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02/07/2023, 12:33 Revista Educação Pública - Resenha do livro "Conscientização - teoria e prática da libertação", de Paulo Freire

ISSN: 1984-6290
Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024
DOI: 10-18264/REP

Resenha do livro "Conscientização - teoria e prática da libertação", de Paulo


Freire

Naiara Isabela Matias


Graduada em História (UFTM), especialista em Educação Inclusiva (Universidade Cruzeiro do Sul), mestranda em Educação Tecnológica (IFTM), professora da
Educação Básica da rede pública de Minas Gerais

Conscientização: Teoria e Prática da Libertação, uma introdução ao Pensamento de Paulo Freire, publicado em 1979, é uma produção escrita pelo
educador e filósofo brasileiro Paulo Reglus Neves Freire. Uma obra que contextualiza a Filosofia, a problemática e as aplicações teórico-práticas
de um método educacional, cujo objetivo proposto é a educação para a liberdade e como prática da liberdade. Uma metodologia pedagógica
que serviu de embasamento para a elaboração de várias outras obras do autor, que analisam um conjunto de questões voltadas para o cerne da
educação libertadora: a pedagogia crítica, criticizadora e dialética. A educação libertadora ajuda a afirmar a importância epistemológica de Paulo
Freire no Brasil, assim como no mundo.

Trata-se de uma produção bibliográfica desenvolvida em três partes: O homem e sua experiência, Alfabetização e conscientização e Práxis da
libertação. No texto, constam ainda a apresentação e o prólogo, somando 53 páginas sob a responsabilidade da Editora Cortez & Moraes.

O diretor da Associação de Publicações Educativas, S. M. Cecílio de Lora, foi o encarregado de apresentar a obra de Paulo de Freire. Ele nomeou
e apontou as grandes contribuições da metodologia, assim como das ideias do educador e filósofo brasileiro, à elaboração de uma práxis
pedagógica pensada para a conscientização, com o foco na construção de “uma educação libertadora que contribua para formar a consciência
crítica e estimular a participação responsável do indivíduo nos processos culturais, sociais, políticos e econômicos” (Cecílio de Lora, apud Freire,
1979, p. 7), sobretudo para as comunidades latino-americanas.

No prólogo, a equipe do Instituto Decuménique au Service du Développement des Peuples (Inodep) cuidou de esclarecer ao leitor, brevemente,
do que cada uma das três partes do livro se ocupará, uma vez que é essa mesma equipe a responsável pelo preparo da obra aqui resenhada;
Paulo Freire foi membro diretor do Inodep em 1970.

A primeira parte da obra traz uma pequena biografia do autor, acrescida das contextualizações históricas da experiência freiriana, tanto no Brasil
como no Chile. Nessa parte inicial, Freire se preocupa em deixar claro como a sua infância, sua juventude e seu processo de formação
profissional estão ligados à importância do diálogo e ao desejo de ajudar as classes dos “homens simples”, características adquiridas do seu
ambiente familiar e pelos locais em que foi criado, Recife e Jaboatão. “Em Jaboatão experimentei o que é a fome e compreendi a fome dos
demais. […] Embora fosse criança, comecei a perguntar-me o que poderia fazer para ajudar os homens” (Freire, 1979, p. 9).

As experiências de Paulo Freire no Brasil e no Chile são marcadas e potencializadas pela ascensão das classes populares em sociedades que o
autor referencia como “sociedades em transição”, com alto teor para a mudança e conscientização da existência do homem, no mundo e para
com o mundo. Porém, essas mesmas sociedades foram perigosa e desesperançosamente interrompidas por “sociedades fechadas”: no Brasil, o
advento da Ditadura Civil-Militar e, no Chile, a Ditadura Militar de Augusto Pinochet.

Ao mesmo tempo que Paulo Freire teve seu trabalho fortalecido pelas ascendências populares, ele se tornou alvo de perseguições e atribuições
de inverdades à sua prática concretizadas por setores reacionários, conservadores e irracionais (esse termo “irracionais” é usado pelo autor no
corpo da obra). No Brasil, por exemplo, o trabalho de Freire, no período de vigência do seu “método”, alfabetizou trezentos trabalhadores em
um período de 45 dias. No entanto, o autor foi considerado um “subversivo internacional”, traidor de seu povo e da fé cristã. No Chile, apesar
das mesmas desenvolturas e da subversão, o “método” de Freire alcançou popularidade significativa, de reconhecimento internacional, pela
evidente eficácia. Caso o “método” não fosse interrompido, a taxa de analfabetos se reduziria a 5% (Freire, 1979).

Na segunda parte, Paulo Freire historiciza o conceito de “conscientização” e atribui a ele a sua devida notabilidade, como objeto-problema de
sua pedagogia crítica. Segundo o autor, a conscientização é a ação pela qual o homem se aproxima criticamente da realidade e age sobre essa
realidade. Assim, “a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade” (Freire, 1979, p. 15).
Nessa perspectiva, a realidade, que dá significado profundo à conscientização, só se efetua tenazmente, porque o homem é o único ser que
atesta sua existência empírica no mundo. Apenas o homem sabe que é homem e somente ele pode observar a realidade e agir sobre ela (Freire,
1979, p. 15).

No entanto, o autor adverte que, numa dada aproximação à realidade, essa aproximação não a considera como “objeto cognoscível”, pois a
conscientização ainda não se expressa criticamente. Para que a realidade adquira seu papel cognoscível, a conscientização precisa ultrapassar a
apreensão espontânea da realidade e o homem deve assumir, como sujeito do mundo, uma ação indissociável da reflexão sobre essa ação, ou
seja, apropriar-se de sua “práxis humana”, postura epistemológica, essência primária da associação entre teoria-prática-reflexão-ação-reflexão.

Segundo Paulo Freire, a ação conscientizadora é um convite irrefutável à admissão de sua “áurea utópica”. Mas que, na verdade, trata-se de uma
ação que tem por objetivo denunciar as mazelas da desumanização do homem e, ao mesmo tempo, anunciar os atos para a (re)humanização.
Dessa forma, a utopia adquire compromisso histórico.

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A conscientização está evidentemente ligada à utopia. Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser
anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que assumimos. Mas esta posição deve ser permanente […] Uma das
respostas geniais é a da renovação cultural, esta dialetização que, propriamente falando, não é de ontem, nem de hoje, nem de amanhã, mas uma
tarefa permanente de transformação (Freire, 1979, p. 16).

Então é apresentada ao leitor a relação entre conscientização e educação, por meio de “ideias-forças” ou temas geradores, em que a primeira
ideia está no próprio homem como único possuidor da “práxis humana”. O outro tema instigante está no feito da ação de refletir, pois quanto
mais se reflete mais consciente se torna o homem. Sendo mais consciente, torna-se mais crítico. Esses são os objetivos essenciais para a
transformação que tanto se deseja, mas que essa transformação também é resultante de outra “ideia-força”: a conclusão de que a ação do
homem implica a relação dele com outros homens e com o mundo que o contorna, pois ele é, tanto um fazedor de cultura quanto um sujeito da
história, que a dinamiza e a constrói (Freire, 1979, p. 20-21).

Daí a metodologia de Freire ser avessa à memorização. De acordo com o autor, o melhor jeito de introduzir a conscientização na educação é
desafiá-la. Assim, propõe uma alfabetização que seja instrumento de ambas as partes envolvidas no processo educativo (Freire, 1979, p. 22),
baseada em um “método” planejado e desenvolvido com aspectos da própria vida cotidiana dos estudantes. Um projeto pensado dentro da
condição de educação para jovens e adultos, buscando, além do aprendizado gramatical e linguístico, uma identificação do sujeito com o objeto
de aprendizagem (Freire, 1979, p. 23-24-25).

Na terceira e última parte da obra, contextualiza-se sobre a necessidade da educação como e para a prática da liberdade, acrescidas de teorias e
práticas para sua efetiva execução. Nesse momento de conclusão, Paulo Freire discorre sobre as três palavras-chave que implicam diretamente
na sua pedagogia criticizadora, mas que, ao mesmo tempo, são obstáculos que mantêm a domesticação do homem, impedindo-o de se libertar
ou de se reconhecer como agente de sua própria libertação.

A primeira palavra-chave é “opressão”. Para Freire, estar na condição de oprimido impossibilita ao homem enxergar-se como tal. Sendo a
dominação uma questão de estrutura sociocultural, quando surge a oportunidade de ascensão em algum aspecto da vida social, se torna o
opressor. Essa é a premissa de “homem novo”. Logo, para a concretização do projeto libertador ao qual se propõe, é necessário romper essa
contradição, de modo que o próprio oprimido seja o ator ativo de sua emancipação da condição de dominado, pois, “somente os oprimidos
podem libertar os seus opressores, libertando-se a si mesmos” (Freire, 1979, p. 32). Essa libertação de si mesmo é o reconhecimento da sua
condição de oprimido e a conscientização dos alicerces que o constroem e o mantêm em tal condição.

“Dependência” é a segunda palavra-chave, intrinsecamente ligada aos resultados da condição dos oprimidos, provocada no homem,
incapacitando-os. Dessa incapacidade, os homens adquirem a dependência emocional. O autor aproveita a palavra-chave para traçar a
problemática a partir de casos na América Latina, onde a realidade social é baseada na “cultura do silêncio”, oposição explícita ao “método”, cuja
prerrogativa é o diálogo. A “cultura do silêncio” é o resultado das relações entre dominador e dominado, “ser silencioso não é não ter uma
palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz” (Freire, 1979, p. 33). Assim, as sociedades ditas
“desenvolvidas”, detentoras da condição de dominador, por meio da ação cultural conseguem estabelecer uma relação de manipulação,
mantendo os “subdesenvolvidos” na posição de oprimidos, cuja única voz permitida é aquela que ecoa conforme a da metrópole (Freire, 1979, p.
34). No entanto, mesmo nas manipuladas ou em “sociedades fechadas”, há a possibilidade do não silêncio.

Dessa problemática da dependência, o autor abre a análise para a palavra-chave “marginalidade”, um adjetivo atribuído erroneamente aos
analfabetos por uma falta de entendimento da sua questão estrutural. Para o autor, essa característica carece de fundamentos, pois os homens
analfabetos têm sido vítimas de violência e exclusão de um processo que designa a existência de dois polos antagônicos, a saber, centro-
periferia, de algo ou alguém. Para o caso da alfabetização, tal conclusão coloca o homem como incapacitado de superar sua condição de não
portador das normas gramaticais e linguísticas (não de conhecimento, pois, como o próprio autor diz, todos os homens possuem saberes e são
inacabados), supondo-os marginais, incapazes de superar o analfabetismo (Freire, 1979, p. 38). Isso também não deixa de ser uma estrutura
desumanizante que deve ser superada.

Sob esta perspectiva, o analfabeto não é então uma pessoa que vive à margem da sociedade, um homem marginal, mas apenas um representante
dos extratos dominados da sociedade, em oposição consciente ou inconsciente àqueles que, no interior da estrutura, tratam-no como uma coisa.
Assim, quando se ensina os homens a ler e a escrever, não se trata de um assunto de ba, be, bi, bo, bu, da memorização de uma palavra alienada,
mas de uma difícil aprendizagem para “nomear o mundo” (Freire, 1979, p 39, grifo nosso).

Assim, dentro da lógica freiriana de educação libertadora, os indivíduos em formação se libertam em razão própria para não serem
marginalizados, mas homens oprimidos.

Então, a nova perspectiva da relação pedagógica, esmiuçada por Freire, tem como premissa a superação do modelo educacional atual, reduto de
uma status quo que se porta como fomentador e mantenedor da estrutura dominadora. Dessa forma, essa nova relação da pedagogia, precisa
contornar, por meio de um método emancipatório, a opressão. “Pede inevitavelmente uma ‘pedagogia do oprimido’; não uma pedagogia ‘para
ele’, senão uma pedagogia que saia dele mesmo” (Freire, 1979, p. 40), pois a estrutura em vigor é praticada e fundamentada para alimentar o
antagonismo dominador/dominado, em que o oprimido é sempre a parte onerosa da relação.

A revolução é sempre cultural, seja durante a fase de denúncia de uma sociedade opressora e de proclamação da vinda de uma sociedade justa,
seja durante a fase em que inaugura uma nova sociedade. Na nova sociedade, o processo revolucionário converte-se em revolução cultural (Freire,
1979, p. 48, grifo nosso).

Por fim, Paulo Freire reitera a importância da ressignificação da cultura, como um conceito democraticamente popularizado, contribuinte fatídico
à libertação. É indispensável que os homens conheçam os mecanismos condicionantes de sua realidade, visto que a cultura interiorizada é a
cultura do dominador/opressor. Apenas dessa forma será possível refutar a cultura irracional. Para tanto, a educação libertadora deve ser
dialógica, uma pedagogia de denúncia e anúncio.

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Referências
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. Trad. Kátia de Mello e Silva;
revisão técnica de Benedito Eliseu Leite Cintra. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
Publicado em 28 de fevereiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)


MATIAS, Naiara Isabela. Resenha do livro "Conscientização - teoria e prática da libertação", de Paulo Freire. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº
7, 28 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/7/resenha-do-livro-conscientizacao-teoria-e-pratica-da-
libertacao-de-paulo-freire

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