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O MÉTODO PAULO FREIRE EM DEBATE

Fonte: Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”


Autor: D. Estevão Bettencourt, osb. - Nº 254 – Ano 1981 – Pág. 65.

Em síntese: O método Paulo Freire de alfabetização é muito mais do que uma técnica de
aprendizagem. Como o próprio autor o reconhece, é uma forma de despertar a consciência
da população simples para a dualidade de opressores e oprimidos que caracteriza a
sociedade atual, segundo P. Freire e outros pensadores. Mediante palavras geradoras o
estudioso visa a suscitar na gente oprimida a conclusão de que é necessária a luta de
classes. Assim a pedagogia se torna pregão político revolucionário. Ademais P. Freire
tenciona extinguir a diferença entre mestre e discípulos, pois “ninguém educa ninguém
nem ensina coisa alguma a alguém”. A escola passa, consequentemente, a se chamar
“círculo de cultura”. Neste a educação é libertadora, problematizadora, e não
domesticadora, bancária ou alienante.

Ora tal sistema deve ser reconhecido como politizante em sentido esquerdista. P. Freire,
exilado do Brasil, tem colaborado com Governos de tendência marxista. Além do quê, é
de notar que, embora professe não querer ensinar coisa alguma, o mestre, segundo P.
Freire, tem o objetivo predefinido de levar os educandos a posições revolucionárias. Os
textos citados no decorrer do artigo ilustrarão e desenvolverão quanto é dito nesta síntese.

Comentário: Paulo Freire, pensador pernambucano, ensinou na Universidade Federal de


Pernambuco, onde dirigiu o Centro de Extensão Cultural. Mais tarde desempenhou a
função de Consultor para Assuntos de Educação no Ministério de Educação e Cultura.
Em 1962 fundou um movimento de educação popular no Nordeste. A revolução de 1964
levou-o a deixar o Brasil; foi então contratado pela UNESCO para servir em Santiago do
Chile, onde trabalhou a formulação do Plano de Educação em Massa durante o Governo
Eduardo Frey e sob Salvador Allende. Tornou-se membro da cúpula do Conselho
Mundial das Igrejas e professor visitante da Universidade de Harvard (U.S.A.). Foi
convocado pelo novo Governo de Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé como assessor
em assuntos de educação. Atualmente tenciona voltar ao Brasil, onde exerce grande
influência não somente através de suas obras, mas também através de comentários dessas
obras.

Tem-se discutido a respeito do método de alfabetização concebido por Paulo Freire;


especialmente a sua filosofia tem sido controvertida. Eis por que proporemos abaixo as
grandes linhas do sistema Paulo Freire, às quais seguirão algumas ponderações.

1. O sistema Paulo Freire

Examinaremos: 1) a tese fundamental de Paulo Freire; 2) as técnicas libertadoras dos


“Círculos de cultura”; 3) o papel atribuído por P. Freire à Igreja.

1.1. A tese fundamental de Paulo Freire


O método de alfabetização de Paulo Freire é muito mais do que uma técnica para ensinar
a ler; é, sim, a transmissão de uma filosofia de vida, que passamos a expor.

Parte da afirmação de que a sociedade contemporânea se apresenta em permanente


conflito de forças contrárias umas às outras; a superação de cada atrito gera novo atrito.
Essas forças antagônicas são designadas pelos termos “opressores” e “oprimidos”, sendo,
em última instância, opressores os que possuem os meios de produção, e oprimidos os
que não os possuem, mas oferecem o trabalho.

A situação de conflito em que vive a sociedade, não será superada por reformas ou por
melhoramento das condições de vida dos trabalhadores; as reformas, em última análise,
atenuam as tensões e diminuem as disposições de luta por uma transformação radical.

Ora, segundo Paulo Freire, a almejada transformação radical da sociedade exige um


processo de educação das massas que as habilite a tomar consciência ou a conscientizar-
se¹ da sua condição de oprimidos e as leve a empreender a sua libertação. Tal educação
chama-se libertadora. Na educação libertadora, portanto, visa a despertar as consciências
para que se movam em prol de uma sociedade nova, isenta de opressões.

A educação libertadora é, essencialmente, problematizadora: não deve trazer certezas


nem suscitar segurança, mas, sim, levantar problemas e aguçar as tensões, a fim de
provocar conflitos transformadores. A educação que não seja problematizadora e
conflitiva, vem a ser puro assistencialismo, invasão cultural e alienação. – Sem educação
libertadora torna-se inútil qualquer reforma das estruturas sociais, ainda que violenta e
armada, pois a antiga ideologia permanece latente e pode ressurgir, restaurando as
estruturas opressoras na sociedade.

É na base destas premissas que Paulo Freire apregoa a alfabetização; esta é, como dito,
mais do que um método de aprendizagem da leitura, pois está inseparavelmente associada
ao intuito de fazer do alfabetizando um agente revolucionário.

É isto que leva a dizer que Paulo Freire não tem apenas preocupações pedagógicas, mas
é também movido por intenções políticas. Aliás, um repórter do Jornal da República de
Recife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freire, de passagem pelo Brasil, a respeito de
eventual filiação a partido político; ao que respondeu o mestre: “Faço política através da
pedagogia”.

Escreve também Paulo Freire:

“A conscientizaçã o, associada ou não ao processo de alfabetização, ... não pode ser blá-
blá-blá alienante, mas um esforço crítico de desvelamento da realidade, que envolve
necessariamente um engajamento político” (Ação Cultural para a Liberdade, p. 109).

“A educação libertadora não pode ser a que busca libertar os educandos de quadros
negros para oferecer-lhes projetores. Pelo contrário, é a que se propõe, como prática
social, a contribuir para a libertação das classes dominadas. Por isto mesmo é uma
educação política, tão política quanto a que, servindo às classes dominantes, se proclama
contudo neutra” (ib. p. 110).

Vejamos agora de mais perto em que consistem

1.2. As técnicas dos “círculos de cultura”


O conceito de educação libertadora derivado das premissas de Paulo Freire
- não significa transmissão de hábitos bons ou virtudes pelas quais o homem faça reto uso
das suas faculdades, ordenadas segundo a razão, como propunha Aristóteles (+ 322 a.C.)
em sua Ética a Nicômaco...
- nem significa ensinar a raciocinar e pensar, para que a criança, o adolescente e o adulto
cresçam em ciência e saber.
Estas diversas acepções de educação, segundo Paulo Freire constituem o que ele chama
“educação domesticadora, bancária ou alienante”. Supõem um mestre que tenha
conhecimentos verídicos e hábitos bons e comunique o seu cabedal ao educando como
sendo valores e padrões válidos para este. Tal tipo de educação, diria o pensador
pernambucano, é fruto das estruturas sociais de dominação e opressão e só serve para
consolidar e perpetuar esta realidade vigente. A educação domesticadora mantém a
diferença de classes, supondo que haja quem tenha saber e quem não o tenha, quem deva
falar para ensinar e quem deva ouvir para aprender.

Paulo Freire explica em termos veementes o adjetivo “bancária” aposto ao tipo de


educação que ele não aceita:
“Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos,
meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção
bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a
de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores
ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os
homens, nesta... equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porém,
porque, fora da busca, fora da praxis os homens não podem ser.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da
ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, segundo a qual esta se encontra
sempre no outro” (Pedagogia do Oprimido, p. 67).
A educação “bancária” ou “domesticadora” desumaniza, segundo P. Freire.
Que vem a ser, pois, a educação “libertadora” ou “problematizadora” , que P. Freire
propõe em lugar da clássica maneira de educar?
1.2.1. Educador-educando
A educação, segundo o pensador pernambucano, apaga a distinção entre educador e
educando. Em vez de falar de “educador do educando” e de “educando do educador”,
falará de “educador-educando” e “educando-educador” .
“O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos assim se tornam
sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já
não valem...
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo; os
homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos
cognoscíveis, que, na prática “bancária”, são possuídos pelo educador, que os descreve
ou os deposita nos educandos passivos”(Pedagogia do Oprimido, p. 78s).
1.2.2. Problemas e crítica
Em vez de transmitir certezas ou verdades seguras, a educação segundo P. Freire
- levanta problemas, apresenta desafios, mostrando o homem inserido no mundo e
necessitado de acabamento;
- suscita atitudes críticas ou rebeldes em relação à realidade vigente:
“A educação problematizadora ... é futuridade revolucionária. Daí que seja profética e,
como tal, esperançosa. Daí que corresponda à condição dos homens como serem
históricos e à sua historicidade. .. Daí que se identifique com o movimento permanente
em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos” (Pedagogia
do Oprimido, p. 84).
1.2.3. Círculo de cultura
Por isto também Paulo Freire já não quer usar a palavra “escola”, mas, sim, a expressão
“círculo de cultura”.
“A liberdade é um dos princípios essenciais para a estruturação do “circulo de cultura”,
unidade de ensino que substitui a “escola” autoritária por estrutura e tradição. Busca-
se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação popular, reunir
um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho comum pela
conquista da linguagem. O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que não exerce
as funções de professor e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa – a de
coordenar, jamais intuir ou impor” (Educação como prática da liberdade, p. 5).
1.2.4. Diálogo. Conteúdo programático
A educação, segundo P. Freire, recorre permanentemente ao diálogo. É no diálogo que o
educador-educando e o educando-educador vão descobrindo os problemas e tentando
renovar a sociedade.
O diálogo compõe-se de palavras. Ora a palavra, para Paulo Freire, tem significado muito
especial. Sim; há nela duas dimensões: a ação e reflexão, solidárias entre si; não há
palavra verdadeira que não seja praxis; daí dizer-se que a palavra verdadeira seja
transformar o mundo (cf. Pedagogia do Oprimido, p. 91).
Estas afirmações de Paulo Freire não podem deixar de recordar as de Karl Marx: “Até
aqui os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo; trata-se agora de
transformá-lo” (Tese sobre Feuerbach).
É através do diálogo que se elabora o conhecimento programático da educação; este não
é concebido e formulado previamente pelo mestre, mas é descoberto mediante o
intercâmbio realizado no grupo. Escreve P. Freire

“Para o educador-edicando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da


educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser
depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada, e acrescentada
ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada” (Pedagogia
do Oprimido, p. 98).
E. P. Freire, a propósito, cita Mao-Tsé-Tung:
“Você sabe que, há muito, venho proclamando: Temos que ensinar às massas com
precisão o que delas recebemos com confusão” (ib. p. 98).
1.2.5. Palavras geradoras
Para elaborar com o povo o programa de educação, o educador revolucionário procurará
com o povo palavras geradoras, isto é, palavras mais usuais, relevantes e evocadoras na
linguagem popular; são palavras carregadas de experiência vivida e decisivas, como, por
exemplo, favela, tijolo, trabalho, roupa, feijão, jarro, latifúndio ... Estes vocábulos são
úteis não apenas à análise das letras e dos fonemas, mas também à reflexão sobre a
realidade cotidiana em que está imerso o povo, pois geram aspirações, decepções e
expectativas.
Estas palavras geradoras são escritas em cartazes ou apresentadas em dispositivos; os
membros dos círculos de culturas, reunidos eventualmente em uma casa de família,
discutem tais vocábulos para decodificar a situação existencial que eles codificam, e para
descobrir as causas e as conseqüências sócio-políticas de tal situação.

As palavras geradoras tornam-se, nos cursos mais evoluídos, temas geradores de debates
para todos os participantes do círculo de cultura. Mais importante do que a decomposição
analítica das sílabas e letras que constituem a palavra geradora, é a discussão sobre a
situação desafiadora que tal palavra exprime.

1.2.6. Revolução
O fruto dessa educação dialógica e crítica há de ser, segundo P. Freire, uma revolução
cultural, revolução que se oporá à invasão cultural. Com efeito, os opressores tendem a
impor a sua cultura aos oprimidos, praticando assim uma invasão cultural, que, aliás, os
próprios oprimidos tendem inconscientemente a aceitar; sim, os oprimidos têm, não raro,
medo da liberdade; por isto tendem a conservar os padrões culturais e os mitos que os
opressores lhes incutem.
Em conclusão, verifica-se que o método educacional de Paulo Freire está essencialmente
vinculado a uma ideologia, isto é, a uma visão filosófica que tende a transformar a
sociedade, induzindo nesta uma autêntica subversão. É o próprio Paulo Freire quem o
afirma numa entrevista publicada em “Veja” (20/06/79); o repórter aventou a hipótese de
que a educação de Freire fosse um método “assexuado”, neutro, descomprometido com
qualquer ideologia. Ao que P. Freire respondeu :
“Quem disse isso, ou não entendeu nada ou está de má-fé. Em meu método, parte-se do
conhecimento do meio em que se vai desenvolver a experiência de educação. Toma-se
em consideração o universo vocabular do grupo em questão, as palavras que são utilizadas
todos os dias e que exprimem a vida cotidianas daquelas populações. Desse universo
vocabular são escolhidas as palavras geradoras. Estas palavras encontram em si os temas
de discussão que deverão corresponder aos interesses dos alfabetizados e deverão
constituir o primeiro passo, por meio da discussão em grupo, em direção a uma tomada
de consciência individual e coletiva dos problemas discutidos. Esse aspecto puramente
mecânico poderá ser utilizado por qualquer pessoa: tirar uma palavra geradora de um
universo vocabular também pode ser feito por alguém que pretenda mistificar a realidade
e a consciência dessa realidade. De minha parte, o conhecimento de uma realidade, que
vai sendo construído pouco a pouco a partir da experiência dos alfabetizandos, está
intimamente ligado à consciência crescente da capacidade de mudar essa realidade.
Conhecer para transformar, é este o objetivo. O que ficou sendo conhecido como Método
de Alfabetização Paulo Freire, não é algo que se possa reduzir a um aprendizado
meramente lingüístico. Trata-se de aprender a ler a realidade – conhecê-la – para em
seguida poder reescrever essa realidade – transformá-la” .
1.3. Paulo Freire e a Igreja
Paulo Freire não é hostil ao Cristianismo em seus escritos. Ao contrário, apregoa a
participação da Igreja Católica no processo educacional problematizador. Para tanto,
distingue três tipos de Igreja :
1) A Igreja tradicionalista, que, segundo Freire, está associada às camadas dominantes. O
pensador pernambucano desfigura a Igreja no sentido clássico, fazendo eco, de certo
modo, aos dizeres de Karl Marx sobre “a religião ópio do povo’ Cf. Pedagogia do
Oprimido, pp. 116s.
2) A Igreja modernizante, adepta do desenvolvimento econômico. Esta, embora pareça
diferir da anterior, entretêm a dependência dos oprimidos e não se empenha pela real
libertação das massas, isto é, não colabora com os movimentos de revolução social;
defende as reformas estruturais e não a transformação radical das estruturas; fala em
“humanização do capitalismo”, e não em suta total supressão. Cf. Pedagogia do
Oprimido, pp. 118-124.
3) A Igreja profética. Esta “recusa os paliativos assistencialistas, os reformismos
amaciadores, e se compromete com as classes sociais dominadas para a transformação
radical da sociedade” (Pedagogia do Oprimido, p. 124). Rejeita toda forma estática de
pensar; sabe que, para ser, tem de estar sendo; sabe igualmente que não há um “eu sou”,
um “eu sei”, um “eu me liberto”, um “eu me salvo”, como não há um “eu te dou
conhecimento, um “eu te liberto”, um “eu te salvo”, mas pelo contrário um “nós somos”,
um “nós sabemos”, um “nós nos libertamos”, um “nós nos salvamos”. Este tipo de Igreja
propugna a chamada “teologia da libertação, profética, utópica, esperançosa”, optando
pela transformação revolucionária da sociedade e não pela conciliação dos inconciliáveis.
Para Paulo Freire, a única atitude autêntica do cristão é a profética, pois quem não se
compromete com os oprimidos se compromete com os opressores.
Perguntamo-nos agora:

2. Que dizer ?
Não podemos salientar a intenção fundamentalmente reta de Paulo Freire, que se
preocupa com as massas e o proletariado, visando à promoção dessa parte das populações
do Terceiro Mundo.
Também não desconhecemos o valor do respeito à liberdade que Paulo Freire propugna,
rechaçando qualquer tipo de sufocação da personalidade e dos direitos das pessoas mais
humildes.
A defesa de valores humanos torna certas páginas de Paulo Freire simpáticas a quem as
aborda pela primeira vez. Todavia uma leitura mais atenta dos seus escritos evidencia,
nos mesmos, traços incompatíveis com as autênticas concepções cristãs.
2.1 Os princípios de Freire
Merecem atenção especial os seguintes princípios de Paulo Freire:
1) O pensador pernambucano professa a subordinação do conhecimento e da palavra à
transformação do mundo ou à praxis:
“A mera captação dos objetos como das coisas é um puro dar-se conta deles e não ainda
conhecê-los” (Extensão ou Comunicação, p. 28).
“O homem não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo ... O homem
é um ser da praxis ... Não há possibilidade de dicotimizar o homem do mundo, pois que
não existe um sem o outro” (ib.)

Tais frases lembram os princípios do marxismo, que limitam as aspirações do homem à


transformação deste mundo e ignoram o valor do conhecimento como apreensão da
verdade, qualquer que seja a índole desta. Não se pode dizer que a eficácia transformadora
do conhecimento seja o critério da autenticidade do conhecimento. Nem se pode fazer da
repercussão política e social de determinada proposição o critério do valor de tal
proposição.

A realidade ou a extensão do ser é mais ampla do que o âmbito do sócio-econômico-


político. Por isto há enorme valor em conhecer também as verdades que não se prendam
diretamente ao político; há verdades de ordem especulativa, que não alienam
necessariamente o homem, mas o podem habilitar a ser mais sábio transformador deste
mundo. A filosofia cristã sempre professou o primado do Logos (do conhecimento como
tal, teórico ou prático). Sobre a praxis; esta decorre daquele, e não vice-versa.
2) A crítica ou a problematizaçã o não pode ser o primeiro passo da inteligência. Esta foi
feita para a verdade como tal, ou seja, para reconhecer e afirmar a verdade; foi feita, antes
do mais, para o Sim. O Não ou a contestação só tem sentido se proferido em função de
um Sim anterior. É preciso, pois, antes do mais, que a inteligência se disponha a apreender
a verdade como tal numa atitude otimista e confiante; só depois disto poderá ela com
fundamento dizer Não à Não-verdade ou à Não-autenticidade. A problematizaçã o como
princípio de “educação” pode deformar os hábitos do educando; é não raro a expressão
de neurose mórbida, que leva a atitudes doentias.
2.2. Educação domesticadora x Educação libertadora

A antítese acima, estabelecida por P. Freire, é artificial por três motivos:


2.2.1. Memorização x conhecer
Conforme P. Freire, a educação domesticadora se identifica com memorização, ao passo
que a libertadora propicia conhecimento (cf. Pedagogia do Oprimido, p. 79). Ora tal
antítese é insustentável, porque o ser humano, dotado de inteligência como é, é sempre
propenso a raciocinar e mesmo a criticar as noções que receba dos mestres.
Note-se também que será sempre necessário decorar tabuada, nomes de capitais, rios,
datas da história ... (infeliz o cidadão que não saiba de cor tais elementos!), P. Freire o
reconhece, mas julga que, além da memorização, deve haver na escola uma doutrinação
filosófica de ordem politizante e marxista, de modo a atirar classe social contra classe
social. E nesta doutrinação que consiste a novidade da educação libertadora ou
problematizadora. E é precisamente esta doutrinação que faz do método P. Freire algo
mais do que um sistema educacional, tornando-o instrumento de política partidária ou de
infiltração esquerdizante nas massas populares. Quem aceitou o método Paulo Freire,
aceitará consequentemente a luta de classes na sociedade e a revolução armada de
inspiração marxista.
Note-se também que em nossos dias os métodos de aprendizagem recorrem às técnicas
audiovisuais, à análise e à indução. O aluno é chamado a participar de seminários e fazer
pesquisas (na medida em que ele o possa e queira). Os responsáveis pela educação em
alguns lugares costumam também ouvir os alunos (ou os pais dos alunos) a respeito de
grandes decisões a ser tomadas na escola.
2.2.2. Educação libertadora também é domesticadora
A educação libertadora proposta por Paulo Freire não deixará de ser também
domesticadora1 . Com efeito, diz o próprio mestre que não há ciência nem técnica
assexuada ou neutra, mas que tanto a ciência quanto a técnica estão condicionadas
histórico-socialment e (cf. Extensão ou Comunicação?, p. 34). Isto significa que na
educação libertadora o educador não pode deixar de dirigir e manipular; ele tem um
objetivo pré-definido e se empenha por atingi-lo, pois quer que a turma chegue a atitudes
críticas e acirradas. A escolha das palavras geradoras, embora se faça por sugestão do
grupo, não pode deixar de estar sob a responsabilidade última do coordenador; o mesmo
se diga em relação ao debate sobre tais palavras, que, em última instância, é conduzido
pelo mestre para que chegue à conclusão de que tal grupo é explorado e oprimido a ponto
de ter que se insurgir violentamente contra os seus opressores. Em outras palavras: o
sentido da conscientizaçã o já está de antemão definido.
2.2.3. O nivelamento de educador e educando
Não há dúvida de que todo mestre há de ser aberto à aprendizagem de novas e novas
verdades, como também à reformulação de seus conceitos; o progresso no saber é-lhe
muitas vezes ocasionado pelo convívio com os próprios alunos.
Isto, porém, não quer dizer que o professor se deva julgar tão educando quanto o próprio
discípulo. Um tal esvaziamento do conceito de mestre vem a ser nocivo aos alunos, pois
estes precisam de sentir firmeza e segurança no seu orientador. A profissão da verdade
deve ser efetuada com desassombro e sem subterfúgio, mas também com humildade. Pelo
fato de ter descoberto a verdade sobre tal ou tal assunto, o mestre é devedor em relação
aos seus alunos, e deve pagar-lhes a dívida, comunicando e demonstrando a verdade;
proponha os pontos certos e indubitáveis como certos, e os pontos ainda discutíveis como
discutíveis. Esta oferta da verdade, longe de ser desrespeito ao próximo, é precioso
serviço prestado ao mesmo.
Por isto também não se pode aceitar a frase: “Ninguém educa ninguém” (Pedagogia do
Oprimido, p. 79). Na verdade, os homens são dependentes uns dos outros para eduzir
(educere > educar) as virtualidades latentes no seu íntimo. Em geral, são os pais, no lar,
e os mestres, na escola, que educam os mais jovens; afirmar isto não significa “estar a
serviço de algum sistema político opressor”. O desempenho da autoridade não é algo de
vergonhoso que se deva banir, mas, ao contrário, é um serviço que não se pode extinguir
e que faz eco às palavras de Cristo: “O Filho do Homem veio não para ser servido, mas
para servir” (Mc 10,45).

2.3. Igreja e libertação


P. Freire distingue entre Igreja tradicional, Igreja modernizante e Igreja profética; só
aceita esta última porque toma o partido revolucionário dos oprimidos.
Na verdade, existe uma só Igreja, embora possa haver diversas atitudes de cristãos. A
única Igreja de Cristo interessa-se, sem dúvida, pela pólis e pela arte de a reger (política),
pois Cristo lhe confiou a tarefa de apregoar o Reino de Deus neste mundo. Todavia a
Igreja não pode, como tal, exercer política partidária ou participar de ação subersiva
marxista. O S. Padre João Paulo II o lembrou sobejamente durante a sua estada no Brasil
e de novo o disse em carta escrita aos Bispos do Brasil em dezembro de 1980, carta da
qual extraímos os seguintes tópicos:
“Através de minha viagem pelo Brasil eu quis reafirmar a convicção primeira,
profundamente erraizada em meu espírito, de que a Igreja é portadora de uma missão
essencialmente religiosa, e cumprir essa missão é seu dever prioritário ...
É certo que a missão da Igreja não se confina nas atividades de culto e no interior dos
templos ...

Mas não é menos certo que a Igreja perderia sua identidade mais profunda – e, com a sua
identidade, a sua eficácia verdadeira em todos os campos – se sua legítima atenção às
questões sociais a distraísse daquela missão essencialmente religiosa que não é
primordialmente a construção de um mundo material perfeito, mas a edificação do Reino
que começa aqui para manifestar-se plenamente na Parusia ... A Igreja cometeria uma
traição ao homem se, com as melhores intenções, lhe oferecesse bem-estar social, mas
lhe sonegasse ou lhe disse escassamente aquilo a que mais aspira (por vezes até sem o
perceber), aquilo a que tem direito, que espera da Igreja e que só ela lhe pode dar”
(extraído do JORNAL DO BRASIL, 7/01/81, 1º cad. P.4).

De resto, a divisão da sociedade em duas classes – a dos opressores e a dos oprimidos –


é artificial e injusta. Há muitos cidadãos que, numa perspectiva marxista, seriam
colocados entre os opressores, mas que nada fazem por oprimi; não é o fato de não
participar de movimentos subversivos que torna o cidadão opressor.

São estas algumas ponderações que desejamos propor à margem dos escritos de Paulo
Freire, tentando evidenciar que, apesar das aparências, servem a uma ideologia não cristã
e, por isto, não são cartilha para o educador católico.

Fonte: Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”


Autor: D. Estevão Bettencourt, osb. - Nº 254 – Ano 1981 – Pág. 65.

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