-se pelo interesse que despertam nos discentes e são necessárias às
pessoas e que podem ser usadas como uma eficaz ferramenta nas diversas atividades
humanas em suas relações com os conteúdos digitais.

A INTERDISCIPLINARIDADE, EDUCAÇÃO E INFORMÁTICA

O professor entra em sala de aula munido de um projetor e um computador, no


qual previamente instalou, ou caso o ambiente escolar possua uma conexão que
possibilite a navegação virtual no site, como disponibilizam por exemplo o Louvre,
Museu do Prado e vários museus conectados ao Google Project of Art. O aplicativo de
um museu, que fisicamente está em outro continente, que possibilita dentre uma série de
interatividades uma visita virtual 360º e nas paredes do ambiente escolar, ele projeta os
corredores e as obras disponíveis para apreciação, análise e debate entre os discentes2.
Ou ao invés disso ele pede o auxilio dos alunos para juntos se aventurarem
durante o século XVIII, acompanhado de Francisco Vilar, que viajará de Lisboa em
Portugal a Bahia no Brasil e lá se depara com uma cidade populosa e em pleno fervor
social, que desencadeara na Revolta dos Búzios3. Ainda poderia ser um passeio pelas
ruas antigas da cidade, vendo suas construções, praças, igrejas e casarões, pontos
importantes para a História regional visto através de um mapa virtual que tenha opção
“visão da rua” 4.

2
Os museus e algumas instituições vêm cada vez mais oferecendo a visitação virtual do seu
espaço. A tecnologia consiste em estabelecer um ponto e a pessoa enxergar-nos 360°.
3
Narrativa do game “Búzios – ecos da liberdade”, desenvolvido para a plataforma de PC que
possui elementos dos RPGs – role-playing game (jogo de interpretação de personagem) – como o
controle do personagem por uma história pré-determinada.
4
Mapas virtuais possibilitam uma visão de satélite, por cima, de uma cidade. Com a opção “visão
da rua” é possível ver a cidade de um plano horizontal, tal visão de que está na rua.
17

Esse professor poderia ser taxado de esquisito, “meio maluco”, alguns alunos
iriam achar até interessante, mas o certo é que eles prenderiam sua atenção e a partir de
então entrariam em um processo de aprendizagem colaborativo e dinâmico propiciado
pelas novas ferramentas tecnológicas.
Cada vez mais percebemos o crescimento no interesse dos alunos pelas novas
tecnologias digitais e consequentemente o crescimento na produção de softwares
(produtos digitais) voltados a educação, porém percebe-se certa aversão por parte dos
professores ao tratar com tais aparatos, ora por desconhecimento dos softwares, ora por
medo da não habilidade total do mesmo (perdendo assim a postura do professor sabedor
de tudo).
Devido a essas condições e percepções o uso dos softwares como ferramenta
pedagógica ainda estão distantes do esperado, sucumbindo a uma mudança arrastada ou
de usos inadequados (que não utilizam ou exploram toda a potencialidade dela).
A utilização de novas ferramentas deve ser motivada, porém isso não quer dizer
que vão existir velhas ferramentas, no sentido pejorativo, ou que devemos esquecer as
ferramentas mais antigas. Pelo contrário as ferramentas necessitam da utilização para
legitimar a sua utilização, dar um sentido, um contexto. O que seria dos computadores
mais modernos se há mais anos antes de Cristo não existissem os ábacos, esses ainda
presentes na utilização em aulas de matemáticas e continuam despertando a curiosidade
nos alunos.
Os softwares e suas utilizações vão aparecer de forma mais efetiva na sociedade
a partir da “máquina analítica” de Charles Babage no século XIX, máquina que não foi
concluída, mas que deixou abertos os caminhos para novas utilizações nas tecnologias
presentes. Sobre influência do “tear de Jacquard”, Babbage pensava em uma máquina
capaz de armazenar informações, instruções ou números, através de cartões perfurados
(Jacquard também trabalhava com a ideia dos cartões perfurados, mas eles só
acionavam ou desativavam funcionamentos na máquina dele). Babbage assim atribui à
máquina a possibilidade de armazenar e processar dados, o que depois viriam a ser as
memórias do computador. Nessa abertura tecnológica, surge a figura de Ada Byron, a
condessa de Lovelace, que se interessou pelas ideias de Babbage e pelo funcionamento
da máquina. O encanto foi tão grande que ela passou a produzir “programas” para serem
executados pela máquina assim que fosse concluída a sua construção. A máquina não
ficou pronta, mas Ada Byron ganhou o reconhecimento de primeira programadora da
História.
18

Os computadores vêm a aparecer como hoje os conhecemos em meados do


século XX, utilizados primeiramente para fins militares, com a criptografia, sistema de
cifragem de informação baseada em substituições monoalfabéticas, uma letra por outra;
polialfabética, cada letra referente a um alfabeto distinto ou aos algorítimos de
segurança. O objeto de decodificar, ou “quebrar” os códigos de mensagens, levaram o
cinema a produzir vários filmes sobre o tema.
Temos também para questões relacionadas a balística, em especial, no cálculo de
trajetórias, estudo do clima, energia atômica, desde simulação da fissão nuclear até os
possíveis impactos. Esses computadores não eram encontrados em muitos lugares,
primeiro pela limitação de pessoas habilitadas em manusear, segundo por serem
equipamentos caros. Não haviam monitores, e a forma de resposta via por meio da
impressão em cartões, fichas ou papéis cujo especialista decodificaria aquela linguagem.
Porém nas “horas vagas” da máquina alguns alunos e professores aproveitavam para
testar a máquina com outros experimentos, um deles, por exemplo, vem ser um software
de game, o OXO (uma espécie de jogo da velha digital) desenvolvido na Universidade
de Cambridge no EDSAC5 em 1952.
No final da década de 1960, surgem vários movimentos que vão ter como
filosofia a “informática educativa”, que vai pregar a utilização dos computadores no
processo de ensino e aprendizagem. Não somente no ensino da informática, mas como
ferramenta pedagógica no ensino de outras disciplinas, onde o aluno poderá utilizar-se
dela para ampliar e adquirir novas informações. No ensino de História houve uma
grande excitação ao perceber as possibilidades de se trabalhar com mapas,
principalmente sobrepondo, mapas históricos e mapas atuais.
As enciclopédias digitais foram outro ganho para completar esse apoio ao
ensino, mesmo com seus verbetes de textos resumidos, tais quais as versões impressas
já traziam, havia a possibilidade de adicionar fotos, sons e vídeos tornando-a assim uma
ferramenta mais animada.
Logo após essas aberturas de possibilidades tecnológicas, foram surgindo mais e
mais softwares, chegando ao ponto de se criar uma categoria especifica denominados
softwares educacionais, onde seu principal objetivo era o aprendizado e a obtenção de
novos conhecimentos por parte de quem estivesse manuseando-o. Conceituação
bastante complicada no início, pois os softwares eram objetos novos na sociedade, a

5
Foi um dos primeiros computadores capaz de armazenar informações e programas.
19

serem explorados, caberia então a quem estivesse utilizando o manuseio e a orientação


para torná-lo em uma ferramenta pedagógica.
Hoje é visível na sociedade acadêmica a utilização de “notebooks”, “netbooks”,
computadores, sites, tablets como ferramenta de auxílio na aprendizagem, ora elas vão
aparecer de forma espontânea com os alunos e professores levando para o espaço, ora
por programas de incentivos público e privado que tentam tornar o ensino mais
“atraente” e combater o índice de evasão escola escolar.

UM EXEMPLO DE UTILIZAÇÃO E INCLUSÃO


As histórias em quadrinhos, HQ, quadrinhos ou gibis são uma manifestação
artística que conjuga texto e imagens com o objetivo de narrar histórias dos mais
variados tipos e estilos. Os principais elementos da história em quadrinhos são quadros,
recursos gráficos, onomatopeia e balões. Os quadros não têm tamanhos definidos. A
onomatopeia identifica o som de algumas ações e oferece ao leitor a ilusão do barulho.
Os balões servem para identificar as falas e diálogos entre as personagens.
Normalmente são escritos com letra bastão.
Nas escolas, a religião afro-brasileira não desfruta do prestígio que o
cristianismo tem, fazendo parte do conteúdo de algumas disciplinas oficiais ou matéria
de estudo do ensino religioso facultativo. Por vezes, o candomblé e a umbanda são
associados à magia negra e a práticas diabólicas, inclusive nas exibições de imagens
com representações desnudas, agressivas, adultas e com utilização de palheta de cores
fortes (abusando do vermelho e do preto, construindo uma atmosfera tenebrosa).
A partir desses conceitos, pode se estimular pesquisas sobre mitos e lendas dos
orixás, que podem ser feitas na transdisciplinaridade com os componentes curriculares
de Ensino Religioso, História e Literatura. Depois pedir que os alunos desenvolvam
uma história em quadrinhos, de modo que seja possível aproveitar para refletir sobre as
religiões afro-brasileiras.
Tanto a pesquisa, que poderá utilizar dos recursos da internet para ampliar as
discussões e a construção de narrativa a partir de lendas e mitos, a própria história em
quadrinhos pode se utilizar de sites e aplicativos para a confecção da mesma. No
decorrer da disciplina de “Educação étnico-racial e intermidias” no curso de
especialização optamos pela confecção de uma história em quadrinhos em papel A4 e
coloridos com lápis de cores comuns, depois digitalizamos e agrupamos no formato pdf
para ser socializados entre os alunos do curso e replicados nas escolas onde atuam.
20

No mundo rodeado de bits em que os conteúdos digitais atravessam paredes e


nossos corpos para encontrar os dispositivos capazes de decodifica-los, mais que
enaltecer ou criar uma visão apologética da tecnologia, precisamos reconhecer suas
potencialidades e fazer uso da crítica consistente e problematizadora. O educador do
século XXI não poderá se imiscuir do diálogo com os conteúdos digitais, sua nova e
interativa lousa.

REFERÊNCIAS

BELLONI, Maria Luiza. O que é mídia-educação. Campinas, Editora Autores


Associados, 2001.
BRASIL. MEC.Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Brasília:MEC, 2007.
CHAVES, Eduardo. Tecnologia e Educação: o futuro da escola na sociedade da
informação. Campinas: Mindware Editora, 1998.
CLÜVER, Claus. Estudos interartes: conceitos, termos, objetivos. Literatura e
Sociedade.In: Revista de teoria literária e literatura comparada, São Paulo:
FFLCH/USP, n. 2, dez. 1997, p. 37-55.
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literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, v. 14, p. 11-41.
DUBOIS, Danielle et al. Sémantique et cognition. Catégories, prototypes, typicalité.
Paris: CNRS, 1991. Disponível em :
http://www.ftd.com.br/marketing/downloads/Manual_Tecnologia.pdf Acesso em: 03
de outubro de 2015.
FERREIRA, D. M. de C. & S.JUNIOR, P. D. da . Recursos audiovisuais para o
ensino. São Paulo, EPU/MEC, 1.995.
GENETTE, Gerard. Palimpsesto: a literatura de segunda mão. Tradução Cibele Braga
et. al. Belo Horizonte :Viva voz, 2010.
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da
informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.
LITWIN, Edith (Org.). Tecnologia educacional: política, histórias e propostas. Porto
Alegre: ArtMed, 1997.
LOLLINI, P. Didática e Computador: quando e como a informática na escola. Trad.
Antônio Vietti e Marcos J. Marcionilo. São Paulo: Loyola,1991.
MARTINEZ, Elisa de Souza. O Sistema das exposições de arte e seus modos de
trantextualidade. Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, Santos, 29/08 a 2/9/2002. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1058-1.pdf Acesso em:
05 de outubro de 2015.
OLIVEIRA, Ramon. Informática Educativa: dos planos e discursos à sala de aula. São
Paulo: Papirus, 1997.
SANTOS, Luiz Carlos dos. A presença negra no Brasil. In: BRASIL.MEC.Curso
Educação Africanidades. Brasília: MEC, 2006.
21

GIRA CONTOS CONTADORES DE HISTÓRIAS: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA SOBRE ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS COMO ESTÍMULO
Á CRIATIVIDADE E Á LEITURA EM AMBIENTES DE APRENDIZAGEM NA
IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03.

Fernanda Mara Ferreira Santos

INTRODUÇÃO

Ao concluir o curso de especialização em Literatura, História e Cultura Africana


e Afro-brasileira pela UEPB – Universidade Estadual da Paraíba no ano de 2009 e
trabalhando como atriz e educadora na cidade de João Pessoa, realizando apresentações
artísticas, oficinas culturais para crianças, jovens e mulheres sobre temáticas
relacionadas á educação para as relações étnico-raciais e de gênero, surgem as primeiras
propostas de promover sessões de contação de histórias como atividade pedagógica para
a implementação da lei 10.639 nas escolas e ambientes de aprendizagem.
Vislumbrando mudanças de paradigmas e mentalidades educativas eurocêntricas
e reducionistas/universalista para uma consciência holística, integralista e coletivista de
humanidade/sociedade, iniciamos pesquisas de contos da vertente literária Negra/Afro-
brasileira, Afro-indígena e de conhecimento popular nacional e local/regional visando a
criação de um repertório de obras que pudessem suscitar a reflexão sobre as questões
raciais na sociedade e no ambiente escolar.
Tendo em vista experiência prévia em dança e artes do estilo afro-brasileiro, a
convivência com algumas comunidades remanescentes de quilombos nos estados de
Minas Gerais e Paraíba, buscamos incorporar o aprendizado adquirido a partir do
contato e das vivências proporcionadas pelas diferentes práticas e saberes manifestos
nestes espaços pelas pessoas e seus corpos como um referencial estético no
desenvolvimento de nosso trabalho.
Deste modo, foi sendo consolidada proposta que pudesse contemplar práticas
didáticas e pedagógicas advindas da oralidade e corporalidade negra/afro-brasileira tais
como a capoeira, danças dramática popular e de matriz africana como o coco de roda,
ciranda, maracatu, cavalo marinho, dentre outras enquanto elementos vivos e presentes
na cultura brasileira.
22

Ao optarmos por este caminho híbrido de valorização conjunta da oralidade e da


corporalidade no ambiente escolar, acreditamos estar indicando um caminho alternativo
ao modelo eurocêntrico/universalista de educação adotado pelo sistema de ensino
brasileiro ao longo de nossa história nacional e assim, contribuindo para a superação
dos prejuízos no rendimento e acesso á educação de crianças e jovens negras/os. A lei
10.649/03, atualmente 11.645/08, constitui o instrumento legal em que podemos nos
apoiar para a implantação de mudanças nos paradigmas educacionais que se fizerem
necessárias.
Em face das dificuldades, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana,
as chamadas DCNs, vêm orientar e respaldar as/os profissionais da educação
comprometidas/os verdadeiramente com a qualidade do ensino brasileiro. Estimulada
pelos desafios e possibilidades que a referida lei nos proporciona, surge em 2011, o
trabalho em arte e educação denominado “Gira Contos, contadores de histórias”.

Foto de Arquivo Pessoal/2012.


Sessão de Contação de Histórias na Escola Municipal Firmo Santino da Silva, comunidade Quilombola
de Caiana dos Crioulos, município de Alagoa Grande/PB.

BREVE HISTÓRICO

O “Gira Contos – Contadores de Histórias” é um trabalho de narração de


histórias com performance teatral e trilha sonora executada ao vivo. Vislumbrando a
arte Griô de contar histórias, em 2011 iniciamos nossa trajetória de realizar sessões de
“contação de histórias” contemplando narrativas da cultura popular, afro-brasileira e
indígena. Estudos comprovam que o termo GRIOT, existente no vocabulário franco-
africano criado na época colonial para designar o narrador, cantor, cronista e
genealogista é uma personalidade com a função social de pela tradição oral, transmitir a
história de personagens e famílias importantes, sobretudo na África ocidental,
23

notadamente onde se desenvolveram os faustosos impérios medievais africanos do


Gana, Mali, Songai, etc (Diáspora Africana - Ney Lopes).
Fazendo referência á esta personalidade que no Brasil pode ser comparada ao
papel dos(as) Mestres(as) da cultura popular, por meio da literatura oral e escrita,
visamos estimular o prazer pela leitura, o desenvolvimento cognitivo subjetivo,
incentivar o respeito e a valorização das diferenças, abandonando noções de
superioridade e inferioridade para reconhecer a diversidade como referencial cultural de
convivência em sociedade.
A partir da construção de um repertório de histórias, idealizamos o projeto “Gira
Contos – da Contação ao livro” que consistiu em realizar sessões de histórias
dramatizadas e oficinas de arte-educação em duas comunidades tradicionais, uma
indígena e outra quilombola no estado da Paraíba entre os anos de 2013- 2014. Ao
longo de quatro meses, trabalhamos com um público de aproximadamente 140 crianças
e jovens do nível fundamental I e II. Foram 66 atividades entre oficinas de leitura e
confecção artesanal de livros nas comunidades indígena Potiguara de Aldeia Forte em
Baía da Traição/PB e quilombola de Caiana dos Crioulos em Alagoa Grande/PB. É
importante ressaltar que com este trabalho oferecemos ao povo potiguara de Aldeia
Forte e aos remanescentes do Quilombo de Caiana dos Crioulos acesso e fruição ao
livro enquanto expressão artística, agregando á cultural oral local, possibilidades de
expressão e conhecimento advindas da literatura escrita e do prazer pela leitura.
A realização deste projeto envolveu 13 (treze) profissionais de áreas diferentes,
contamos com a participação de educadores e lideranças comunitárias locais, com
assessoria pedagógica de professores especialistas em educação indígena e quilombola,
profissionais de artes cênicas e da música na execução das sessões de audição de
histórias, de audiovisual no registro das oficinas e dos principais momentos do projeto.
O resultado deste trabalho foi a realização da “Mostra Gira Contos – da
Contação ao Livro” que consistiu na exposição de fotos e livros artesanais produzidos
pelas crianças e jovens participantes das oficinas de leitura e arte-educação, além da
exibição do documentário de registro do projeto denominado “Histórias do Gira
Contos”.
Ao longo do trabalho pudemos vivenciar momentos de criação artística enquanto
construção e partilha de saberes. As apresentações eram realizadas sempre em locais de
referência para o público presente, espaços que remetiam ao conhecimento coletivo e á
vida comunitária. Durante as sessões, as crianças e demais pessoas eram convidadas á
24

contar uma história, que poderia ser histórias de vida, lendas locais, casos, enfim toda e
qualquer narrativa que nos contasse algo sobre as pessoas e o lugar. Estes momentos
foram registrados em livros artesanais confeccionados pelas crianças, como forma de
incentivar o prazer pela leitura a partir da criação de suas próprias histórias.

Foto Milena Medeiros


Livros artesanais produzidos pelas crianças da comunidade quilombola de Caiana dos
Crioulos durante a realização do projeto Gira Contos da Contação ao Livro 2013/2014.

ARTE-EDUCAÇÃO E A LEI 10.639/03

Em Freire (1992, pág.42) compreendemos que não é possível ensinar a aprender,


mas sim possibilitar ao educando o exercício de compreender por meio de sua prática e
experiência. Ação capaz de torna-lo sujeito cada vez mais crítico. A intervenção e
criação em arte no ambiente escolar constitui recurso para esta apropriação do
conhecimento pelo educando. Para maiores investigações acerca do ensino da arte, é
necessário o uso de abordagens que não sobreponham uma cultura em detrimento de
outra, mas sim, incentivem a investigação e participação ativa dos educandos em suas
descobertas concernentes às diferentes manifestações artísticas. Desse modo, as
investigações de Ana Mae Barbosa (2001) elaboradas na proposta Triangular
contribuem para esta discussão, à medida que propõem o ensino das artes a partir de três
abordagens que visam construir saberes em arte. Nas palavras da autora,

O aluno, diante de uma obra de arte, deve ser capaz de


analisá-la, dar-lhe um significado, contextualizá-la. A
grande porta para o desenvolvimento da cognição é a
contextualização – conhecer as condições em que aquelas
obras foram feitas, como era o mundo naquele momento,
como eram as outras artes, comparar com o que é feito
25

hoje e com artistas que trabalham em condições


semelhantes. (BARBOSA, 2001, p. 20-21).

Barbosa (2001) lembra que o ensino da Arte objetiva, desconstruir para


reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecimento e modificá-lo de acordo com
o contexto e a necessidade. São processos criadores, elaborados pelo fazer e ver a arte.
E decodificadoras fundamentais para sobrevivência no mundo cotidiano.
Neste sentido o teatro constitui-se uma importante ferramenta para ampliar e
enriquecer os meios de expressão do indivíduo e do grupo, de qualquer faixa etária, seja
dentro ou fora do ambiente da escola. No trabalho do Gira Contos Contadores de
Histórias, buscamos unir o teatro e a arte de contar história. A autora Viola Spolin
prenuncia um conceito sobre como operar esta junção:

O Teatro de Estórias incorpora a narração do contador de


estórias em cenas dramáticas. É uma forma simples e
eficiente de apresentar mitos, lendas e contos de fadas
sem adereços, cenário elaborado ou conhecimento de
efeitos técnicos sem sacrificar valores teatrais. [...] Na
representação, os atuantes são ao mesmo tempo
personagens e contadores de estórias, trabalhando em
espaço aberto simples, [...]. No Teatro de Estórias, o
sentido de tempo e espaço é promovido pela narração e
pelo diálogo dos atuantes (SPOLIN, 2007, p.234).

Contar histórias é característico do ser humano, e o educador que potencializa e


se apropria dessa característica poderá transformá-la em um importante recurso de
formação em sala de aula. Inúmeras são as possibilidades que o uso da arte de contar de
histórias em sala de aula propicia, além de as histórias divertirem, elas atingem outros
objetivos, como educar, instruir, socializar, desenvolver a inteligência e a sensibilidade.
Para Cascudo:

O conto popular revela informações histórica,


etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um
documento vivo, denunciando costumes, ideias,
mentalidades, decisões, julgamentos. Para todos nós é o
primeiro leite intelectual. Encontramos nos contos usos
estranhos, de hábitos desaparecidos que julgávamos
tratar-se de pura invenção do narrador (CASCUDO,
2006, p. 257-258).
26

Nas mais diversas culturas o valor de ouvir uma história está ligado a sua
formação. As histórias orais fazem parte da ontogênese humana. Crescemos embalados
pelo delicado e poético som de nossas mães que nos acalantam com histórias ouvidas de
suas avós, que criam um ambiente de aconchego, de carinho, afeto e imaginação. Sobre
a relevância das de contar historias podemos citar:
[...] é ouvindo histórias que se pode sentir (também)
emoções importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação,
o bem estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a
tranquilidade, e tantas outras mais, e viver profundamente
tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve com
toda amplitude, significância e verdade que cada uma
delas fez (ou não) brotar. Pois é ouvir, sentir e enxergar
com os olhos imaginários. (ABRAMOVICH, 1989, p.17)

As histórias orais são representantes do coletivo e possibilitam ao ouvinte uma


identificação social, que valoriza suas origens e conhecimentos. Dentro das Culturas de
matriz africana podemos identificar a figura dos Griôs, responsáveis por contar e
perpetuar as histórias tradicionais. A importância da oralidade para os povos
tradicionais pode ser percebida nos ensinamentos que traz o trecho do provérbio
africano abaixo:
E o doma cantou para o griot: “a palavra é
divinamente exata e deve-se ser exato com ela. A
língua que falseia a palavra vicia o sangue daquele
que mente. Quem estraga sua palavra estraga a si
mesmo” (LIMA, 1998, p. 12).

Neste pequeno proverbio verificamos a importância de valores humanos que são


transmitidos oralmente por figuras representativas para a comunidade e seu povo. Nas
culturas africanas, o “Doma” é uma espécie de ancião, conselheiro espiritual de um
povo e o “Griot” é a pessoa responsável por transmitir os conhecimentos e valores deste
povo. Aqui no Brasil estas mesmas figuras foram resignificadas, e podem ser
personificadas nas figuras dos mestres populares. Nas culturas indígenas, esta mesma
lógica pode ser percebida a partir da fala do escritor indígena brasileiro Daniel
Munduruku, registrada na Carta da Kari-Oca de 2004:

Os conhecimentos de nossos avós foram deixados para


nossos netos de forma oral como uma teia que une o
passado ao futuro”. Esta fórmula pedagógica tem
sustentado o céu no seu lugar e mantido os rios e as
montanhas como companheiros de caminhada para
27

nossos povos. Tais conhecimentos, em forma de


narrativas – chamado mitos pelo ocidente – foram sendo
apropriados por pesquisadores, missionários,
aventureiros, viajantes que não levaram em consideração
a autoria coletiva e divulgaram estas histórias não se
preocupando com oFs seus verdadeiros donos
(MANDURUKU, 2014, p. 1).

Sendo assim, é possível empreender que através da arte de contar histórias um


conhecimento pode ser repassado de forma a oferecer material para recriação destas
próprias histórias ou transmutação de realidades sociais, visões de mundo,
ultrapassando paradigmas e construindo novos valores “como uma teia que une o
passado ao futuro” (MUNDURUKU, 2014, p.1). Abordar a temática Afro-brasileira,
indígena ou qualquer outro tema que descontrua preconceitos relacionados á normativa
de raça e etnia, gênero ou sexualidade na escola e demais espaços de aprendizagem,
requer segundo a professora Azoilda Loreto da Trindade, praticas educativas inclusivas
que viabilize a aprendizagem de maneira multicultural e vivencial em respeito á
complexidade e diversidade que estes temas contemplam (TRINDADE, 2013, p.18-20).
É com este intuito que no trabalho do Gira Contos Contadores de Histórias
optamos por valorizar e defender a arte que se afirma pertencente ás “Africanidades
Brasileiras”.
As Africanidades Brasileiras formam um paradigma poderoso para revisão dos
conceitos e preconceitos vigentes na cultura brasileira. Este conceito elaborado e
aprofundado pelo professor Henrique Cunha Júnior em conjunto com outros/as
intelectuais negros/as desde a década de 90, forjam-se nas ações e nos discursos
processados pelas camadas “racizadas” da população brasileira. Favorecem a destruição
das idealizações da cultura do dominador, pois produzem espaço de liberdade
intelectual, livre dos racismos e dos conceitos produzidos nos processos da dominação
historicamente vigentes na cultura brasileira.
As Afrodescendências instruem sobre a diversidade étnica brasileira, livre dos
racialismos, reconhecedora da presença ampla, diversa, múltipla e estruturada, de uma
etnia predominante afrodescendente (CUNHA JUNIOR, apud TRINDADE, 2013, p.
63/78).
Neste sentido, nosso repertório de contos e encenações, calcados na visão
positiva da presença negra/afrodescendente e demais povos tradicionais, contempla a
idéia da existência de africanidades que o professor Henrique Cunha Júnior defende
28

como um processo de “(re)elaboração contínua” dos pensamentos, saberes e fazeres


coletivos e das individualidades enquanto sistema formatador que nos permitem
vivenciar e transformar “nossas culturas de origem” (CUNHA JUNIOR, apud
TRINDADE, 2013, p. 76).

Fotos: Leandro Cunha/2014


Mostra Gira Contos da Contação ao Livro na Comunidade indígena Potiguara de Aldeia Forte, município
de Baía da Traição. O evento de encerramento das atividades do projeto na comunidade contemplou uma
exposição de fotos e dos livros artesanais produzidos pelas crianças e adolescentes.

CONCLUSÃO

Contar histórias é uma arte milenar que, a despeito das novas tecnologias de
comunicação e informação, ainda sim encanta crianças, jovens e adultos. As literaturas
oral e escrita constituem alimentos preciosos para a alma, uma vez que as histórias são
meios preciosos de ampliar nosso horizonte e aumentar o conhecimento em relação ao
29

mundo que nos cerca. As histórias de várias culturas foram transmitidas oralmente de
geração para geração mesmo dentre os povos que dominavam a escrita. A narração de
fatos, dos mitos, lendas, contos e fábulas constituem as principais formas pelas quais
recebemos a herança da tradição que nos cabe transformar, assim como outros fizeram
antes de nós, com valores herdados e por sua vez renovados.
Deste modo, nossa experiência á frente do “Gira Contos Contadores de
Historias” e vivências na realização do Projeto Cultura “Gira Contos da Contação ao
livro” nos leva a concluir que a Arte Educação vem enriquecer o processo de ensino
aprendizagem no ambiente escolar, constitui potente ferramenta pedagógica para a
aplicação da Lei 10.639/03, uma vez que por meio da criatividade e expressão artística,
o educando percebe-se como sujeito criador e criativo diante de suas próprias
potencialidades, ou até mesmo dificuldades.
Neste trabalho, pudemos constatar por meio da experiência e convivência junto
às comunidades atendidas pelo projeto que a acessibilidade, frequência e presença de
bens e instrumentos públicos e/ou privados de fomento e apoio às expressões artístico-
culturais como a cultura literária, por exemplo, são bastante precárias e quase
inexistentes.
Ao contemplar atividades de arte, educação e cultura, a iniciativa proposta pelo
Gira Contos Contadores de histórias, demonstrou configurar-se numa estratégia potente
para engendrar reflexões e promover o diálogo sobre temas tabus no espaço escolar tal
como o racismo, relações de gênero e sexualidade. No caso desta experiência em
específico pudemos observar que as histórias e lendas locais suscitaram temas ligados
ás questões geracionais e identitárias tanto das crianças quanto das pessoas adultas nas
comunidades.
O trabalho desenvolvido ao longo deste projeto nos demonstrou que a expressão
em arte constitui uma importante ferramenta comunicadora e questionadora, capaz de
possibilitar á criança, ao adolescente ou jovem negro/a e indígena falar de si e por si.
30

Foto Arquivo Pessoal/2014.


Encerramento oficinas de arte educação.
Comunidade Indígena Potiguara Aldeia Forte.

Foto Arquivo Pessoal/2014.


Sessão de Contação de Histórias na
Comunidade Quilombola de Caiana dos Crioulos.

REFERÊNCIAS
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Scipione, 2004.
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: leitura no subsolo.3ed. São Paulo:Cortez, 2001.
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LIMA, Heloísa Pires. Histórias da Preta. São Paulo:Companhia das letrinhas,1998.
TRINDADE, Azoilda Loreto, org. Africanidades brasileiras e educação [livro
eletrônico].Salto para o futuro, Rio de Janeiro: ACERP; Brasília: TV Escola, 2013.
31

CORES DA MULTIDISCIPLINARIDADE: O USO DA ARTE COMO


MEDIADORA PARA OS PRECONCEITOS E CONFLITOS EM SALA DE
AULA
Ilson Roberto Moraes Saraiva

Este artigo tem como objetivo mostrar a importância do ensino da arte na


multidisciplinaridade como mediação para os preconceitos e conflitos em sala de aula e
a contribuição que a arte poderá trazer aos educadores na prática de ensino em
consonância com os pressupostos da lei 10.639/2003 que tornou obrigatório o ensino da
história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas.
Para isso temos que partir do que comumente entendemos por arte, e ou
cultura visual. E como a arte africana se insere no contexto da história da arte. Para
Hernández,

A cultura visual ocupa uma parte significativa da experiência


cotidiana das pessoas, por isso temos que ter uma compreensão crítica
da sua representação visual, de suas funções sociais e das relações de
poder às quais se vincula.
A função das artes através da história cultural humana foi e continua a
ser uma tarefa de ‘construção da realidade’. O objetivo de ensinar arte
é o de contribuir para a compreensão da paisagem social e cultural da
qual faz parte cada indivíduo.
A realidade de muitas propostas de educação das artes visuais se
apóia, em procedimentos e práticas que tem por base procedimentos e
práticas do século XIX, presos a visões e propósitos artísticos
confortáveis e sem pretensões.
Tal fato exige que se revisem os fundamentos da educação das artes
visuais. É importante levar em conta que, nas duas últimas décadas,
apareceu uma série de perspectivas sobre as maneiras de olhar, de
representar e sobre a própria concepção da imagem, sob o mando da
cultura visual, que traz novas contribuições e nos permitem refletir
para a aprendizagem ‘de’ e ‘pelas’ artes visuais na Escola.
A educação pelas artes utiliza pedagogias criativas e artísticas para
ensinar todo o currículo, fomenta a melhora acadêmica, reduz o
abandono escolar e promove transferência positiva.
O aparecimento da cultura visual como um campo de investigação
transdisciplinar é uma oportunidade de repensar, a partir de outro
ângulo, alguns dos problemas mais espinhosos deste momento
cultural.
Estamos em um período de transição: está acontecendo uma mudança
no objeto de estudo e de aprendizagem que significa passar da ‘arte’ a
‘cultura visual’ (HERNÁNDEZ, 2007).

Baseado no Hernández (2007) expõe como cultura visual, “percebemos que


na maioria das vezes o que fica em nossa memória visual como referencia são as obras
primas” da arte europeia e seus grandes gênios da pintura, geralmente pintores do
32

Renascimento – Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Sandro Botticelli, Giotto,


Ticiano, Tintoretto, Veronense, El Greco.
No Renascimento há uma grande valorização da estética artística da
antiguidade clássica (greco-romana). Os artistas renascentistas defendiam a ideia de que
a arte na Grécia e Roma antigas tinha um valor estético e cultural muito maior do que na
Idade Média.
A visão de que o homem é o principal elemento na condução da história da
humanidade é conhecida como antropocentrismo ("homem no centro") e fez oposição a
visão teocêntrica ("Deus no centro") da Idade Média. Este modelo etnocentrista e
unidirecional continuaram e continuam nas concepções dominantes.

Mona Lisa – Leonardo Da Vinci Pietá de Michelangelo

O Nascimento da Vênos. Sandro Botticelli “Madona e Menino" Gioto


Fonte: OBRAS DA RENASCENÇA
33

Mas os proprios termos usados para definir a cronologia na arte, periodos,


movimentos se opõem a rigidez e ao unidirecionamento e nos alerta para a dinanicidade
da arte. Uma constatação disto foi a grande influencia da arte africana sobre
praticamente todos os pintores modernistas que se encontravam em Paris, quando foi
realizada uma mega exposição arqueológica e antropológica com a chamada "arte
primitiva" no Louvre, no começo do século XX. A arte africana influenciou os artistas
vanguardistas que desmotivados com o impressionismo buscavam colocar mais força e
significado na pintura europeia.

Modigliani, e os expressionistas também fizeram uso da estética da arte


africana, nenhum deles passou imune pela descoberta desse outro mundo estético. Pablo
Picasso (1881-1973), um dos precursores do Cubismo começou a desenvolver o estilo
cubista a partir de visitas a uma exposição de Arte Africana, no Museu do Homem de
Paris, em 1905, impressionado com as máscaras procurou retratá-las em suas pinturas.

Fonte: BRITO, 2013


34

O que Pablo Picasso e tantos outros artistas do modernismo fizeram foi


repensar sobre os padrões existentes e ver outras possibilidades de reelaborar suas
obras.
Na maioria das vezes vemos o mundo dentro de um padrão visual imposto
por uma indústria cultural carregada de preconceitos e negações. Somos formadores,
mas também estamos inseridos nessa cultura de discriminação nesse processo histórico
de negação a outras culturas.
Como os artistas, necessitamos dar vazão a outras formas de ver,
experimentar, pensar e conhecer outros modelos de arte existentes no mundo, que nos
tragam outras possibilidades de apreciação, não só sobre a arte, mas sobre a
multiculturalidade, trabalhando nossos próprios preconceitos e gostos pessoais.
Como Professor/a nosso trabalho na sala de aula é estimular a criatividade e
a criticidade na criança permitindo que esta tenha uma visão mais ampla do mundo é
educar, mas educar o olhar, conforme nos ensina Alves (2010 apud SAVELLI, 2010)
quando afirma.

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz:


“Veja!” – e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o
que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico
interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais
alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos.
Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da
educação, filosofia da educação - mas, por mais que me esforce, não
consigo me lembrar de qualquer referência à educação do olhar ou à
importância do olhar na educação, em qualquer deles. A primeira
tarefa da educação é ensinar a ver. É através dos olhos que as crianças
tomam contato coma beleza e o fascínio do mundo. Os olhos têm de
ser educados para que nossa alegria aumente.
A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e
educação das sensibilidades. Sem a educação das sensibilidades, todas
as habilidades são tolas e sem sentido. Os conhecimentos nos dão
meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver. Quero ensinar
as crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados
daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a
capacidade de se assombrar diante do banal.
Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha
de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no
céu, um pião na terra. Coisas que os eruditos não vêem. Na escola eu
aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes
latinos – mas esqueci. Mas nenhum professor jamais chamou a minha
atenção para a beleza de uma árvore, ou para o curioso das simetrias
das folhas.
Parece que, naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em
fazer com que os alunos decorassem palavras que com a realidade
para a qual elas apontam. As palavras só têm sentido se nos ajudam a
35

ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.


Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Quando a
gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece
refletido dentro da gente. São as crianças que, sem falar, nos ensinam
as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto,
elas sabem o essencial da vida.
Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna
como criança jamais será sábio (ALVES apud SAVELLI, 2010).

O Professor Mediador

O professor ao utilizar a arte como mediação na aprendizagem infantil, deve


observar e acompanhar com um novo olhar a produção plástica do educando seus
desenhos, pinturas, colagens e outras expressões do seu universo de imagens, pois todos
transpõem a barreira entre o imaginário infantil e a lógica do adulto, auxiliando na
construção do autoconhecimento da criança. É no fazer artístico que o educando expõe
seus conflitos interno se como se relaciona e se comunica com o mundo. É no momento
da criação que muitas das vezes podemos constatar situações de preconceito ou a
negação da própria imagem.

Desenho 8- “Trabalho de uma criança retratando o dia da Consciência Negra”

Fonte: Acervo do Professor


36

Observando este desenho produzido por uma criança o que vemos é uma
situação de trabalho de um homem negro escravizado e o capataz sendo servido por
uma criança negra e ainda a figura de um cachorro que ladra para o negro escravizado.
De onde essa criança foi buscar esta informação visual?
Esta é a imagem que está presente em nosso próprio contexto escolar, tais
como livros, obras de arte, filmes, enfim no dia a dia de nossa cultura visual. Logo,
quando as crianças são convidadas a desenhar, retratam aquilo que faz parte do seu
universo, e esse é proporcionado pela escola através dos livros didáticos, assim como as
mídias em geral. O desenho construído pela criança evidencia o que afirma Ostrower
(1987) quando disse que.

Jean-Baptiste Debret
Fonte:Jornal da Besta Fubana, 2013

Desde as primeiras culturas, o ser humano surge dotado de um dom


singular: mais do que “homo faber”, ser fazedor, o homem é um ser.
Ele é capaz de estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos
que ocorrem ao redor e dentro dele relacionando os eventos ele os
configura em sua experiência do viver e lhes dá um significado. Nas
perguntas que o homem faz ou nas soluções que encontra, ao agir, ao
imaginar. Ao sonhar. Sempre o homem relaciona e forma
(OSTROWER, 1987, p. 9).

Por isso, é importante o/a professor/a levar para a sala de aula outras
propostas de trabalho e a produção dos artistas negros, e ao longo das aulas mostrar
aos/as alunos/as suas produções e importância dentro da história da arte, artistas, tais
como: Arthur Timótheo, Benedito José, Tobias Benedito, José de Andrade, Emmanuel
Zamor, Estevão Silva, Firmino Monteiro, João Timótheo, Horácio Hora, Rafael Pinto
Bandeira, Wilson Tibério, Arthur Bispo do Rosário, Heitor dos Prazeres, e Abdias do
Nascimento
37

Oxum em êxtase - Obra de Abdias Nascimento


Fonte: AZEVEDO, 2012

As crianças trazem consigo seus interesses e as necessidades aos saberes,


aos sentimentos e as informações. O educador sendo mediador deverá auxiliar a criança
a refletir sobre as imagens de forma crítica, reflexiva e construtiva, de modo, que elas
ampliem a leitura da imagem contextualizem e confrontem com os seus sonhos, sua
cultura, sua realidade, esperança e desesperança em seu modo singular de expressar por
intermédio da arte.
No espaço escolar a criança deverá ser estimulada a desenvolver variadas
atividades, desde que aborde a temática das diferenças étnicas através de imagem que
estão contidas em livros e assim promovam a valorização e o respeito entre estas
diferenças.

Desenho 11-“Trabalho de artes visuais desenvolvido pelos alunos e alunas do 4º e 5º ano”

Marrom Cor de pele Morena Morena Clara

Fonte: Acervo do Professor


38

Analisando os desenhos podemos notar que nos traços espontâneos da


infância revelam as diferenças, mas não as colocam com ironia e sim retratam a
personalidade e as diferenças com respeito.
A representação do negro pode ser pensada por meio deste fazer artístico,
como o desenhar, modelar, pintar. Trabalhar com a questão racial em sala de aula pode
revelar problemas que estão permeados na sociedade brasileira passada e
contemporânea. Nessa perspectiva a criança constrói o conhecimento a partir das
interações com o meio em que vive. Perceber as diferenças étnicas ainda na infância
respeitá-las e vê-las positivamente, implicará em processo de construção de uma
sociedade mais justa e uma humanidade melhor.

Referências

AZEVEDO, Eduardo Pereira de. Blog do Professor Eduardo, 2012 Disponível em


http://eduardopereiradeazevedo.blogspot.com.br/2012/02/galera-do-7-ano-anota-ai-as-
novidades.html Acesso em: 26 de outubro de 2015
BRITO, Carla. Estórias da História. Disponível em
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/10/les-demoiselles-davignon-de-pablo.html
Acesso em: 26 de outubro de 2015
DEBRET e seu vigoroso retrato do Brasil. In: Jornal da Besta Fubana, 2013. Disponível em
http://www.luizberto.com/enfoques-inacio-strieder/debret-e-seu-vigoroso-retrato-do-brasil
Acesso em: 26 de outubro de 2015
HERNÁNDEZ, F. Catadores da cultura visual: transformando fragmentos em nova narrativa
educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
OBRAS DA RENASCENÇA. Disponível em:
https://www.google.com.br/search?q=obras%2Bda%2Brenascen%C3%A7a&biw=1280&bi
h=621&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0CCgQ7AlqFQoTCKC-
7KaR4MgCFcGUkAodkvkLHw Acesso em: 26 de outubro de 2015-10-26

OBRAS DA RENASCENÇA. Disponível em:


https://www.google.com.br/search?q=obras+da+renascen%C3%A7a&espv=2&biw=13
66&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAYQ_AUoAWoVChMI5cPS1
MqZyAIVjNYeCh2zxAFL.. Acesso em: 26 de outubro de 2015

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis, Vozes, 1987.


_________________. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
SAVELLI, Marli. Educar Rubem Alves. In: Palavras rabiscadas. Disponível em
https://mscamp.wordpress.com/2010/10/15/educar-rubem-alves/ Acesso em:26 de outubro de
2015
39

PROJETO ÁFRICA/BRASIL: ZUMBI, AQUI VAMOS NÓS!

Lúcia de Fátima Júlio

A partir da minha vivência na escola, como professora do ensino fundamental,


observando alunos(as), professores(as) e funcionários(as), no dia a dia do ambiente
escolar, foi possível constatar o desconhecimento sobre a história do Distrito de Zumbi,
no Município de Alagoa Grande/PB. O Distrito de Zumbi é formado por povos
remanescentes de antigos quilombos da região do brejo Paraibano, sendo o mais
conhecido deles, Caiana dos Crioulos. Desta forma, a população de negros constitui um
percentual significativo da comunidade local.
Diversas formas de discriminação e preconceito étnico racial permeiam o
convívio social e o ambiente escolar não é imune a estes fenômenos. No convívio social
e mesmo durante as aulas, ou em outros espaços do ambiente escolar, é possível ouvir
relatos de pessoas que não conhecem a história por trás do nome do Distrito de Zumbi,
não gostam do nome ou até mesmo dizem não concordar com a escolha. Os motivos da
não aceitação no nome, em geral, estão associados à forte questão ideológica étnica que
envolve Zumbi dos Palmares. Para muitos, o nome evoca questões que deveria, estar
adormecidas.
Neste sentido, é importante ressaltar os constantes casos de preconceito, racismo
e injúria racial, presenciados dia após dia, relatados por alunos e professores. Casos de
desrespeito e violência, que exercem uma efeito lastimável na vida dos jovens em
formação, a falta de apreço por suas características étnicas, ou mesmo, a necessidade
negá-las para fugir das situações de preconceito e violência.
Diante do exposto, nos deparamos duas preocupações: como construir na escola
um ambiente de valorização da diversidade étnico-racial e como desconstruir a imagem
negativa das pessoas negras. Na tentativa de responder a estas questões e apontar uma
proposta de abordagem das questões ético raciais na escola, apresento o relato da
experiência da aplicação do Projeto África/Brasil, na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Cândido Régis de Brito, localizada no Distrito de Zumbi, Município de
Alagoa Grande/PB.
40

Para o entendimento da temática a ser abordada no projeto é necessário


considerar alguns conceitos importantes que nortearão a nossa discussão. Segundo o
dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2009: 1586), racismo é definido
como uma “doutrina que sustenta a superioridade de certas raças.” A antropologia e a
biologia não apontam indícios que justifiquem a crença na superioridade de uma raça
sobre as demais. As crenças que fundamentam o racismo emergem de posicionamentos
políticos e ideológicos de origem e motivação variadas na humanidade, mas nenhuma
que justifique suas causas.
A discriminação está relacionada à diferenciação, distinção, restrição,
marginalização, segregação e separação de uma pessoa em razão de sua raça ou origem
étnica. O ato de discriminar ocorre quando as condutas descritas são exteriorizadas e
tornam-se torna-se percebidas. E o preconceito refere-se à opinião preconcebida com
caráter de intolerância, raiva, aversão, apenas em razão da origem ética de alguém.

Iniciando a caminhada por Zumbi

Agora que pontuamos alguns conceitos e estabelecemos os nossos objetivos,


vamos conhecer um pouco mais a comunidade onde o Projeto África/Brasil foi
desenvolvido. O Distrito de Zumbi está localizado entre a sede do Município de Alagoa
Grande/PB e o de Juarez Távora/PB. O seu relevo é diversificado e a vegetação
predominante é a caatinga, o rio leva o mesmo nome do distrito. Não se tem dados
concretos sobre a origem do distrito, mas há relatos de que a sua formação deu-se com a
chegada de habitantes de Caiana dos Crioulos, o que justifica a existência da localidade
e o nome em homenagem ao grande líder Zumbi de Palmares.
A comunidade tem aproximadamente 5.000 habitantes, a cultura esta presente no
artesanato e nos grupos de danças. É possível é encontrar no local um posto de saúde,
um posto dos correios, uma creche e uma escola municipal, que atende alunos da
comunidade e das redondezas.
O primeiro grupo escolar do Distrito de Zumbi foi construído pelo então
governador da Paraíba, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, onde atualmente
funciona a creche. A E.M.E.F. Cândido Régis de Brito foi inaugurada em 10 de março
1979, atendendo atualmente a 542 alunos(as), sendo 69 da Educação Infantil, 325 no
Ensino Fundamental I e 148 no Ensino Fundamental II. É a segunda escola maior do
município contando com 25 professores (as) e 17 funcionários(as) no quadro. A
41

escola necessita de uma reforma, com a construção de salas de aula, já que existe salas
funcionando em um anexo ( Centro de Geração de Renda).
Conforme a lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, além de todas as implicações
para a abordagem das questões étnico raciais e da história dos povos africanos no ensino
fundamental, a E.M.E.F. Cândido Régis de Brito tem motivos adicionais para trabalhar
a origem do nome do distrito, uma vez que a comunidade necessita conhecer e valorizar
a história de Zumbi dos Palmares.
As experiências vivenciadas como professora negra me estimularam a
desenvolver o Projeto África/ Brasil na E.M.E.F Cândido Régis de Brito. Conversei
com algumas/ns professoras (es) para a implementação das ações no do 4º e 5º ano do
Fundamental I e 6º, 7º e 9º ano do Fundamental II. O racismo, o preconceitos e a
discriminação presentes na sociedade estão no ambiente escolar, comprometendo a
autoestima e o aprendizado dos (as) alunos (as), na E.M.E.F Cândido Régis de Brito não
é diferente. Presenciamos o racismo disfarçado, em brincadeiras e apelidos pejorativos.
Ações racistas, muitas vezes invisibilizadas e silenciadas por gestores(as),
professores(as) e funcionários(as).

Sobre a lei nº 10.639/03

A lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, como política educacional de estado


que altera a Lei de Diretrizes e Bases foi resultado das lutas dos movimentos sociais e
do Movimento Negro, para que o estado brasileiro reconhecesse que o racismo está
presente na sociedade brasileira, visando a urgente a desconstrução do mito da
democracia racial. Com 12 anos, a lei assinada pelo Presidente Luís Inácio da Silva,
torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de
ensino fundamental e médio públicas e privadas, mas infelizmente muitas escolas não
efetivaram a lei.
É observada a falta de interesse por parte de muitos gestores, professores e
demais componentes de equipes pedagógicas, na de efetivação da discussão das
questões raciais e na aplicação da lei. Por vezes, o debate sobre estas ideias só acontece
em comemoração ao 13 de maio e ao 20 de novembro, não aprofundando o
conhecimento sobre a história afro-brasileira. Observamos que o artigo 78 B está sendo
executado nas escolas, a grande luta é pela efetivação do artigo 26 A da lei 10.639/03. A
discussão sobre a diversidade étnica no ambiente escolar não acontece de maneira
42

harmoniosa, existe a invisibilização, simplificação e negação da urgência de efetivação


da lei.
O Projeto Político Pedagógicos da E.M.E.F Cândido Régis de Brito necessita ser
atualizado já que não está em consonância com a lei 10.639/003. No mês de outubro de
2015 a escola realizou uma reunião com os (as) professores(as) para atualizar o Projeto
Político Pedagógico e fazer a inclusão das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana.

Projeto África/Brasil
O Projeto foi realizado com os (as) alunos(as) do 4º e 5º ano do Fundamental I
e 6º, 7º e 9º ano do Fundamental II. Realizei uma leitura do material didático disponível
na escola como os livros de geografia e história utilizados no Projeto Araribá, Geografia
da Paraíba e História da Paraíba, observando como estava sendo abordada a história
Afro-brasileira e Africana.
A observação de como os alunos se relacionavam com a diversidade étnica no
ambiente escolar, durante as aulas e no recreio, estimulou a realização do projeto no
qual foram utilizadas várias metodologias, que serão aqui relatadas.
A proposta inicial, lançada em sala de aula foi solicitar que os alunos a
observassem situações de preconceito e discriminação que estão presentes na TV, nos
jornais, nas revistas, na escola e na comunidade. A cada turma foi dividida em grupos e
após o período de observações, foi chegado o momento de partilha das observações.
Um representado de grupo do 9º ano observou que nos programas de TV
observados
o número de atores negros era muito pequeno, e que os personagens que estes atores
desempenhavam enfrentavam as maiores dificuldades financeiras, as famílias trabalham
em atividades onde o salário era pequeno, sofriam discriminações e preconceitos por
parte de outros personagens.
Outro relatou sobre os apelidos que eles ouviam antes do início das aulas e no
recreio. Na roda de conversa foi observado que os apelidos, quando são atribuídos
aos(às) negros(as) é sempre referente à sua cor de pele. Mesmo sendo pejorativos e que
desqualificam e inferiorizam os (as) negros(as), nas falas dos(as) alunos(as) eles
relatam como brincadeiras.
43

Um terceiro grupo relatou que nos jogos que acontecem na comunidade os


apelidos pejorativos remetem a cor da pele, que também acontecem em jogos
transmitidos na televisão. Segundo a fala de um aluno, o racismo acontece em todos os
esportes, não só no futebol. E que na opinião do grupo são normais acontecerem estes
apelidos.
A metodologia que adotamos, facilitou e motivou nossas discussões em sala de aula,
além de ter me aproximado da realidade dos alunos. Para o projeto foram convidados outros
professores e mas só dois aceitaram participar das discussões.

Projeto África/Brasil: História e Cultura -Ensino Fundamental I


1ª etapa - Roda de conversa: reunimos os alunos em círculo, trabalhamos a
origem do universo, como se formaram os continentes e com a utilização do mapa
mundo, localizamos o continente africano, o continente americano, o Brasil e
discutimos sobre a formação do povo brasileiro.
Propomos os seguintes questionamentos:
● Qual a imagem que você tem quando observa o mapa do continente africano?
● Quais os colonizadores que vieram se apoderar das riquezas existentes no Brasil?
● Quem habitava as nossas terras?
● Que povos foram traficados (sequestrados) para trabalhar como escravizados nas
atividades econômicas da colônia?
● Qual a imagem que você tem quando observa o mapa do continente africano?

Foram utilizados os DVD’s Nota 10 do Projeto a Cor da Cultura para a realização da


roda de conversa e a produção textual realizada pelos alunos.

2ª etapa - Leitura de mapas e textos complementares: foram apresentados aos/às


alunos(as) os mapas da diáspora africana e da regionalização do continente africano, foi
utilizado a mapa da partilha da África realizada pelos europeus e o mapa das etnias,
contamos a história do tráfico de negros(as) sequestrados da África para o Brasil e após
realizamos a leitura do texto “Povo brasileiro afrodescendente”, do livro História da
Paraíba, da autora Irene Rodrigues da Silva Fernandes, João Pessoa: Grafset 2011.
Após a leitura grifamos as partes mais significativas e debatemos com os alunos.

3ª Etapa - Oficina de música: heranças banto.


44

a) Distribuir, para cada aluno (a), uma cópia da música;


b) Ouvimos a música;
c) Pedimos aos(as) alunos(as) que falassem o que sentiram ao ouvir a música.
d) Solicitamos que retirassem da letra as informações sobre o continente africano e
sobre as pessoas escravizadas.
e) Realizamos um debate com os alunos.

Projeto África/Brasil: Desconstruindo o Racismo - Ensino Fundamental II

1ª etapa - Roda de conversa: reunimos os alunos e mostramos a mapa mundo


destacando o continente africano com mais de 50 países e centenas de etnias e
linguagens, na sua história temos impérios, desconstruindo estereótipos sobre o
continente e a partilha do continente.
● Reconhecer os países africanos e suas diferenças, com a construção de tabela a
partir dos dados do continente.
● Questionamos os alunos sobre o motivo de um continente rico em recursos
minerais ter muitas regiões pobres.
● Discutimos com os alunos(as) a partilha de África pelos europeus, que não
respeitou a diversidade de grupos étnicos promovendo conflitos.
● Oficina – Reconhecendo a África – Distribuímos textos do caderno “ Modos
de Ver” do Projeto a Cor da Cultura com as atividades solicitadas nas comandas.

2ª etapa – Racismo no Brasil


Iniciamos a aula com uma oficina “Desconstruindo o Mito da Democracia
Racial” dividimos a turma em grupos e distribuímos revistas. Solicitamos que o grupo
contasse: Quantas mulheres? Quantos homens? Qual a cor dos homens? Qual a cor das
mulheres? O que se vê na televisão? Qual a influência das imagens na vida?
Analisamos os índices do IBGE sobre a população negra (a), e a situação é
preocupante, os jovens negros são mais vulneráveis, o Estudo revela que jovens negros
são duas vezes e meia mais vítimas de homicídio do que os jovens brancos. Na Paraíba,
a proporção chega a 13 vezes; o Brasil, segundo o IBGE tem mais de 50% de negros, e
qual a abordagem da mídia sobre a temática, qual o papel do negro (a) em telenovelas e
propagandas? Solicitamos que os grupos elaborassem um painel com as reportagens de
personalidade negras de sucesso nos diversos campos de conhecimento.
45

Foi desenvolvido um trabalho com material de apoio- DVD’s Mojubá e


trabalhamos as religiões de matriz africana, Candomblé e Umbanda e falamos da
religiosidade afro-indígena, Jurema.

Avaliando a nossa caminhada

A avaliação contínua alcançou os objetivos propostos, uma vez que houve


mudança nas atitudes e comportamentos dos professores(as) e alunos(as) da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Cândido Régis de Brito, em relação às questões
étnico-raciais. Os alunos(as) tem uma sede de conhecimento sobre a história que não
está no livro didático. Durante as aulas os alunos ficam atentos questionam, relatam
experiências e vivências.
Eles(as) percebem que as populações negras no Brasil não são meras
colaboradoras da cultura brasileira. Essas populações são construtoras e detentoras de
histórias e culturas, haja vista o fato de que estão presentes na formação do Brasil desde
o período colonial e permanecem, na contemporaneidade, inventando e reinventando a
sociedade brasileira, atuando na cultura, economia e valores. O racismo, preconceito e
discriminação são herança que a sociedade recebe e repassa num ciclo que precisa ser
quebrado. É necessário que a lei 1.639/03 seja efetivada em todos os níveis, em todas as
escolas. Que os Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Cândido Régis de Brito seja atualizado e que dialogue com a história da
cultura da comunidade, pois estes são saberes que não estão sendo valorizados.
É importante abordar a história e a cultura afro-brasileira e africana, além de
temas como preconceito, racismo e discriminação. A história do Distrito de Zumbi
precisa ser contada para que seus moradores tenham conhecimento da sua origem e
tradições, para valorizar e ter orgulho. A escola necessita aprofundar o diálogo com a
comunidade através de projetos.
Segundo o relato dos alunos e citando a aluna C do 9º ano, o projeto “foi
importante por que a gente começa a ver tudo o que as pessoas sofrem com o racismo.
Eu tento mostrar a comunidade que não tem diferença entre uns e outros, só por que é
negro ou homossexual. Somos iguais.” O aluno D” A discussão sobre racismo leva a
crer que o preconceito nunca vai acabar. Se a comunidade tivesse a capacidade de
compreender a história do negro era diferente. A escola tem que efetivar a lei no seu
46

Projeto Político Pedagógico, para que a partir dela a comunidade passe a conhecer a
valorizar as pessoas negras e a sua história.

REFERÊNCIAS

ALAGOA GRANDE-PB. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal de Ensino


Fundamental Cândido Régis de Brito, Alagoa Grande – Distrito de Zumbi, PB. 2008.
AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História da Paraíba, volume único. São
Paulo: Scipione, 2011.
DAXEMBERGER, Ana Cristina Silva; SOBRINHO, Rosivaldo Gomes de Sá.
Comunidades Quilombolas das reflexões as práticas de inclusão social. 1.ed. João
Pessoa
FERNANDES, Irene Rodrigues da Silva. História da Paraíba, volume único. 1.ed. João
Pessoa: Grafset 2011
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua
portuguesa. CURITIBA: Positivo, 2009.
PROJETO A COR DA CULTURA. Kit a cor da cultura. Material audiovisual.
SCABELLO, Andrea; SPORL, Andrea. Geografia da Paraíba, volume único. 1.ed. São
Paulo: Scipione, 2011.
VEDOVATE, Fernando Carlo (Editor). Projeto Araribá: geografia:coletiva concebida,
desenvolvida e produzida pela Editora Moderna. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2010.
47

SABERES ANCESTRAIS NA ESCOLA


Paula Maria Fernandes da Silva

Quando pensamos em religiões afro-brasileiras nos remetemos a um universo


repleto de simbologias e com essas simbologias temos a representações das tradições,
culturas e costumes de um povo. Todos esses elementos estão expressos nas mitologias
e é esse universo mitológico que nos possibilita o trabalho junto às crianças no contexto
da educação infantil, de forma lúdica o universo religioso afro-brasileiro.
Ao levarmos esse universo religioso para o espaço da sala de aula, levamos a
história e a cultura do povo africano e afro-brasileiro os quais foram escravizados e
obrigados por muito tempo a deixar suas práticas religiosas ocultas, por não serem
aceitas pela sociedade cristã, a qual detinha o poder nesse período. Por ter sido
considerada por tanto tempo como seitas e marginalizadas pela sociedade essas religiões
sofreram e sofrem com ações preconceituosas e discriminatórias, as quais atualmente
são classificadas como práticas de intolerância religiosa.
Entendemos então o conceito de intolerância a partir de dois significados que
transitam entre ser positivo e negativo. Sendo o positivo dá a intolerância o sentido de
“severidade, rigor, firmeza, qualidades todas que se incluem no âmbito das virtudes”; no
negativo, a intolerância é aplicada para processar a exclusão do que é considerado
“diferente” sejam por pertencimento étnico-racial, orientação sexual, filiação ou não
filiação religiosa, opções políticas partidárias. É a intolerância vista como ética.
(BOBBIO, 2004, p.211)
A intolerância aos que são considerados diferentes, em especial aos que são
adeptos às religiões afro-brasileiras pode ser definida como “uma atitude de ódio
sistemático e de agressividade irracional com relação a indivíduos e grupos específicos,
à sua maneira de ser, seu estilo de vida e às suas crenças e convicções.” (ROUANET,
2003)
As práticas religiosas pertencentes ao universo afro-brasileiro causam
estranhamentos, e esses são em muitos casos o ponto de partida para agressões verbais
ou físicas, as quais denominamos atualmente como atos de intolerância. A intolerância
religiosa acentua as diferenças, exaltando o preconceito e a discriminação de vários
tipos, atingindo a pessoa, o complexo cultural e a opção religiosa, restringindo assim, o
48

exercício de cidadania. Ela é caracterizada por ações de perseguição, violência física,


que motivam uma situação de acossamento.
Temos atualmente leis que asseguram a liberdade religiosa, entretanto os
casos de intolerância religiosa ainda acontecem com frequência, contudo poucos são
aqueles que ganham divulgação. Dentre elas o Dia Nacional de Combate à Intolerância
Religiosa (21 de janeiro). A data foi instituída através da lei 11.635 do Congresso
Nacional, oficializada e sancionada pelo presidente da República, Luis Inácio Lula da
Silva, no dia 27 de dezembro de 2007. Sendo a criação da lei e a escolha da data
motivada pelo episódio que aconteceu com a Mãe Gilda de Ogum, pois no dia 21 de
janeiro de 2000, a Mãe de Santo, Gilda de Ogum (Gildásia dos Santos e Silva), faleceu
após ser vítima de atos violentos praticados por neopentecostais.
Como forma de se firmarem e combater as religiões afro-brasileiras os
neopentecostais, utilizavam-se da propaganda, através dos veículos de comunicação em
massa, para cultivarem a intolerância religiosa, então a ênfase dessa propaganda é a
demonização das religiões dos outros; “o Diabo é mesmo a figura central de todo o
espetáculo” (SERRA, 2003, p.55). Uma das expressões mais usadas para demonização
das religiões afro-brasileiras é a ligação do orixá Exu ao diabo cristão. Torna-se então
oportuna dizer quem é Exu e para tanto recorremos a Verger (2000, p.119):

Seu Elegbara dos yoruba, Legba dos fon, encerra aspectos múltiplos e
contraditórios que dificultam uma apresentação e uma definição
coerentes.
Vamos enumerar rapidamente suas principais características.
Seu é o mensageiro dos outros Orisa e nada se pode fazer sem ele.
É o guardião dos templos, das casas e das cidades.
É a cólera dos Orisas e das pessoas. (VERGER, 2000, p.119)

Segundo Lima; Fonseca e Silva (2009) o processo de demonização do Orixá Exu remonta
ao século XV, período em que os colonizadores europeus chegaram às terras africanas e
estranharam a forma como Exu se apresentava e sua representação.
Embora sejamos amparados pelas leis que garantem a liberdade de pensamento, de
manifestação de crenças e a livre escolha de religião ou de não ter religião, na prática não o
respeito necessário. Para as igrejas – como um todo – a recomendação de que propaguem a
prática da paz, o que vivenciamos é a prática de ações discriminatórias, perseguição religiosa,
uma verdadeira “guerra santa” em nome daquele que os chamam de Ser Supremo.
Os ataques vivenciados pelos adeptos das religiões afro-brasileiras, nada mais é do que o
comprometimento das suas conquistas, a reativação do racismo, o progresso da intolerância.
49

Enquanto a ética dos terreiros consagra a natureza e seus elementos, assim como também a
poesia do corpo; a alegria de homenagear os ancestrais, suas entidades e o acolhimento; seus
perseguidores cultivam preconceitos, discriminações, racismo e intolerância.

 O Catimbó-Jurema, a Umbanda e o Candomblé na Paraíba

Na Paraíba encontramos manifestações de expressões religiosas afro-brasileiras


denominadas pelos seus praticantes como Catimbó - Jurema, Jurema, Umbanda e Candomblé.
Vale ressaltar que na atualidade a denominação Catimbó caiu em desuso, principalmente pela
necessidade de ressignificação do contexto religioso em que o Catimbó era visto de forma
pejorativa e preconceituosa. Sendo assim, as denominações locais encontradas são: Jurema,
Umbanda e Candomblé.
Segundo Assunção (2010, p.75) o Catimbó nordestino começou a ser objeto de estudo
na década de 1920, investigado por estudiosos como Câmara Cascudo, Gonçalves Fernandes e
Mário de Andrade como estudos folclóricos, pelos cientistas socais Artur Ramos e Roger
Bastide, ambos o estudavam como sendo um processo sincrético dos cultos afro-brasileiros. A
partir da década de 1970 foram retomados os estudos do Catimbó Jurema por Roberto Motta
que inclusive orientou Vandezande (1975) no curso de Mestrado com a dissertação pioneira
na Paraíba intitulada “Catimbó: pesquisa exploratória sobre uma forma nordestina de
religião mediúnica”.
O Catimbó é uma manifestação religiosa que, segundo o antropólogo
Vandezande (1975) remonta ao século XVI, tem origens indígenas no litoral sul
paraibano, especialmente na cidade de Alhandra, o seu berço. Na sua estrutura
ritualística são identificados elementos do catolicismo, tradições indígenas e africanas,
justificando a demarcação do hibridismo. Segundo Silveira (2010, p. 227) o Catimbó
mesclava elementos dos três continentes:
Um outro rito que fundiu elementos africanos, ameríndios e católicos
foi o catimbó, que é mais uma consulta feita por pequenos grupos, um
rito bem mais simples do que uma festa pública, no qual existiam
cânticos sem elementos percussivos ou figurinos especiais. Nele,
aquele que é tradicionalmente chamado “o mestre do cachimbo”
recebia espíritos das mais variadas procedências, brancos, negros e
índios, rezava em todas as línguas, misturava elementos da feitiçaria
dos três continentes, aconselhava e distribuía receitas segundo as
diversas doenças e defumava os assistentes com o fumo do seu
cachimbo, tratamento especialmente característico das tradições
indígenas. O catimbó é portanto um rito em que o africano certamente
deu sua contribuição, mas não predominou. (SILVEIRA, 2010,
p.227)
50

Salles (2004, p. 107), utiliza o termo Catimbó para designar um tipo de culto da
Jurema, que foi predominante em Alhandra até a década de 1970. O catimbó seria um
culto que tem como caráter central o de ser terapêutico, mas que em sua essência tem
um complexo sistema de crenças, que esta fundamentada no “Reino dos encantados” e
nas “cidades da Jurema”.
Segundo Salles (2004, p. 105) a Jurema da cidade de Alhandra tem sua tradição
diretamente ligada às famílias remanescente da antiga aldeia Aratagui, principalmente a
família de Inácio Gonçalves e seus descendentes. Dessa família temos Maria Eugênia
Gonçalves Guimarães, conhecida por Maria do Acais (Faleceu na década de 1930).
Maria do Acais foi uma mestra juremeira muito importante, seu prestígio ultrapassou as
fronteiras do Estado da Paraíba. No ano de 1910 ela herdou a propriedade conhecida
como Acais, localizada na cidade de Alhandra. Sua família tradicionalmente praticava o
Catimbó. Sales utiliza o termo Catimbó, para designar o tipo de culto da Jurema que
predominou em Alhandra até meados de 1970.
O culto praticado pela tradicional família do Acais era o Catimbó.
Embora o termo apresente um caráter bastante genérico, iremos
utilizá-lo para designar o tipo de culto da Jurema que predominou em
Alhandra até meados da década de 1970. Suas sessões, no entanto, não
se diferenciavam, em parte, das atuais sessões de mesa ainda
praticadas nos terreiros umbandizados: ambas consistem em sessões
de consulta, de caráter mais individual, nas quais o cliente recorre ao
mestre (médium) em busca de cura para seus males físicos, mentais,
espirituais ou, ainda, para resolver problemas do cotidiano os mais
variados possíveis. (SALLES, 2004, p. 107)
A função da Jurema é similar a de muitas religiões: (...) “se propõe a curar os
doentes, resolver problemas práticos da vida cotidiana, oferecer consolo aos sofredores,
compensar o pobre e o desvalido pelos infortúnios de sua condição social.” (PRANDI,
2006, p.11).
Bairrão (2003, p. 4) nos coloca outro ponto acerca da Jurema é o uso da palavra
Jurema que tem várias acepções significando a árvore, a bebida, a cabocla, a cerimônia
religiosa, o mundo espiritual, a cidade encantada. Enquanto árvore seu nome é
popularmente conhecido a exemplo, por Jurema Preta, Jurema Branca. Santiago e
Peixoto (2007) nos dizem que, a Jurema é uma árvore que floresce no agreste e na
caatinga nordestina, de suas raízes se faz uma bebida tida como mágico-sagrada
utilizada nos rituais, esta árvore era usada nos cultos de nativos, como os Tupis e
Cariris.
51

As árvores eram calçadas e consagradas a um (a) mestre (a) encantado (a), o que
compõe as cidades da Jurema. Para Salles (2004, p.112), essas cidades são:

Um elo entre o mundo dos vivos e dos ‘encantados’, simbolizando, ao


mesmo tempo, morte e renascimento de um mestre falecido. O mestre
planta e consagra a jurema a um mestre ‘invisível’, com o qual
trabalha. Só após o seu falecimento, no entanto, a cidade passará a ter
força. É, portanto, necessário morrer para dar vida à cidade.

Temos então a cidade do Mestre Major do Dia, localizada em Estivas; a cidade


do Acais, a qual é formada por três pés de jurema; a cidade do Mestre Cesário, no lugar
chamado Tapuiú; a cidade da Mestra Jardecilha, no centro de Alhandra, a cidade do
Mestre Tandá, no sítio Serrão; a cidade do Mestre Zezinho, no Acais de Cima; e a
cidade da Mestra Izabel, no Camaçari. As três últimas cidades citadas não existiam
mais, segundo Salles (2004, p.110).
A Jurema enquanto ritual pode ser de vários tipos, a exemplo, Jurema de chão,
Jurema de meia noite armada, Jurema de Mesa e Jurema de Terreiro. Silva e Ayala
(2010) nos definem a Jurema de chão como ritual em que os juremeiros ficam sentados
no chão em frente ao altar de Jurema (gongá), no qual é disposto elementos como
imagens de Mestres, Índios, Pretos Velhos, Caboclos. Eles seguem nos dizendo que:
A tronqueira do mestre da casa com um cachimbo de sete fumaças,
uma cumbuca com fumo de várias ervas: alecrim do campo, liamba,
erva-doce, fumo-de-rolo, abre-caminho; e muitos cachimbos. Invocam
as entidades para darem passes e fazerem consultas. Nessa sessão
também são invocadas, sem obedecer a uma seqüência, todas as
entidades ao mesmo tempo e pode Ter batuque dos elus (tambores) ou
não. Há ponto cantado. (SILVA; AYALA, 2010)

A Jurema de meia noite armada segundo Silva e Ayala (2010) ocorre à meia
noite, o rito é realizado no chão; são utilizados elementos como, jarros com ervas da
Jurema, sete qualidades de cachaça, bebidas (champanha, vinho tinto, vinho branco,
cerveja), mel, garrafada de Jurema, um cruzeiro de velas brancas, alguidares com
frutas, três alguidares com fumos preparados – sendo eles de três tipos: fumo de queda,
fumo de descarrego e fumo de levanta – cachimbos cruzados, charutos e cigarros, velas
coloridas.
Segundo Assunção (2010, p.91) os objetos ritualísticos da Jurema são
denominados de marcas, sendo os principais a marca mestra (maracá), a marca
(cachimbo) e a princesa (bacia). Assunção (2010, p.206) ainda nos afirma que a tradição
52

da Jurema tem elementos fundamentais como, o fumo, a bebida da Jurema e a consulta


feita como os Mestres.
Na cerimônia religiosa, cultuam-se às entidades espirituais do universo da
“jurema”, dos quais os Mestres e Mestras, Caboclos (as) e Índios (as). A Jurema na
Paraíba é uma prática religiosa na qual se cultua a árvore da Jurema, Orixás, Caboclas/
Caboclos, Mestras/ Mestres, Encantadas/ Encantadas e Pretas Velhas/ Pretos Velhos.
Onde os Índios representam um ancestral, os Caboclos incluem o “índio flecheiro, o
caboclo feiticeiro e as índias tapuias.
Mestre, no antigo Catimbó, era o termo usado para designar o dirigente do
culto, aquele “que recebia os espíritos invisíveis de outros Mestres já mortos”
(SANTIAGO, 2008, p.7). O culto as (aos) Mestras (es) é um diferencial na prática da
Jurema:
Mestres são espíritos que habitam um outro mundo, de onde são
invocados para ajudar os humanos sofredores. Mestres são também,
feiticeiros vivos, sacerdotes, que conhecem os segredos daqueles
espíritos e são capazes de usar seu conhecimento mágico em
benefício dos homens. (PRANDI, 2006, p.11)

Santiago (2008, p.7) nos afirma que atualmente os Mestres incorporam nos
adeptos, na figura de Baianos, Boiadeiros, Zé Pilintra, Príncipes, Ciganos, dentre outros.
Em sua pesquisa realizada em terreiros na Paraíba, encontrou alguns Mestres e Mestras
sob os nomes de:
Carlos, Sibamba, Chapéu Amarelo, José Alencar, Zé Pilintra, Zé
Aguiar, Zé da Ladeira, Aurora, Zé Moringa, Chapéu Virado,
Laurinda, Antônio, Zé da Pinga, Zé Vaqueiro, Zé do Beco, Zé do
Tesouro, José do Coqueiral, Zé das Alma, Zé Pretinho, Pé de Serra,
Maria do Acais, Joana Pé-de-Chita, Amélia de Lima, Aroeira, Zé
Menino. (SANTIAGO, 2008, p.8)

Os Caboclos apresentam uma diversidade de tipos, expressos nos pontos


cantados nos cultos. Segundo Santiago (2008, p.12) alguns são identificados por
adereços indígenas, a exemplo os caboclos Pena Branca, Pena Preta, Pena Vermelha
Sete Flechas; outros por referencias aos elementos da natureza, como Folha Verde e
Caboclo Mata Virgem; temos também os que são identificados pela origem tupi ou
tapuia, a exemplo a Cabocla Jurema, Tapuia, Iracema. Quando incorporados, são
poucos faladores, empunham arcos e flechas.
Os Pretos Velhos também são entidades cultuados na Jurema. São espíritos de
negros escravizados, que são associados à compreensão, humildade e bondade, tratando
53

das dores e dos sofrimentos dos que padecem. As entidades cultuadas na Jurema dão
uma idéia de encontro que houve entre esta e a Umbanda.
A umbanda expande-se no interior do sertão nordestino a partir da década de
1960, quando a região vivia o início de um processo desenvolvimentista impulsionado
pelo Governo Federal. Embora não existia propriamente um processo de
industrialização, há na região, nesse momento, uma ampliação considerável do setor
terciário (comércio, serviços, instituições financeiras) dos serviços governamentais
(telecomunicações, saúde, educação) e crescente urbanização das cidades, embora com
baixo nível de infra-estrutura urbana básica. (ASSUNÇÃO, 2010, p.111-112)
Na Paraíba, assim como em outros estados do Nordeste brasileiro a estruturação
da Umbanda ocorre por volta dos anos de 1960. Temos então nesse estado uma junção
entre esta expressão religiosa e o Catimbó, surgindo a Umbanda cruzada com a Jurema.
Como nos afirma Santiago (2008, p.3):
Em meados do século XX, no Estado paraibano, ocorre a aproximação
do Catimbó com a Umbanda em virtude do movimento de expansão
desta pelo país. Assim, foi se delineando a Umbanda cruzada com
Jurema como resultado da junção dos rituais da tradição
juremeira/catimbozeira com a Umbanda trazida oficialmente para o
referido Estado nos fins de 1960.
Temos em 06 de novembro de 1966, a sanção da Lei de Nº 3.443, que
assegurou aos cultos da Umbanda e africanos no Estado da Paraíba seu livre exercício,
esta lei foi assinada pelo governador João Agripino. Essa Lei criou também a Federação
dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba (FECAP), a qual os terreiros deveriam se
afiliar, a condição básica para o funcionamento das casas, neste momento, esta afiliada a
FECAP por sua vez, dentre suas atividades, deveria disciplinar o exercício desses cultos
no Estado.
Entretanto, mesmo com a liberação ao analisarmos a lei fica evidente que a
mesma impõe restrições a essa liberação, uma vez que a prática religiosa gozará da
liberdade de realização sob algumas condições, a exemplo, que a Secretaria da
Segurança Pública autorize os cultos, as casas deveriam estar filiadas a federação e que
as lideranças provem com laudo psiquiátrico que gozam de sanidade mental.
Silva (2009, p.78-79) aponta que após conflitos dentro da FECAP, começou a ter
rupturas e dando lugar a novas federações, a exemplo, da Cruzada Federativa de
Umbanda e Cultos Afro-brasileiros da Paraíba em 1972. Em 1996 temos a fundação da
54

Federação Independente dos Cultos Afro-brasileiros do Estado da Paraíba FICAB,


segundo Silva (2009, p.78-79).
Contudo a partir da organização da Umbanda no território paraibano temos a
aproximação dessa religião com o culto da Jurema e essa aproximação recebe a
identificação feita pelo composto “Umbanda cruzada com Jurema” ou “Jurema cruzada
com a Umbanda”; tal que é demonstrada na cidade de Alhandra,

Devido a esta pluralidade, os umbandistas locais são por eles mesmos


definidos como ‘traçados’, ou seja, um mestre que domina as diversas
‘linhas’ com as quais trabalha, um ‘feito-em-tudo’. Dona Maria, por
exemplo, esposa do mestre Ciriaco, trabalha com a Jurema, onde
incorpora o mestre Zé Pilintra, mas é filha de Iançã de Balé, que é o
seu “guia-de-frente”. (SALLES, 2004, p.116)

O cruzamento deixa à mostra a existência de práticas religiosas que apresentam


diferenças nos rituais, mas convivem de forma harmônica. Por vezes encontramos dois
cultos, a exemplo da Jurema e da Umbanda ou da Jurema e Moçambique em um mesmo
“terreiro”, mas são praticados em dias alternados e com “assentamentos” separados. O
cruzamento ou o “traçado” evidencia também a primeira iniciação da maioria das
pessoas religiosas paraibanas que é a Jurema.
Uma das principais festas públicas da Umbanda na Paraíba é realizada em João
Pessoa, é a festa que rende homenagens a Iemanjá, a qual foi realizada pela primeira vez
oficialmente, no dia 08 de dezembro de 1966, segundo o realizador da festa Valter
Pereira, da FECAP, após a sanção da Lei de Nº 3.443, assinada pelo governador João
Agripino. (RODRIGUES, 2009.)
A festa por acontecer em um espaço aberto tem um grande número de pessoas
que se fazem presentes, as pessoas praticantes de religiões afro-brasileiras, fazem no
espaço entre as praias de Tambaú e Cabo Branco suas homenagens, seja com músicas,
danças, flores ou presentes a rainha do mar. Mas também encontramos muitas pessoas
que não comungam dessas religiões, que vão até o espaço da festa por diversos motivos,
que entre eles temos: alguns evangélicos, que tentam evangelizar durante a festividade,
como também verificamos a presença de grupos evangélicos neopentecostais
comercializando no espaço; outras pessoas são levadas ao espaço pela curiosidade de
vê como a festa é realizada; como também temos a presença de pessoas que não são de
nenhuma das religiões afro-brasileiras, mas vão para prestar homenagens a Iemanjá.
55

Para Santiago e Peixoto (2007) é a partir da década de 1980 que ocorreu na


Paraíba a organização das práticas religiosas do Candomblé, visto como a idéia de
“pureza” e elevação. Nesse período, alguns juremeiros passaram a fazer sua iniciação ou
renovação no Candomblé, sem deixar de lado suas práticas e crenças da Jurema.
Contudo os rituais da Jurema cruzada com Umbanda permaneceram a ser desenvolvidos
ao lado dos cultos aos Orixás. Segundo Santiago (2008) na maioria casas de cultos afro-
brasileiros na Paraíba é visível a coexistência dessas práticas religiosas no mesmo
terreiro; a autora ainda nos afirma que é “insignificante número de casas religiosas que
só cultuam os orixás, sendo os seus freqüentadores considerados praticantes do ‘puro’
candomblé”.
Embora os cultos possam acontecer no mesmo terreiro de Candomblé, isto
também acontece nas casas de Umbanda, seus dias de culto e/ou locais são distintos, ou
seja, no dia que se cultua as entidades da Jurema não se cultuam os Orixás, e/ou o
terreiro pode ter dois salões um destinado a Jurema e outro ao Candomblé. Conforme
nos afirma Boaes (2009, p.88),
Pode-se perceber essa separação não somente entre os terreiros de
candomblé e umbanda, mas também dentro de um mesmo terreiro.
Cito o exemplo do Templo de Umbanda no bairro da Torre 3. Lá há
dois salões, um no qual se cultuam as entidades da Jurema, ou seja, o
panteão brasileiro (o salão verde). (...) Já o salão destinado ao culto
aos orixás (salão branco) é mais luxuoso, é bem maior e mais
confortável. Nele celebram-se apenas os rituais mais nobres: as festas
dos orixás e as iniciações rituais referentes ao “povo rico”. (...)
Entendo que por ser classificada como brasileira, assim como os
caboclos, os preto-velhos, as baianas, os mestres, etc. a pomba-gira
deve ficar fora do salão dedicado aos Orixás: é como se o “salão
branco” representasse no terreiro, o que há de mais próximo da África
negra.

Nos terreiros de Candomblés da Paraíba, assim como nas outras casas


espalhadas pelo Brasil, o culto é feito a dezesseis Orixás (este número pode variar para
menos ou para mais). Segundo Silva (2005, p.126-127) nos Candomblés a hierarquia
religiosa se estabelece de acordo com o tempo do iniciado, onde o predomínio do
contato com as divindades se dá por meio do jogo dos búzios o qual é realizado pela
Iyalorixá (Mãe de santo) ou Babalorixá (Pai de santo). No contexto do Candomblé
temos a predominância do uso da língua Iorubá, a exemplo nas cantigas, nos nomes dos
cargos e de obrigações.
56

Nos terreiros o yorubá é vivenciado, seja nas cantigas ou nos oríkì,


que são frases de louvação aos òrìsà. Em yorubá também se dizem os
nomes das comidas dadas a essas entidades, como, por exemplo, o
àmala – a comida predileta de Sàngó, feita com quiabo, camarão seco
e azeite-de-dendê. Os artefatos encontrados nos terreiros e utilizados
nos rituais também são nomeados em yorubá. Diz-se igbá para cabeça
ou assentamento do Òrìsà e àajá para o instrumento ritual feito uma
Campainha metálica. Esta língua também nomeia os cargos adquiridos
pelos iniciados e iniciadas como estamos vendo: ègbónmi, ogan,
adósù e outros. Nomeia os ritos sagrados, como o ebòorí que,
literalmente, quer dizer “dar de comer à cabeça” e que tem por
objetivo fortalecer acabeça de quem o faz. Expressões em yorubá
circulam na vida dos praticantes do culto no espaço do ritual e no
espaço cotidiano. (CAPUTO, 2008, p.155-156)

Caputo (2008, p.56) declara que o ioruba circula nos terreiros “mais como um
conjunto de vocábulos do que propriamente com a língua falada”, uma vez que muitos
“candomblecistas sabem para que Òrìsà estejam cantando e o momento de usar dos
cânticos, mas não entendem completamente o significado daquilo que cantam”. Cada
terreiro tem sua forma de lidar com este fato, alguns terreiros ministram em seu interior
aulas de ioruba para seus membros.

O Candomblé praticado na Paraíba tem buscado laços de identidade


com o mais tradicional Candomblé brasileiro, contribuindo para um
rico intercambio cultural-religioso nordestino, bem como tentando
preservar o que ha de mais forte nessa religião: a tradição ancestral. A
uniformização litúrgica das festas de diferentes nações aqui no Estado
nos fornecem apontamentos que o Candomblé tem crescido em
numero de adeptos e buscando uma padronização lingüística, onde o
Orixá e referencial maior. (SILVA, 2011, p.123-124)
Verificamos que é considerável o número de Babalorixás e Iyalorixás, que
buscaram e buscam se iniciar na Bahia, ou em Pernambucano no caso do Nagô. Assim
como também a migração da Umbanda para o Candomblé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Religiões afro-brasileiras que engloba vários saberes oriundos de nossas


ancestralidades, são esses saberes que precisamos levar para os espaços escolares e
debater sobre o conhecimento e a diversidade religiosa existente em nossa sociedade.
Assim por meio dessas discussões podemos conduzir os estudantes a conhecer as
57

religiões afro-brasileiras. Como nos sugerem os PCN's, essas religiões, assim como as
demais, devem ser trabalhadas de forma positiva, favorecendo a quebra das barreiras ao
combate à intolerância religiosa, o que equivale ao processo de erradicação do
preconceito e da discriminação para com as religiões afro-brasileiras.

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59

IDENTIDADE RACIAL E CIDADANIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Solange P. Rocha

Introdução
Se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.
Paulo Freire (1921-1997)

Após décadas de mobilização política de movimentos sociais negros brasileiros


em articulação com inúmeros parceiros (instituições, organizações e pessoas), ocorreu,
finalmente, em janeiro de 2003, a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB/1996), inserindo a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatória a Educação
das Relações Étnico-raciais, a História da África e a Cultura Afro-brasileira. Como
desdobramentos desta lei, no ano seguinte foram aprovadas, pelo Conselho Nacional de
Educação (Resolução CNE/CP, 1/2004), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana. Passados cinco anos, em 2009, houve a ampliação das normas e
orientações para efetivação da referida Lei, com o Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (doravante Plano
Nacional de Implementação da Lei 10.639/03, utilizo a edição de 2013, na qual constam
também as Diretrizes Curriculares Nacionais.
Nesse processo de regulamentação, em 2013, o Ministério da Educação emitiu a
Portaria Normativa do MEC nº 21/2013, na qual o poder Executivo brasileiro reforçou a
necessidade de se efetivar a LDB/1996 que, desde 2003, inclui a Lei 10.639. Constavam
também em tal Portaria recomendações para aplicabilidade de outras políticas de
promoção de igualdade racial aprovadas nas últimas décadas.
A ampliação e a regulamentação da Lei 10.639/2003 resultam de atuação de
gestoras(es), que, ao serem instigados por ativistas negros(as), realizaram várias
articulações que resultaram nas Diretrizes da Implementação da Lei 10.639/03 assim
como no Plano Nacional de Implementação da Lei 10.639/03, lançado em 2009.
Contudo, integrantes dos movimentos sociopolíticos negros brasileiros, entre os quais
os(as) intelectuais negros(as), ainda se esforçam para a efetivação plena da mencionada
lei e de suas determinações legais, por entenderem ser imprescindível a Educação na
60

perspectiva da diversidade cultural, ou seja, a Educação Antirracista, para alcançarmos


mudanças nos imaginários e nas práticas sociais, sendo, portanto, um importante
caminho para enfrentar o racismo no Brasil atual.
Cabe salientar que no espaço destinado à elaboração deste texto não há
possibilidade de abordar detalhadamente os estudos sobre a educação infantil, os quais
serão apenas citados. Assim, procurei expor concepções sobre a legislação para uma
Educação Antirracista; desenvolver, brevemente, a história das crianças negras no
século XIX; e apresentar a importância de inserir a temática racial na educação infantil e
os possíveis avanços com a construção, desde a infância, de relações raciais respeitosas
e com a valorização da diversidade étnico-racial e cultural do Brasil, como instrumento
para formação de uma identidade racial e ampliação da cidadania (ROCHA, 2001 e
2013).

Formação da temática étnico-racial na Educação Infantil no Brasil

Tratando-se da Educação Infantil e a temática racial, percebemos que há avanços


na legislação, de modo que com as Diretrizes da Implementação da Lei 10.639 (2004),
as orientações são amplas. Salienta-se a necessidade de tornar obrigatória a “inclusão de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo da Educação Básica”.
Enumeram-se alguns conteúdos para aplicação da lei e também se destacam o
reconhecimento e a valorização histórica da população negra, para que ocorra a
perspectiva de um currículo em que se introduza “a diversidade cultural, racial, social e
econômica” em diálogo com as “contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e
dos descendentes de asiáticos, além das raízes africana e europeia”. Assim, indica, para
todos os níveis e modalidades de ensino, a necessidade de mudanças dos currículos de
um foco eurocêntrico para um novo currículo, que contemple a diversidade étnico-racial
e cultural do Brasil. As diretrizes orientam para a incorporação da “discussão da questão
racial” (Plano Nacional de Implementação da Lei 10.639/03, 2013, p. 91 e p. 97) nos
cursos de licenciatura para Educação Infantil.
Entretanto, em 2009, com o Plano Nacional de Implementação da Lei 10.639, as
considerações sobre a Educação Infantil são ampliadas e tratadas de forma mais
específica, mencionando dados com recorte racial do acesso de crianças brasileiras à
escolarização na infância. Nesse sentido, elas disponibilizam no item “Níveis de
Ensino” uma apresentação da Educação Infantil, com dados do último Censo do IBGE
61

2010, informando as desigualdades de acesso a esse nível de ensino, uma vez que as
crianças negras (8,9%) têm menor número de matrículas nas creches e nas escolas de
séries iniciais da Educação Básica, quando comparadas às crianças brancas (10,3%).
A educação na infância foi considerada fundamental “para o desenvolvimento
humano, para a formação da personalidade, para a construção da inteligência e para a
aprendizagem”, assim como as relações na sala de aula são vistas como espaço para a
“eliminação de qualquer forma de preconceito, racismo e discriminação racial” (Plano
Nacional de Implementação da Lei 10.639/03, 2013, p. 48-50). Podemos destacar,
portanto, avanços nos dispositivos legais que abordam a temática racial na educação
infantil, num curto espaço de tempo, entre os anos de 2004 e 2009, quando se passou a
enfatizar a necessidade de discutir as relações raciais desde a infância, período em que
as crianças começam as suas trajetórias escolares.
Conforme exposto, com a redefinição de uma política educacional em âmbito
nacional que determina a mudança curricular com a inserção da Educação das Relações
Étnico-raciais e conteúdos que mostrem a diversidade étnico-racial e cultural do Brasil,
coube às universidades (públicas e privadas) readequarem suas atividades de formação,
modificando, mesmo que minimamente, seus currículos, uma vez que as instituições de
ensino superior só funcionam porque se comprometem a cumprir os dispositivos que
normatizam a educação brasileira, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996), que determinou a obrigatoriedade da Lei 10.639/03 e os seus
desdobramentos legais mencionados anteriormente (Plano Nacional de Implementação
da Lei 10.639/03, 2013, p. 30).
Quando o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas da
Universidade Estadual da Paraíba, Campus Guarabira, o NEABI-UEPB-Guarabira,
propôs o Curso de Especialização em Educação Étnico-racial na Educação Infantil em
2014, buscando assegurar não só a formação inicial e, sobretudo, a continuada de
profissionais da Educação, também estava cumprindo uma das ações acadêmicas das
instituições de Ensino Superior, conforme previsto no Plano Nacional de
Implementação da Lei 10.639/03 (2013, p. 40) que orienta para se:
dedicar especial atenção aos cursos de licenciatura e formação de
professores(as), garantindo formação adequada aos professores(as)
sobre o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e os
conteúdos propostos nas Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08.
62

O NEABI-UEPB-Guarabira apresenta-se, então, com o propósito de cumprir,


primeiro, metas institucionais das universidades; e, segundo, de contribuir com a
capacitação de docentes (Formação Continuada) e de estudantes de graduação
(Formação Inicial). Tal colaboração tem ocorrido em inúmeras universidades
brasileiras, sobretudo, por hoje existirem cerca de 100 Núcleos de Estudos e Pesquisas
Afro-brasileiros, não só nas instituições de ensino superior, mas também em dezenas de
Institutos Federais brasileiros, os IFs. Contudo, este Núcleo inova ao efetivar um curso
de especialização para abordar a temática racial na Educação Infantil, sendo que na
infância, as crianças vivenciam as primeiras experiências de socialização, e o espaço
escolar, como sabemos, é um dos lugares em que ocorrem manifestações de
discriminação racial. Entendemos, portanto, que com o referido Curso de
Especialização, o NEABI-UEPB-Guarabira cumpre uma das atribuições das
universidades brasileiras de fomentar conteúdos da Educação Antirracista visando a
mudanças na educação brasileira e nas relações sociais. Mas não só, uma vez que a
iniciativa resulta da atuação de professoras e de professores com larga atuação
acadêmico-política (FONSECA, 2010, p.101-118) que compõem uma recente categoria
de profissionais na educação brasileira: os “negros[as] intelectuais” (SANTOS, 2007) e
procuram difundir práticas antirracistas no espaço acadêmico.
Voltemos ao curso promovido pelo NEABI-UEPB-Guarabira. A realização
dessa nova experiência, a educação das relações étnico-raciais na educação infantil, foi
possível após o estabelecimento de parceria com o projeto educativo A Cor da Cultura.
Tal realização que envolveu governo federal, iniciativa privada e organizações negras,
foi iniciada em 2004. Houve utilização de variados materiais audiovisuais que atendem
aos princípios da Lei 10.639/2003, possibilitando a difusão de conhecimentos sobre a
história da África e da Cultura Afro-brasileira em atividades acadêmicas como o Curso
de Especialização realizado na UEPB-Guarabira. Esse curso teve como objetivo
desenvolver uma Educação na perspectiva antirracista, evidenciando a diversidade
étnico-racial e cultural. Seu propósito foi, ainda, o de assegurar a qualidade de educação
e colaborar com a formação de profissionais da Educação Infantil, abrindo caminhos
para uma perspectiva educacional que poderá ser fundamental para a construção de
melhoria da autoestima de crianças negras, em sua primeira etapa de educação. Entre as
crianças não negras, essa visão educacional poderá ser um caminho para se estabelecer
relações sociais respeitosas, uma vez que o ensino proposto passa pela valorização
histórica e cultural de todos os grupos étnico-raciais.
63

Um breve histórico sobre crianças negras no século XIX

Durante a minha participação no Curso de Especialização na UEPB-Guarabira,


ministrei aulas sobre a História da População Negra no Brasil e pude, mesmo que
brevemente, expor o processo de formação da sociedade brasileira, envolvendo variados
grupos sociais, desde as comunidades indígenas (os designados “negros da terra” ou
povos indígenas), passando pela colonização europeia – portugueses, espanhóis,
holandeses, franceses, etc. –, cujos povos se confrontaram com os indígenas e entre si
para construir o território que hoje denominamos Brasil.
Ademais, mulheres, crianças e homens africanos estiveram presentes desde o
início da formação da América portuguesa. A partir do século XVII, houve a
intensificação do negócio/tráfico de “almas” e, com isto, africanos e seus descendentes
se tornaram os principais trabalhadores e desenvolveram inúmeras atividades
econômicas, nos espaços rurais e no meio urbano, de forma compulsória, durante a
vigência do escravismo, por quase quatro séculos.
Afinal, como se sabe, o Brasil desde sua formação, no século XVI, esteve
vinculado à escravidão moderna e atlântica, que se estendeu até o final do século XIX, e
resultou na escravização de mais 40% de pessoas dos mais de 11 milhões de
africanos(as) que, obrigatoriamente, desembarcaram nas Américas. O escravismo foi
fundamental para o crescimento e fortalecimento do capitalismo, tanto na fase comercial
(séculos XIV-XV) quanto no estágio da industrialização, no século XIX, sendo as
mulheres, as crianças e os homens africanos e seus descendentes impostos a um lugar de
subalternidade desde o início da formação dessa sociedade em território brasileiro.
Entretanto, não só a opressão escravista foi abordada nas aulas do mencionado
curso de Especialização na UEPB. Procurei mostrar as inúmeras formas de resistência
durante todo o período de existência da escravidão, destacando as fugas, suicídios,
infanticídios, a construção de quilombos; atuação política de mulheres escravizadas em
irmandades negras; os arranjos parentais (como as famílias monoparentais e as
nucleares); ações judiciais em defesa de cartas de liberdade ou de seus(suas)
filhos(as)de pessoas escravizadas; manifestações culturais em festas religiosas do
catolicismo, como os “sambas” (termo do século XIX); e também a prática do sagrado,
tendo como base as entidades religiosas de matriz africana, como o calundu (atualmente
64

conhecido como candomblé) e também da jurema (de origem indígena, na época,


denominada de catimbó), entre outras.
Sem dúvida, a resistência de pessoas escravizadas foi uma resposta à violência
do sistema escravista. Todavia, não podemos deixar de evidenciar a experiências de
crueldade da sociedade escravocrata brasileira, a exemplo do que ocorreu com as
crianças negras, que vivenciaram uma história de exploração e também de “cativeiro
ilegal”, como ocorreu no Brasil escravista do século XIX, assunto a ser desenvolvido
adiante, no qual predominava a precariedade da liberdade de meninas e meninos negros
que foram marcados pela precoce entrada no mercado de trabalho, assumindo alguma
atividade econômica, como cativos(as) na sociedade escravista ou, no caso das crianças
livres ou libertas, auxiliando suas famílias que, em geral, integravam os grupos sociais
mais pobres.
Para encerrar este breve capítulo, exponho alguns resultados de pesquisas
realizadas sobre a infância negra no Brasil escravista, em geral, e a história das crianças
na Paraíba, em particular, no cenário do século XIX e caracterizado por hierarquias
raciais e exclusões sociais, gerando diferentes experiências de vida entre crianças,
negras e brancas, pobres e ricas, conforme constam em vários textos disponíveis em
Priore (2000).
Destaco que as fontes históricas sobre as crianças negras foram extraídas de meu
estudo de mestrado (2001), cujo foco principal foram as mulheres negras que, junto com
suas crianças/seus(suas) filhos(as), foram escravizadas de forma “ilegal” (ROCHA,
2001), a qual remeterei o(a) leitor(a) por conta dos limites editoriais desta publicação.
Nesse sentido, é pertinente mencionar que, ao se formar a nação brasileira, no
período do Império Brasileiro (1822-1889), as elites rapidamente promulgaram leis para
criminalizar aqueles e aquelas que se contrapunham à ordem social estabelecida, qual
seja, sociedade baseada em monarquia constitucional, com a manutenção do escravismo
e o predomínio de grande propriedade rural com uma produção econômica voltada,
sobretudo, para o mercado externo.
No século XIX, então, tivemos em 1831 a decretação do Código Criminal do
Império com uma determinação legal para punir os sujeitos sociais, crianças e
adolescentes, com base no Artigo 13, o qual preceituava que “meninos de 14 a 17 anos
eram encerrados em casa de correção”, no caso de cometerem algum “crime”; no
entanto, no referido artigo não se explicita o tipo de crime (Código Criminal, 1831).
65

No regime político seguinte, inaugurado em 1889, com a República, a prática de


responsabilizar e desqualificar crianças foi mantida. Cabia ao Código Penal
Republicano (1890) criminalizar as crianças e adolescentes em quatro categorias,
iniciadas a partir dos 9 anos completos até aqueles que tinham menos de 21 anos,
conforme Santos (2000, p. 216). Autoridades médicas e policiais, em geral, para se
referirem às crianças e adolescentes da Primeira República (1889-1930), utilizavam
epítetos desqualificativos como “pivetes”, “vadios” e “vagabundos”. Na atualidade não
é diferente. Os integrantes das forças coercitivas do Estado, como a Polícia, utilizam o
termo “elemento” para se referirem a jovens negros em situação delituosa. Sem dúvida,
é uma forma de desumanizar esses sujeitos sociais. Por outro lado, o próprio Estado
brasileiro continua a não oferecer políticas sociais plenas para a inserção delas na escola
e nem tem enfrentado adequadamente o combate às vulnerabilidades sociais, sobretudo,
em áreas periféricas dos centros urbanos brasileiros. Esta realidade de exclusão não é
diferente no espaço rural, onde crianças, adolescentes e jovens adentram no mundo de
trabalho de forma precoce e ilegal.
Nesse sentido, recorro à história para mostrar a vinculação de crianças no espaço
do trabalho na fase de crise do escravismo na Paraíba oitocentista, como foi divulgado
em anúncio nos jornais da Paraíba, na década de 1860, que traz a segunda proposta de
comercialização de uma menina de cinco anos, publicado no Jornal O Imparcial, em
1861:
vende-se [...] uma negrinha com 5 anos de idade, sem vícios, muito
esperta, e de muita boa casta de escravos, própria para brincar com
crianças: quem pretender pode dirigir-se à Rua Direita casa nº 84, que
achará com quem tratar (Rocha, 2001, p. 31). Grifos meus.

Essa criança negra, tão precocemente inserida no mercado de trabalho, também


tendia a ser criada num sistema de dominação que procuraria mantê-la em processo de
subalternização e habituando-a à opressão escravista, despersonalizando-a e procurando,
inclusive, mantê-la submissa aos interesses da classe senhorial.
Nos anos finais da escravidão na Paraíba, cuja população era formada por uma
maioria de pessoas negras de condição livre ou liberta, também eram comuns as
denúncias de escravização de crianças negras junto com suas mães.
Acerca dos habitantes, vale sublinhar que o primeiro Censo Nacional, realizado
em 1872, contabilizou a existência de 376.226 moradores, dos quais 5,7%, ou 21.526,
eram indivíduos escravizados. Pessoas com ascendência africana eram maioria na
Paraíba desde o século XVIII, quando “pretos” e “pardos” somavam mais de 50% dos
66

habitantes do território paraibano. (ROCHA, 2009 ; LIMA, 2013). Apesar dessa baixa
presença de pessoas negras cativas, se comparada com outras províncias brasileiras,
formou-se na Paraíba uma sociedade escravista, que não era fundamentada apenas nas
atividades econômicas, mas estava amplamente difundida em todas as relações sociais,
cujas perspectivas se apoiavam nas subordinações do outro e, sobretudo, do indivíduo
negro, como um potencial trabalhador braçal e subordinado àqueles que tinham poder
de mando e de alguma posse material.
Nesse cenário em crise do escravismo, tornaram-se comuns o aliciamento e
escravização ilícita de crianças negras. Registros históricos nos informam que no
longínquo ano de 1864, uma mulher chamada Angélica, órfã desde os 12 anos, foi
vendida ao Capitão Raymundo Granja do Termo de Ouricury (Pernambuco).
Segundo as informações enviadas pelo Delegado de Ingazeira (Pernambuco),
sabe-se que Angélica teria nascido em Pilar ou em Alagoa Nova (localidades do Agreste
da Paraíba), conforme documento enviado ao Chefe de Polícia paraibana, pedindo a
confirmação de sua cidade de origem e sua condição jurídica.
Tais informações puderam ser obtidas a partir da consulta ao Livro de Assento
de Batismo que, nos períodos colonial e imperial, tinha a Igreja católica como
responsável pela elaboração das certidões de batismo. Um documento muito importante
para garantir a existência social e no qual constava a condição jurídica dos indivíduos –
se livres, libertos ou escravizados.
Quase um ano depois, nas Correspondências da Chefia da Polícia da província
paraibana, o subdelegado de Alagoa Nova informava que as:

indagações acerca da verdadeira condição de uma parda de nome


Angelica natural desta freguesia de Alagoa Nova a qual sendo ainda
menor, orfã, fora vendida para as partes de Ingazeira e dali para
Ouricuri na Província de Pernambuco, onde existe dois filhos e todos
escravos. Respondo a V. Sª a respeito do expedito tenho a informar
que fazendo em todas as indagações necessárias a fim de obter a
certidão de batismo, pude saber que a dita Angelica é natural da
freguesia do Pilar onde fora batizada e que daquela freguesia
mancharam os documentos precisos que provara sua liberdade
(ROCHA, 2001, p. 17-18). (Grifos meus).

Apesar de ter verificado que a escravização de Angélica e de seus filhos era


“ilegal”, em razão da burocracia, somente depois de passados quatro meses, estes foram
“libertados”. Apesar de Angélica ter vivido desde criança no cativeiro ilegal e ter sido
libertada muito tempo depois da denúncia, os acusados de sua escravização não foram
67

punidos adequadamente e se livraram do processo judicial rapidamente. Essa não foi


uma situação isolada.
Nessa perspectiva, destaco, brevemente, mais alguns episódios de escravização
de crianças e suas mães ocorridos na Paraíba, conforme documentos da Chefia da
Polícia da Paraíba do século XIX. Em Pilar, no ano de 1861, o Delegado recebeu o
comunicado do roubo da “menor de nome Rosa, vendida como escrava para a Província
de Pernambuco.”
Ressalto também o caso envolvendo a menor Conceição, cuja mãe era Lucinda
Maria da Conceição (“parda” e “liberta”). Esta criança foi roubada da capital (então
Cidade da Parahyba, como se denominava a atual cidade de João Pessoa) e levada para
Pilar, “a título de cativa”, e ficando sob poder e exploração de Antonio de Oliveira.
Entre os casos de violação da liberdade precária no século XIX, ainda havia
situações de escravização de mães e seus filhos, como ocorreram, em 1858, com Ursula
e seus oito filhos e com Maria e sua “prole” (ROCHA, 2001, p. 18-19). Estes são
apenas alguns exemplos de escravização de crianças negras. Outros casos de crianças
negras e pobres da Paraíba exploradas nos últimos anos da escravidão estão em Lima
(2013) e Oliveira (2014).
A escravização ilícita de crianças e mulheres negras foi respondida com
resistências, concretizadas com o movimento político ocorrido entre 1851-52, o qual
ficou conhecido como “Ronco da Abelha” – em províncias do então Norte do Brasil
(Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Ceará) – denominado por mulheres e homens
contemporâneos ao ocorrido como a “Lei do Cativeiro”. A revolta – que aconteceu,
sobretudo, nas vilas paraibanas de Pitimbu, Ingá, Campina Grande, Alagoa Nova e
Alagoa Grande – era contra os Decretos 797 e 798 que, respectivamente, propunham a
realização do primeiro Censo Geral do Império e do Registro Civil de Nascimento e de
Óbitos.
Acreditavam mulheres e homens negros, moradores destas vilas, que o controle
do Estado Imperial visava escravizá-los mesmo sendo livres, uma vez que passariam a
ser identificadas a origem racial e cor dos indivíduos nos registros de nascimento e que
estes também passariam a ser expedidos pelos juízes de paz e não mais pelos párocos,
como ocorria desde o período colonial. A revolta foi intensa. Coube ao governo
imperial recuar e suspender os decretos.
O primeiro Censo Nacional foi realizado, somente duas décadas depois, em
1872, mostrando uma expressiva vitória dos grupos subalternizados que temiam a
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escravização de pessoas negras em fase da desagregação das relações de trabalho


baseada na escravidão. (OLIVEIRA, 2011, p. 392-427). De fato, nesse período, as elites
econômicas, pelo Brasil afora, fizeram intenso uso da tutela e contrato de soldada como
uma das maneiras de garantir a exploração de crianças pobres e órfãs. Crianças tendiam
a ser consideradas apropriadas para desenvolver alguns ofícios. A exploração era mais
fácil e podiam ser também “adestradas” para atender aos interesses dos
empregadores(as).
Nessa mesma época, o Estado brasileiro procurava também evitar a sua presença
nas ruas. Eram tempos de higienização e reorganização do espaço urbano. Os indivíduos
pobres, mendigos e doentes eram isolados e também utilizados para minimizar a falta de
mão de obra em variadas funções econômicas. E sendo meninas e meninos pobres,
negros e brancos, eram explorados na nova lógica da organização das relações de
trabalho a ser implantada com o fim do escravismo. (ALANIZ, 1997 ; LIMA, 2013).
Conforme exposto, a história das crianças negras, de forma semelhante à da
população negra, tem sido uma experiência marcada pela opressão e pela inserção
precoce no mundo do trabalho. Muitas crianças não tiveram a oportunidade de vivenciar
a infância.
Entretanto, na contemporaneidade, a atuação de inúmeros segmentos sociais tem
sido para romper essa permanência histórica e que novas relações sociais sejam
estabelecidas, a exemplo do proposto pelo projeto pedagógico “A Cor da Cultura”,
indicando várias atividades didáticas a serem desenvolvidas na Educação Infantil com
enfoque na temática racial, mostrando sua história e sua cultura, cuja resistência cultural
é um de seus legados, assim como enfatiza a importância de crianças vivenciarem sua
infância entre crianças, frequentando a escola desde a tenra idade e aprender as
brincadeiras com apoio pedagógico de comunidade escolar qualificada para abordar a
diversidade sociocultural.
Ao encerrar estas breves reflexões sobre a Educação Infantil na perspectiva
antirracista e com base na História, sabemos que estamos longe de ultrapassar a
violação de direitos infantis. Todavia, para a efetivação das propostas legais, inserindo
a temática racial nas práticas pedagógicas, almejamos que a Escola seja um espaço que
comece a debater as relações raciais e tenha a função não só de garantir um ensino com
qualidade, mas também que evite o fracasso escolar (evasão e reprovação) e
proporcione condições para que crianças negras possam construir, fortalecer e afirmar
sua identidade racial.
69

Ademais, nunca é demais destacar que é a Educação Antirracista busca uma


integração respeitosa entre todos os grupos étnico-raciais, favorecendo o pleno
aprendizado nas séries iniciais e ao longo da vida escolar. Dessa feita, será cumprido um
dos preceitos da cidadania contemporânea, isto é, o acesso à Educação escolar, como
um direito social básico que possibilite um conhecimento que colabore para a superação
de visões estereotipadas, imaginários e práticas racistas que atingem muitas das crianças
brasileiras no espaço escolar.
Nesse sentido, é fundamental considerar a reflexão de Paulo Freire, colocada
como epígrafe deste texto, para quem qualquer transformação social começa com a
Educação. Entretanto, é preciso que a Educação do século XXI tenha, entre seus
princípios, a perspectiva antirracista, isto é, que considere a Educação Escolar como
instrumento para construção de uma nação que efetivamente enfrente o racismo e
valorize a sua diversidade cultural e étnico-racial.

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72

AS BRINCADEIRAS INFANTIS E OS MECANISMOS DISCRIMINATÓRIOS


CONTRA AS CRIANÇAS NEGRAS6.
Ivonildes da Silva Fonseca

A maior parte das/dos pesquisadoras/es e professoras/es ao tratarem sobre a


vida das crianças brasileiras têm como referência e apoio teórico, obras que numa
perspectiva eurocêntrica contemplam contextos histórico, social e geográfico diferentes
do Brasil. Assim, essas obras não podem ser importadas para explicar a vida das
crianças e, principalmente das crianças negras brasileiras em diferentes períodos
históricos. É importante ressaltar que as pesquisas no Brasil sobre a infância negra, é
ação que vem enriquecida.
Essa lacuna sobre a pesquisa sobre as crianças negras é constatada com a frase:
[..]“A criança negra encontra-se em um mutismo maior em relação à criança branca que
de alguma forma sempre foi retratada.”(ABRAMOWICZ; OLIVEIRA;
RODRIGUES,[2008?], p.3-4. Esse mutismo ou essa invisibilidade sobre a criança negra
é uma constante na escola e precisa de ruptura e para tanto as reflexões são
importantes contribuições.
Sobre esse assunto Pimentel (2014, n.p.) diz:

[...] entre o universo do trabalho e os sonhos comuns a toda infância, as


crianças escravas, personagens quase invisíveis nas cenas de casa-
grande e senzala da historiografia tradicional, começam a protagonizar
algumas pesquisas. Uma delas, conduzida pela Universidade Federal de
São Carlos (UFScar), mostra também como as crianças negras foram
representadas no período posterior à abolição da escravidão.[...]

Acerca da infância no tempo da escravidão, Grinberg (2012) compartilha a


especulação “de como seria a vida da criança” :
[...] no tempo em que havia crianças livres e crianças escravas, as
escravas, às vezes, brincando com as livres – nem sempre porque
queriam, mas porque eram obrigadas. Era o trabalho delas: isso
acontecia em muitas fazendas de açúcar e de café. Para os sinhozinhos
não ficarem sozinhos com seus cavalinhos e suas bonecas, lá iam os
pequenos escravos brincar com eles. E vocês imaginam de quê? De
senhor e escravo, claro![...] (GRINBERG, 2012, n.p.)

Essa citação é retratada no quadro “Meninos brincando de soldado” de Debret,


artista que chegou ao Brasil, Rio de Janeiro, no ano de 1816, integrou a Missão artística

6
Utilizamos a designação negra para as pessoas identificadas pardas, morenas, mulatas
73

francesa no Brasil para oficializar a fundação da Academia Real de Ciências, Artes e


Ofícios.

Figura 1: Meninos brincando de soldado (Prancha de Debret)


Fonte: GRINBERG, 2012

O quadro de Debret recebe por parte de Silva (2013, p.129) uma análise que
aponta dentre outros dados, todas as crianças em uma mesma atividade, em um mesmo
espaço físico mas com lugares sociais previamente definidos:

[...] ainda que crianças brancas e negras compartilhem as


brincadeiras , os papeis sociais são constantemente demarcados e
reforçados. Neste caso, há um grupo de crianças brincando
com espadas, guiados por uma criança branca bem vestida,
e outras descalças. As crianças negras aparecem ao fim
do grupo, maltrapilhas e guiadas pelas outras crianças[...] No
olhar do europeu, poderia tratar-se de uma simples brincadeira
entre crianças de grupos sociais diferentes, mas era muito mais do
que isso: significava que o escravo estava “aprendendo”, de forma
perversa, qual seu papel na sociedade, e isso desde muito cedo.
(SILVA, 2013, p.129)

Ampliando a descrição do quadro vem o enriquecimento de características sobre


a reprodução de mecanismos de poder e assim fica realçada a força dos fatores social ,
histórico e político em um momento de brincadeira infantil:

[...] Meninos brincando de soldado, também chamada de O


primeiro ímpeto da virtude guerreira, Debret (1989) nos
apresenta uma cena específica de brincar infantil. Representando uma
tropa, cerca de dez meninos são conduzidos por um menino branco,
74

mais bem vestido e único calçado, com o cavalo de pau e chapéu mais
enfeitados e com a espada empunhada. Nota-se a presença de mais
dois meninos brancos, ambos descalços. Os que estão no fundo
parecem mais maltrapilhos que os da frente e no canto, à direita,
pode-se notar um menino bem pequeno. Em primeiro lugar, o jovem
“sinhozinho-general” tem sua posição de liderança e privilégio
destacada não só por suas roupas, já que é único realmente
fantasiado no grupo, com galões nos ombros, casaquinha de corte
militar e que, detalhe bem significativo, tem os pés
calçados. Além disso, seu espadim de brinquedo é o único a ter uma
empunhadura, o que pode nos deixar supor ser o único
manufaturado, de fabrico semi-industrial, dentre todas as armas
de brinquedo que os meninos trazem consigo. Até mesmo o
graveto que ele usa como cavalinho imaginário tem detalhes que a
montaria de seus dois subordinados imediatos não
apresentam: nele foram deixadas folhagens ao modo de uma
garbosa crina, orelhas e longa cauda do cavalinho.
(OLIVEIRA; CURY, 2011, p. 164 apud JOVINO, 2015, p.199)

Outro dado a ser ressaltado na obra de Debret, e que permanece na sociedade


atual, é a exclusão das meninas, fato que obedece a uma seleção social e política
maquiada por argumentos biologizantes:

(...) fica claro que a brincadeira em questão exclui completamente as


meninas. A elas cabia a reprodução lúdica dos fazeres femininos,
eminentemente domésticos e, portanto, de modo algum praticáveis ao
ar livre. Fruir das descobertas inerentes ao contato com a natureza,
desse modo, era prerrogativa eminentemente masculina, mesmo no
universo infantil. Além disso, as hierarquias sociais e simbólicas do
Brasil Imperial estão ali, claramente assinaladas, sob o véu e a bruma
da inocência infantil: o branco, militar, oficial graduado, senhor de
escravos, proprietário rural, lidera um séquito de subordinados, que
reproduzem não só as etnias presentes em seu mundo de convivência
imediata, ou seja, o branco pobre, o mestiço forro, a escravaria, como
também a posição social que cada um deles devia ocupar, mesmo em
se tratando de uma brincadeira de crianças. O habitus e a estrutura da
sociedade escravista estão tão arraigados em tais meninos que eles
reproduzem em seu mundo lúdico as divisões e fronteiras sociais que
veem cotidianamente nas relações sociais e de trabalho de seus pais,
parentes e outros conhecidos adultos. (OLIVEIRA; CURY, 2011, p.
165 apud JOVINO, 2015, p.199 - 200).

Na continuidade da análise, Silva (2013, p.133) coloca: [...] “a brincadeira


deixava de afirmar o locus do pequeno escravo: este era lembrado, a cada inocente
folguedo, em qual seria seu futuro nessa sociedade”. O futuro, expressão que aponta
um tempo que virá, tem marcos temporais que se renovam e relações sociais que
permanecem, tal qual é o século XXI. Dessa forma, com a chegada do futuro, a escola é
um espaço que mantém vários elementos do passado que apontam a ocorrência de
75

mudanças sociais, mas que o lugar das crianças negras continua sendo, ainda que não
totalmente, o que predominou na escravidão.
A partir das análises das/os pesquisadoras/es, no ato de brincar, se fazem e se
reproduzem ideologias, conforme descreveu Azoilda Loretto Trindade ao identificar
elementos reprodutivistas da hierarquização entre as pessoas, que hoje chamamos,
racismo. O racismo enquanto construção social se apresenta, em brincadeiras, “contos
de fadas e populares” e “musiquinhas” praticadas no mundo infantil, a exemplo de
“Escravos de Jó” que, embora pertencendo ao nosso imaginário social, à nossa memória
afetiva, trazem no seu bojo a naturalização da condição de escravo que, no caso do
Brasil, é tido como sinônimo de negro.” (TRINDADE, 2013, p.82)
Nessa perspectiva ficam evidenciadas as mudanças ocorridas no processo
histórico ( a instituição da escravidão foi abolida em 13 de maio de 1888) e também a
permanência da lógica do pensamento escravista que se manifesta em atos concretos
em vários momentos no cotidiano escolar confirmando que a escola, ainda não é um
espaço de acolhimento, uma vez que:

Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e


manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar
a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do
outro. Cada família e suas crianças são portadoras de um vasto
repertório que se constitui em material rico e farto para o exercício do
diálogo, aprendizagem com a diferença, a não discriminação e as
atitudes não preconceituosas. Estas capacidades são necessárias para o
desenvolvimento de uma postura ética nas relações humanas. Nesse
sentido, as instituições de educação infantil, por intermédio de seus
profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e
aprender com as famílias. ( BRASIL .MEC, 1998, p.77)

Este entendimento sobre o acolhimento por parte do Estado brasileiro na figura


do Ministério da Educação e do Desporto, enfatiza a necessária aproximação das
instituições de educação infantil do conhecimento e reconhecimento da diversidade
cultural, do entendimento de que a cultura é um conjunto de significados, que na
perspectiva de Geertz ganha a forma de “teias” construídas pelos próprios seres
humanos. (GEERTZ,2008, p.4), e que estão no modo de ser, pensar e agir:
Acolher as diferentes culturas não pode se limitar às comemorações
festivas, a eventuais apresentações de danças típicas ou à
experimentação de pratos regionais. Estas iniciativas são interessantes e
desejáveis, mas não são suficientes para lidar com a diversidade de
valores e crenças. (id.ibid)
76

Vale ressaltar o destaque dado pelo Órgão oficial sobre os valores pois, estes se
imiscuem nas práticas sociais como alerta Nilma Gomes:

[..] “ é justamente o campo dos valores que apresenta uma maior


complexidade, quando pensamos em estratégias de combate ao
racismo e de valorização da população negra na escola brasileira.
Tocar no campo dos valores, das identidades, mexe com questões
delicadas e subjetivas e nos leva a refletir sobre diversos temas
presentes no campo educacional. Um deles se refere à autonomia do
professor. (GOMES, 2005, p.149)

A posição da Professora Nilma Gomes dá margem para que se pontue os


inúmeros casos que podem ser considerados violências simbólicas, morais nos quais a
postura da pessoa que está na condição de docente é reforçadora, quando deveria ser
combativa. Nesse sentido a pesquisadora Gomes (2005, p.150) toma o conceito de
autonomia definido pelas docentes que tomaram parte da sua pesquisa,como :“liberdade
de escolha”. A partir dessa definição, uma série de questionamentos e críticas são feitas:
[...] “ até que ponto, em nome de uma suposta autonomia, uma
professora pode colocar uma criança negra para dançar com um pau
de vassoura durante uma festa junina porque nenhum coleguinha
queria dançar com um “negrinho”.[..] “A escola deve, por um acaso,
em nome da ‘autonomia’ de cada docente, permitir e ser conivente
com o (a) professor(a) que permite que as meninas brancas chamem a
colega negra de “negra de cabelo duro” ou “cabelo de bombril”?
(GOMES, 2005, p.150)

Das práticas que implicam diretamente no processo de acolhimento na


escola, é importante registrar a preterição da criança negra, até no recebimento de um
simples carinho da/o professor/a. As palavras de apoio, de reconhecimento à beleza
física, no espaço da escola, são exclusivas para quem tem cabelos lisos, olhos claros e
como reforço dessa exclusividade, as crianças de pele clara, cabelos loiros sempre são
comparadas aos anjos, dando o tom da brancura na religião.
Diante dessa e de outras situações, não há como desconhecer que o impulsor à
ação de excluir a/o aluna/o negra/o não é outro senão um forte imaginário construído
com elementos que negativam a pessoa negra nos espaços terreno e celestial. Este
último, para as /os que creem em uma régua racista no céu, no qual reina a perfeição
divina, que é branca.
Em nossa escola, conforme Abramowicz; Oliveira; Rodrigues ([2008],p.2)
afirmaram: “há uma mecânica racista que funciona em toda a engrenagem
escolar.”([2008],p.2)
77

Se olharmos pelo lado do processo vital da formação humana na instituição


escolar fácil é identificar a economia de afetos e o desrespeito à criança negra na fase
em que carinho, atenção, cuidado são fundamentais para um desenvolvimento sem
sofrimentos evitáveis.
Visando atender a necessidades dessa natureza, a Lei de Diretrizes e Bases nº
9394/96 foi alterada no seu artigo 26 e, em janeiro de 2003 foi sancionada pelo então
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 10.639/03. Após a sanção, o Conselho
Nacional de Educação elaborou a Resolução 001/2004 e o Parecer 003/2004 que
dispõem as Diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais e para o
ensino da história e cultura afro-brasileira e africana.
Desde então muita esperança se alojou em cada uma das pessoas que esperavam
que as lacunas no ensino com relação ao conhecimento sobre o continente africano e
sobre os povos africanos fossem preenchidas. Houve regozijo por parte de muitas
herdeiras/os afrodescendentes que vislumbraram o trabalho na sala de aula sobre a
cultura afro-brasileira seguiria a perspectiva de abordagem dessa herança cultural em
datas diferentes do dia do folclore.
Todavia, muitas pesquisas vêm sendo realizadas, algumas publicadas, outras
não; muitas observações ocorrem nas salas de aula e nestas, a identificação de que o
Artigo 26 A (Lei 10.639/03) da lei 9394/96 não foi implementado no Brasil ou seja, as
prerrogativas legais não estão sendo cumpridas.
Desde o ano de 2003, vale ressaltar, muitas obras foram produzidas pelo
Ministério da Educação e distribuídas para todos os municípios brasileiros. Outras
iniciativas privadas, a exemplo das editoras Nandyala, Pallas, ambas especializadas em
obras na área afro-brasileira, ampliam a oferta para subsidiar os estudos e ações
educativas que venham a quebrar o racismo instituído.
O cumprimento do artigo79-B vem sendo feito em todos os Estados da
Federação e o que deve ser destacado (em algumas escolas) é a utilização do dia 20 de
novembro como o único dia para tratar de matérias étnico-raciais. O artigo 79B
importante elemento para reforçar a plêiade de heroínas e heróis negras/os traz o texto:
“O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da
Consciência Negra” . (BRASIL. Lei 10.639, 2003)
Apesar de toda a movimentação em prol da implementação da Lei 10639/03 de
docentes, ativistas, juristas, capoeiristas, estudantes, trabalhadoras domésticas, etc, a
ausência de conteúdos étnico-raciais permanece nas salas de aula e o respeito à
78

diversidade cultural não é exercitado causando prejuízos imensuráveis para todas as


faixas de idade , especialmente para o segmento infantil.
No segmento infantil enquanto os conteúdos étnico-raciais continuam ocultos,
“diabolizados”, os eurocêntricos são avivados, valorizados principalmente pelos
clássicos contos infanto-juvenis com as suas mensagens de estética única branca e com
designações de funções, consideradas depreciativas, desempenhadas por pessoas negras;
o fortalecimento da imagem de reis, príncipes, princesa e rainha é uma ação constante
na mídia atribuindo exclusividade para o continente europeu. As reproduções
forjadas, sobretudo pelas mensagens dos livros e pelo conhecimento trabalhado pelas/os
docentes “ensejam que o combate ao racismo na escola seja reposicionado diante das
diversas faces que este apresenta.
Das pesquisas realizadas em livros didáticos, Sant’Ana expõe a interpretação de
dados qualificados por pesquisadores “como preconceituosos”:
1) Nas ilustrações e textos os negros pouco aparecem e, quando
isso acontece, estão sempre representados em situação social inferior
à do branco, estereotipados em seus traços físicos ou animalizados.
2) Não existem ilustrações relativas à família negra; e como se o
negro não tivesse fami1ia.
3) Os textos induzem a criança a pensar que a raça branca é mais bonita
e a mais inteligente.
4) Nos textos sobre a formação étnica do Brasil são destacados o índio e
o negro; o branco não é mencionado (em alguns casos):já épressuposto.
5) Índios e negros são mencionados no passado, como se já não
existissem.
6) Os textos de história e estudos sociais limitam-se a referências sobre
as contribuições tradicionais dos povos africanos (SANT’ANA,
2005, p.57)
Adicionando ao conjunto de dados apresentados por Sant’Ana (2005,p.57) tem-
se a reflexão da pesquisadora Ana Célia da Silva (2005, p. 22-23) que de forma
magistral diz:

O livro didático ainda é,nos dias atuais, um dos materiais pedagógicos


mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas públicas,
onde,na maioria das vezes, esse livro constitui-se na única fonte de
leitura para os alunos oriundos das classes populares. Para as crianças
empobrecidas, esse livro ainda é, talvez, o único recurso de leitura na
sua casa, onde não se compram jornais e revistas. Também para o
professor dessas escolas, onde os materiais pedagógicos são escassos e
as salas de aula repletas de alunos, o livro didático talvez seja um
material que supra as suas dificuldades pedagógicas.Por outro lado,em
virtude da importância que lhe é atribuída e do caráter de
verdade que lhe é conferido, o livro didático pode ser um veículo de
expansão de estereótipos não percebidos pelo professor.
79

Acerca da estereotipia negativa Sant’Ana traz os que animalizam a pessoa negra


[...] “sendo a mais comum a associação da cor preta a animais (o porco preto, a cabra
preta, o macaco preto) ou a seres sobrenaturais animalizados (mula-sem-cabeça,
lobisomem, saci-pererê).”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfatizar a importância de estudos sobre a infância negra no Brasil é


imperioso, uma vez que frequentemente o tratamento universal à criança negra, é a
norma e isso termina aumentando a invisibilidade de um ser que tem valores, identidade
e cultura, ainda em formação, mas que tem as suas especificidades a serem respeitadas.
As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o nascedouro na
escola, porém o racismo e os seus mecanismos reprodutivistas têm lugar permanente
ali. Assim, a reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola,
mas tem nestas um espaço privilegiado.
O combate ao racismo é tarefa diuturna, todavia o segmento infantil não tem
foco privilegiado nessa empreitada que visa o fim da desigualdade social e racial, talvez
porque a realidade imediata e diária tem a juventude negra e as mulheres negras, como
os segmentos que lideram as estatísticas negativas. A vulnerabilidade social desses
segmentos, movimentam a militância, as/os pesquisadoras/es, alguns parlamentares
para darem visibilidade aos que são assassinados fisicamente. Todavia, as crianças
negras precisam compor os cenários de pesquisas e das políticas afirmativas para que
um Brasil sem racismo seja construído efetivamente.

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81

A LEI 10.639/03 E O COMBATE AO RACISMO ATRAVÉS DA LITERATURA


INFANTIL E SUAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Rosilda Alves Bezerra


Maria Suely da Costa

A Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 e as Diretrizes Curriculares Nacionais


estabeleceram a obrigatoriedade do ensino de História e Culturas Africanas e Afro-
Brasileira nos currículos escolares da educação básica, com objetivo de promover uma
educação que reconheça a diversidade, comprometida com as origens do povo
brasileiro. Dessa forma, com a inclusão desses conteúdos, as discussões e debates em
sala de aula sobre as relações étnico-raciais ganharam várias intervenções
imprescindíveis nos últimos doze anos. No ano de 2004, foi estabelecida as Diretrizes
Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais, de caráter afirmativo:
o sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e
pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da
identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros, depende
necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas
favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras,
todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores,
precisam sentir-se valorizados e apoiados (BRASIL, 2004, p. 13).

A sala de aula como espaço de construção do saber, portanto, de


representações, consagrou-se eu um espaço para o desenvolvimento de trabalhos
relacionados à literatura infanto-juvenil, por exemplo, que até um tempo anterior, não se
presenciava uma relevante produção bibliográfica e publicação de livros voltados para a
criança e o jovem negros. O que assistimos, hoje, é o reconhecimento, dentro de alguns
segmentos do campo educacional, da lacuna que a não-inclusão da diversidade cultural
na formação dos professores/as no currículo escolar tem acarretado à escola pública
(GOMES, 2006).
A Lei 10.639/08 aqui tratada é imprescindível, principalmente no que se refere
a uma postura de reconhecimento e valorização da diversidade étnica, com
possibilidades de analisar as discussões acerca das questões colocadas pelas lutas
históricas dos negros, percebendo como ocorre este “desafio da diversidade” (GOMES,
2006). A educação escolar, entendida como parte constituinte do processo de
humanização, socialização e formação, tem, pois, de estar associada aos processos
82

culturais, à constituição das identidades, entre outros. Historicamente, o sistema de


ensino brasileiro pregou uma educação formal, que reconhece o valor do negro na
formação cultural da sociedade brasileira, entretanto, traços do racismo e da ideologia
do branqueamento ainda fazem parte do contexto social, principalmente no espaço
escolar.
A partir dessas discussões, a diversidade étnico-cultural na literatura infanto-
juvenil evidencia a possibilidade de compreender esse universo de sujeitos sociais,
históricos e culturais, e auxilia no combate às práticas seletivas, divididas, corporativas,
sexistas, e racistas ainda existentes. A diversidade é mais do que uma questão colocada
à sociedade, à escola e ao currículo para ser tratada sem preconceitos. Zilberman (1988,
p. 336) atenta o leitor para o fato de determinados livros produzidos às crianças
conterem alguns aspectos que denunciam seu caráter, seja por meio das representações
históricas ou sociais:

Em livros de história, aparentemente ingênuos ou em deliciosos


contos de fada, não é difícil perceber, através da trama, dos
personagens e dos diálogos, se não do próprio assunto, a classe a que
os autores pertencem ou que representam, com suas concepções de
vida, seus valores e seus preconceitos.

Nesse sentido, o que pode ser observada em publicações é uma quantidade de


livros da literatura infantil e juvenil voltados para uma temática de caráter europeu. Por
esse motivo, Abramovich (1993) destaca o fato de que a literatura infantil ainda está
carregada por estereótipos europeus. Naturalmente, as histórias infantis marcadas por
uma cultura branca, que sempre destacou ser a princesa loira e de olhos azuis o
paradigma da beleza e do encantamento, fortalece o imaginário infantil. Entretanto, a
autora enfatiza a importância de quem trabalha com essa literatura, ter em perspectiva a
inserção de valores culturais de uma sociedade, que às vezes marginalizada, ficou de
fora dos padrões de beleza impostos por outras culturas. Por esse motivo, a inserção e
aplicabilidade da Lei tem como principal objetivo valorizar os aspectos históricos,
sociais éticos e estéticos de uma sociedade, respeitando a diversidade nela inserida.
Com a inserção e aplicabilidade da lei, a produção literária infanto-juvenil
recebeu uma série de investimentos nas produções para esse público específico.
Compreendemos o fato de que essas publicações deveriam estar voltadas para o
combate a uma segregação étnica, como a social ou de gênero, que culpa o sujeito de
83

sofrer as próprias discriminações. No entanto, é perceptível, quando a temática negra é


discutida, que ainda aparecem publicações com estereótipos e exageros que somente
reforçam o preconceito. Isso significa que algumas dessas publicações, que estão nas
bibliotecas de escolas no Brasil, não são devidamente apropriadas para o uso, pois
fogem da perspectiva e prejudicam no combate ao racismo e ao preconceito, ao invés de
eliminá-lo.

Literatura infantil e juvenil: livros com propostas afirmativas

O preconceito é uma atitude negativa, qualquer docente, que trabalha com o


público infantil e jovem, compreende que se trata de um conceito antecipado, de uma
opinião que se forma sem conhecimento total dos fatos e sem a preocupação de uma
reflexão mais apurada sobre o assunto. Nesse sentido, o preconceito implica ainda a
definição também numa atitude em favor ou contra, na atribuição de um valor negativo,
num componente efetivo ou sentimental. Cavalleiro (2005, p. 83) atenta para o fato de
que

(...) a disparidade nas representações de personagens negras e brancas


pode ser fonte de rebaixamento de auto-estima e um facilitador para a
construção de autoconceito negativo por parte de crianças negras. E,
diametralmente, que pode ser fonte de construção de um sentimento
de superioridade por parte das crianças brancas, pelo fato de terem
pele branca e fazerem parte, portanto, do grupo que constitui maioria
em ilustrações e referências culturais e histórica nesse tipo de
material- o que sinaliza poder, beleza e inteligência.

Em geral, existe também uma predisposição a expressar diante de certos atos


esses juízos ou sentimentos. Ou seja, os preconceitos estão inseridos no senso comum
social e nele se cristalizam, assim como nas práticas políticas. E quando esse tipo de
preconceito ocorre nos livros literários? O que pode ser feito para eliminar tais
ocorrências? Apenas com uma atitude: evitar usar livros infantis e juvenis que sejam
carregados de estereótipos, racismo, exagero em relação ao fenotípico negro ou que a
ilustração destaque uma imagem distorcida e aspecto não representativo do povo negro.
Nessa mesma linha de pensamento, Sousa (2002, p. 196) enfatiza a necessidade de
imagens concretizadas na literatura infanto-juvenil negra ser apresentada de modo
positivo e afirmativo, reconhecendo o valor dessa criança e jovem:
84

(...) as imagens que moram em nossas mentes desde a infância


influenciam nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir (se
não forem estereotipadas, inferiorizadas) para a auto-estima e
aceitabilidade das diferenças visando uma vida adulta feliz. Para isso
essas imagens precisam mostrar nossa “cara”, força e cultura de todos.

Considerando isso, destacamos livros infantis e juvenis, muitos deles já inseridos


em bibliotecas públicas e escolares, enviados pelo FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento Educacional), que tem como principais objetivos interpretar as
produções literárias publicadas nas duas últimas décadas dos autores consagrados pela
crítica literária, apresentando categorias analíticas que evidenciem a caracterização dos
personagens negros nas obras literárias. O ponto em foco está na responsabilidade de se
colocar no mercado literário produções infantis-juvenis que promovam a valorização do
povo negro (OLIVEIRA, 2008). A compreensão é de que “Não basta, portanto, a mera
inclusão no mercado editorial e no espaço escolar de produções literárias que
apresentam protagonistas negros (as), ou que delineiam as religiosidades de matrizes
africanas, a cultura afro-brasileira, o continente africano e temáticas afins” (OLIVEIRA,
2014, p. 281-82). Na atualidade, segundo a referida autora (2014, p. 281-82),

há uma demanda maior a nos desafiar, a saber: selecionar e indicar


obras literárias infanto-juvenis que primem pela valorização e
ressiginificação da história e cultura africana e afro-brasileira, sem
incorrer na veiculação do preconceito étnico-racial, por meio do qual
se reforçou, durante muito tempo, papeis de inferioridade negra e
superioridade branca.

Em caráter metodológico, destacamos sobre a importância de docentes


percorrerem as histórias da literatura infanto-juvenil, investigando os desdobramentos
dessa literatura, além de traçar um paralelo entre as tendências temáticas e as questões
emergentes dos contextos históricos, ao se criarem determinadas visões do negro. Para
esse artigo, selecionamos alguns livros que trabalham diretamente com a temática do
cabelo, como símbolo da identidade negra e de como as autoras criaram um universo,
que apresentasse a criança negra e a forma como lida com o seu cabelo, seu corpo, na
qualidade de símbolo valorativo de uma identidade negra (GOMES, 2008).

Textos que apresentam ações afirmativas em relação ao negro, seu cabelo e sua
identidade

1- As tranças de Bintou (Sylviane A. Dioufe)


85

As tranças de Bintou (2004) narra a história de uma menina em uma aldeia


africana, que na sua idade é comum o uso de birotes nos cabelos. Os birotes não são
bem aceitos pela criança, que sonha em usar tranças, da mesma forma das meninas
jovens de sua aldeia. Os birotes servem para identificar o fato de que a criança necessita
criar laços sociais com pessoas de sua idade e, para isso, seria necessário manter o
cabelo com esse penteado. A avó explica a neta que por causa de uma menina chamada
Coumba, que investia na sua beleza, principalmente nas longas tranças feitas no cabelo,
causava a inveja de todos e, por isso, tornou-se uma pessoa insuportável. Com o passar
do tempo, Coumba transformou-se em uma criança vaidosa e egoísta, o que era
incompatível com a sua idade. Não queria brincar com as outras crianças, nem se
interessava em aprender. Segundo a avó de Bintou:

Foi nessa época, e por isso, que as mães decidiram que as crianças não
usariam tranças, só birotes, porque assim elas ficariam mais
interessadas em fazer amigos, brincar e aprender. Vovó me acaricia e
diz: Querida Bintou, quando for mais velha, você terá bastante tempo
para a vaidade e para mostrar a todos a bela mulher que será. Mas,
agora, querida, você ainda é apenas uma criança. Poderá usar tranças
no momento adequado (DIOUF, 2010, p.10).

A história mostra o carinho da avó com a criança, assim como a relação de amor
e amizade entre as famílias. O contexto social no qual Bintou está inserida faz com que
a comunidade seja um local adequado para a criança crescer com uma educação em que
se preza o convívio familiar e o respeito aos idosos e a ancestralidade, muito apreciada
pela comunidade africana. Na aldeia onde Bintou reside, pode-se notar os traços sociais
e culturais típicos do lugar, que é destacado no batizado do irmão de Bintou, o ritual que
envolve a escolha do nome do irmão, a alimentação, que está ligada ao consumo de
vegetais, além das celebrações e vestimentas utilizadas por todos da comunidade.

2 - O mundo no black power de Tayó (Kiusam de Oliveira)


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O mundo no black power de Tayó (2013) narra a história de Tayó, uma criança
de seis anos, que é descrita como uma menina linda e simpática, que encanta a todos
com o seu modo de ser e viver. A descrição inicia pela beleza de Tayó, em que os olhos
são tão negros quanto “as mais escuras e belas noites”; o nariz parece uma larga e
valiosa pepita de ouro; “grossos e escuros como orobô seus lábios se movem só para
dizer palavras de amor (p. 14). Sobre a cabeça, que a parte do corpo que a menina mais
gosta, ostenta uma acentuada cabeleira chamada black power (p. 17). Tayó é uma
criança negra que se admira muito e gosta de usar o penteado black power sempre
enfeitado. Em um momento o cabelo fica enfeitado de florzinha, em outros prefere o
cabelo enfeitado por borboletas ou tiras de lãs coloridas. Pelo fato da menina gostar de
seu cabelo, que busca projetar em cada penteado que faz, o universo e a natureza, com
seus bichinhos e planetas. A narrativa mostra como a Tayó reage quando os colegas
criticam o seu cabelo: “Bem-humorada, quando seus colegas de classe dizem que seu
cabelo é ruim, ela responde: ─ Meu cabelo é muito bom porque é fofo, lindo e cheiroso.
Vocês estão com dor de cotovelo porque não podem carregar o mundo no cabelo como
eu posso” (OLIVEIRA, 2013, p. 27). A reflexão sobre a sua origem é constante na
narrativa:

Quando volta para casa pensativa com a falta de gentileza de seus


colegas, Tayó projeta em seu penteado, mesmo sem se dar conta disso,
todas as memórias dos sequestros dos africanos e das africanas, sua
vinda à força para o Brasil nos navios negreiros, os grilhões e
correntes que aprisionavam seus corpos. Tudo isso está bem
guardadinho no fundo de sua alma (OLIVEIRA, 2013, p. 28).

A história também destaca momento de reflexões sobre as condições dos


escravos, mas não investem na negatividade, mostrando aspectos positivos e
afirmativos, quando explora o fato de a menina transformar as lembranças ruins com a
memória de que seus antepassados criaram e preservaram as danças, os jogos, as
religiões de matriz africana, os contos, as contações de história e todos os saberes. A
87

história enfatiza o fato de as correntes não terem sido capaz de aprisionar a alma de seus
antepassados.

3 - Betina (Nilma Lino Gomes)

Betina (2009) trata da história de uma garota que tem fascínio pelas tranças
desenhadas por sua avó em seus cabelos. O cuidado com que as tranças são entrelaçadas
faz com que a cabeça de Betina transforme-se em uma autêntica obra de arte. O que faz
o penteado ser ainda mais especial, é o fato da avó contar belíssimas histórias de seus
antepassados enquanto carinhosamente trança os cabelos da neta. A avó esforça-se para
deixar o cabelo de Betina digna de uma princesa. Além dos variados enfeites que utiliza,
como contas e lãs coloridas faz com que a criança sinta que é muito cuidada e amada.
A relação de amizade entre Betina e as colegas da escola é de respeito, pois as
meninas de sua turma sentem curiosidade para saber de que forma as continhas
coloridas eram colocadas em seu cabelo, assim como, a trança enraizada na cabeça. A
garota descreve às colegas como a avó preparava as suas tranças, detalhadamente, pois
seu cabelo entrançado era motivo de orgulho.
A oralidade está presente nesta narrativa, principalmente o respeito pelos mais
idosos, e o interesse em repassar para a neta os valores dos antepassados. Os
ensinamentos da avó são preciosos, e com sabedoria ensina a neta a guardar esses
ensinamentos para que possa no futuro repassar as outras gerações. O fato de ensinar a
neta o segredo de fazer tranças perfeitas não deixa de ser um aprendizado para a criança,
que depois passa a fazer as mesmas tranças nos cabelos das irmãs e da mãe. Com o
passar dos tempos, os ensinamentos da avó de Betina transformam-se e concretizam-se
quando a jovem, com uma experiência anterior, especializa-se em penteados afros,
tornando-se dona de um conceituado salão de beleza negra. O reconhecimento
profissional é realizado não somente no Brasil, assim como no exterior. Além desse
reconhecimento, Betina é convidada pelas escolas a proferir palestras sobre a arte de
trançar cabelos afros, incentivando às crianças negras a gostarem de seus cabelos
crespos. Destaca as várias formas de inventar penteados e de como transformá-los em
88

verdadeiras obras de artes, seguindo o seu exemplo, valorizando a sua cultura e


identidade negra. Em Betina há um avanço na vida social e cultural da criança negra,
que conquista espaços a partir de sua própria atuação enquanto sujeito empreendedor,
que soube absorver os ensinamentos da avó, com a arte de trançar cabelo atingiu o
apogeu na profissão.

4 - Entremeio sem babado (Patrícia Santana)

Entremeio sem babado (2007) conta a história de Kizzy, uma menina estudiosa e
curiosa, que gostava muito de perguntar, e por isso recebe o apelido de entremeio sem
babado, que ao pé da letra significa “um enfeite de roupa que faltava o complemento”.
Em relação à Kizzy, por ser intrometida, significava uma pessoa que se mete em um
assunto sem ter sido consultada. Com a dúvida sobre o que isso significa, quando
descobre fica revoltada, chega até ficar doente, porque não aceitava essa alcunha.
Depois de muito refletir, resolve passar alguns dias sem entrar nas conversas, sem fazer
perguntas, mas um dia se cansa, e resolve voltar a ser como era, “menina, menininha
perguntadeira”. Kizzy é uma criança que gosta de sua imagem. Inicia pela escolha dos
vestidos, que são sempre cor de rosa, a sua cor preferida. O seu cabelo sempre
enfeitado, segundo o narrador, “cada dia de um jeito: com birotes enfeitados, com
gominhas coloridas, de trancinhas com borboletinhas, de rabo-de-cavalo, de tranças e
solto com baião-de-dois” (SANTANA, 2007, p. 06). Kizzy tenta levar a vida sem
precisar da aprovação das pessoas. A protagonista mostra uma personalidade relevante
na narrativa, pois acredita que para ser respeitada é necessário defender suas próprias
ideias, mesmo que não sejam consideradas apropriadas por outras pessoas.
A curiosidade de Kizzy não se continha apenas em fazer perguntas, mas
gostava de ler revistinhas, almanaques, livros, folhetos e rótulos de tudo. O problema
era quando não sabia o significado de alguma coisa, que as perguntas surgiam e eram
dirigidas para todos os familiares. Em uma das ocasiões, quando toda família estava
89

reunida e discutiam sobre as origens dos nomes, quis saber qual a origem de seu nome,
Kizzy. Este foi um momento importante na vida da menina, pois além de descobrir qual
a origem de seu nome, possibilitou uma forma de voltar ao que era antes, uma criança
curiosa. A família explica que o nome Kizzy significa “aquela que fica, que não vai
embora, e que seu nome era de origem africana, o mesmo lugar de origem de toda a sua
família” (SANTANA, 2007, p. 20).

Considerações finais

A escola é uma instituição onde convivem conflitos e contradições, e a


discriminação racial existente no contexto social brasileiro está presente também neste
espaço nas relações entre educadores e educandos. Contudo, a dificuldade de se tratar a
questão do preconceito racial no âmbito social e educacional ocorre na existência de um
senso comum que em geral, não se reconhece enquanto racista. Logo, a prática de
atitude racista e comportamentos discriminatórios é uma questão pouco difundida, uma
vez que há uma tendência a não problematizar determinadas questões. A lei 10.639/03,
com suas proposições, surge na perspectiva de que tais práticas e atitudes sejam
eliminadas.
A literatura, sendo trabalhada de forma planejada e compromissada, poderá
delinear, já na infância, uma educação positiva para as relações étnico-raciais. Assim,
quando a perspectiva é reconhecer o negro na literatura infantil e juvenil, é importante
ter um olhar a partir de produções que tragam formas positivas e afirmativas de
representá-los, evitando a cansativa repetição de obras de autores consagrados que
apenas revelam aspectos ligados à escravidão e estereótipos negativos que nada
acrescenta na identidade negra brasileira.
No contexto pedagógico, pois, é primordial o docente que trabalha a literatura
infanto-juvenil ter o cuidado na escolha de livros, que veiculem a identidade negra de
modo afirmativo, tanto na trama apresentada como nas imagens que ilustram o livro, a
exemplo das produções apresentadas, cujas tramas convergem para o caminho que
estabelece ao negro um papel/espaço e não necessariamente está marcado pelo
legado negativo da escravidão, pois apresenta personagens negros/as contemporâneos,
em situações do cotidiano e de modo positivo.
Com efeito, a literatura, devido à carga simbólica transmitida por seus discursos
e linguagens, pode contribuir efetivamente com a afirmação de identidades, rompendo
90

com ideologias fundamentadas em desigualdades étnico-raciais, pondo em foco sua


principal função: “a humanização do ser humano”, na medida em que “nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (CANDIDO, 1995,
p.249).

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SECAD/ME, 2004.

CAVALLEIRO, Eliane. Discriminação Racial e Pluralismo nas Escolas Públicas da


Cidade de São Paulo, in: Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03. Brasília: Ministério da Educação / MEC, BID, UNESCO, 2005.

CANDIDO, Antonio. “O direito à literatura”. In: Vários Escritos. São Paulo: Duas
Cidades, 1995.

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LIMA, Heloísa Pires. Personagens negros: um breve perfil na literatura infanto-


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enredando inovação em face à tessitura dos personagens negros. XI Congresso
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17 de julho de 2008.
91

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SÁ JÚNIOR, Lucrécio Araújo; OLIVEIRA, Andrey Pereira de (Orgs.). Literatura e
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SANTANA, Patrícia. Entremeio sem babado. São Paulo: Mazza Edições, 2007.

SOUSA, Andréia Lisboa de. Personagens negros na Literatura Infanto-Juvenil:


Rompendo Estereótipos. In: Racismo e Antirracismo na Escola: Repensando nossa
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Global, 2003.

ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a


literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. 2. ed. São Paulo: Global, 1988.
92

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO USO DA MÚSICA NO ENSINO DE


HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA

Waldeci Ferreira Chagas

Em meio à diversidade étnica que caracteriza as escolas públicas no Brasil,


o nosso propósito neste artigo é lançar luz sobre essa questão, de modo que possa
colaborar com professores/as na efetivação do processo de implementação dos
conteúdos demandados pela Lei 10.639/003 e assim fazer valer a educação étnico-racial
nas escolas.
Portanto, partir-se-á da arte, ou seja, da música popular para então discutir
sobre o ensino dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana e sugerir
aos/as professores/as da educação básica um caminho metodológico, de modo que
possam trabalhar em sala de aula com tais conteúdos a partir das músicas que
escolherem e considerarem adequada ao público com que lida cotidianamente visto no
universo musical popular brasileiro existir vários/as compositores/as cujas canções
versam sobre a temática afro-brasileira e são dignas de serem trabalhadas em sala de
aula.

“Respeitem meus cabelos”...


Desde outrora as escolas exerceram sua função de modo a ignorar, as
diversidades e as singularidades, visto desejarem um tipo de cidadão. Em meio à
diversidade de culturas que caracteriza a sociedade e a escola, as práticas pedagógicas
desenvolvidas nessa instituição não podem insistir na defesa de um modo de se vestir,
no reconhecimento de um tipo de cabelo e num tipo de comportamento que devem ser
reproduzidos, porque é aceito pela sociedade. A função social da escola não é a de
reproduzir o status quo, mas possibilitar aos sujeitos que a frequentam elementos a que
construam uma nova sociedade, fundamentada, sobretudo, no respeito à diversidade.
Reconhecer e respeitar a diversidade embora sejam o ponto de partida para
uma prática educativa na perspectiva étnico-racial, essa modalidade de educação não
pode ser tomada como algo dado, mas como processo historicamente construído, e
assim problematizado a partir das realidades dos alunos/as/sujeitos que compõem as
unidades escolares. Compreender e entender esses sujeitos nas suas singularidades. Eis
o desafio cotidiano de professores/as da educação básica.
93

O caminho é escutar os/as alunos/as/sujeito, uma vez que hoje a escola que
se quer cidadã e inclusiva, deve ser respeitosa com o modo de ser do sujeito que ela está
formando. Portanto, a relação ensino aprendizagem na perspectiva da educação étnico-
racial não se dar num processo impositivo, mas dialógico, uma vez que ninguém entra
na escola para aprender a ser negro/a, índios/a, branco/a, homem, mulher, homo afetivo
e cidadão/ã, já se é tudo isso antes de se entrar nas escolas, e todos esses sujeitos todos
os dias vão as escolas, mas nem sempre as escolas os reconhecem como tais.
Nesse sentido, as práticas a serem desenvolvidas nas escolas devem se fazer
de modo a ampliar e garantir a cidadania, as identidades étnicas e de gênero e assim
primar pelo respeito. Logo, aprender sobre história e cultura afro-brasileira e africana na
escola é um exercício de cidadania, portanto, um direito das crianças e adolescentes,
obrigação da escola e dever do Estado, sobretudo, de garantir as escolas condições
necessárias a que esse processo ocorra de modo natural e saudável. Em contrapartida,
professores/as não devem enxergar a Lei 10.639/003 como a que lhes obriga a execução
de uma prática com um conteúdo que eles/as afirmam desconhecerem, mas devem
enxergar essa lei como a que garante a todos/as que frequentam as escolas públicas
desse país o direito de aprender sobre a história e a cultura dos seus antepassados e
assim reconstruir suas identidades étnico-raciais.

“Cabelo veio da África”...


No acervo musical popular brasileiro há uma diversidade de canções
produzida em diferentes momentos históricos que podem ser levadas para a sala de aula
e ajudar professores/as no processo ensino-aprendizagem dos conteúdos de história e
cultura afro-brasileira e africana. Por essa razão neste texto recorremos à música
popular por ser um “artefato midiático através do qual são negociados socialmente
pensamentos, valores, ações e estratégias de identidade individual e coletiva” (TROTTA
& SANTOS, 2012, p.225).
Nesse sentido a reconhecemos como fonte histórica, mais também recurso
metodológico, uma vez que pode vir a integrar as práticas pedagógicas de
professores/as. Tudo fica a depender do modo como seja compreendida e apropriada em
sala de aula, visto que a música foi,

{...} Produzida pelo homem e por ele (re) apropriada cotidianamente,


objeto multifacetado e polissêmico, é elemento importante na
94

constituição da cultura histórica dos sujeitos. Construtora e


veiculadora de representações sociais apresenta um rol enorme de
possibilidades de usos e interpretações (HERMETO, p.12, 2012).

Neste texto recorremos à música “Respeitem meus cabelos, brancos”, do


cantor e compositor paraibano Chico César para discorrer sobre alguns aspectos da
história e cultura afro-brasileira e africana na escola da educação básica. Para tanto, nos
embasamos nas formulações metodológicas de Hermeto (2012, p.21) quando propõe o
uso da música em sala de aula como recurso para além de um artefato midiático que
“ilustra fatos e/ou acontecimentos históricos”. Na compreensão dessa pesquisadora ao
usar a música em sala de aula,

{...} espera-se o professor conheça e seja capaz de traduzir para seus


alunos os processos de leitura e interpretação de um produto cultural.
Torna-se fundamental propiciar aos alunos as condições para ler as
produções culturais como obras de seu tempo, explorando as suas
especificidades de linguagem e a forma com elas se inserem na
dinâmica social (HERMETO, 2012, p.21).

Seguindo a perspectiva metodológica de Hermeto (2012) ao recorrer a


música como recurso em sala de aula, faz-se necessário que professores/as tomem as
seguintes medidas. a) Conversar com os alunos/as sobre os seus gostos/estilos/gêneros
musicais, de modo que em conversa conheçam as músicas que costumam ouvir no
rádio, na Tv, no celular e que compõem a memória musical deles/as; b) Orientá-los que
pesquisem músicas, cujas letras e ritmos remetam à história e cultura afro-brasileira e
africana. Deve-se também na pesquisa contemplar comentários e críticas sobre as
músicas, shows e cantores/as. Isso ajuda compreender sentido e significado da letra e
melodia; c) Organizar em sala de aula a audição das músicas selecionadas, uma vez que
“a audição musical revela aquele que escuta, pois música não é só o discurso musical,
mas o discurso dentro de nós” (SEKEFF, 2007, p. 50). Nas primeiras audições os/as
alunos/as devem sentir a melodia da música, perceber os arranjos, identificar os
instrumentos e ritmos; na perspectiva de que captem o sentido e o significado da
melodia e letra. Ouvir a música é importante por que:

No exercício da escuta ouvimos o discurso musical, mas também


ouvimos a nós mesmos, em razão da lacunosidade de um jogo, que
mesmo organicamente elaborado, é marcado por características
psicológicas de aconceitualidade e indução. Como processo lacunar,
incompleto em si (a música só se completa no ouvinte), a escuta
95

permite então ouvir uma fala diferente que, indo além do texto, não
nos fala só do outro, texto, mas do outro em nós, possibilitando-nos
tomar a palavra (SEKEFF, 2007, p. 26).

d) distribuir a letra e um roteiro de analise, e proporcionar aos/as alunos/as


ouvintes a última audição de modo que discorram sobre algumas questões, como:
biografia do compositor/a, cantor/a, contexto de lançamento, instrumentos tocados,
instrumento que se destaca e ritmo, período em que a música foi composta. A partir de
então far-se-á, a relação texto (letra da música) e contexto (período em que foi
composta). A perspectiva é fazer uma analise para além da letra e da posição política
do autor e cantor/a, o que geralmente fazem professores/as de História nas suas práticas
pedagógicas com música, conforme enuncia Hermeto (2012) quando afirma:

Em geral, tomam-se como alvos da análise apenas a sua letra ou a


posição política de seus autores e interpretes. São usos possíveis sem
dúvida. Mas não são os únicos. Uma abordagem pedagógica que
considere a complexidade da canção popular brasileira como fato
social tende a ampliar os horizontes de leitura histórica de mundo
dos/as alunos/as (HERMETO, p.14, 2012).

Toda música é uma criação artística, mas, mesmo que não tenha sido
produzida com um propósito social e político, pelo menos diretamente, o traz
implicitamente, isso porque a música é,

{...} produto cultural popular confeccionado e consumido em larga


escala, por todo o Brasil e em diferentes grupos socioculturais, é
amplamente acessível e presente na vida dos estudantes. Assim sendo,
como tema, objeto de estudo e fonte, ela é genericamente, adequada a
práticas escolares e planejamentos didáticos voltados para alunos de
qualquer faixa etária (HERMETO, p.12, 2012).

Utilizar a música como recurso didático na discussão sobre história e cultura


afro-brasileira e africana, exige que professores/as estejam atentos a um aspecto do
universo cultural dos alunos/as e relacione-os a temática afro-brasileira e africana.

Cabelo tem história


Neste texto o ponto de partida para iniciarmos a discussão sobre a história e
cultura afro-brasileira e africana usando a música como recurso metodológico é o
cabelo; aspecto da estética humana, que custa caro às pessoas negras, conforme
96

evidenciou Chico César ao justificar a composição de “Respeitem meus cabelos,


brancos”.

Esse é um tema muito caro para mim, muito importante, porque eu


acho que muitas vezes a questão racial é escamoteada no Brasil. Não
há um negro no ministério de Fernando Henrique Cardoso, apesar de
ele dizer que tem um pé na cozinha, critica o cantor. "É uma bandeira
que me levanta mais do que eu a levanto." (PINHEIRO, 2002).

A música “Respeitem meus cabelos, brancos”, foi lançada em pleno século


XXI quando os movimentos sociais negros não só denunciavam o racismo existente na
sociedade brasileira, mas reivindicavam políticas de ações afirmativas para as
populações negras, o que incidia em discutir a questão racial no Brasil, sobretudo, a
implementação de políticas públicas que atendessem as demandas das populações
negras por cidadania. Discutir tal questão significa reconhecer que o país é racista.
Nesse sentido, elaborar e implementar políticas públicas para as populações negras pôs
em xeque a democracia racial. Em meio a esse contexto a ideia da diversidade, como
condição para se construir a igualdade racial no Brasil passou a ser a principal bandeira
dos movimentos sociais negros. Apesar das críticas tal discurso foi incorporado pelo
Estado brasileiro, a partir do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que deu
inicio ao processo de implementação das políticas de ações afirmativas com a criação da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Todavia, setores da
sociedade não esconderam o racismo, à medida que passaram a desqualifica-las e as
populações negras serem pichadas de incapazes culturalmente, visto necessitar de um
Estado paternalista/assistencialista.
Um exemplo da desqualificação dessas políticas se evidenciou no discurso
da grande imprensa sobre as cotas raciais nas universidades públicas federais. Quando
não desqualificava as pessoas negras afirmando-as serem incapazes de ingressarem nas
universidades públicas, o discurso era o de que as políticas de ações afirmativas
privilegiavam-nas em detrimento aos pobres brancos, e que a questão no Brasil era
social e não racial. Os discursos produzidos além de escamotear a questão racial levou a
sociedade brasileira à manutenção dos estereótipos sobre as pessoas negras.
Imerso nesse contexto social e político demarcado pelo estabelecimento de
políticas públicas que atendessem aos interesses das pessoas negras, Chico Cesar
compôs várias músicas com conteúdos sobre questões étnico-raciais que acabaram
97

contribuindo para colocar a discussão racial em evidencia. Em 2002 ao falar sobre o


novo show denominado "Respeitem Meus Cabelos, Brancos", disse.

O show se apoia em três pilares básicos: as canções de natureza social,


que acabam passando pela questão racial. Aí tem "Respeitem Meus
Cabelos, Brancos" obviamente, "Mama África", "Mandela", "Dá
Licença", "Filá" (PINHEIRO, 2002).

Nesse sentido, a música, que intitula o show é uma entre as tantas


composições brasileiras que podem ser levadas para a sala de aula e ser utilizadas por
professores/as e alunos/as enquanto fonte histórica para se iniciar a discussão em torno
dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana. Tal produção
artística/musical não está desvencilhada do que o cantor/compositor é, no entanto,

{...} a música não fala nem pensa, não se reduz ao que “sentia” o
compositor no momento de sua criação nem no que se pretende que
surgiram as imagens sonoras, as respostas que suscita vão muito além,
reconhecido na ação do chamado jogo poético da linguagem musical
(SEKEFF, 2007, pp. 25/26).

Escolhemos tal música, em função de sua letra e ritmo dizer respeito ao


conteúdo de história e cultura afro-brasileira e africana; temática que está em outras
suas composições, conforme Chico César afirmou ao se referir a sua produção musical e
a relação com a questão étnico-racial:

Isso é uma constante no meu trabalho. Se você escutar o meu primeiro


disco, tem "Mama África", "Tambores", que fala "Peço atenção agora
meus senhores, pois o que bate agora meus senhores são tambores,
mais fortes que o açoite dos feitores". Mais na frente gravei
"Mandela", "Filá". É um tema muito caro para mim, muito importante,
porque eu acho que muitas vezes a questão racial é escamoteada no
Brasil, como se nós já tivéssemos resolvido, e nós não resolvemos.
Então, eu acho que é importante tematizar, com alegria, com bom
humor, às vezes, com um pouco mais de ira santa, mas eu acho que é
importante tematizar. É um tema sempre presente no meu trabalho. É
uma bandeira que me levanta. Mais do que eu a levanto, é ela que me
levanta. É algo que todo negro com um mínimo de consciência em
qualquer profissão, em qualquer atividade, tem no seu cotidiano. É
algo que nos move, independentemente de ser artista ou padeiro ou
motorista de táxi. Acho que é importante ter consciência dessas
questões (PINHEIRO, 2002).

Portanto, “Respeitem meus cabelos, brancos” não foi composta com o fim
de que professores/as a utilizassem nas aulas de História. Todavia “música não é uma
98

criação arbitrária, e sua escuta tampouco é” (SEKEFF, 2007, p. 21). Tal afirmação se
confunde com as palavras desse cantor e compositor quando falou sobre essa música:

Quando digo “respeitem meus cabelos, brancos” não falo só de mim


nem quero dizer só isso. Debaixo dos cabelos, o homem como
metáfora. A raça. A geração. A pessoa e suas ideias. A luta para
manter-se de pé e mantê-las, as ideias, flecheiras. É como se alguém
dissesse “respeitem minha particularidade”. É o que eu digo, como
artista brasileiro nordestino descendente de negros e índios. E brancos.
Ou ainda no plural: minhas particularidades mutantes. Fala-se em
tolerância. Pois não é disso que se trata. Trata-se de respeito.
(CESAR, 2002).

Embora a música tenha sido composta para o público cantar, ouvir e dançar,
também tem uma função social, sobretudo, educativa, à medida que ritmo e letra
chamam a atenção do ouvinte para o preconceito racial, representado no desrespeito aos
cabelos das pessoas negras. Desde o lançamento do show em 2002 à letra da música
“Respeitem meus cabelos, brancos”, tem chamado à atenção de setores da sociedade
brasileira, que nas redes sociais se manifestaram sobre o sentido da letra. Sobre tal
questão disse a blogueira Thamirys Pereira.

Sabe quando uma vírgula faz toda a diferença numa frase? Pois é o
que acontece com a música de hoje. Eu ainda não acredito que por
tanto tempo entendi errado o sentido que Chico César (Aquele de
Mama África, pra quem não se situou ainda) quis passar
com Respeitem meus cabelos, brancos. {...} Simpatizo muito com o
movimento negro. O preto, o pardo, ainda hoje, é ridicularizado em
nossa sociedade. Muitas vezes, o racismo é tão velado, tão intrínseco
ao nosso cotidiano, que não o percebemos. É preciso, então, que
alguém venha e nos mostre nossos privilégios, nossos preconceitos. E
é sobre isso que fala Respeitem meus cabelos, brancos. Reparem na
vírgula. É isso mesmo. Durante muito tempo acreditei que a frase
correta era "Respeitem meus cabelos brancos" e que fosse um brado
pelo respeito aos mais idosos. Mas agora vejo que esta frase
representa um clamor por uma causa de igual nobreza: a causa negra.
É um grito pelo poder de decidir sobre o próprio cabelo sem ser
julgado, taxado, desrespeitado (PEREIRA, 2013).

A composição de Chico César revela o preconceito racial premente na


sociedade, mas que a grande mídia insiste não enxergar e discutir, e quando não o
escamoteia, desqualifica a discussão. “Respeitem meus cabelos, brancos” é um
reggae; geralmente esse gênero musical é midiaticamente associado ás pessoas negras
ou pessoas que comungam com a filosofia de vida do Bob Marley. Trata-se de um
99

gênero musical marcante nessa música, sobretudo, pelo som da guitarra e bateria tocada
na mesma intensidade com que é cantada.
A letra é cantada de modo articulada, quase declamada em voz imposta a
chamar diretamente a atenção do ouvinte para a falta de respeito a que pessoas negras
são submetidas cotidianamente, principalmente no que diz respeito aos seus cabelos.
Chico Cesar chama atenção de todos ao dizer: <Respeitem meus cabelos, brancos.
Chegou a hora de falar vamos ser francos. Pois quando um preto fala o branco cala ou
deixa a sala com veludo nos tamancos. Cabelo veio da África, junto meus santos
benguelas, zulus, gêges, rebolos, bundos, bantos, batuques, toques, mandingas, danças,
tranças, cantos. Respeitem meus cabelos, brancos. Se eu quero pixaim, deixa. Se eu
quero enrolar, deixa. Se eu quero colorir, deixa. Se eu quero assanhar, deixa. Deixa,
deixa a madeixa balançar>.
A letra e o ritmo possibilitam aos/as professores/as trabalharem diversas
questões em sala de aula. Por isso, é importante analisá-la para além da postura política
do compositor/cantor e assim apontar outras discussões que estão para além do que a
primeira vista a letra da música oferece ao ouvinte. No exercício de analise da música é
importante à atenção aos comentários e críticas feitos por diferentes setores da
sociedade, isso possibilita perceber a recepção do público à obra, e os caminhos a que
este é induzido. No comentário sobre “Respeitem meus cabelos, brancos”, a blogueira
Thamirys Pereira, limitou a discussão ao preconceito racial existente no Brasil, o que
está relacionado a sua postura política:

{...} Eu sou de esquerda e, por força desse destino, a minha empatia


para com os movimentos sociais é enorme. Simpatizo muito com o
movimento negro. O preto, o pardo, ainda hoje, é ridicularizado em
nossa sociedade. Muitas vezes, o racismo é tão velado, tão intrínseco
ao nosso cotidiano, que não o percebemos. É preciso, então, que
alguém venha e nos mostre nossos privilégios, nossos preconceitos
(PEREIRA, 2013).

.
A luta contra o preconceito racial deve ser de toda a sociedade. Por outro
lado à discussão e o enfrentamento ao preconceito racial não começou nos partidos de
esquerda e nem foram os intelectuais ou políticos de esquerda os mentores. As ações e
intervenções que ao longo da história se realizaram são frutos dos movimentos negros,
que desde o período colonial da história do Brasil se posicionaram contra a escravidão e
desde o pós-abolição se mantiveram contra o preconceito e em defesa da cidadania para
100

as pessoas negras. Na discussão sobre história e cultura afro-brasileira e africana,


professores/as devem ficar atentos para não reduzi-la ao preconceito racial.
A letra e ritmo da música permitem que professores/as retornem no tempo e
façam uma viagem a si e reencontrem à África tradicional, e assim trabalhem em sala de
aula os seguintes conteúdos:
1) A diversidade étnica do continente africano, para tanto, a música vos
apresenta às várias etnias africanas, o que explica os diferentes tipos de cabelos
existentes no Brasil e na sala de aula. “Cabelo veio da África, junto com meus santos
benguelas, zulus, gêges, rebolos, bundos, bantos, batuques, toques, mandingas, danças,
tranças, cantos”; 2) os valores civilizatórios africanos na formação do Brasil
representadas nos “batuques, toques, mandingas, danças, tranças, cantos”.

“Vamos ser francos”...


A travessia do atlântico permitiu que diferentes saberes e fazeres tenham
aportados nessa terra e no contato com as culturas indígenas e europeias as pessoas
negras trocaram saberes e reinventaram-se. Assim professores/as podem trabalhar
aspectos como os saberes técnicos que as etnias benguelas, zulus, gêges, rebolos,
bundos, bantos trouxeram para o Brasil, como a metalurgia, mineração, fundição,
agricultura, entre outros e a importância deles para a economia brasileira ao longo da
história.
Além desses aspectos ainda podem ser trabalhadas as expressões artísticas
representadas nas músicas, danças e religiosidades; percebendo que para cada região do
Brasil, ou estado, as pessoas negras elaboraram uma cultura que chamamos afro-
brasileira, mais que tem pontos comuns e diferentes.
Portanto, o jeito de ser das pessoas negras no Brasil, principalmente os seus
tipos de cabelo tem história e essa está relacionada com a África, continente mãe da
humanidade, por isso, Chico César pede aos brancos, respeito e chama a atenção da
sociedade para as singularidades do povo negro, de modo, que sejam respeitadas.
Professores/as ainda podem chamar a atenção das crianças e adolescentes
para os instrumentos presentes na música, entre eles a guitarra e a bateria tão marcantes
no ritmo, assim como o trombone. Leva-los a perceber a relação das pessoas negras com
os diversos instrumentos musicais, visto que da metade da música até o final o som do
trombone se destaca no fundo musical e enfatiza a letra, que em alguns momentos,
sobretudo, no final tem um trecho enfático, e que representa uma espécie de resposta
101

rebelde à tentativa dos brancos de querer dominar as pessoas negras e desqualificar seu
tipo de cabelo. Contra essa tentativa, Chico César canta o verbo deixar repetidas vezes:
“Se eu quero pixaim, deixa. Deixa, deixa, deixa a madeixa balançar”.

Referências

CÉSAR, Chico. Respeitem Meus Cabelos, Brancos. (Disponível em


http://chicocesar.com.br/index.php/release/respeitem-meus cabelos-brancos/. Acessado
em 12 de outubro de 2015, as 08h56minh).

HERMETO, Miriam. Canção Popular Brasileira: palavras, sons e tantos sentidos.


Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

PEREIRA, Thamirys. Respeitem Meus Cabelos, Brancos! (Disponível em


http://interpretacaopessoal.blogspot.com.br/2013/09/respeitem-meus-cabelos
brancos.html. Acessado em 12 de outubro de 2015, as 08h39min).

PINHEIRO, Augusto. Chico César coloca questão racial no seu novo show. In. Folha
Online, 2002. (Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u27504.shtml. Acessado em 12 de
outubro de 2015, às 22h46min).

SEKEFF, Maria de Lourdes. Da Música, Seus Usos e Recursos. São Paulo: Editora da
UNESP, 2007.

SWANWICK, Keith. Música, Mente e Educação. Tradução de Marcell Silva


Steuernagel. – Belo Horizonte: Autêntica 2014.

TROTTA, Felipe da Costa & SANTOS, Kywza J. F. P. dos. Respeitem meus cabelos,
brancos: música, política e identidade negra. In. Revista Famecos: mídia, cultura e
tecnologia. Vol. 19, nº 01, Porto Alegre, janeiro/abril/2012. Disponível em
http://revistaseletronicas.pucrs.br/fale/ojs/index.php/revistafamecos/rt/captureCite/1135
0/7740. Acesso em 12 de outubro de 2015.

Discografia

Respeitem Meus Cabelos, Brancos. (CD). MZA, Music, 2002.


102

CAIANA DOS CRIOULOS: território e etnicidade

Wallace Gomes Ferreira de Souza

I – INTRODUÇÃO

Localizar [cartografar, grifo nosso]


significa mostrar o lugar.
Quer dizer, além disto, reparar no lugar.
Ambas as coisas, mostrar o lugar e
reparar no lugar, são os passos preparatórios
de uma localização [de uma cartografia, grifo nosso].
Mas é muita ousadia que nos conformemos
com os passos preparatórios.
A localização termina,
como corresponde a todo método intelectual,
na interrogação que pergunta pela situação do lugar
Heidegger

A propósito do lugar, sobre o qual incidem histórias de vida, ou seja, relações


socioculturais em movimento no transcurso do tempo, onde se desenvolvem saberem
coletivos, chamado por Little de uma cosmografia, processam-se também experiências
temporais de intervenção e relações sociais que, modelam o espaço dando-lhe
significados particulares, preenchendo as suas camadas de história. Partindo dessas
experiências de relacionar-se com o espaço geográfico, promovida pela diversidade
sociocultural do Brasil, temos uma extraordinária variedade fundiária, representada em
parte pelas sociedades indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos, ambas
possuidoras de formas particulares de relacionar-se com os ambientes geográficos
(LITTLE, 2002; ARRUTI, 2006). Feitas estas considerações que apresenta a você leitor
a atmosfera conceitual do texto, passamos a definir o objetivo do texto que é, refletir
sobre a formação e afirmação étnica e territorial da comunidade Caiana dos Crioulos.
Para tanto, duas categorias de analise serão problematizadas: território (OLIVEIRA,
1998; LITTLE, 2002) e etnicidade (BARTH, 1998). Ambas estarão ancoradas nos
debates realizados pela antropologia acerca da composição dos chamados grupos
étnicos ou povos tradicionais.
A comunidade em questão, Caiana dos Crioulos que obteve seu certificado de
auto reconhecimento como território remanescente de quilombo no ano de 2005, situa-
se acerca de 12 km do município de Alagoa Grande – Paraíba, sede administrativa na
103

qual a comunidade está atrelada. Alagoa Grande faz limites com os municípios de
Alagoa Nova, Massaranduba, Serra Redonda, Matinhas, Areia, Alagoinha e Mulungu.
O município encontra-se inserido nos domínios da bacia hidrográfica do Rio
Mamanguape e possui uma área de 320,56 km², extensão que abrange o território onde
está localizada a comunidade quilombola.
Consideramos, no entanto, que o território não é definido exclusivamente pelo
aspecto do domínio físico, mas também de uma assimilação que aciona a dimensão
simbólica e histórico política, Gusmão (1999) propõe que a identificação de territórios
quilombolas seja percebida, em geral, por um tripé que relaciona “terra-parentesco-
pertencimento étnico” (auto declaração), uma vez que as comunidades quilombolas
relacionam-se com a terra efetivamente e nela estão as condições para sua sobrevivência
individual e familiar dadas por uma história de trabalho na terra. Assim, “estas
comunidades se pensam como vinculadas ao lugar e a sua história muitas vezes se inicia
no estabelecimento, no lugar, e por continuidade através de laços de parentesco [...]”
(GRÜNEWALD, 2011, p.19).
Desta forma, organizamos o capítulo em duas seções: 1) Território e
territorialidade, propondo uma reflexão teórica que assume o território como produto
da apropriação de um segmento do espaço por um dado grupo social e que sobre eles
estabelece relações políticas, afetivas, indenitárias e espirituais; 2) Grupos étnicos e
etnicidade, que objetiva problematizar o pertencimento étnico como um processo que
não se herda pelo sangue, mas se constrói por modos de vida e posicionamentos
políticos que são históricos, dinâmicos e complexos.

II – TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE

Espaço e território não são termos equivalentes (...). É essencial compreender


bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do
espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator
que realiza um programa) em qualquer nível (RAFFESTN, 1993, p. 143).

A palavra território tradicionalmente faz referência a uma área delimitada sob a


posse de um animal, de uma pessoa ou grupo de pessoas, de uma organização ou de
uma instituição. Há várias percepções para a palavra território, a mais usual é da
apropriação de uma parcela do espaço geográfica por um indivíduo ou uma
coletividade. A partir deste debate, o termo território, conforme Albagli (2004),
distingue-se da noção de espaço, pois esta representa um nível elevado de abstração,
104

enquanto o primeiro associa-se a concepção de espaço apropriado por um ator. Esta


distinção é relativizada por Haesbaert (2005). Segundo esse autor, não há e nem deve
haver uma distinção rígida entre os conceitos de espaço geográfico e de território, que
por sua vez, nasce com uma dupla conotação: material e simbólica.
Portanto, a noção de território que vamos assumir nesse texto é a que, o
considera como produto sócio temporal do trabalho humano, ou seja, da ação afetiva,
política e histórica realizada pelos indivíduos num contexto de posse da terra e que,
portanto, constrói um domínio, um processo de territorialização (OLIVEIRA, 1998).
Esta compreensão acerca do território nos remete à definição de Barth (1998)
sobre grupos étnicos, na qual o autor propõe um deslocando do foco da investigação da
constituição interna e da história de cada grupo para as fronteiras étnicas e a sua
manutenção, ou seja, para um processo de interação social permanente - interesse que
segundo Oliveira (1998), recupera a definição de comunidades étnicas de Weber (1991).
Em relação aos grupos étnicos, Weber chamou atenção para a compreensão dos mesmos
como “comunidades políticas” voltadas para a ação, ou seja, os grupos étnicos são
compreendidos como uma coletividade que partilha valores, costumes e uma memória
comum, que nutre uma crença subjetiva numa origem, imprescindível para a definição
da “comunidade de sentido”, existindo ou não laços de sangue.
Outro aspecto relevante é a problematização realizada pela antropologia acerca
da noção de território - interesse que não é novo, estando presente em estudos clássicos
como “A sociedade primitiva” de Morgan e nos estudos de Antropologia Social do
Evans-Pritcahrd, ambos utilizando a noção de território como critério para assinalar as
formas de governo dos grupos por eles estudados (OLIVEIRA, 1998). Para
desenvolvermos as reflexões sobre a formação da comunidade quilombola Caiana dos
Crioulos, a problematização categoria território é importante, uma vez que a terra
constitui-se instrumento de sutura das relações sociais e do pertencimento étnico deste
grupo, ou seja, entra em cena um sentimento de ser e pertencer a um lugar específico
(O´DWYER, 2010) e que, portanto, os fazem diferentes.
Partindo das dimensões material e simbólica envolvida na noção de território,
temos que este é o resultado das possibilidades da ação humana que implica relações
afetivas com a terra. Deste modo, o território ganha uma identidade, não em si mesma,
mas na coletividade que nele habita e dá-lhe significado. O lugar Caiana dos Crioulos
representa para seus habitantes o território de sobrevivência e reprodução material de
sua existência, e, para além desse caráter material, guarda nas suas camadas uma
105

memória afetiva, uma vez que aquele pedaço de chão é um patrimônio hereditário,
conquistado pelo processo de ocupação realizado por seus pais e avós. Tais elementos
constrói uma história de fundação dessa comunidade, ou seja, uma origem comum, o
território torna-se um fator regulador das relações sociais entre os membros da
comunidade (OLIVEIRA, 1998), aspecto que trataremos a seguir.

2.1 Territorialidade e organização social em Caiana dos Crioulos

A localidade, hoje, denominada Caiana dos Crioulos é formada na sua grande


maioria por pessoas negras e possui como uma das principais características os
casamentos entre familiares, aspecto que nos remete a uma intensa relação de
parentesco entre seus membros. Os moradores da comunidade não guardam uma
memória do período da escravidão e, quando essa aparece nos relatos dos moradores,
sempre fazem referência às pessoas de fora da comunidade. Por exemplo, quando
perguntamos a D. Dalvina (77 anos), sobre a origem da comunidade, ela nos conta que:
“as pessoas de um tempo desse pra cá descobriram que aqui era um quilombo e os
escravo tinham fugido pra cá, mas os antigos num falavam nisso não”. Temos que esta
memória colonial da escravidão não representa um elemento interno à comunidade, mas
um discurso intelectualizado incorporado pela comunidade recentemente. Outra
narrativa acerca da localidade é a existência dos caboclos bravos, os quais também
teriam sido habitantes do território e, que alguns teriam sido inclusive “apanhados às
mordidas de cachorros”.
Sobre o nome Caiana dos Crioulos, este teria surgido por volta da década de 70 -
ou pelo menos nessa ocasião teria se dado a inclusão do adjetivo ‘Crioulos’ ao termo
Caiana. Segundo os moradores, até essa data eles reconheciam apenas Caiana. Desta
forma, as relações da comunidade com os moradores de Alagoa Grande é um fator de
construção identitária que se processa a partir de elementos de distinção no caso a cor
da pele traduzida pelo adjetivo Crioulo. Sobre este tema, Dona Edite relata que: [...]
aqui antigamente que a nossa comunidade era só Caiana, num tinha essa história de
quilombola nem tinha crioulo, era só caiana só, ai depois dá gestão de Dr. Bosco pai de
Júnior ai ele andava muito por aqui na campanha, na primeira campanha dele para
prefeito ele andou por aqui junto com José Inácio, seu Zé Inácio pai de Sr. Zé Inacinho,
fazendo campanha, ai ele foi e botou o nome daqui Caiana dos Crioulos, ai desse dia pra
cá ficou Caiana dos Crioulos, ai ficou só Caiana dos Crioulos [...].
106

A designação ‘Caiana’ segundo os moradores mais antigos compreendia uma


área bem mais ampla do que a atual, não se restringido ao perímetro descrito no
relatório da Fundação Cultural Palmares (1998) como área de moradia. Exemplo disso é
que ao redor do Caiana dos Crioulos, existiam antes da divisão para a construção das
associações, outras duas comunidades denominadas Caiana, ‘Caiana de Baixo’ e
‘Caiana de João Lula’, que foram aglutinadas numa única comunidade chamada de
‘Caiana do Agreste’. Faixas territoriais mencionadas no relatório da Fundação Cultural
Palmares (1998) como compreendendo um mesmo núcleo populacional juntamente com
Caiana dos Crioulos. Esta proximidade entre ‘Caiana do Agreste’ e ‘Caiana dos
Crioulos’ não é apenas territorial, mas também fortalecida por laços familiares e sociais.
Os moradores mais antigos como D. Noemi (68 anos) e D. Edite (69 anos), nos
informaram que as terras denominadas ‘Caiana de João Lula’, ‘Caiana de Baixo’ (estas
duas hoje chamadas de Caiana do Agreste), ‘Imbira’ e ‘Caiana dos Crioulos’
compunham um mesmo território, mas que foi dividido.
Sobre a questão do território de ‘Caiana dos Crioulos’ o relatório de
identificação produzido pela Fundação Cultural Palmares em 1998, aponta a existência
de duas áreas: 1) área de moradia – situada basicamente em duas encostas de morro, e
não compondo um núcleo habitacional, e sim, aglomerados familiares, descrição que se
modificou, uma vez que em torno da Escola e da sede da Associação formou-se um
núcleo, mesmo que a comunidade não se restrinja a este perímetro; 2) terras de trabalho
– localizadas no perímetro da fazenda Sapé pertencentes à família Arruda Câmara e em
dois assentamentos, Sapé e Caiana, que segundo o relatório não inclui a área conhecida
como Caiana dos Crioulos, que corresponde ao perímetro de moradia referido
anteriormente.
Toda área, segundo Sr. José Guilherme (92 anos), pertencia ao Coronel Eufrásio
de Almeida Arruda Câmara, que deixava os cativros trabalharem em suas terras, em
troca, eles pagavam o foro ao coronel, e quando os mesmos não tinham em dinheiro,
pagavam com produtos da roça, criação ou dia de trabalho. As terras, segundo seu José,
eram cobertas por mata que foi sendo derrubada pra fazer roça de mandioca, milho,
fumo e feijão. Neste período, a vida em Caiana era caracterizada por interações dentro
da própria comunidade. A alimentação compunha-se de feijão, farinha, maniçoba e a
“mistura”, termo para designar a carne (esta proveniente, possivelmente, das criações
domésticas).
107

Outro dado relevante acerca do processo de divisão mais recente de Caiana foi
dado por Elza (42 anos), agente de saúde da comunidade e uma das lideranças da
Associação de Mulheres Negras de Caiana. Segundo ela, a divisão ocorre por questões
de acesso a políticas sociais do governo federal através da EMATER, ela narra a
seguinte situação:

Foi por conta, assim à comunidade no geral era uma comunidade muito
extensa e por esse motivo, pela questão de benefícios federais, por exemplo:
a casa de farinha comunitária, escola e outros benefícios então ficava muito
extenso, muito longe para que os aluno vinhece estudar todo mundo aqui,
então por esse motivo e a questão da associação dos moradores acharam por
bem fazer uma em Caiana do Agreste que era tudo Caiana e outra em Caiana
dos Crioulos, então, lá sempre já teve essa questão assim, num era Caiana do
Agreste, já dizia assim: Caiana de João Lula. Ele era uma grande líder lá de
Caiana do Agreste, agente diz que era uma Caiana só mais sempre teve esses
apeliduzinhos, por exemplo: Caiana de Baixo, Caiana de João Lula. Então
essas comunidades ficava muito distante para beneficiar de um órgão só,
como a escola, casa de farinha e outros. Era uma Caiana só, mas já se tinha
esses apelidos. Que a Caiana de João Lula é hoje Caiana do Agreste, ai
juntou com Caiana de Baixo. Isso desde eu pequeninha que eu ouvia falar
isso, quem nasceu e se criou aqui sabe desse detalhe de Caiana de Baixo e
Caiana de João Lula.

A população de Caiana está distribuída em 117 famílias perfazendo uma


população 420 pessoas entre crianças, adultos e idosos. As famílias hoje têm em média
03 filhos, realidade bem diferente da constituição familiar de 30 anos atrás, segundo os
moradores cada núcleo familiar possuíam em media 08 filhos. Os números
populacionais atuais demonstram um processo de decrescimento demográfico da
comunidade, fruto da migração constante para os centros urbanos, indicador numérico
diferente do identificado em 1998 no relatório da Fundação Cultural Palmares obtidos
através dos registros do SUS existente no posto de saúde da comunidade que, indicava
uma população em Caiana em torno 1036 indivíduos distribuídos em 207 famílias.
Sobre as moradias todas eram de taipa. Só muito recentemente (mais ou menos
há uns 15 anos) as casas passaram a ser de tijolos e cobertos por telhas. “As casas eram
tudo de taipa. Sabe o que é casa de taipa? De barro, coberta de palha de coco, palha de
coco ou faz como diz o ditada ou folha de cavatá, duma planta chamada cavatá, num sei
se você chegou a conhecer, eu ainda conheci essas casa, as forquilhas era de pé de coco,
tinha casa que as forquilhas era de pé de coco. Por que faz como diz o ditado: tinha as
fazendas reservadas, mas ninguém podia cortar uma madeira”, relata D. Edite.
As lembranças dos idosos sempre trazem um ar saudosista sobre o passado e a
vida que se levava na comunidade. A referência sempre é de um passado mais animado
e menos violento, mais religioso e com fartura na roça. Hoje, segundo os relatos, os
108

mais jovens não querem mais saber da vida de roçado, da lida com os bichos e muito
menos das festas religiosas que são relatadas como tradições de Caiana:
Antigamente era, faz que nem diz o ditado, antigamente aqui era muito
bonito, e era muito bom. Era muito religioso! Por que de quinze em quinze
dia, de oito em oito dia tinha uma novena, tinha uma reza, o pessoal fazia
muito promessa pra os santos. Ai quando aquele promessa ... era valida
aquela promessa ... ou Nossa Senhora da Conceição ou São Sebastião ou
Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora do Bom Remédio, Nossa Senhora
das Cabeças, cada um tinha sua doença e tinha vários nomes de santos. São
Sebastião que é o livrador das pestes, faz que nem diz o ditado, se pegava
com aquele santo pra rezar o terço, ai pronto, ai faz que nem diz o ditado, era
servido daquela promessa, ai pronto quando era no sábado, ó fulana vai lá pra
casa sábado, sábado lá em casa eu vou rezar um terço sábado, eu fiz uma
promessa com tal santo e vou ... quando for sábado eu vou rezar um terço, ai
a gente ia pra aquele terço, quando num era um terço era uma novena, faz que
nem diz o ditado, ai chamava a bandinha, tinha uma banda de pífano aqui na
Caiana, ai chamava aquele bandinha, aquela bandinha ia só pra rezar o terço e
depois do terço ai tenha a comemoração de beijar o santo que antigamente
a gente beijava o santo, ai pronta, ai o tocador entrava quando beijar ai acaba
a brincadeira, ai ia pra aquele novena rezava o terço ai quando terminava de
rezar os tocador beijava ai ficada por ali um pedacinho tomava um café um
tira-gosto, ai todo mundo ia pra sua casas.

Os moradores de Caiana não sabem precisar quando se iniciou o processo de


povoamento da localidade. No entanto, algumas pistas são dadas pelos moradores mais
velhos. Um exemplo é Dona Nanã (Maria Josefa da Conceição, 83 anos) que indicou
que os seus bisavós paternos já moravam em Caiana - é o casal Paulo Alves da Cruz e
Rosalina Maria da Conceição. Tal relato nos dá a conta de sete gerações a contar das
bisavós de Dona Nanã. Ela e outros moradores, quando perguntados sobre a chegada de
suas famílias às terras que hoje eles habitam, alegam que seus pais não eram muito de
falar sobre esta questão. A única coisa que eles se preocupavam era em ensinar a
trabalhar no cabo da enxada. No entanto, há entre os moradores a ideia de que eles estão
há muito tempo nas terras; uns falam que há mais de 200 anos. Sobre o período exato do
processo de ocupação e quem foram seus agentes não temos como precisar, mas
certamente seu Paulo Alves da Cruz, bisavô de D. Nanã, foi o ancestral mais antigo que
conseguimos registar. Ele provavelmente nasceu no último quartel do século XIX
(diagrama 1).
109

Paulo Rosalina
Alves Maria da
da Cruz Conceição

Bevenuta
Caetano Rosalina da
Paulo Conceição

Manuel Josefa
José Josefa Francisca da
Maria da Caetano
Loureço Conceição
Conceição

Sabastião Maria
José da Josefa da
Silva Conceição

Severino João Antonio Pedro Paulo Josefa Maria das Luzia José
Sebastião Sebastião Sebastião Sebastião Sebastião Maria da Dores da Maria Defá
da Silva da Silva da Silva da Silva da Silva Conceição Silva da Silva Caetano

Juliana Alexandra
Conceição Conceição

Janiela Caciana Jamile

Diagrama 1: Família de Dona Nanã


(Maria Josefa da Conceição), 83 anos.
III – GRUPOS ÉTNICOS E ETNICIDADE

O tema desta sessão será tratado a partir de Barth (1998), que compreende os
grupos étnicos como um tipo organizacional, distanciando-se da compreensão que toma
como referência os traços culturais comuns ao grupo como central. Barth não
desconsidera os elementos culturais compartilhados, mas os vê como implicações e
resultado de um tipo de organização dos grupos étnicos. Deste modo, o ponto central
nas reflexões de Barth é a identificação das fronteiras étnicas como elemento que define
os grupos e não a essência cultural que ele contém. Temos, desta forma, que a
identidade cultural desses grupos não se herda pelo sangue, mas se constrói por modos
de vida que são históricos, dinâmicos e complexos.
Portanto, a definição de pertencimento étnico deve ser considerada como fruto
de um processo político de constituição de uma identidade e uma organização sócio-
política singular (BARTH, 1998), mobilizada pelos sujeitos da comunidade dentro do
processo histórico afim de reconhecimento étnico racial e da titularidade territorial.
110

Neste âmbito, dois aspectos devem ser evidenciados sobre a etnicidade, um leva em
consideração que a “[...] etnicidade não é vazia de conteúdo cultural, mas ela nunca é
também a simples expressão de uma cultura já pronta” (POUTIGNAT, 1998, p.129), e o
outro leva em consideração o comportamento cognitivo/afetivo (EPSTEIN apud
GRÜNEWALD, 2011) caminho que não restringe a etnicidade a elementos de
interesses, que representaria uma visão estritamente racional do fenômeno. Assim
passamos apresentar a composição étnico-politica de Caiana dos Crioulos tendo como
marco conceitual as ponderações feitas por Barth (1998).

3.1 – Organização étnico-politica em Caiana dos Crioulos

A comunidade conta com duas associações: 1) Associação de Mulheres Negras


de Caiana dos Crioulos que desempenha um papel relevante na organização política da
comunidade e consequentemente de sua afirmação étnica como quilombolas; 2)
Associação dos Morados de Caiana dos Crioulos que teve sua sede construída através
de um financiamento no valor de R$ 34.520, 00 liberado pela Fundação Banco do Brasil
dentro do programa Brasil Quilombola do Governo Federal, foi a principal articuladora
do processo de reconhecimento e solicitação da regularização das terras da comunidade
como território quilombola. Desta forma, a certificação emitida pela Fundação Cultural
Palmares se processa a partir de uma articulação política da Associação dos Moradores
de Caiana dos Crioulos em relação as instancias administrativas do Governo Federal.
Mesma tendo recebido o certificado de auto reconhecimento, documento que
pressupõe que os moradores da localidade se declarem como sendo remanescentes de
quilombos, muitos desconhecem o significado do termo quilombola. Segundo Dona
Edite “[...] isso ai veio de fora trazendo aqui pra gente, porque aqui antigamente que a
nossa comunidade era só Caiana, num tinha essa história de quilombola nem tinha
crioulo, era só caiana só [...] ai depois recentemente, pode fazer uns seis a sete anos, eu
acho que não tem nem essa data ai passaram, descobriram que aqui era um quilombo ao
passo há quilombola, mas só que os antepassado nunca falaram essa história daqui ser
um quilombo não [...]”.
Nesse sentido, a escola numa perspectiva de uma educação escolar quilombola,
assume um papel de agente político na construção de um discurso de valorização do
sujeito negro e do ser quilombola através de representações positivas do negro em
trabalhos curriculares e na formação dos professores que na sua maioria não são
111

moradores da comunidade. A escola atende desde a pré-escola ao nono ano, e não se


restringe aos moradores do núcleo Caiana dos Crioulos, passando também a ser um
espaço de interação dos jovens da comunidade com jovens de sítios vizinhos e
assentamentos que estão no entorno de Caiana.
A relação com pessoas fora da comunidade a partir de laços conjugais vem se
intensificando apenas nas últimas duas décadas, pois os antigos não viam com bons
olhos o casamente com pessoas de fora da comunidade e principalmente com pessoas
brancas, D. Edite conta que “todo mundo era parente, e ainda hoje é parente, agora hoje
esta misturando mais, por que unas pessoas que não são parentes, mas antigamente tudo
era parente. E nem agente, faz como diz o ditado e nem os pais de antigamente queria
que as filha casasse com gente branca, queria não, por que eles diziam logo, que panela
procura seu texto. Se uma nega casasse com branco, faz como diz o ditado, ou um
branco casasse com uma negra, tava errado, por que faz como diz o ditado, a panela era
preta e o texto era branco! Ou o texto branco e a panela preta, num dava certo”.
Estas relações conjugais evidenciam também que a noção de comunidade está
muito associada à ideia de família. Os moradores de Caiana sempre fazem referência à
noção de família quando perguntadas sobre o que elas entendem por comunidade.
D.Penha, 32 anos afirma que comunidade é família, é como agente é aqui na nossa
Caiana, agente conversar, ajuda as comadres a lavar uma roupa, a fazer a limpa do
roçado, as vez até levar um feche de lenha, mas também tem briga, e as vezes fulano
falando de beltrano, tem isso também, e assim vai. Desta forma, apontamos que a forma
como estes sujeitos se organizam politicamente no território marcado principalmente
pelas relações de parentesco são fatores definidores da experiência desses sujeitos
enquanto grupo étnico.

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a população negra rural de Caiana dos Crioulos se organiza


como um grupo étnico singular, com fronteiras e características distintivas. Uma delas é
sua experiência racial que funciona como elemento de confrontação em relação às
populações circunvizinhas no âmbito rural e dos morados do município de Alagoa
Grande, no entanto, mantendo, com estes, intensa relação. Possuem uma história própria
a contar de sete gerações a partir do Sr. Paulo Alves da Cruz que, provavelmente, é um
dos fundadores da comunidade a partir da memória dos moradores mais antigos. Os
112

habitantes de Caiana se identificam através de laços de parentesco e se baseiam na


produção agrícola de subsistência.
O grupo não se define pelo tamanho e número de seus membros, mas pela
experiência vivida, pelos elementos definidos pelo grupo como socialmente relevantes,
a exemplo das versões compartilhadas entre seus membros de sua trajetória histórica de
ocupação do território, de uma origem comum e dos meios de sobrevivência própria e
continua ao longo de décadas. Neste sentido, constituem grupos étnicos
conceitualmente definidos pela antropologia como um tipo organizacional que confere
pertencimento mediante normas e meios empregados para indicar afiliação ou exclusão
(O´DWYER, 2010, p.43).
No fluxo histórico que remota os fins do século XIX até atualidade, a
comunidade teve suas terras diminuídas e foi divida em três porções territoriais Caiana
Agreste, Caiana dos Crioulos e outra parte transformou num assentamento conhecido
como Imbira, e partes do território também foram incorporadas à fazenda Sapé ao longo
dessa trajetória, no entanto, a população pelo contrário aumentou. Por guardarem uma
tradição de trabalho agrícola familiar, as terras são fundamentais na sobrevivência do
grupo, que por não possuí-las em extensão adequada ao número de habitantes e a
desvalorização do trabalho no campo, migram constantemente para os centros urbanos
em busca de trabalho. Portanto, o seu território é indispensável para sua reprodução
social, cultural e econômica.
Assim, a comunidade Caiana dos Crioulos também é tributária de processos
históricos ocorridos no território, no entanto, não estamos considerando aqui uma
ligação direta entre os antigos senhores de engenho da região de Alagoa Grande e a
ocupação da área onde hoje está localizada a comunidade, pois não temos registros
suficientes para fazer esta afirmação e também no que tange a composição do grupo
enquanto comunidade remanescente de quilombos deve-se ter atenção para uma
atualização que não passa pela memória do grande proprietário de escravo, nem como
uma sobrevivência histórica de um passado colonial (ALMEIDA, 2002), temos que
pensar “[...] os quilombos hoje como forma de organização política de comunidades que
afirmam uma etnicidade na qual uma origem se vincula a um território [...]”
(GRÜNEWALD, 2011, p.21).
A comunidade negra rural de Caiana é reconhecida e identificada na região
como dotada de características distintivas em relação à sua cor de pele, modos vida,
113

relações matrimoniais entre parentes frequentes e ocupando uma parcela do território de


Alago Grande, especificamente a serra, há gerações.
Concluímos apontado que o processo de auto reconhecimento de Caiana como
comunidade quilombola em 2005, citado anteriormente, passa pela memória individual
e coletiva do grupo, essas pessoas se reconhecem e se distinguem das outras que estão
inseridas na mesma região, elas afirmam relações coletivas que são construídas pelas
linhas de parentesco diretas, ou colaterais e pelas afinidades. Dessa forma, destaca-se
uma relação entre homem e espaço, na qual aparece uma categoria, o território que se dá
de maneira subjetiva.
Neste sentido, em Caiana do Crioulo vem se processando uma articulação
política em torno do lugar -, do território, e de seu pertencimento étnico. Movimento
político organizacional que vem produzindo conquistas e reconhecimento frente às
instituições governamentais, principalmente em busca da propriedade territorial, aspecto
que nos remete a noção de etnicidade (BARTH, 1998) que se realiza na ação política do
grupo cujos membros se reinventam como novos atores sociais (O’DWYER, 2002),
favorecidos certamente pelo art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) que confere direitos territoriais aos remanescentes de quilombos que estejam
ocupando suas terras; compreendidas como espaços singulares atravessados pela
memória, na medida em que, “o espaço da terra torna-se, espaço de uma existência
material e imaterial, onde cria e recria a cultura própria” (GUSMÃO, 1999, p.143).

VI – REFERÊNCIAS

ALBAGLI, Sarita. Território e Territorialidade. In SACHS, Ignacy (org) : Territórios


em Movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de
Janeiro, SEBRAE, 2004.

ARRUTI, José Maurício. Mocambo: antropologia e história do processo de formação


quilombola. Bauru-SP: EDUSC, 2006.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas étnias. pp.43-81 In:
O’DWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade.
Rio de Janeiro – RJ: Ed. FGV/ Associação Brasileira de Antropologia-ABA, 2002.

BARTH, Fredrik. Grupos Étnicos e suas fronteiras. pp.185-227 In: POUTIGNAT,


Philippe. STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São Paulo: Ed.
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FUNDAÇÃO Cultural Palmares. Relatório de Identificação: Caiana dos Crioulos,


Alagoa Grande/PB. Recife, jun/1998. (mimeografado)
114

GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Herança Quilombola: negros, terras e direitos. pp.
143-162 IN: BACELAR, Jeferson. CAROSO, Carlos. Brasil, um país de negros?. Rio
de Janeiro : Pallas, 1999.

GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Os negros do Matão:etnicidade e


territorialização. Campina Grande: EDUFCG, 2011.

HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. pp.6774-6792


In: Anais do X Encontro de Geografia da América Latina. Universidade de São
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LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por uma


antropologia da territorialidade. Série Antropologia 322. Brasília, 2002.

OLIVEIRA, João Pacheco de. Cap. 1: Os obstáculos ao estudo do contato. pp.24-59 In:
___________. O Nosso Governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo – SP:
MCT/CNPq, 1988.

________________. Uma Antropologia dos “Índios Misturados”? Situação Colonial,


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OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade étnica, identificação e manipulação.


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O’DWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade.


Rio de Janeiro – RJ: Ed. FGV/ Associação Brasileira de Antropologia-ABA, 2002.

____________. Terras de quilombo no brasil: direitos territoriais em construção. pp.42-


49 In: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (Orgs)...[et al]. Cadernos de debates
Nova Cartografia Social: Territórios quilombolas e conflitos. Manaus - AM: UEA
Edições, 2010.

POUTIGNAT, Philippe. STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São


Paulo – SP: Ed. UNESP, 1998.

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo-SP: Ática, 1993.

WEBER. Max. Relações comunitárias étnicas. pp.267-277 In: ____________.


Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília – DF:
Editora da Universidade de Brasília – UnB, 1991.
115

DADOS BIOGRÁFICOS DAS/OS AUTORAS/AUTORES

CARLOS ADRIANO FERREIRA DE LIMA

Possui graduação (2005) e mestrado (2008) em História, ambos, pela Universidade


Federal da Paraíba, Doutorado (2014) em Literatura e Interculturalidade pela
Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente é professor efetivo no Departamento de
História pela Universidade Estadual da Paraíba. Tem experiência na área de História,
Ensino de História, História da Arte, História e Literatura, Semiótica e Metodologia.
Atuando com ênfase nas seguintes vertentes: Ensino de História, História Moderna,
Contemporânea, Tempo Presente e Imediato, cinema, literatura, história da leitura,
teoria literária e da história, história da arte, representação, estética, mídia e consumo.

DANIEL TORQUATO FONSECA DE LIMA

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores da


Universidade Estadual da Paraíba - UEPB (2015), Especialista em História Cultural-
UEPB (2012), Graduado em Licenciatura em História – UEPB (2008). Graduando em
Licenciatura em Ciências da Computação (UFPB). Atua como professor do curso
técnico em Programador de Jogos Digitais e Informática para a Internet no Colégio da
Polícia Militar da Paraíba (desde 2012) Colabora na Bamidelê - Organização de
Mulheres Negras na Paraíba e no Movimento Negro da Paraíba, como voluntário e
assistência na área de informática. Coordenou o Projeto de Inclusão sócio-digital Casa
Brasil - Regional Paraíba e Rio Grande do Norte (2009-2010) e Participou da
implantação e formação do Projeto Um Computador por Aluno - ProUCA (2010-2011).

FERNANDA MARA FERREIRA DOS SANTOS

Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela UnB (EAD)


(2014). Especialista em Literatura e Cultura Afro-brasileira e Africana pela UEPB,
Campus III (2008). Graduada em Gestão hoteleira, Turismo e Lazer pelo Centro
Universitário UNA em Belo Horizonte/MG (2005).Cursando Licenciatura em Artes
Cênicas pela UFPB. É atriz, arte-educadora e mediadora de aprendizagem em grupos de
mulheres, jovens, adolescentes e crianças na ONG BAMIDELÊ - Organização de
Mulheres Negras na PB (2009), Prefeitura Municipal de João Pessoa/PB (2010/2012),
ONG Centro Cultural Piollin (2013) e ONG Casa de Cultura IAO (2014/2015). Ativista
em movimentos sociais de Negros/as e de mulheres, realizando trabalhos de arte
(performances cênicas), arte-educação com grupos comunitários e de capacitação
profissional em programas sociais.Desenvolve projetos culturais de educação para as
relações étnico-raciais. Idealizadora e coordenadora geral do Gira Contos - Contadores
de Histórias, iniciativa artística de valorização da literatura e culturas afro-brasileiras e
indígenas (2011).

ILSON ROBERTO MORAES SARAIVA

Artista plástico e professor graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal da


116

Paraíba(2001).Ministrou aulas de artes para deficientes visuais na Fundação Centro


Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (FUNAD).Foi Coordenador e Professor
de Artes na ONG. Casa Pequeno Davi e promoveu exposição dos alunos nos temas etnia
e preconceito. Promoveu a exposição “Desconstruindo preconceito em parceria com a
UNICEF/Casa Pequeno Davi e outros artistas. Professor concursado da rede de ensino
público municipal de João Pessoa lecionando Artes visuais.Promoveu a exposição
“Abrolhares diversos”, enfocando o cotidiano dos alunos com o envolvimento de outras
escolas do município, a Estação Ciência e arte, Isso é coisa de negro e Loucura e Arte.
Em parceria com a escola Antonio Santos Coelho Neto e seu Ateliê IMAA, desenvolveu
o Projeto “Penha: Devoção pela arte”, do Programa Mais Cultura nas Escolas.

IVONILDES DA SILVA FONSECA

Professora da Universidade Estadual da Paraíba - Centro de Humanidades. Doutorado


em Sociologia pela UFPB (2011). Mestrado em Ciências Sociais /UFPB(1995)
Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais/UFBA (1990 e 1992) Bacharelado em
Biblioteconomia e documentação UFBA(1979). É fundadora e voluntária do Instituto de
Referencia Étnica - IRÊ, Assessora a Bamidelê - Organização de Mulheres Negras na
Paraiba. Tem experiência na área de Ciências Sociais com ênfase em Estudos sobre a
População Negra no Brasil principalmente nos seguintes temas: Educação interétnica,
Religiões Afro-Brasileiras e Mulher Negra no Brasil.

LÚCIA DE FÁTIMA JULIO

Especialista em Análise Ambiental da Paraíba e História e Cultura Afro-brasileira,


Coordenadora do Programa de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na
Secretaria da Educação do município de Alagoa Grande. Professora Formadora no
Curso Educação para a Diversidade: Educação Quilombola, realizado pelo
DCFS/CCA/UFPB, no Centro de Ciências Agrárias - campus II - UFPB - Areia,
Paraíba. Coordenadora do Curso de Extensão: Cidadania e Identidade Negras nas
Escolas. Participou do curso “Introdução aos Estudos Africanos e da Diáspora”,
UDESC. Participa do participou do curso “Introdução aos Estudos Africanos e da
Diáspora”. Participou da Formação do Projeto A Cor da Cultura, e atualmente, é
professora do município de Alagoa Grande. Membro do Fórum Estadual de Educação e
Diversidade Étnico-Racial. Desenvolve pesquisa sobre a educação étnico racial com o
Projeto África/Brasil e participa como facilitadora das oficinas Educação Quilombola:
Novas Perspectivas na Paraíba.

MARTA FURTADO DA COSTA

Possui graduação em Licenciatura em Letras pela UNIVERSIDADE Estadual da


Paraíba (2005), mestrado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (2008) e
doutorado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (2014), com ênfase em
linguagem e ensino. Atua como professora no Centro de Humanidades da Universidade
Estadual da Paraíba, Campus III. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Línguas Estrangeiras Modernas. Atualmente ministra as disciplinas de Língua Inglesa e
Fonética da Língua Inglesa. Desenvolve pesquisas na área de fonética e fonologia,
117

considerando o ensino da pronúncia de língua inglesa nas escolas públicas,


sociolinguística e ecolinguística.

PAULA MARIA FERNANDES DA SILVA

Mestra em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba (2011). Possui
Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba
(2008).Graduanda em Pedagogia (UFPB). Atualmente trabalha com Educação Étnico-
racial na SEE-PB/GEDI/NEER. Atuou como professora/tutora no NEaD/SEE/PB ;
Professora de História na educação básica. Professora/ mediadora EAD no Curso de
Formação Sexualidade, Prevenção das DST/AIDS E Hepatites virais. Professora no
curso Progestão Online pela Secretaria Estadual de Educação/PB.Tutora no curso EAD
Educação para relações etnicorraciais. Historiadora, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação, Educação Infantil, Religiosidade afro-brasileira, Preconceito
e Religião; História Cultural; Diversidade (Cultural, Religiosa e de Gênero) e Educação
Étnico-racial.

ROSILDA ALVES BEZERRA

Nasceu em Nísia Floresta (RN), em 03/071966. Graduou-se em Letras, na UFRN.


Cursou mestrado em Comunicação e Semiótica: Literaturas, na PUC/SP. Concluiu
Doutorado em Literatura Brasileira, na UFPB. É docente efetiva da UEPB, na
Graduação em Letras e no Mestrado PROFLETRAS do CH. No CEDUC, em Campina
Grande, é pesquisadora credenciada do Programa de Pós-Graduação em Literatura e
Interculturalidade (PPGLI) e orienta dissertação de mestrado e teses de doutorado
ligados à área de Literaturas Africanas e Afro-Brasileira. Cursou o Estágio Sênior (Pós-
Doutoramento) em Estudos Africanos na Universidade de Coimbra, Portugal,
financiamento com ônus CAPES, até 31 de julho/2016.

SOLANGE P. ROCHA

Doutora em História pela UFPE (2007) e docente na Universidade Federal da Paraíba


onde exerce atividades de ensino, extensão e pesquisa no Departamento de História e no
Programa de Pós-graduação em História/PPGH. Também é uma das líderes do Grupo
de Pesquisa Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista na mesma instituição, sendo
responsável pela Linha de Pesquisa: Diáspora Africana, População Negra, Parentesco e
Cultura no Nordeste Oitocentista. Atualmente, coordena o Núcleo de Estudos e
Pesquisas Afro-brasileiros e Indígenas-NEABI e compõe a coordenação do PPGH como
vice-coordenadora (Biênio 2015-2017).

MARIA SUELY DA COSTA

Doutorado em Letras (2008) e Mestrado em Letras (2000) em Estudos da Linguagem/


Área de concentração em Literatura comparada, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Especialização em Estudos da Linguagem (Área de concentração:
Literatura Comparada) pela UFRN (1997). Especialização em Linguagem e Educação,
pela UNP (2003). Professora adjunta do Departamento de Letras da UEPB, com atuação
118

na Graduação e Mestrado PROFLETRAS. Tem experiência na área de Letras, com


ênfase em Literatura Brasileira, teoria e crítica literária, Literatura comparada, atuando
principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira, modernismo, modernidade,
literatura regional, memória literária e cultural.

WALDECI FERREIRA CHAGAS

Graduação em História pela Universidade Federal da Paraíba (1992), Mestrado em


História pela Universidade Federal de Pernambuco (1996) e Doutorado em História pela
Universidade Federal de Pernambuco (2004). Atualmente é professor Adjunto II da
Universidade Estadual da Paraíba, Campus de Guarabira. Coordenador do Grupo de
Pesquisa: Cotidiano, Cidadania e Educação. Tem experiência na área de História, com
ênfase em História Regional do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas:
ensino de história, cultura, cidade, história, cotidiano, religiões de matriz africana,
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e educação étnico-racial.

WALLACE GOMES FERREIRA DE SOUZA

Licenciado em História – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB (2004), Mestre em


Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (2008), Doutor
em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande –
UFCG/Pesquisador-Bolsista CAPES.Atualmente é Professor do Centro de
Desenvolvimento Sustentável do Semiárido-CDSA da Universidade Federal de
Campina Grande-UFCG Estudioso no campo da Sociologia e Antropologia nos
temas:Religião e Religiosidades Afro-Brasileiras, etnicidade com ênfase nas
comunidades quilombolas. Etno-história/Sócio gênese, metodologia das Ciências
Sociais e ensino. Pesquisador do Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos –
LEME e do Grupo de Estudo em Sociedade, Multiculturalismo e memórias nas linhas
de pesquisa: Etnicidade, territórios e religiosidades e Saúde, corpo e sociedade.Membro
da Associação Brasileira de Antropologia - ABA
119

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