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Aula 1

Remi lenoir: “Objeto sociológico e


problema social”:
Remi lenoir
• Il est professeur de sociologie à l'Université
Paris 1 et directeur du
Centre de sociologie européenne.
• Il est l'auteur de Généalogie de la morale
familiale (Paris, Seuil, Collection "Liber", 2003)
et de nombreux articles, notamment dans
Actes de la recherche en sciences sociales et
dans Sociétés et Représentations
Proposta do texto
• Integra uma coletânea organizada por Patrick Champagne e
colaboradores, final dos anos 1980. Encontra-se ancorada em
princípios relativos ao modo de pensamento sociológico em ato,
privilegiando a perspectiva comparativa.

• Apresentação dos principais conceitos da sociologia em estado


prático, isto é, utilizados concretamente nas pesquisas, a partir de
exemplos diversificados de pesquisas.

• O objetivo é fornecer uma resposta a como se deve proceder para


mobilizar, na prática, a teoria e, simultaneamente, os
procedimentos de observação, coleta e análise dos dados.
Objeto sociológico e problema social
• O texto assinala, a contribuição da sociologia para a análise de
«problemas sociais» (condição feminina, imigrantes, terceira idade,
etc.), delineando a gênese do que nos parece evidente nesses
problemas, permitindo, relativizá-los.
• O « problema social » em si não é, um problema sociológico, mas é
possível estudar sociologicamente um problema social.
• Diálogo com a noção de « representação coletiva » elaborada por
Émile Durkheim, e com « clássicos » como Max Weber (tipos de ação
social e de dominação) e os de orientação marxista como Maurice
Halbswachs, incluindo a teoria de prática de Pierre Bourdieu.
• Lança mão das pesquisas de Erving Goffman que empreendeu uma
etnografia da vida cotidiana.
Introdução

• O pesquisador na área das ciências sociais deve levar em


consideração o fato de que faz parte do mundo social que
pretende descrever e compreender. Nesse sentido:
• « A primeira dificuldade encontrada pelo sociológo deve-se ao
fato de estar diante das representações preestabelecidas de seu
objeto de estudo que induzem a maneira de apreende-lo e, por
conseguinte, defini-lo e concebê-lo » (:61)
• Um grande número de pesquisas ditas « sociológicas » incidem
sobre « problemas sociais », isto é, sobre o que é constituído em
determinado momento como uma «crise» do sistema social, quer
se trate da «delinquência», «droga», situação das «pessoas
idosas», «imigração», « desemprego », etc...
“ A questão social”
• Existe uma expectativa de que os pesquisadores
resolvam um « problema » por definição
« social ». Termo que segundo Lenoir, agrega
diversas acepções. Seja em relação a tradição no
campo da « ajuda social », seja na tradição do
socialismo desde o século XIX.
• Os problemas sociais englobam duas dimensões:
de caso social e de problemas de sociedade.
Lenoir e as pesquisas na área das ciências
sociais
• Seguindo Durkheim: «o ponto de partida de qualquer pesquisa é
constituído por representações, isto é, um véu que se interpõe
entre as coisas e nós e acaba por dissimulá-las tanto melhor
quanto mais transparente julgamos ser tal véu »
• O que são essas representações? De que são feitas ? Como
proceder diante da força dessas « imagens sensíveis » ou de
conceitos grosseiramente formados?
• Trata-se do que Durkheim designava por «pré-noções» Elas têm
uma função social: harmonizam nossas ações com o mundo que
nos cerca; são formadas pela e para a prática. Eles se ajustam de
modo prático ao mundo. Se apresentam como legítimas e
evidentes.
Lenoir e as Regras do método sociológico

• Como sugere Lenoir: o pesquisador deve contar


com tais «representações coletivas» que uma
vez constituídas, tornam-se realidades
autônomas; atuam sobre a realidade pela ação
da explicação, e informação.
• As representações coletivas deverão merecer
atenção do pesquisador. Estão na origem do
aparecimento e conteúdo das transformações
objetivas que atravessam os problemas sociais.
As representações: categorias de percepção e
pensamento
• As representações que aparecem sob a forma de problemas
sociais constituem um dos obstáculos mais difíceis de superar.
• Os problemas sociais se encarnam de forma realista nas
populações que apresentam problemas a serem superados
« mulheres », « jovens », « velhos », « excepcionais »,
« favelados » (62).
• A construção da categoria « risco ». Inicialmente elaborada como
uma categoria jurídica, se desprende de seu significado original,
abrangendo uma nova categoria de percepção do mundo social.
• Para o autor: operam-se mudanças na representações das causas
do risco/acidente. Em que medida o que é designado por
acidente de trabalho prejulga a respeito da natureza de sua causa?
Realidade Pré-construída e Construção do Objeto
Sociológico

• Tarefa de definir os problemas sociais não é trivial. O que é


constituído como  « problemas sociais » varia segundo as
épocas e as regiões e pode desaparecer como tal:
« pobreza » « racismo » e « velhice » « gravidez na
adolescência ».
• A análise deve começar pelo estudo do processo de
elaboração dessas categorias.
• O suicídio: a classificação de determinada morte como
suicídio deve ser problematizada, porque « as diferentes
teorias do suicidio constituem, ao mesmo tempo – pelos
menos parcialmente- as causas do que elas explicam».
A idade: uma categoria «natural»
 
• Como critério de classificação, a idade cronológica
apareceu na França, no século XVI. 
• É uma medida abstrata cujo grau de precisão é
explicado sobretudo pelas necessidades da prática
administrativa ».(64)
• A idade dos indivíduos é dependente do contexto no
qual ela toma sentido. A fixação de uma idade é o
produto de uma luta que envolve diferentes gerações.
• A categoria juventude no pós-guerra sofreu uma
redefinição. É só uma palavra (P. Bourdieu).
Categorias  « naturais » e implicações sociais.

• O que constitui o objeto da pesquisa é a análise dos


agentes que travam as lutas simbólicas, as armas
utilizadas e as estratégias postas em práticas.
• A velhice entendida como estado de
envelhecimento biológico, é o que justamente
deve ser problematizado.
• Atentar para o grau de manipulação das categorias:
a faixa etária pode se tornar uma categoria de
acusação (70).
A velhice e a juventude como realidade social

• A velhice e a juventude constituem um referente


importante da organização do cotidiano que permite fazer
comparações. É preciso entender as relações de força
entre as gerações, isto é, a distribuição do poder e dos
privilégios entre elas.
• O importante é descrever os processos através dos quais
os indivíduos são socialmente designados como velhos ou
jovens. Isso não significa dizer que não existam pessoas
idosas mas apenas registrar que não se deve reduzir a
análise à questão das demarcações rígidas de idade (71).
Realidade social e lutas simbólicas
• O estudo da emergência de um problema social revela o trabalho de
contrução social da realidade.
• Em relação à velhice, existe uma avaliação diferencial da produtividade
pelos empresários, isto é, agentes interessados em impor uma
definição e estabelecer um valor no mercado de trabalho.
• O exercicio de diversas atividades profissionais é mais precoce para os
membros das classes mais baixas. Os trabalhadores braçais são
considerados produtivos somente até a idade de 51-54 anos ; os
operários sem qualificação até 53,5.... Os executivos até 57,9».(72)
• Citando Bourdieu, Diz Lenoir : « A divisão do trabalho social é um
trabalho social de divisão, isto é, uma luta entre grupos para impor
princípios de uma visão do mundo social que contribua para a
manutenção de sua posição no espaço social»
Inconsciente semântico e objeto pré-construído: a família

• Lenoir, utiliza as observações de Françoise Heritier sobre


família: « todo mundo sabe ou julga que sabe o que é
família....ela aparece a cada um como um fato natural, e por
extensão como um fato universal » (73)
• Família designa implicitamente um todo coerente,
estruturado.
• A representação da família como um todo harmonioso
está ligada a essa espécie de obsessão pela permanência
do grupo doméstico. Isso se expressa pela linguagem
corrente que associa à noção de « família» as noções de
linhagem, posteridade, origem, em suma, descendência»
Fundamento social das categorias pré-construídas

• O pesquisador enfrenta a complexidade


inerente ao objeto, aliada às condições em que
se processa seu estudo.
• O próprio campo do qual ele participa, constitui
um dos obstáculos da construção do objeto
sociológico.
• Há um acoplamento entre uma população
[ dominadas] e um problema social ( a violência
urbana e os moradores das favelas cariocas).
Problema social e formas de solidariedade

• A velhice como problema social não é o


resultado do crescimento do número de
«pessoas idosas », sugerida pela noção de
envelhecimento demográfico.
• O estudo sociológico da velhice remete à
consideração dos fatores que modificaram os
modos de solidariedade, isto é, a natureza dos
elos que unem os indivíduos em determinados
grupos.
Reconhecimento e legitimação do problema
social
• Um problema social pressupõe um trabalho social
que compreende duas etapas: o reconhecimento e
a legitimação do problema como tal ( 80).
• Por um lado, é preciso que se torne visível, « digno
de atenção »; pressupõe a ação de grupos
socialmente interessados em produzir uma nova
categoria de percepção do mundo social. Por outro,
é preciso de legitimação: operação para inserir o
tema no campo das preocupações sociais do
momento.
A gênese social de um problema social

• A gênese de um problema social pressupõe identificar seus porta-vozes ,


isto é, os representantes da causa. Esses atores realizam pressões e se
beneficiam de sua própria posição no campo, agindo de acordo com o
interesse pessoal ( 85).
• A velhice passou por uma resignificação a partir de uma nova
categorização « a Terceira Idade». Essa resignificação também encontra-
se atrelada á emergência do campo da gerontologia
• A categoria aborto foi substituída pela expressão « interrupção voluntária
da gravidez », visando excluir todas as conotações semânticas pejorativas.
• A normalização do problema social: uma operação que consiste em uma
reclassificação simbólica do grupo, anteriormente invisível ou
desclassificado socialmente ( Goffman).
Força do discurso e forças sociais

• A análise dos discursos, das representações


que veicula e das pretensões que formula, é
inseparável do estudo dos porta-vozes que o
enunciam e das instâncias nas quais [o
problema] é pronunciado ou publicizado »
• Reividicações feministas: um novo modo de
viver e ser das mulheres, no início do século
XX, acoplada a capacidade de colocar em cena
[ publicizar] uma identidade social específica.
Consagração Estatal e trabalho de legitimação

• O reconhecimento estatal de um problema integra


a caracterização dele como « problema social »
• O pesquisador deve examinar os espaços nos quais
as políticas são elaboradas, descrevendo as
características dos  especialistas que manejam a
definição das medidas. 
• Uma nova representação coletiva da velhice
emergiu a partir da adequação entre objeto
científico e objeto jurídico.
O especialista e o sociólogo

• Capital de perícia e competência são habilidades


requeridas para « tratar o problema social »
• Exemplo : os relatórios ou pareceres
• « O aparecimento de um problema social:
1- Transformações na vida cotidiana dos indivíduos na
sequência de diversas reviravoltas sociais e cujos efeitos
diferem segundo os grupos sociais
2- O trabalho de imposição e legitimação
3-Institucionalização para fixar categorias e evidenciá-las
A institucionalização e Burocratização dos problemas sociais

• É preciso estudar como foram institucionalizados e quais as propostas


feitas no sentido de resolvê-lo.
• Como se dá a gestão coletiva da velhice ?
• Como funcionam os sistemas de distribuição ou retribuição ( as dádivas),
equipamentos etc ;
• A política social atua de duas formas. Por um lado, produz
representações que têm grau de generalidade e validade legiitimado
pela ciência.
• Por outro lado, atua através da mudança das próprias práticas e através
da operacionalização de um conjunto diversificado de instituições que
atuam em certos aspectos da vida e são experimentadas pelos atores
sociais.
O discurso das instituições
• Interesses do estado na constituição de uma
situação como problema social : soluções e
apropriações
• « Não se trata (para o Estado) de explicar
fenômeno ou fato social como tal, mas de
apreender os aspectos em que o Estado poderá
intervir »
• Transformar a representação mental da
realidade na realidade 
o positivismo do estado
• As categorias oficiais de classificação de um
problema e as soluções são apoiadas por uma doxa
oficial. 
• Há um « humanismo » nesta operação de
universalização com base científica e alcance ético de
interesses particulares.
• « Ao transfigurar tais interesses em grandes causas a
serem defendidas, os especialistas em ciências
sociais ampliam, ao mesmo tempo, o âmbito
legitimo das intervenções do Estado » (104)
Conclusão:

• O trabalho do pesquisador nas ciências sociais


deve consistir na desconstrução de artefatos
instituídos socialmente, examinando os
« custos » e « benefícios », abordando as lutas
travadas pelos agentes para construírem a
representação da realidade.  

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