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Campinas
2018
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Campinas
2018
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Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708
Título em outro idioma: The difficult meeting between the autonomy to colletct owm
resources, versus the budgetary rigidity of the brazilian capitals, period : 1995 to 2010
Palavras-chave em inglês:
Autonomy
Fiscal responsability
Municipal finances
Fiscal policy
Transparency in government
Área de concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano
Titulação: Mestra em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Francisco Luiz Cazeiro Lopreato [Orientador]
Geraldo Biasoto Junior
Sulamis Dain
Data de defesa: 12-09-2018
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico
4
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 12/09/2018
COMISSÃO JULGADORA
AGRADECIMENTOS
Caminhos do Coração
Luiz Gonzaga
Resumo
Abstract
In the period studied, from 1995 to 2010, it comprised a new fiscal agenda of the
Brazilian State, with strategies that contributed to suppress part of the autonomy of the
collection of the 26 capitals, from interferences that occurred within the purest legality,
and allowed the absence of governments common powers of responsibility of the three
federative entities.
That is to say, under the fiscal limits established, to a great extent, the way of
carrying out the constitutional actions and the municipalized actions were, minimally,
through the agreements and / or discretionary transfers, an instrument that triggered
uncertainties for the budget cycle of the municipality.
In addition to the effects of deindustrialization and the fiscal war, and especially
the required counterparts of the own budget, they were impeded and without any
federative dialogue to plan local actions necessary to ensure a minimum infrastructure.
As a result, the most populous urban centers, home to metropolitan areas, indebted
and poles providers of the main national programs, suffered from the effects of this
model. On the one hand, they managed the gap between the amounts received from
senior governments, lagged and insufficient to finance the agreements reached; and on
the other, created numerous challenges for the management and control of the actions
of the agreements that were municipalized from outsourcing.
In this format, the municipal budget, based on a set of normative instructions and
ordinances regulating discretionary transfers, remained subject to the decisions of the
higher spheres of governments. And a substantial part of the own resources and free
allocation, fundamental in the financing of urban development were allocated as
counterparts to the discretionary transfers. In this sense, the local actions were
subtracted from the budget structure, and the resources directed to the actions that should
be supported by tripartite funding.
The reduction of free resources in the municipal budget structure occurred without
any federative democratic dialogue and articulated with society, and, most of the times,
deprived of mechanisms and instruments of control that hampered the performance and
management of the main poles providers of national public policies.
9
These characteristics, in my judgment, have compromised not only municipal
autonomy, but also the process of our fiscal decentralization, since then, with confused
pacts. The Brazilian federation has come to live with resource disputes; with an omission
of responsibilities in the metropolitan actions; with delays in the financial transfers
necessary to ensure the actions of decentralized national programs, in addition to the
numerous fiscal restrictions.
The resulting imbalances are unreckoned and have compromised the rights to
citizenship. In this way, it is essential to think of local management, based on a
combination of efforts between the three spheres, with redistributive policies and with
non-exclusionary strategies that accommodate local needs.
And, above all, national politics need to ensure conditions for the implementation
and operation of programs that incorporate the metropolitan needs of the most populous
cities in the country. The federation undoubtedly needs an urgent adjustment in federative
relations, not a fiscal adjustment.
In addition, this research highlighted the need to revise the methodologies of the
distribution of constitutional resources, which contributed to widen the asymmetries in
per capita values among Brazilian municipalities, which in turn contributed to aggravate
the current budgetary rigidity.
From these questions, the study sought to contextualize the current federative
crisis, emerged from a model that proved incapable to build a society on democratic
bases and universal rights.
10
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Evolução do número de municípios por regiões do País 60
Tabela 3- Receita Total, Transferências Correntes e FPM per capita, por intervalo
populacional, em R$ 62
Tabela 10 - População das 26 capitais versus a População Total de cada Estado, ano
2010 111
Tabela 27- Evolução da população urbana brasileira, em %, período: 1872 – 2000 189
Tabela 31 - Estoque do Exigível de longo prazo das 26 Capitais, ano 1998, anterior à
renegociação da dívida 192
Tabela 32 - Investimento per capita por intervalos municipais com maior e menor
população federativa 196
Sumário
Introdução ................................................................................................................................. 17
Capítulo 1: Do Estado Intervencionista econômico ao descompromisso Social ...................... 24
1.1 Introdução ....................................................................................................................... 24
1.2 Marco teórico do gasto público descentralizado............................................................. 31
Capítulo 2: A Crise federativa: marcada pela crise do endividamento do setor público; pelo
modelo da descentralização fiscal; e as severas imposições fiscais aos governos subnacionais
.................................................................................................................................................. 48
2.1 Introdução ....................................................................................................................... 48
2.2 Colapso do projeto desenvolvimentista do Estado autoritário e os primeiros reflexos da
crise fiscal na década de 80 .................................................................................................. 50
2.3 Mudança Política e a Descentralização Fiscal ................................................................ 53
Capítulo 3: Os percalços dos 1990: ajuste fiscal combinado com descompromisso social ...... 74
3.1 Introdução ....................................................................................................................... 74
3.2. Os impactos da política fiscal dos anos 90 nas finanças públicas das 26 capitais
brasileiras .............................................................................................................................. 76
3.3 A construção da nova Ordem Fiscal: equilíbrio ou observa-se o aprofundamento dos
desequilíbrios fiscais? ........................................................................................................... 99
Capítulo 4: Autonomia ou rigidez orçamentária municipal? .................................................. 106
Análise das 26 capitais no período1995 a 2010 ...................................................................... 106
4.1 Introdução ..................................................................................................................... 106
4.2.O Aumento da participação na Receita Disponível se traduziu em autonomia
orçamentária?...................................................................................................................... 112
4.3 A rigidez na estrutura orçamentária municipal ............................................................. 151
5. Conclusão final da Dissertação........................................................................................... 170
6. Bibliografia ......................................................................................................................... 177
7. Anexos ............................................................................................................................ 189
Anexo 01............................................................................................................................. 189
Anexo 02:............................................................................................................................ 189
Anexo 03..............................................................................................................................190
Anexo 04:............................................................................................................................ 191
Anexo 05..............................................................................................................................192
Anexo 06:............................................................................................................................ 193
Anexo 07..............................................................................................................................196
Anexo 08:............................................................................................................................ 197
Anexo 09..............................................................................................................................198
17
Introdução
Meu interesse pelo tema das finanças públicas das 26 capitais brasileiras, surgiu
a partir da vontade de entender a ideia de autonomia federativa municipal conquistada
após a promulgação do texto constitucional de 1988, das cidades mais populosas do
País.
De forma quase unânime, os estudos sobre o federalismo brasileiro apontavam
a esfera municipal como a vencedora do processo da descentralização fiscal. No início
da pesquisa, minha percepção era de que, os centros urbanos mais populosos e
dinâmicos, contabilizavam uma capacidade para arrecadar recursos próprios acima da
média do País.
Isto era condizente com a ideia de ganho de autonomia para planejar a aplicação
dos recursos orçamentários nas ações dos programas locais, viabilizando também, nas
ações tripartites, um conjunto de pactuações propostas no texto constitucional.
Com essa expectativa iniciei o estudo, a partir da hipótese de que o aumento na
participação da receita corrente disponível do País teria permitido aos centros mais
populosos e de maior dinamismo econômico, a assunção de suas responsabilidades
constitucionais e o enfrentamento das complexidades sociais e de infraestrutura que
caracterizavam a história da urbanização da maioria das capitais do País.
Ao mesmo tempo, o aumento na receita disponível em mais de 60 pontos
percentuais se contrapunha à ausência e a omissão de inúmeras políticas públicas, que
podia ser sentida em cada esquina das grandes cidades do País. Esta situação
acrescentaria muitas questões complexas à hipótese inicial desse estudo.
Compreender a trajetória fiscal dos centros mais populosos do País e com maior
capacidade para arrecadar recursos próprios seria condição necessária, mas não
suficiente, para responder às questões que caracterizavam a realidade desses centros
urbanos.
Diante dessa realidade, era necessário entender a participação no financiamento
tripartite dos inúmeros programas que estavam sendo descentralizados, e a colaboração
técnica federativa entre eles, a partir das regulamentações elaboradas e promulgadas de
forma centralizada, sem nenhum diálogo federativo franco e claro com os governos
subnacionais e sociedade.
18
Nos mais diversos setores foram sendo definidos direitos sociais. Porém, a
definição das responsabilidades comuns aos três entes de governo era caracterizada por
muitas lacunas e sobreposições.
Os desafios gerados pelo modelo federativo a ser implantado eram difíceis de
serem percebidos, pois, apesar do aumento das receitas, as atribuições de cada esfera de
governo não eram facilmente identificadas. A maioria das capitais havia herdado os
equipamentos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), e se transformado em
sede de região metropolitana, e, portanto, em polos provedores de serviços, responsáveis
por atenderem a população dos municípios do entorno.
Tal cenário, de aumento de responsabilidades, será posto em xeque pela ausência
de um modelo claro de cooperação técnica e de financiamento tripartite, e pelas
exigências fiscais.
No decorrer da década de 90, uma nova disciplina fiscal, progressivamente
implantada pelo governo brasileiro,
contribuiu para justificar o desmonte e a omissão das instâncias superiores de
governo nas políticas municipalizadas e ou descentralizadas. As políticas liberais em
curso suprimiram parte dos direitos constitucionais assegurados em 1988.
No quadro de desindustrialização e privatizações, o governo central
recentralizou sua participação na receita disponível, ocasionando perdas irreparáveis em
vários setores que tinham sua participação na arrecadação dos impostos definida
constitucionalmente. Tais receitas eram fundamentais para compor e abastecer os
fundos de participações dos governos subnacionais que o pacto federativo havia
proposto.
De um modo geral, os governos das capitais começaram a conjeturar o impacto
da queda das transferências constitucionais, além das perdas na arrecadação própria,
devidas ao processo de desindustrialização e à guerra fiscal. Simultaneamente
contabilizavam um aumento da necessidade de recursos próprios como contrapartidas
das transferências discricionárias regulamentadas.
Como se não bastassem essas questões, os municípios endividados eram
submetidos a diversas restrições fiscais, tais como o teto de gastos com pessoal e a
renegociação do estoque da dívida pública municipal.
No momento da renegociação da dívida, final dos anos 90, mais de 70 pontos
percentuais do estoque da dívida municipal pertenciam ao passivo permanente das 26
capitais. Um paradoxo estava criado entre o exercício da autonomia e a responsabilidade
19
federativa, assegurando a realização de políticas públicas descentralizadas e ou
municipalizadas, e o cumprimento de metas fiscais e condicionalidades estabelecidas
no contrato da renegociação da dívida.
Esta contradição inspirou a definição do recorte temporal da pesquisa, que visou
analisar as finanças públicas das 26 capitais, de 1995 a 2010, nos 6 exercícios anteriores
à vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)1, e nos 10 anos após a mesma.
Esse recorte permite revelar a mudança ocorrida na evolução do gasto público
dos governos capitais, mediante a vigência das cláusulas pétreas da LRF, que além dos
tetos definidos paras as despesas correntes, assegurou recursos orçamentários e
financeiros para o pagamento das despesas financeiras decorrentes das cláusulas
contratuais.
A LRF também definiu a metodologia do resultado primário e nominal, além de
estabelecer aos municípios um coeficiente de endividamento, que, a meu juízo, trouxe
enormes prejuízos para o arranjo federativo, dificultando a coesão social nos grandes
centros urbanos endividados.
Nesta problemática inspira-se a construção dos quatro capítulos da pesquisa. O
primeiro capítulo apresenta algumas das principais premissas da corrente hegemônica
do federalismo fiscal, que apontam para as condições necessárias para que uma
federação possa desfrutar da autonomia federativa decorrente da descentralização fiscal.
O segundo capítulo contextualiza os entraves e desequilíbrios orçamentários que
impactaram as finanças públicas das 26 capitais, ocasionados pela adoção dos critérios
de partilha adotados em 1988, que favoreceram os municípios menos populosos,
contribuindo para aumentar o número de municípios.
Trata também das consequências da Operação Desmonte2 que permitiu a
recentralização das receitas disponíveis na esfera federal, em pleno processo de
descentralização das atribuições e ou municipalização das políticas públicas aos centros
mais populosos. Ou seja, o movimento condenou as 26 capitais a executarem as ações
dos programas descentralizados em meio a um volume crescente de exigências de
contrapartidas de recursos subtraídos dos orçamentos próprios, comprometendo as
atribuições de competência exclusiva municipal.
1
Lei Complementar nº 101, maio de 2000.
2
O movimento da “operação desmonte” foi idealizado e colocado em prática no governo Sarney.
20
O terceiro capítulo procura considerar as medidas fiscais que consolidaram a
rigidez orçamentária, a partir das restrições fiscais e da própria configuração que o pacto
federativo, como estabelecido e regulamentado.
O quarto capítulo aborda a necessidade de estimular novos instrumentos de
arrecadação própria, para inclusive compensar as perdas de recursos constitucionais e
minimizar o aumento do custo orçamentário das contrapartidas exigidas pelas
transferências voluntárias. Também aborda o tema do ônus, para os municípios, das
frequentes decisões do judiciário, mais conhecida como judicialização, que, na sua
realidade, interfere no dia a dia da execução do planejamento orçamentário próprio das
26 capitais do país.
A partir dessas questões, as interrogações postas na pesquisa estavam definidas:
como executar as ações próprias diante da autonomia federativa assegurada no texto
constitucional em meio às diversas restrições fiscais e das medidas liberais? Estava
criado o roteiro do difícil encontro entre a autonomia para arrecadar recursos próprios,
versus a rigidez orçamentária das cidades mais populosas e dinâmicas do País.
O conjunto dessas questões conduziu à temática da dissertação permitindo
caracterizar o difícil encontro. Com essa problemática se alinha a reflexão das
consequências herdadas do rápido processo de urbanização.
Questões que acrescentam um grau de dificuldade para entender a crise urbana
que caracterizam as regiões metropolitanas.
O êxodo, justificado pelo progresso da indústria e pelo progresso técnico de alguns
setores agrícolas atraíram um número expressivo de pessoas que migraram da zona rural
para os grandes centros urbanos a procura de empregos urbanos.
Porém, conforme Santos (2008), parte substancial da população que migrou do
campo para as cidades brasileiras, passou a fazer parte apenas da economia informal e
a conviver com as carências de políticas públicas, pois as estruturas urbanas não estavam
preparadas para receber o grande contingente populacional que passaram a abrigar de
forma precoce e rápida. O anexo 1, apresenta a tabela 27 que mostra a evolução da
população urbana do País, no período de 1872 até 2000.
Para Cano (1989), a evolução da urbanização gerou um caos urbano, pois além da
deficiência na interação da indústria e dos serviços, as cidades conviviam com o inchaço
populacional, enquanto as políticas públicas permaneciam inseridas em um quadro que
fragmentava o acesso.
21
Ou seja, o processo desnudou a miséria, nos centros urbanos faltavam luz, água e
habitação. A oferta de bens e serviços públicos não acompanhava a demanda. E,
considerando a postura autoritária do governo, as questões sociais permaneciam
relegadas à segundo plano, e parcela expressiva da população urbana permanecia
ignorada e marginalizada do processo de cidadania.
Assim, os grandes centros urbanos se tornaram sinônimos de desigualdades e de
abomináveis condições de vida, o traslado humano provocado pela urbanização encheu
as cidades de pessoas que permaneceram à margem da sociedade capitalista.
De acordo com Cano (1989), os “de cima” representavam 20% do contingente
humano que acresceu a urbanização, e os 80% “de baixo” foram obrigados a se
instalarem nas periferias das cidades, com precária infraestrutura, falta de saneamento e
débil serviço de transporte. Como não podiam pagar à especulação imobiliária, se
dispuseram a receber o precário atendimento dos serviços públicos, que os impedia de
ter acesso às melhorias no padrão de vida.
Foi um período de intenso crescimento das cidades, acompanhado da especulação
e da multiplicação dos assentamentos humanos nas periferias. O trabalhador foi
obrigado a se distanciar mais do centro urbano e do seu trabalho.
Cabe observar que a própria política do Banco Nacional de Habitação (BNH), o
acesso ao financiamento era quase que restrito à classe média e alta, e, sem dúvida,
contribuiu para o processo de especulação imobiliária e de “periferização” das grandes
cidades. Ou seja, a urbanização resultou na formação das periferias urbanas nas
metrópoles. A valorização imobiliária nos centros metropolitanos só permitiu a
permanência das pessoas que tivessem renda elevada, e os indivíduos e famílias de renda
baixa eram expulsos para a periferia.
Com o passar dos anos, os grandes centros estavam deformados pelos altos índices
de miséria, desigualdade de renda, desemprego, violência, e necessidades básicas como
saúde, educação, cultura, saneamento, transporte e habitação.
Ou seja, a crise do Brasil urbano não é nova e tem raízes históricas. E a
urbanização acelerada e desprovida de um planejamento urbano e orçamentário,
contribuiu para o descontrole das finanças públicas locais que estavam sob condições
autoritárias e submissas aos interesses do capital.
22
As políticas do Estado brasileiro, como bem observou Fiori (1989), estimulou a
acumulação politizada3, e promoveu um arrocho salarial como justificativa de conter a
inflação. Por meio de medidas fiscais autoritárias e centralizadas, a carga tributária
cresceu a partir de sucessivas cobranças dos tributos indiretos que incidiam sobre o
consumo, da cobrança de contribuições sobre a folha salarial que confiscava parte
significativa da renda da classe trabalhadora.
Tínhamos um Estado que além de regular a cidadania e produzir intensa
fragmentação ao acesso às políticas públicas, privatizou o espaço público e construiu
políticas e programas voltados aos interesses particulares, empresariais e clientelistas.
Assim, atender às exigências do Brasil urbano em meio à construção de programas
contaminados pelos interesses regressivos, restringiram às oportunidades de enfrentar
os desafios urbanos.
Muitos governos locais saíram em busca do endividamento público como
alternativa de financiamento para determinadas políticas públicas, mas, mediante as
sucessivas crises econômicas e fiscais, os avanços foram inexpressivos. O modelo
engendrou uma ampla e profunda crise fiscal e de endividamento.
A partir destas breves considerações, é fácil entender que administrar e planejar
um orçamento de um centro urbano populoso e endividado, não tem sido tarefa fácil. A
carência de estrutura urbana e social, somada às dificuldades de financiamento e às
condicionalidades da nova disciplina fiscal, caracterizam os principais desafios
orçamentários das 26 capitais que serão contextualizados nessa pesquisa.
Dessa forma, tenho como hipótese central que a trajetória da rápida urbanização,
aliada às confusas relações federativas e somadas às restrições fiscais, dificultaram
qualquer possibilidade de planejamento que se propusesse enfrentar às dificuldades da
estrutura urbana e social de uma grande cidade.
A bem da verdade, apesar da carta magna criar um capítulo para tratar dos desafios
urbanos, os encaminhamentos que ocorreram, autorizar a criação de regiões
metropolitanas, na prática, contou com pouca efetividade para atuar, protelando a
possibilidade de integração e cooperação necessária entre os municípios metropolitanos.
3
Segundo Fiori (1989:105), as contradições embutidas nos compromissos assumidos pelo Estado
brasileiro, utilizou-se da sua autoridade e do seu poder de coordenação da economia para favorecer
determinados grupos, caracterizando o processo que denominou de “acumulação politizada”, por
responder e atender muito mais às regras de mercado, mediante ações que estiveram submetidas às
imposições e interesses de capitais e blocos de poder regional, e se tornou incapaz de impor uma agenda
com políticas que atendessem a heterogeneidade socioeconômica com ações de caráter atuação
distributivo.
23
Acredito que as metrópoles brasileiras permaneceram mergulhadas em uma armadilha
que as impedem de exercer de fato a sua autonomia e soberania federativa.
Dessa forma, me parece que as relações atuais se tornaram extremamente custosas
e confusas, e as responsabilidades descentralizadas aos principais polos provedores dos
serviços públicos, as 26 capitais, acarretaram uma rigidez orçamentária que, de certa
forma, impediu os governos de exercerem a responsabilidade federativa anunciada no
texto constitucional de 1988.
Realidade que se traduz pelas palavras de Prud’homme (1995), quando comparou
o processo da descentralização a uma droga potente, quando usada no momento
apropriado e na dose correta teria um efeito saudável e desejável, em circunstâncias
erradas poderia acarretar conflitos em vez de ajudar.
Toda essa problemática abordada nos remete, necessariamente, a uma análise dos
compromissos da descentralização fiscal frente aos atuais compromissos fiscais do
Estado brasileiro. Que, para Stiglitz (2000), em sua “mea culpa” em relação ao ideário
neo-liberal, a promoção do desenvolvimento sustentável só se daria por meio de um
caminho voltado para a construção de uma sociedade mais igualitária e mais estável do
ponto de vista político, isto requereria a promoção da educação, o fomento à tecnologia;
o investimento em infraestrutura, a prevenção à degradação ambiental e a criação e
manutenção de uma rede de seguridade social.
Porém, tais premissas nos parecem distantes, como veremos, ainda hoje, nos
centros urbanos mais ricos do País, a população permanece desprovida de um padrão de
vida urbano que lhe assegurasse a coesão social.
24
Capítulo 1: Do Estado Intervencionista econômico ao
descompromisso Social
1.1 Introdução
4
Segundo Draibe (1985), foi a partir de 1939 que se iniciou a distinção de categorias de despesas entre o
custeio e investimento público.
5
Para Luciano Martins (1977), a cidadania regulada era resultado do modelo de acesso fragmentado,
associado a sistemas de força, barganhas e privilégios e a um baixo grau de universalização e
uniformização dos benefícios sociais ofertados pelo Estado brasileiro.
26
da massa populacional que permaneciam fora da estrutura do planejamento
orçamentário do governo central.
Com a intensificação do processo de industrialização e urbanização, as cidades
passaram a receber e a sediar milhares de cidadãos em busca de trabalho, de uma vida
melhor. Enquanto isso, poucos foram os esforços realizados para garantir a reprodução
da força de trabalho e promover políticas de inclusão social.
A tradição e o compromisso do nosso Estado era direcionar grande parte dos
recursos do orçamento fiscal para políticas públicas voltadas para a acumulação do
capital, e, portanto, as questões sociais ficavam submetidas à lógica do mercado. A
prioridade conferida à acumulação politizada, era justificada pelo baixo nível de
desenvolvimento das forças produtivas e pela necessidade de garantir seu avanço, como
condição para libertar o País da situação de atraso econômico, desemprego e pobreza da
população, que impedia que nele se construísse um Estado do bem-estar, como ocorreu
nos Países desenvolvidos (OLIVEIRA, 2012).
Esse modelo assegurou a concentração da renda, a partir de uma poderosa barreira
protecionista que muito contribuiu para a formação de oligopólios dos novos setores
industriais. Os departamentos da economia priorizados não foram capazes de criar
automaticamente meios de pagamentos aos credores internacionais, pois a demanda
interna frente à capacidade instalada não havia sido assegurada, o mercado interno foi
incapaz de gerar as divisas necessárias para cobrir o hiato criado na balança de
transações correntes e assumir o financiamento de longo prazo, variáveis suficientes
para deflagrar a crise fiscal das décadas seguintes.
A implantação desse modelo foi possível dadas às condições político-econômicas
favoráveis na época, quando o financiamento no mercado internacional se encontrava
abundante e barato, que colocou o País em uma condição de recorrentes desajustes, e
absorvia fatias significativas das receitas orçamentárias, via incentivos, isenções,
benefícios fiscais, subsídios creditícios e investimentos para a indústria e setores da
infraestrutura.
Com capacidade fiscal no limite a solução adotada para cobrir as contas
deficitárias e dar continuidade ao modelo de expansão econômica foi o financiamento
inflacionário, o Estado passou a emitir moeda e a se endividar cada vez mais no âmbito
externo.
27
Cabe observar que, a reforma tributária6 ocorrida em 1966, não aumentou a
tributação sobre as classes de renda média e alta, apenas eliminou a cobrança em cascata
e introduziu mudanças que contribuíram para aumentar a carga tributária sobre o
consumo e a classe trabalhadora, com o discurso de que era necessário ampliar os
recursos para dar sustentação aos propósitos do crescimento econômico, a cobrança
recaiu sobre os tributos indiretos dos bens de consumo e na folha de salarial.
Não houve preocupação com as imperfeições do sistema, não foi adotada
nenhuma mudança comprometida com a justiça fiscal e/ou progressividade na
tributação. E, como bem destacou Oliveira (1995), o governo lançou mão de
instrumentos que centralizaram a arrecadação e submeteu os estados e municípios à
relação de dependência do poder central para a obtenção de recursos necessários ao
desempenho de suas tarefas, liquidando qualquer possibilidade de autonomia federativa,
tornando-os inoperantes e submissos ao governo central.
Segundo dados da secretaria do Tesouro Nacional, a evolução da centralização
dos recursos na esfera federal foi significativa: em 1967, a participação na receita
disponível das esferas central, estadual e municipal era de 36%; 46,4% e 17,6%; em
1974, a participação era, respectivamente, 50,5%; 36%; e 13,5%. A partir de 1967, o
governo central passou a manipular a receita disponível dos estados7 e municípios, que
foram obrigados a ceder participações nas redistribuições de recursos à esfera central8.
Em 1968, o Ato Complementar n. 40 enfraqueceu ainda mais a força do
instrumento de partilha de recursos entre os governos subnacionais. Sob o argumento
de combate à inflação, foi reduzido drasticamente o percentual das alíquotas de vinte
para doze pontos percentuais, e depois para cinco pontos percentuais dos recursos que
eram destinados para o Fundo de Participação Estadual (FPE) e Fundo de Participação
Municipal (FPM), e dois pontos percentuais destinaram-se para um Fundo Especial. Por
conseguinte, foram sendo integradas àquela estrutura tributária novas fontes de
arrecadação, pautada em uma abundante base de incentivos e subsídios9 que favoreciam
6
Segundo Oliveira (2010), a reforma tributária teve início com a Emenda Constitucional n. 18, de
01/12/1965, e completou-se com a aprovação do Código Tributário Nacional (CTN), pela Lei n. 5.172,
de 25/10/1966.
7
O governo central passou a definir alíquotas de impostos, como a alíquota do Imposto sobre o Consumo
de Mercadorias (ICM)
8
A participação do governo central na arrecadação do imposto sobre combustíveis e lubrificantes passou
de 40% para 60%, e reduziu a dos estados e municípios de 60% para 40% (32% para os estados e 8% para
os municípios).
9
Por exemplo: para impulsionar o mercado de ações, formaram-se fundos de investimentos abastecidos
a partir de deduções no IR.
28
a concentração da riqueza no País. Ações que não permitiram a modernização e o
fortalecimento do federalismo.
Entretanto, contribuíram para transformar o sistema tributário brasileiro em uma
poderosa ferramenta do processo de acumulação, adequando as receitas do Estado à
nova estrutura de produção, com a preeminência sobre alguns setores da economia, e as
necessidades dos governos subnacionais permaneciam submetidas às vontades e
determinações do governo central.
Cumpre lembrar que, mesmo no auge do período de crescimento acelerado do
País, de 1968 a 1973, a política social permaneceu prejudicada. Com condições
econômicas favoráveis para uma descompressão salarial10 e social, amparadas por
recursos fiscais abundantes, lucros generosos das empresas, o resultado social não
poderia ter sido pior, forte deterioração da distribuição de renda e piora das condições
de moradia e dos serviços públicos marcaram a vida nos centros urbanos. De um modo
geral, nas grandes cidades, as populações de baixa renda eram vitimadas pela piora das
condições de vida.
Baixa prioridade para os programas habitacionais voltados para a população de
baixa renda, apenas 20% dos investimentos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH)
foram destinados às famílias com renda inferior a cinco salários mínimos. Enquanto que
famílias com renda mais elevada, superior a 10 salários mínimos, tiveram participação
em mais de 60% dos programas do SFH. Cenário que mostra o caráter regressivo, elitista
e excludente das políticas sociais do governo militar (Revista PMDB, 1982).
Outros expedientes passaram a consumir crescente parcela do gasto público,
voltados para as necessidades colocadas pelo novo padrão de acumulação e para os
interesses políticos das classes dominantes, como por exemplo, o sistema nacional de
crédito rural (SNCR); as obrigações reajustáveis do tesouro nacional (ORTN); os títulos
da dívida pública de rendimento variável do Banco Central, Conselho Monetário
Nacional (CMN), e Banco do Brasil (LOPREATO, 1993).
A acumualação do capital ainda foi favorecida pela Lei n. 4.131 de 1962, que
passou a permitir o endividamento direto das empresas no exterior, porém com anuência
do Bacen. Com condições externas de créditos volumosos, ágeis e baratos, ocorreu a
10
O modelo de desenvolvimento penalizou fortemente o crescimento dos salários reais dos trabalhadores,
não houve ganho real dos salários, uma política que inclusive contribuiu para expandir a dívida externa,
pois financiava as remessas crescentes dos lucros para o exterior, o denominado capital forâneo, que
estimulava as empresas a exportar o excedente. A esse respeito, ver Belluzzo e Almeida (2002).
29
institucionalização de canais de ingresso de capitais externos, que se constituiu a partir
dos últimos anos da década de 1960, em uma das peças fundamentais da alavancagem
dos setores público e privado.
Estava introduzida a indexação financeira por meio da criação do índice de preços,
como forma de tentar regularizar os contratos e evitar o risco do credor face à
desvalorização da moeda. A indexação permitiria neutralizar certos tipos de riscos nos
contratos a prazo, o denominado risco do credor. O risco era tanto maior, quanto mais
alta fosse a taxa de inflação, face a possibilidade de dispersão de preços e rendimentos.
Segundo Belluzzo e Almeida (1992), os únicos agentes dispostos a assumir o novo risco
do credor foram as agências públicas de financiamento, que organizaram sistemas de
indexação nos empréstimos a longo prazo que reduziam o risco para o devedor.
Assim, o Estado passou a financiar diretamente a expansão da acumulação do
capital, acentuando a desigualdade social do País. Segundo Fiori (1994), o projeto
progressista que denominou de Fuga Para Frente11, assegurou o endividamento externo
e a expansão da economia brasileira, porém, desconsiderou uma possível crise cambial
e financeira.
Lembrando que, desde o início dos anos 70 o estoque de endividamento do setor
público sofreu mediante às crises do petróleo, e no final da década de 197012, somado à
crise econômica da primeira metade dos 1980, o resultado das contas públicas passou a
ser insustentável do ponto de vista do financiamento externo.
Dessa forma, os movimentos da política econômica do País, de um modo geral,
cunharam as dificuldades fiscais das contas públicas, e reforçaram e ampliaram as
desigualdades de renda e aumentaram os níveis de pobreza urbana do País.
De acordo com Fiori (1994), as ações do Estado responderam, em sua trajetória,
às regras do mercado, aos interesses do capital e blocos regionais de poder, deixando de
lado os mais fracos economicamente.
Em vez de um Estado de bem-estar social, tivemos um modelo que combinou
paternalismo e repressão, que assegurou a desigualdade social por sua própria ação que
11
Para definição da Fuga Para Frente, ver Fiori (1994).
12
Com a decisão unilateral do governo americano de suspender a convertibilidade e desvalorizar a sua
moeda, o governo rompeu com as regras estabelecidas em Brettton Woods, depois da segunda Guerra
Mundial. Mediante a quebra do padrão monetário internacional pelos países centrais, o mundo assistiu a
uma fuga em massa de capitais em direção a Wall Street e a Londres, em um processo denominado de
desregulação competitiva. Logo depois, essa medida se estendeu por boa parte do mundo capitalista, e os
países latino-americanos aderiram às políticas liberalizantes, pressionados pela crise econômica mundial
e pela renegociação das suas dívidas externas (Fiori, 2001).
30
penalizou a grande massa urbana, a fração mais fraca, porém, significativa da sociedade
civil, que não exercia nenhum poder de veto sobre as decisões dos já vitoriosos.
Passamos a conviver com uma crise política, aceleração inflacionária, redução da
atividade econômica e com uma profunda crise fiscal, com aumento dos custos das
despesas públicas e com queda das receitas tributárias, o que quadruplicou o estoque de
endividamento público.
Dessa forma, o ambiente de crise fiscal e política, abriu caminho para a ideia de
que era necessário rever os arranjos federativos e exigir mudanças no formato das
decisões políticas para um projeto de desenvolvimento de âmbito nacional, pensamento
que ganhou força em todas as regiões da federação.
O processo da descentralização13 fiscal passou a ser considerado uma
possibilidade para o resgate da democracia e autonomia usurpada das esferas
subnacionais pelo governo central durante os 21 anos de ditadura militar. Inclusive,
apostando que a descentralização fiscal poderia enfrentar os desequilíbrios regionais,
resultantes de medidas associadas ao Estado da acumulação politizada14.
Ou seja, a descentralização fiscal seria um instrumento importante para o
fortalecimento do poder local e de melhorias na gestão pública. Premissas que
coincidem com os anseios do processo da redemocratização do Brasil. Por todos os
cantos da federação, os movimentos de lutas sociais se multiplicavam e clamavam por
uma ruptura com aquele modelo centralizador, fragmentador e autoritário.
A agenda se pautava por meio da possibilidade de construção de um pacto
federativo que permitisse o desenvolvimento da nação de forma democrática,
comprometido com a redução da heterogeneidade econômica e social, não só entre, mas
intra regiões, com políticas harmônicas e cooperativas que assegurassem a
universalidade da proteção social aos brasileiros.
Conforme Almeida (1996), a agenda estava aliada à proposta de descentralização
fiscal do setor público, que efetivamente passou a ser defendida como resposta e crítica
ao regime autoritário, parecia inevitável a ideia de descentralizar as ações do Estado.
13
Conforme Silva e Costa (1995:262), a noção de descentralização comporta vários significados. A
literatura internacional dá esse mesmo nome a processos muito distintos, tanto no que concerne à natureza
dos fenômenos observados, como às suas trajetórias históricas. Assim, aparecem como processos de
descentralização tanto movimentos de desconcentração de poder de tomada de decisão sobre a alocação
de recursos estatais no interior de uma mesma instância governamental, quanto processos mais estruturais
de transferência de recursos e de poder – de um nível de governo a outro, entre poderes do Estado-Nação
(Executivo, Legislativo e Judiciário), ou ainda do Estado para a sociedade civil.
14
A esse respeito, ver Fiori (1994).
31
Porém, a ideia de que a descentralização fiscal reforçaria a autonomia do poder
local compunha as premissas do discurso liberalizante que se alastrava pelo mundo, ao
mesmo tempo, era colocado a necessidade de restringir o papel do Estado. Na verdade,
a proposta predominante era pôr fim às políticas keynesianas e abrir espaço para uma
atuação mínima do Estado.
O discurso neoliberal anunciava que as exigências excessivas feitas ao Estado
desde o pós-guerra eram responsáveis pela ingovernabilidade das economias
endividadas. O principal elemento introduzido pelo Welfare State Keynesiano, deveria
ser substituído pelo Estado regulador, da lógica da maximização e eficiência na provisão
dos bens e serviços públicos por meio de estruturas mínimas e descentralizadas. Pois,
acreditava-se que, para alcançar o equilíbrio e a eficiência no setor público e restaurar o
dinamismo econômico, o Estado deveria encolher seu tamanho, reduzir suas atividades,
desmontar os mecanismos da segurança social e flexibilizar o direito adquirido no
passado, ou seja, estreitar as bases de financiamentos para ajustar o déficit público.
Dessa forma, os instrumentos utilizados pelo processo da descentralização fiscal
brasileira em curso desde os anos 80, defendido pelos organismos internacionais - Banco
Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BIRD) - ocorria em um ambiente de desequilíbrio fiscal, que por sua
vez, legitimava o discurso quanto à necessidade da realização de um ajuste fiscal.
Para entendermos o atual encontro cravado entre a disciplina fiscal e o texto
constitucional vigente, que culminou em uma rigidez orçamentária versus a autonomia
na arrecadação própria dos grandes centros mais dinâmicos do País, ainda que de forma
breve, torna-se fundamental entender os objetivos e premissas das correntes liberais que
se abateram sobre o mundo naquele momento.
Necessidade que se faz, a partir da ideia disseminada de que a descentralização
fiscal deveria assegurar um processo de redistribuição de recursos, espaços de decisões,
competências, atribuições e responsabilidades (SILVA e COSTA, 1995).
15
Ótimo de Pareto é uma suposição abstrata de situação de concorrência perfeita, segundo a qual não é
possível melhorar a situação de algum indivíduo, sem prejudicar outro. Nesse sentido, o ótimo não tem
condições de melhorar o bem-estar de um agente econômico sem piorar a situação de outro. A teoria do
equilíbrio geral parte do pressuposto de Pareto, de que o mercado levaria livremente a uma situação de
concorrência perfeita entre a oferta e demanda, por meio do mecanismo de preço, e utilidade marginal,
que seria o guia para maximizar o bem-estar.
16
Segundo Musgrave (1980), as Markets failure são indivisibilidade de produtos que não permitiria o
ótimo paretiano; criação de externalidades negativas, casos em que as empresas poderiam causar danos
sobre as demais empresas; mercados imperfeitos (monopólios e oligopólios); além de riscos e incertezas
na oferta de determinados bens que levaria a imperfeição e incertezas.
17
Função alocativa destinada a assegurar a alocação de recursos para a oferta de bens públicos puros,
como segurança, justiça, meio ambiente etc.
18
Função distributiva destinada a auxiliar na distribuição da renda e riqueza, como a oferta de bens, como
saúde, educação, assistência e transferência de renda.
19
Função estabilizadora, destinada a garantir a estabilização econômica, implementando políticas fiscais,
restritivas e ou expansionistas, de arrecadação de receitas, gastos e endividamentos públicos voltados a
combater o desemprego, inflação, com a finalidade de alcançar o equilíbrio macroeconômico interno e
externo.
20
A esse respeito, ver Musgrave (1959); Wallace Oates (1972); Rezende (1983) e Bird (1993).
21
Adequação da oferta de bens e serviços públicos e o nível de tributação afetam a soberania do
consumidor na medida em que a relação entre bens e serviços públicos e privados que serão consumidos
dependem da oferta desses bens e dos seus preços. No caso dos bens públicos, são expressos nos níveis
33
Para Musgrave (1980) o Estado deveria corrigir as falhas do mercado e traçar
regras e princípios que auxiliassem em uma conduta eficiente da economia. E, maior
conhecimento e esclarecimento da estrutura do gasto público possibilitaria um
planejamento orçamentário que identificasse as principais necessidades, caso ocorresse
restrição de recursos orçamentários.
Por sua vez, Wallace Oates (1991), reforçou a ideia de que a descentralização
fiscal deveria ser entendida como um instrumento para garantir a eficiência das unidades
fiscais e maximização das funções do setor público. Pois, acreditava que a
descentralização seria uma oportunidade para determinar o ótimo paretiano da unidade
pública, com vistas às demandas individuais e alocação da oferta do bem público
adequadamente às preferências e quantidades.
A principal preocupação era responder sob quais condições a descentralização
acarretaria melhoria na qualidade da capacidade governativa, ou seja, de que forma os
gastos se tornariam mais efetivos. Quanto à arrecadação dos recursos financeiros,
acreditava-se que o governo intermediário poderia ter melhor desempenho na
arrecadação voltada para o consumo; ao passo que o governo local deveria arrecadar a
receita sobre a propriedade imobiliária ou taxas de uso de serviços.
Por sua vez, o governo central deveria exercer um papel arrecadador dos tributos
sobre a renda, e indicar as situações nas quais se manifestassem externalidades na
produção local de bens, compensando os governos descentralizados com subsídios
unitários, levando-os a internalizar os benefícios provenientes dos transbordamentos
entre jurisdições ocorridos na oferta de bens públicos locais. Esses subsídios unitários
encorajariam uma oferta em níveis eficientes pelos governos descentralizados.
Mecanismo que, segundo Vargas (2006) equivaleria às transferências fiscais,
instrumento-chave nas relações intergovernamentais para complementar as receitas dos
governos subnacionais, e garantir uma oferta eficiente de bens públicos nessas esferas.
Ou seja, a partir do princípio da subsidiariedade, os níveis de governo que
estivessem acima deveriam ajudar a financiar quem estivesse abaixo, para corrigir as
imperfeições provocadas pela conduta humana e alcançar a eficiência do setor público.
Nesse quadro teórico, caberia ao governo central definir as atribuições de funções, as
competências tributárias, e os recursos complementares na forma de transferências, que
se tornaram questões centrais do Federalismo, para se obter eficiência na gestão pública.
de tributações e no quanto esta afeta a restrição orçamentária dos consumidores. Na verdade, a “razão
para a ação orçamentária é corrigir a escolha individual” (Musgrave, 1973:30).
34
Enquanto que algumas questões, como a exclusão social e a concentração populacional,
pouca ou quase nenhuma atenção receberam nesse debate.
Dessa forma, a descentralização fiscal e as transferências fiscais se notabilizaram
como aspectos cruciais da perspectiva teórica do Federalismo Fiscal. Affonso (2003)
destaca, que a partir dessa visão, o Federalismo se reduzia ao Federalismo Fiscal, e este
último, à questão da descentralização fiscal.
A Lei de Wagner, tentou contribuir com explicações empíricas, apoiadas nas
estatísticas da evolução dos gastos públicos em Países industrializados. Porém, não
tratou das restrições orçamentárias, mediante o aumento da demanda por bens e
serviços, e não se preocupou com as forças políticas, econômicas e sociais que
influenciavam as decisões de gastos do Estado, o que a impediu de perceber, não
somente como as demandas eram colocadas para o Estado por meio da acumulação de
capital, como não deu respostas às demandas oriundas de outros setores e camadas
sociais que influenciavam a composição da despesa pública.
Mesmo sabendo, que as funções estatais decorrentes do avanço do capitalismo, do
crescimento demográfico, aumento do grau de urbanização, da renda per capita da
população, motivariam a ampliação da demanda por bens e serviços públicos ofertados
pelo Estado, essas questões permaneceram excluídas da argumentação teórica da Lei de
Wagner.
Por sua vez, outros autores como Peacock e Wiseman procuraram elementos que
suprissem a limitação da tese de Wagner, e se voltaram para o incremento da carga
tributária, alegando que a sociedade estaria disposta a arcar com o ônus em momentos
de perturbações de ordem socioeconômica, causadas por depressões econômicas,
guerras, calamidades. A elevação dos gastos públicos para os autores, foi denominada
de “efeito translação”.
Diferentemente, no que tange à questão da atuação ativa do Estado nas economias
capitalistas, o referencial teórico keynesiano, reconheceu que para amortecer os efeitos
de crise econômica, alimentar as forças de acumulação, e garantir um mínimo de coesão
social para a reprodução mais harmônica do sistema capitalista, era necessário
disseminar políticas distributivas e estabilizadora na estrutura do planejamento
orçamentário.
O Estado deveria assumir um papel intervencionista, capaz de adotar um
comportamento ativo no âmbito da dinâmica econômica e social, promovendo políticas
e ações indutoras do bem-estar econômico e social. Muitos Países obtiveram resultados
35
favoráveis no combate à recessão econômica a partir do uso do gasto público, e o déficit
público tornou-se uma alternativa aos governos que se encontravam politicamente
pressionados por quadros recessivos e de elevado desemprego. E, quando necessário, a
pressão política o colocaria como um ator protagonista da estabilização.
Portanto, a atuação governamental a partir da política fiscal transformou-se em
um instrumento, por excelência, para enfrentar a crise econômica. E, a ideia de
orçamento equilibrado perdeu espaço, tendo em vista a atuação do Estado, direta ou
indiretamente, por meio de ampla utilização de políticas de demanda efetiva e do
crédito, bem como as políticas de desenvolvimento nacional.
Enquanto que para O’Connor (1977 apud Oliveira 2012), o crescimento e a
composição dos gastos do Estado capitalista foram decorrentes de duas funções básicas.
A primeira, estabeleceu que o Estado deveria garantir a reprodução a longo prazo da
acumulação, que constitui as próprias bases de seu poder de arrecadação; a segunda, a
de legitimação para garantir a coesão e o consenso das classes e frações de classes em
torno de um projeto econômico hegemônico. Considerando que a evolução e as
necessidades históricas colocadas pelo sistema, explicariam no tempo, o crescimento
dos gastos estatais, bem como sua composição.
E, como haveria uma multiplicidade de agentes envolvidos nessas trocas e todos
gostariam de maximizar suas utilidades, prestígio, votos etc., a limitação orçamentária
do Estado poderia ser desrespeitada e o déficit público criado. Cenário em que a
economia passaria a conviver com ondas permanentes de instabilidade econômica e
financeira.
Entretanto, a partir da decisão do governo norte-americano de elevar de maneira
significativa a taxa de juros, e da liberalização cambial nas economias de maior peso,
foram desencadeadas muitas turbulências que transformaram e limitaram o
funcionamento da esfera pública.
As ideias conservadoras passaram a ganhar espaço, e a crise mundial era atribuída
às políticas de bem-estar social e keynesianas até então praticadas. O cenário de crise
permitiu que algumas novas contribuições teóricas fossem reconhecidas a partir de teses
de que haveria necessidade de reduzir as funções do Estado. Um conjunto de reformas
foi proposto, em diferentes planos, com ampla desregulamentação dos mercados e
privatizações do Estado, o que resultou em uma nova ordem fiscal. Estava rompida a
visão positiva do Estado na macroeconomia.
36
Essa ruptura de pensamento, foi marcada por severas restrições fiscais, a partir
dos anos 1980, empreendidas pela visão das expectativas racionais, tornando-se
hegemônica na Macroeconomia mainstream22. Naquele momento, as restrições fiscais e
financeiras passaram a ser o foco no trato da atuação de um governo.
As propostas chanceladas pela visão liberal, propunham privatizar e reduzir o
papel do Estado. A escola Public Choice defendia a eficiência e eficácia na alocação da
oferta dos bens e serviços públicos, pois o Estado representava quase um sinônimo de
desperdício, responsabilizado pelo crescimento do gasto público e sua composição,
contribuindo para geração de déficits e riscos para sua capacidade de reprodução.
Sua atuação se mostrava mais ineficaz do que o mercado, o que justificaria sua
condição mínima. A escola se fundamentava no agente individual, guiado pela
racionalidade econômica e pelo comportamento maximizante. A descentralização era
qualificada como um instrumento fundamental para promover a eficiência.
A teoria da Public Choice se amparou na restrição do uso das políticas e procurou
explicar como deveria se dar a composição dos gastos públicos, e apontar os elementos
capazes para compreender a multiplicidade das funções assumidas pelo Estado. A
evolução dos gastos públicos ora justificada pelas falhas de mercado, ora pelas questões
que influenciaram as decisões governamentais frente a racionalidade econômica dos
agentes.
Dessa forma, passou a disseminar a necessidade de estabelecer limites
constitucionais aos poderes governamentais e impor regras rígidas para o
comportamento dos políticos e da burocracia estatal, visando a combater o desperdício
e a recuperar a confiança do povo nas instituições políticas tradicionais.
Esse pensamento se consolidou por meio do processo das privatizações, iniciado
nos Países desenvolvidos a partir da década de 1980, e avançou sobre os Países em
desenvolvimento na década de 1990, perdendo força nos 2000, quando os efeitos dessa
política resultaram em crises financeiras que demandaram novamente a intervenção
estatal.
Para Affonso (2003), o objetivo maior do pensamento da Public Choice era a
preservação da riqueza, a partir da prevalência de uma visão de austeridade fiscal. Isso
correspondeu, no âmbito dos governos, ao paulatino desmonte da institucionalidade
regulatória estatal, à intensificação dos processos de privatizações, ao desmonte das
22
A esse respeito, ver Lucas e Krugman (1997b).
37
redes de proteção social, e à desregulamentação pública da atividade econômica. O
mercado passou a ser visto como a esfera capaz de promover a eficiência e a
concorrência.
Essa vertente do federalismo fiscal, ainda acreditava que todos os governos
subnacionais passariam a concorrer entre si, por meio de incentivos e de oferta dos bens
públicos. E, como os agentes eram indivíduos racionais, deveriam decidir que mais lhe
interessassem através das escolhas individuais. O papel do governo central seria apenas
de regulador do processo.
Ou seja, os interesses e satisfações individuais encontravam-se no processo
político, mais especificamente no voto individual, traduzido no comportamento dos
agentes individuais, participantes de um jogo de uma sociedade democrática, composta
por indivíduos racionais e livres, na qual todos os jogadores poderiam realizar escolhas
e definir preferências, por meio do deslocamento de uma jurisdição para outra. Para essa
teoria, enquanto alguém ganha, outro perde; para ela, não haveria resultado e soluções
cooperativas.
A concepção individualista da sociedade era retratada pelos votos, que deveriam
expressar e revelar as preferências individuais não homogêneas, mas que, quando
agregadas, alcançariam a completa função do bem-estar social. Ao revelar as
preferências dos indivíduos por bens e serviços públicos através do voto se constituiria
a tese principal dessa escola, de que o Estado, sozinho, não seria suficiente para tomar
decisões, identificar e garantir as preferências do indivíduo consumidor e eleitor.
Apenas a partir das escolhas dos indivíduos racionais seria possível um
comportamento maximizador, e a coletividade, por sua vez, exigiria de volta todos os
tributos pagos através da alocação correta dos benefícios públicos desejados e
esperados.
Acreditavam que haveria uma possibilidade de se maximizar a função alocativa,
pois, dada a proximidade entre os governos subnacionais e o consumidor contribuinte,
a eficiência na oferta e no controle dos bens e serviços públicos seria maior.
Essas premissas enfatizaram a importância de que a tomada de decisão por parte
dos governos subnacionais preconizaria melhores condições de identificar as
preferências locais no que tange os serviços e bens públicos, financiados com
arrecadação de tributos locais, e fiscalizados pelos cidadãos contribuintes, desprezando-
se por completo as questões de desigualdades econômicas e sociais entre e
intrarregionais de cada País.
38
A tese central era que quanto maior a área do território, maior deveria ser o ganho
de eficiência com a descentralização fiscal, pois os governos subnacionais atenderiam
com mais facilidade e eficiência as características regionais existentes nas demandas.
A síntese era transferir para os cidadãos contribuintes no nível local a
responsabilidade do agente fiscalizador das instituições envolvidas no processo da
descentralização fiscal. Pois o pressuposto era de que, quanto mais se pagasse de
tributos, mais participativo o contribuinte seria, e, portanto, maior a governabilidade.
Acredito que a crítica a esse modelo deva se pautar, principalmente, nas questões
de Países caracterizados por acentuadas desigualdades econômicas e sociais, entre e
intrarregionais, onde a função alocativa desempenhada pelos governos subnacionais
sofre forte variação de um local para outro, o que pode desencadear prejuízos para o
desenvolvimento econômico e social de toda a nação.
E a relação estabelecida entre esforço fiscal local com governabilidade, acredito
que levou a um reducionismo dos conceitos de controle social do dinheiro público, e de
participação política cidadã, pois passaram a ser definidos por meros critérios fiscais,
deixando de fora o aspecto humano, desprezando por completo a possibilidade da
universalidade dos direitos sociais.
Segundo os críticos, o modelo levaria a uma competição predatória entre as
jurisdições, pois a ideia de alocar os bens e serviços públicos distintos entre as unidades
fiscais, financiados pelos cidadãos contribuintes que as consumissem, do ponto de vista
sociológico, induziria o desenvolvimento de uma política de segregação social.
Entretanto, a convicção era de que, por mais imperfeito que fosse o mercado, ele
seria mais eficiente que o Estado, formado por burocratas com interesses individuais, os
denominados rent seekers23, que atuariam conforme seus lobbies e interesses, por meio
de políticas de regulação de monopólios e oligopólio, do comércio exterior, direitos de
propriedade, e que não tomariam decisões com a preocupação do resultado de soma
positiva para coletividade.
Conforme Vargas (2006), a Public Choice foi uma referência para as iniciativas
concretas de redução dos mecanismos típicos do Welfare State, bem como de desmonte
dos Estados desenvolvimentistas, sancionando a minimização da atuação
governamental em amplas esferas e a extinção de restrições às atividades privadas,
notadamente na esfera financeira.
23
Representavam grupos de interesses individuais em detrimento da coletividade.
39
Chancelou uma ampla abertura de espaço para a atuação das forças de mercado,
relegando ao Estado o papel de promotor da desregulamentação, da liberalização, da
privatização e da descentralização, em um ambiente de mínima intervenção estatal, onde
foi assegurado o funcionamento do mercado político.
Dessa forma, a existência de transferências intergovernamentais, do ponto de vista
teórico, se justificava em termos verticais, para complementar o déficit de financiamento
dos governos subnacionais, uma vez que a teoria normativa recomendava que a
competência de tributação dos governos locais se restringisse a tributar apenas bases
imóveis, como as propriedades.
A eficácia seria medida, por meio de custo mínimo possível, para o máximo de
benefício possível (Figueiredo e Figueiredo, 1986), aplicada no sentido de avaliar se as
políticas públicas descentralizadas com metas estabelecidas, sob a análise da relação
ótima entre o custo da implantação da política e o número de benefícios derivados dos
seus resultados, atingiram seus objetivos.
A corrente da Public Choice abriu espaço para os questionamentos, e o
pensamento Neoinstitucionalista24 avançou naquele momento, pois acreditava-se que o
mercado não seria eficiente frente aos problemas de informações, de risco moral, de
mercados incompletos. O Estado, peça indispensável para garantir a continuidade e
reprodução do sistema capitalista, deveria criar condições para promoção de uma nova
disciplina fiscal e reformar as instituições, as quais deveriam assegurar que o
funcionamento do mercado fosse menos imperfeito possível, com maior interação com
a conduta humana.
Caso contrário, acreditavam que o nível de instabilidade levaria a um ambiente
internacional extremamente volátil, de crescente instabilidade das taxas de câmbio e das
taxas de juros, com tendência à ocorrência de choques e sobressaltos financeiros.
Assim, caberia ao Estado definir regras claras, equilibrar as finanças públicas e
assegurar solidez às instituições tornando-as confiáveis, capazes de garantir o
pagamento das dívidas contraídas e, ao mesmo tempo, assegurar a preservação da
riqueza financeira privada (Oliveira, 2012: 133).
Ou seja, o compromisso fiscal dos governos com políticas de preservação da
riqueza financeira era o principal programa na estrutura orçamentária. Tese que de
alguma forma ganhou força nos anos 90, pois, reforçava a ideia de que os Países mais
24
A esse respeito, ver Wiesner (1996) e Riker (1987).
40
endividados, e com maior necessidade de financiamento, poderiam gerar riscos e perdas
em escala global.
Dessa forma, as nações endividadas foram submetidas às regras orçamentárias e
financeiras rigorosas, garantidas por meio de um regime de austeridade fiscal. Para
Blanchard (1990), a sustentabilidade dos Países periféricos endividados seria alcançada
por meio da formação de um resultado primário e nominal.
Lembrando que compõem o resultado primário a diferença entre as receitas
primárias e as despesas primárias. As receitas primárias são predominantemente as
receitas correntes (exceto receitas de juros), decorrentes do próprio esforço de
arrecadação das unidades orçamentárias, dos convênios e outras.
Cabe observar que, as receitas financeiras não contribuem para o resultado
primário no exercício financeiro correspondente, uma vez que criam uma obrigação ou
extinguem um direito, ambos de natureza financeira, junto ao setor privado interno e/ou
externo, alterando concomitantemente o ativo e o passivo financeiros. Como por
exemplo, a emissão de títulos, a contratação de operações de crédito por organismos
oficiais, as receitas de aplicações financeiras (juros recebidos, por exemplo), as
privatizações, amortização de empréstimos concedidos e outras.
Enquanto que a despesa primária registra o total das despesas, deduzidos os juros
e encargos da dívida e a amortização da dívida pública.
Para a apuração do resultado nominal observou-se à variação da dívida consolida
líquida em cada período, ao nível corrente da relação dívida/produto. Dessa forma, um
resultado nominal negativo indicaria que houve uma diminuição da dívida consolidada
líquida, já um resultado positivo indicaria que houve um aumento.
Nesse sentido, foram atribuídas às metodologias de apuração dos resultados
primário e nominal tendências opostas, ou seja, quanto mais positivo for o resultado
primário, menor, ou até mesmo negativo seria o resultado nominal.
Os juros passivos tenderiam a aumentar o resultado nominal, dado que aumentam
o montante da dívida consolidada líquida. Enquanto que o resultado primário e os juros
ativos tendem a diminuir o resultado nominal, visto que reduzem o montante da dívida
consolidada líquida.
Em resumo, caso o resultado primário somado aos juros ativos fosse maior que os
juros passivos, a dívida líquida diminuiria e resultado nominal seria negativo. Caso os
juros passivos fossem maiores que a soma do resultado primário com os juros ativos, a
dívida consolidada líquida aumentaria, e o resultado nominal seria positivo.
41
De certa forma, a metodologia de apuração dimensionaria o tamanho do ajuste
fiscal necessário para impedir que a dívida se tornasse insustentável, configurando de
forma objetiva os parâmetros de austeridade fiscal que seriam impostos ao mundo em
desenvolvimento e endividado, a partir dos anos 1990.
O relevante para essa visão consistia na possibilidade da comparação entre a
capacidade dos governos de geração no tempo de fluxos de superávits primários,
descontados em valor presente pela diferença entre a taxa real de juros e a taxa de
crescimento da economia, e o nível inicial da dívida.
O objetivo era que os níveis de superávits assegurassem os pagamentos da parcela
de juros reais. O serviço da dívida não deveria ser pago com nova dívida. A elevação da
carga tributária e a redução das despesas primárias eram fundamentais para resultar e
garantir os sucessivos superávits exigidos pelos organismos de controle.
Dessa forma, o esforço fiscal, na tentativa de garantir a sustentabilidade
intertemporal da política fiscal passou a ser definido, regulamentado e fiscalizado pelos
organismos internacionais. Em escala mundial, as economias mais vulneráveis foram
submetidas a nova disciplina fiscal, que intensificou as restrições fiscais para esses
Países.
Como bem destacou Vargas (2006), o uso desses indicadores de sustentabilidade
da dívida dos Países pelas agências de classificação de risco, no bojo do processo de
globalização e da ampla liberalização de capitais, tendeu a se disseminar como uma
referência importante nas decisões de investimentos dos aplicadores financeiros de peso.
Pode-se dizer que essa visão não rompeu com a ideia do critério da escolha
racional, porém introduziu a percepção de que existiriam limites à racionalidade dos
agentes, conceito denominado bounded rationality, pois as soluções dos problemas das
sociedades seriam resultantes de processos específicos de cada uma delas, e as soluções,
não necessariamente, levariam uma situação de ótimo paretiano.
A construção abstrata de um modelo que levasse ao ótimo paretiano não foi
perseguida a qualquer custo por essa escola que reconhecia que os mercados
econômicos e políticos não eram esferas que atuavam isoladamente, dada a presença
dos rent seekers, e que os fatores políticos afetariam os fatores econômicos e por eles
seriam afetados.
Dessa forma, os neoinstitucionalistas não negaram a importância do mercado, pois
acreditavam que as ações racionais individuais visavam eliminar a concorrência, e as
ações racionais coletivas, através das instituições dispunham-se a protegê-las, gerando
42
prosperidade para a sociedade. Os neoinstitucionalistas reintroduziram a necessidade de
atuação ativa do governo, ao manter a ênfase nos processos decisórios envolvidos nas
políticas públicas, e a preocupação com atuação dos rent seekers.
Para Wiesner (1996), apenas o Estado poderia assegurar o bom funcionamento
das escolhas efetuadas pela sociedade, e por meio das instituições e das políticas
públicas descentralização, o governo atuaria de forma eficiente, garantindo a
governabilidade de um País. A ideia de operacionalizar políticas de forma
descentralizada aparecia intrinsecamente relacionada com a questão da governabilidade,
pois acreditavam que, quanto maior fosse participação política resultante do esforço
fiscal na comunidade, maior seria a governabilidade.
Ou seja, na linha de defesa das restrições fiscais e financeiras dos governos
subnacionais, a descentralização ficou ainda mais fortalecida para essa visão, a qual
recebeu nova qualificação, que a colocou como instrumento central na construção da
nova disciplina fiscal que se configurava.
A descentralização se tornaria mais viável mediante a construção de
institucionalidades voltadas para mitigar seus riscos e metas nas esferas fiscal e
financeira. Ideia que foi plenamente incorporada pelas agências multilaterais ao final da
década de 1990. Esse argumento dissolveu a dicotomia, que explicitava o velho trade
off entre descentralização e centralização num formato diferente, que destacava a
contraposição entre accountability25 que os sistemas descentralizados promoveriam e a
maior coordenação que os sistemas centralizados embutiriam (OATES, 1994).
A introdução de indicadores fiscais nos cálculos de risco País passaram a orientar
as movimentações financeiras globais e, na prática, funcionou como um enquadramento
direto das políticas fiscais dos Países e dos entes subnacionais. Dessa forma,
estabeleceu-se uma relação entre o perfil de política fiscal dos governos e os fluxos de
capital, em graus variáveis, segundo as particularidades de cada País.
A necessidade de submissão das contas públicas à disciplina fiscal justificava-se
para evitar fuga de capitais. Nesse contexto, toda a exigência de geração de superávits
primários pelos Países e esferas governamentais endividados derivava dessa concepção,
amplamente disseminada pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial.
25
Segundo Aghón (1993), a accountability é definida como uma noção abrangente que vai além de
prestação de contas à sociedade pelos gestores da coisa pública e de sua tradução literal, que é a de
responsabilidade, sendo considerada a essência da eficiência de decisões descentralizadas.
43
A capacidade de geração continuada de superávits primários pelos governos
sintetizava a questão da credibilidade do governo junto aos aplicadores em títulos
públicos. Os bons fundamentos fiscais seriam condição necessária de atuação dos
governos centrais, inclusive as esferas subnacionais ganharam crescente importância, e
passaram a considerar as despesas financeiras como a prioridade número um na
execução orçamentária. Essa concepção gerou pressões para o enquadramento das
esferas subnacionais, especialmente em Países federativos mais descentralizados, caso
emblemático do Brasil.
Conforme Vargas (2006), o resgate do governo como um ator ativo resultou em
mudanças na forma de pensar a noção de disciplina fiscal, estando ele voltado para um
quadro mais abrangente da ordem financeirizada. Para tanto, o governo delineou novas
ações e regras de ouro que se tornaram linhas mestras da nova disciplina fiscal. O
objetivo central era cumprir as exigências e controlar as restrições fiscais e financeiras
das esferas subnacionais descentralizadas. Vale observar que tais linhas se deslocaram
do embate que existia entre descentralização versus centralização, para um redesenho
cada vez mais específico de restrições e metas fiscais nas relações intergovernamentais.
Cabe ressaltar que, o governo central tornou-se o formulador das políticas
descentralizadas, de forma a condicionar e estabelecer a regulação dos governos
subnacionais, tanto nas esferas fiscal, financeira e previdenciária, quanto nas despesas
discricionárias, ampliando sobremaneira sua autonomia federativa.
Nesse processo, remodelou algumas institucionalidades, que ganharam papel
importante na qualificação da accountability e na coordenação de cada exigência. Um
conjunto de linhas de abordagem das esferas subnacionais se desenvolveu, denominado
por Oates (2004) como a segunda geração do Federalismo.
Dessa forma, ocorreu uma redefinição teórica da descentralização, para a Países
periféricos endividados, sob o âmbito do modelo do Soft Budget Constraint,
disseminado a partir de fins dos anos 1990. Se consolidou uma nova abordagem para
orientar diretamente a reconstrução institucional e promover a disciplina fiscal em
esferas subnacionais endividadas, sob a égide de restrições orçamentárias fortes, em
contextos descentralizados.
Spanh (1998), um defensor radical da descentralização, acreditava que o processo
poderia ser amplo, inclusive fora da função estritamente alocativa, envolvendo também
as funções estabilizadora e distributiva. Porém, exigiria ações coordenadas de diversas
ordens que assegurassem determinado grau de restrição fiscal e financeira nas esferas
44
subnacionais. Reconhecia, no entanto, que a descentralização poderia gerar problemas
caso a gestão dos orçamentos subnacionais e o controle de acesso dos mercados de
capitais não ocorressem.
Em síntese, mesmo os descentralistas mais radicais passaram a aceitar a
ponderação de que era necessário qualificar a descentralização, construindo elementos
adicionais para que ela promovesse a eficiência, e, ao mesmo tempo, evitassem efeitos
danosos sobre a esfera macroeconômica.
As condições de autonomia fiscal e accountability, se dariam a partir da
adequação da tributação de impostos, e do uso mínimo de dependência das
transferências intergovernamentais, que minimizaria a necessidade de transferências
voluntárias, e das pressões por socorro do governo nacional, posto que, uma adequada
distribuição de atribuições e ou encargos e das competências tributárias, os riscos sobre
a esfera macroeconômica seriam mitigados.
Dessa forma, a noção de disciplina fiscal que se consolidou nos anos 1990
qualificou a descentralização, a partir do conceito de accountability e de coordenação,
ultrapassando os limites da esfera fiscal. Assim, a descentralização fiscal juntamente
com esforço tributário local, passaram a ser sinônimos do termo denominado
accountability.
Em outras palavras, o financiamento das políticas públicas, preferencialmente,
deveria se dar no local da ação, para garantir governabilidade democrática, considerada
um dos principais objetivos da descentralização fiscal, política e administrativa.
E, mediante a atuação dos agentes do FMI nos processos de ajuste fiscal estrutural
nos anos 1990, as restrições fiscais e financeiras aos governos subnacionais dos Países
periféricos se aprofundaram. A orientação era que a partir de regras de austeridade
fiscal, e de um mecanismo de controle hierárquico, haveria um enquadramento
macroeconômico.
A visão geral era de que os Países em desenvolvimento endividados, em especial
os com maior nível de descentralização fiscal e de liberdade financeira, requeriam um
redesenho institucional mais cuidadoso. Alguns argumentos defendiam a necessidade
de se redesenhar as instituições, rever a descentralização das atribuições de receitas e
das despesas, assim como o poder de tomar empréstimos das esferas subnacionais.
O modelo de disciplina fiscal, o Hard Budget Constraint (HBC), tinha como
elemento central a construção de uma engenharia de fortes restrições fiscais aos
governos subnacionais. Ou seja, quando os comportamentos das instituições pudessem
45
gerar riscos para a atividade econômica, interferindo nos elementos de alocação e
seleção providos pelo mercado, as institucionalidades e seus agentes sofreriam
penalidades.
Dentre os mecanismos institucionais criados para o controle e a coordenação
fiscal, no Brasil, ganhou destaque as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
determinou restrições que impactaram no processo da descentralização fiscal e nas
relações intergovernamentais.
Em termos gerais, alguns dos principais mecanismos propostos pelo modelo HBC,
foram os instrumentos criados para responsabilização das esferas subnacionais, por
meio da regra de orçamento equilibrado; limitações do estoque da dívida, a partir da
definição de um coeficiente de endividamento; regras para novos empréstimos
concedidos apenas para financiar as despesas de capital (regra de ouro); e o teto
estipulado para a realização de gastos com pessoal. Imposições justificadas pela
necessidade de se honrar o serviço da dívida passada, por meio do cumprimento de meta
de superávit primário e resultado nominal.
O modelo permitiu que as despesas financeiras com pagamento de juros da dívida
pública crescessem de forma exponencial na estrutura orçamentária, pois se alinhava
com os interesses do capitalismo financeiro globalizado. Nesse sentido, se necessário, o
Estado deveria comprometer e/ou sacrificar políticas essenciais para o desenvolvimento
sustentável. Os acordos e alianças entre unidades federativas permaneceriam sob ação
do governo federal, cada vez mais forte e indutor, em um ambiente de austeridade fiscal.
A responsabilidade fiscal era avaliada como fundamental para o modelo HBC. E,
sistemas federativos descentralizados, principalmente aqueles sustentados pelas
transferências intergovernamentais, sem regras claras, poderiam gerar desdobramentos
perigosos macrofiscais. Dessa forma, deveria se potencializar a base de arrecadação da
receita própria das esferas subnacionais, considerada como necessária para o alcance de
uma posição que identificaria a autonomia dos entes federativos com independência
fiscal, ou mesmo uma quase autossuficiência fiscal e financeira.
No caso do brasileiro, acabávamos de mudar o regime, recuperamos a democracia
e aprovamos a Constituição Cidadã em 1988, que garantiu a universalidade. Mas já no
início dos 90, submetemos o país a um severo ajuste fiscal.
Como veremos, permanecemos praticamente imobilizados pelas determinações
da nova disciplina fiscal. As questões urbanas e sociais de competências exclusivas
46
municipais, pactuadas no texto constitucional permaneceram subtraídas da agenda de
desenvolvimento.
E, os municípios, apesar de reconhecidos como entes federativos autônomos,
poucas oportunidades foram viabilizadas para pensar-se o planejamento e
desenvolvimento local. Pois, o aumento dos recursos disponíveis não atendeu às
atribuições descentralizadas, principalmente no caso das 26 capitais, sede de regiões
metropolitanas do País.
Lembrando que, não apenas as restrições fiscais, mas a tradição de indefinições
das fronteiras de atuação de cada esfera de governo, mantida no texto constitucional,
tem permitido a omissão, sobreposição e ausência de cooperação de ações entre os entes
de federativos, comprometendo a construção de um pacto federativo autônomo,
descentralizado e cooperativo.
Segundo Affonso, (1995:57) o pacto federativo brasileiro “(...) consiste, na
verdade, em um conjunto de complexas alianças, na maioria pouco explícitas, soldadas
em grande parte por meio dos fundos públicos”.
A partir daí a federação brasileira travou uma batalha entre as premissas do
pensamento hegemônico versus o pacto social universal e descentralizado vigente,
pactuado por meio de mecanismo de transferências constitucionais e de transferências
voluntárias.
Em um ambiente de restrição fiscal e financeira, as imposições invadiram os
orçamentos dos governos subnacionais, e poucas oportunidades nos restaram para
superarmos o atraso econômico, concomitante com desenvolvimento social,
comprometendo a autonomia federativa, principalmente dos centros urbanos mais
populosos e endividados do País, conforme veremos nos capítulos 3 e 4.
Essa breve reflexão, nos permite construir uma das hipótese desta pesquisa, de
que a experiência da descentralização fiscal brasileira tenha sido uma combinação das
abordagens acima, a descentralização fiscal brasileira mais se pareceu com um
movimento de desconcentração de tarefas e compromisso fiscais, que permitiram a
omissão dos governos superiores nas suas respectivas atribuições, do que propriamente
uma ideia de autonomia fiscal, bem diferente do conceito de descentralização fiscal
definido nas palavras de Silva e Costa (1995:263) como: “um processo de redistribuição
de recursos, espaços de decisões, competências, atribuições e responsabilidades”.
Veremos mais à frente que, a federação brasileira não encontrou um caminho que
permitisse reproduzir de fato autonomia nas relações federativas, a formulação da
47
política pública se encontra centralizada na esfera federal face às exigências dessa nova
disciplina fiscal em cursos desde os anos 90.
Inseridos em um modelo de constrangimentos fiscais, os grandes centros urbanos
permaneceram mergulhados numa série de dificuldades econômicas e sociais, expressas
a partir do processo de desindustrialização do País e da guerra fiscal. Ao mesmo tempo,
aumentaram sua participação na receita disponível do País, porém, com o avanço do
processo da descentralização fiscal e omissão das esferas superiores de governo, o hiato
entre a capacidade e necessidade de investimentos tem sido aprofundado.
48
Capítulo 2: A Crise federativa: marcada pela crise do
endividamento do setor público; pelo modelo da
descentralização fiscal; e as severas imposições fiscais aos
governos subnacionais
2.1 Introdução
26
A esse respeito, ver Cavalcanti e Prado (1998).
27
Segundo Afonso; Soares; e Castro (2013) desde a época de sua criação, em 1967, até as novas
disposições de 1972, a cota-parte do ICMS era essencialmente devolutiva. Com o Decreto-Lei nº
1.216/72, a transferência foi normatizada a partir do conceito de Valor Agregado (VA), bem próxima a
um esquema devolutivo, o que beneficiava municípios de maior base tributária, principalmente industrial.
Em 1980 (Emenda Constitucional nº 17/80), o uso do VA foi limitado a 75% dos recursos da cota-parte,
passando está a ter caráter híbrido, pois os 25% restantes poderiam ser distribuídos segundo critérios
dispostos na lei estadual. A Constituição de 88 manteve esse modelo de cota-parte, apenas aumentando
de 20% para 25% a parcela do ICMS destinada aos municípios. • Origem dos recursos: 25% da
arrecadação do ICMS pelos estados. Destino dos recursos (regime de partilha): 75% dos recursos
retornam ao município onde foram arrecadados, de acordo com o conceito de VA, e 25%, segundo
critérios definidos em lei estadual. Os critérios mais utilizados nas leis estaduais têm sido o número de
habitantes, a área do município e um coeficiente linear.
50
de suas responsabilidades constitucionais, e as relegassem aos cuidados da esfera
municipal, principalmente para as administrações dos grandes centros urbanos.
A partir daquele momento, muitas questões responsabilidades constitucionais
deixaram de ser tratadas no âmbito federativo e passaram a ser ignoradas no contexto
restritivo das medidas do ajuste fiscal dos anos 90. Realidade que nomeio de difícil
encontro entre a autonomia federativa municipal assegurada no texto constitucional de
1988 versus a rigidez orçamentária cravada nos orçamentos das 26 capitais, não apenas
pelo modelo de barganha do pacto federativo, mas pelas exigências de uma nova
disciplina fiscal que invadiu os anos 1990.
O capítulo discutirá os principais elementos que conformaram a situação das
capitais brasileira durante a década dos 80. A crise econômica, desencadeada a partir do
problema da dívida externa, gerou uma crise fiscal sem precedentes e o colapso do
padrão de financiamento definido desde às reformas de 1964.
A situação financeira das capitais, neste contexto de desestruturação do quadro
econômico, beneficiou-se das mudanças no sistema de partilha resultado das alterações
do pacto político, e simultaneamente, sofreu com as medidas do processo de
descentralização de encargos e das restrições no manejo do orçamento municipal, que
passaram a comprometer a capacidade de as cidades responderem satisfatoriamente ao
crescimento das demandas que recaiam sobre elas, reforçando o movimento
contraditório presente na monopolização desigual do capital e na marginalização do
compromisso social que se consolidou nos grandes centros urbanos no País.
28
A descentralização de recursos do poder central em prol dos estados e municípios entrou em curso, e
uma das primeiras mudanças ocorreram a partir das manifestações e atuações da oposição político
partidária no Congresso, foi a aprovação das emendas Passos Porto e João Calmon, números 23 e 24,
respectivamente, em dezembro de 1983. A emenda n.23 aumentou a participação dos estados e municípios
na receita disponível por meio da elevação das alíquotas do fundo de participação estadual (FPE) e do
fundo de participação municipal (FPM), e a participação dos governos subnacionais no Imposto Único
sobre Combustível e Lubrificante também foi ampliada, além de incluírem a alíquota do IPI na base de
cálculo do ICM que incidia sobre cigarros. E a emenda n.24 definiu que a União aplicasse o percentual
mínimo de 13%, e estados e municípios, o percentual mínimo de 25% das receitas de impostos com
educação. E, para que esses direitos fossem assegurados por meio do modelo de gestão descentralizada,
a partilha dos recursos era crucial, não só para o financiamento das políticas da proteção social, mas
principalmente para o revigoramento do pacto federativo, que deveria representar o fortalecimento técnico
e político entre as esferas subnacionais, além de uma possível eficiência na gestão dos recursos públicos,
um caminho para a cristalização do equilíbrio federativo.
55
um pacto que revigorasse as relações federativas, que acabaram repletas de vazios e
sobreposições de papéis, dificultando o entendimento da função de cada ente de
governo.
Vale lembrar que as forças conservadoras haviam escolhido democraticamente
Fernando Collor de Mello para governar o País. Com medidas restritivas aprofundou o
desmonte do organograma da administração federal, e interrompeu a construção das
políticas urbanas, principalmente, dos setores de transporte, saneamento e habitação.
Na sequência iniciou-se o processo das privatizações das empresas públicas; e
da captura dos recursos da seguridade social; aliado ao aumento da carga tributária não
partilhada com os governos subnacionais. A expectativa da governabilidade social
soprada pelo texto da Constituição Cidadã parecia inviabilizada.
Ou seja, apesar do projeto de Estado aprovado no texto Constitucional de 1988
representar o desejo do povo brasileiro, as indefinições e ausências de ações e
investimentos necessários para o desenvolvimento local e regional, aliada à retórica
liberal do governo Collor, permitia o avanço da operação desmonte, a abertura
econômica sem nenhum planejamento.
As regiões mais industrializadas do país sofreram as consequências da
liberalização econômica e passaram a conviver com desemprego, e a guerra fiscal
declarada entre regiões e municípios do País. Todos endividados e de joelhos com o
pires na mão, os governos subnacionais saíram em defesa dos seus próprios interesses
de forma predatória.
As medidas do novo modelo fiscal criaram muitos desafios aos governos
subnacionais, ficava evidente que os interesses do FMI se encontravam acima das
conquistas que a nova República havia assumido.
29
Capítulo II da Constituição Federal. Seção I, Disposições Gerais, artigo, 194. A seguridade social
compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base
nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação
dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de
participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e
descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998).
57
Em simultâneo, com o discurso que as demandas da agenda social recaíram
fortemente sobre o orçamento federal, o governo buscou recompor a sua base tributária
com a criação de mais contribuições sociais que permitiriam a recentralização da
participação federal na receita disponível, ao mesmo tempo em que transferia parte das
atribuições antes concentradas na esfera federal para os estados e municípios, ou
simplesmente a política pública deixava de ser oferecida ao cidadão.
Como já abordado, naquele momento o Brasil vivia um encolhimento de sua
base de arrecadação, mediante a abertura econômica e à política tributária de isenção e
desoneração para alguns setores. Dessa forma, a arrecadação das rubricas de receitas
que compunham os fundos de partilha era prejudicada, porém, fundamentais para
assegurar as políticas descentralizadas.
Com regulamentação do financiamento tripartite pouco definida, as decisões
administrativas e o nível de provisionamento de serviços públicos locais tiveram
resultados bastante diferentes por regiões e localidades.
De um modo geral, a federação construiu relações e políticas descoladas do
princípio de solidariedade, na contramão do fortalecimento das relações federativas,
apenas atrelado ao jogo de interesses privados e do descompromisso social para a
maioria da população. Silva e Costa (1995), observaram que na trajetória do Estado
brasileiro, o viés clientelista corporativista de apropriação privada do espaço público
por segmentos específicos da sociedade sempre prevalecera.
Dessa forma, retomo a problemática central: o arranjo federativo de 1988,
desalinhado com a agenda liberal, não permitiu que as cidades sedes das regiões
metropolitanas que abrigavam e atendiam um terço da população brasileira,
enfrentassem as complexas questões urbanas sociais e de infraestrutura que
contabilizavam. Conforme Oliveira (1995:10):
A verdade é que, embora a reforma de 1988 se tenha colocado uma
importante oportunidade para a remoção de várias mazelas do sistema,
de concreto não se haviam registrado mudanças suficientes na
correlação das forças sociais que assegurassem a sua reconstrução em
bases mais justas e civilizadas, ao contrário do que parecia indicar, a
alternância de poder ocorrida entre o regime militar e civil. O fato é
que as mudanças que se processaram nas relações de forças políticas,
à época, parecem ter restringido seu raio de ação à garantia da troca
de comando do País, mas não à edificação de uma sociedade assentada
em outras bases. Desse processo, emergiu um quadro de transição
pactuada que, por um lado, garantiu importantes espaços para os
atores que ocupavam a cena anterior e, por outro lado, indicou à
sociedade que se caminharia em direção à reprodução da farsa
leopardesca de mudar alguma coisa para nada mudar. Essa, a razão
58
que levou à frustação de expectativas criadas em torno de soluções
para as distorções do sistema, verbi gratia a da iniquidade, presentes
e ampliadas durante o período autoritário do País.
30
Para esta pesquisa, receita disponível é a receita total, excluídas as operações de crédito e as deduções
da receita corrente.
59
justificados em parte pela redução do nível de atividade econômica e pela necessidade
de reduzir o nível do déficit público.
Podemos dizer que a ação do governo era orquestrada com objetivo de manter o
controle político e operacional da descentralização para que seu poder de influência não
fosse reduzido. A lógica e procedimentos de articulação dos interesses não havia sido
alterada, e permitiu que a luta de interesses regionais e negociações varejistas
beneficiassem poucos e potencializassem os conflitos federativos.
Acredito que os ingredientes estavam postos para a consagração da crise
federativa. Ainda que os governos estaduais e municipais tenham sido favorecidos por
meio da participação na receita disponível, porém, insuficente para financiar de forma
satisfatória a universalidade dos direitos que o País aguardava.
31
Os fundos de participações são transferências constitucionais, determinadas no texto constitucional,
artigo 159, inciso I, letra b, que definiu como base para formação dos fundos a arrecadação de impostos
federais (IPI e IR), com princípio de promover a redistribuição desigual da receita às unidades menos
privilegiadas. Os coeficientes de participação dos estados e distrito federal estão definidos em Afonso
(2000).
60
É preciso reconhecer que o resultado da metodologia da partilha do FPM,
seguramente ampliou o volume de receitas disponíveis na esfera municipal, ao mesmo
tempo, contribuiu para que os novos municípios absorvessem considerável fatia da
receita do município do qual se desmembrou, de modo que a população que permaneceu
no município de origem sofreu com a redução per capita dos recursos, passando a
receber menor valor para o atendimento das demandas locais.
Tabela 3- Receita Total, Transferências Correntes e FPM per capita, por intervalo
populacional, em R$
População
Municípios por intervalo Transferências
por Receita Total FPM (*)
populacional Correntes (*)
intervalo
Até 5 Mil Habitantes 3.937.734 R$ 3.143,01 R$ 2.699,31 R$ 1.449,12
5-10 Mil Habitantes 7.835.424 R$ 2.073,55 R$ 1.729,66 R$ 678,34
10-20 Mil Habitantes 16.020.674 R$ 1.765,92 R$ 1.470,44 R$ 538,67
20-50 Mil Habitantes 27.230.905 R$ 1.631,01 R$ 1.284,89 R$ 397,77
50-100 Mil Habitantes 19.598.930 R$ 1.675,56 R$ 1.210,65 R$ 283,06
100-500 Mil Habitantes 44.076.746 R$ 1.812,95 R$ 1.129,08 R$ 202,61
500 - 1000 Mil Habitantes 15.511.967 R$ 1.775,23 R$ 1.077,02 R$ 140,58
Mais 1000 Milhão Habitantes 36.108.737 R$ 2.416,00 R$ 1.029,39 R$ 79,21
Fonte: Finbra 2006. Elaboração Própria.
(*)Valores já descontados as Deduções para formação do FUNDEF.
Valores Corrigidos IPCA IBGE, março de 2018.
É bem verdade que o processo da descentralização fiscal tinha essa tarefa de lançar
mão de instrumentos redistributivos e alocativos de recursos, voltado para os
desequilíbrios inter e intrarregionais, ou seja, os descompassos na capacidade de
tributar. Porém, Prado (2004:37) observa que:
(...) a partir de 1989, os fundos de participação deixaram de ser um
sistema redistributivo minimamente consistente, tornando-se apenas
um mecanismo rústico de compartilhamento de dois impostos federais
– IPI e IR –, com estados e municípios, a partir de percentuais fixos.
32
A esse respeito, ver Carneiro (2002).
63
33
O título VIII da Constituição, expresso nos artigos 193 a 225, determinou as competências concorrentes,
e que a competência da União seria restrita às normas gerais sobre os temas repartidos, o que, sem dúvida,
gera dificuldades na identificação exata dos limites em que pode atuar tal ente federado sem invadir a
parcela de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios. De um modo geral, ficou assegurado
que a promoção da seguridade social, deveria ter suas ações e financiamentos integrados entre os três
níveis de governo; e ficou estabelecido que a educação; desporto; proteção do meio ambiente; promoção
de programas de moradia e saneamento básico e integração social também seriam políticas no âmbito das
competências concorrentes.
68
Tabela 5 - Evolução Receita Disponível por esfera de governo, em %
Receita Disponível por Esfera de Governo - em %
ANO União Estados Municípios
1960 59,4 34,0 6,6
1980 69,2 22,2 8,6
1988 62,3 26,9 10,8
1991 56,3 27,4 16,3
1997 56,3 27,1 16,6
1998 59,2 25,0 15,8
1999 60,0 24,7 15,3
2000 59,7 25,3 15,0
2001 56,4 27,1 16,5
2002 57,1 26,6 16,3
2003 57,4 26,4 16,2
2004 58,2 25,7 16,1
2005 57,9 25,8 16,4
Fonte: Estudo da Receita Federal, vários anos.
Elaboração Própria.
34
O Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
- zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio
público;
- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
-proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos,
as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
- impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico,
artístico ou cultural;
- proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
- proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
- preservar as florestas, a fauna e a flora;
- fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
69
especialmente às atribuições do artigo 23, parágrafo único, foram transferidas para
regulamentação de Lei Complementar.
Diante desse comportamento, os grandes centros urbanos sofreram ataques a sua
autonomia federativa em função da ausência de regulamentação de muitos setores, e das
imposições da nova disciplina fiscal adotado pelo governo brasileiro nos anos 90.
Enquanto que, ficou estabelecido que as responsabilidades de competências
exclusivas35 municipais definidas no artigo 30 da Constituição Federal, deveriam ser
financiadas apenas com recursos próprios e transferências constitucionais.
O resultado dessa estratégia era interessante para o governo central, que
discriminou quais deveriam ser as tarefas dos municípios, ao mesmo, não definiu quais
recursos deveriam financiar as ações descentralizadas, comuns aos três entes federados.
Estratégia que justifica a demora para regulamentar assuntos fundamentais e de
interesse da nação, adiados para a segunda metade dos anos 90. Por exemplo, o antigo
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF), que se transformou em dezembro de 2006, no atual Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
36
A Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, modificou os Artigos 34, 208, 211 e 212
da Constituição Federal e deu nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
37
A Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, alterou a Constituição Federal, instituindo
a vinculação de recursos da União, dos Estados e dos Municípios para o custeio de ações e serviços
públicos de saúde, no § 2º do artigo 198 da Constituição Federal.
38
A esse respeito, ver Azeredo (1990) e Fagnani (1997).
71
funcional encargos especiais, onde são empenhadas e pagas as despesas com juros e
amortização do principal da dívida pública.
Conforme Villaça (2003), passamos a ser governados pelo mundo do pensamento
único, do Consenso de Washington, o mundo perdido, sem rumo, sem paradigma e sem
futuro, com homens incapazes de encontrar a solução para os problemas.
Mudamos o regime, a liderança política, mas nada foi alterado. Desde a sua
criação, a proteção social passou a disputar recursos com o orçamento fiscal, exatamente
como no passado, sufocada pela operação desmonte e por severas restrições fiscais
implementadas pelas medidas liberais dos anos 1990.
É possível afirmar que a esfera municipal ficou sobrecarregada com as
consequências desse modelo, com desaparecimento da oferta de alguns serviços federais
e estaduais. As prefeituras metropolitanas foram forçadas a assumir novas funções e
municipalizar muitos programas, que ampliaram a necessidade dos gastos correntes e
de investimento em infraestrutura.
Vencer os desafios criados a partir dessas mudanças consistiria em superar a
questão que não aparece no debate, permitindo que a transferência de responsabilidades
ocorresse repleta de vazios e lacunas de financiamento39.
Acredito que tenham sido esses os principais fatores que iniciaram a crise
federativa e fiscal dos grandes centros urbanos, que ainda se encontram incapazes de
assumirem problemas que estão cristalizados no âmbito urbano e social, mesmo diante
do aumento da receita disponível ao longo do período estudado, conforme veremos no
capítulo 4.
Assim, pode se dizer que a disponibilidade financeira definida no texto
constitucional não guardou uma relação condizente com a natureza das demandas e com
o desenho demográfico intrarregional do País, e pode ser vista e sentida nas 26 capitais.
Acredito que o desequilíbrio federativo emergiu a partir do agravamento das
assimetrias verificadas não só no volume dos recursos disponíveis, mas também na atual
divisão das responsabilidades, que não nos permite – ou é quase impossível – identificar
uma hierarquia das responsabilidades correspondentes de cada ente federativo.
Passados quase 30 anos da promulgação da Constituinte, permanecemos
desprovidos desse debate, o resultado é uma insatisfação generalizada dos cidadãos,
com crise de funções, uma briga de todos contra todos nas estruturas da federação, e
39
Para a análise do comportamento do gasto social no período posterior à Constituição de 1988, ver
Medici (1995), e Afonso e Raimundo (1995).
72
ninguém parece ter razão. Esses acontecimentos sinalizam que existem prioridades a
serem debatidas no processo da descentralização fiscal, que foi incapaz de promover
uma configuração das ações federativas harmônicas e transformadoras que o País tanto
clamou.
Entendo que dividir responsabilidades e ser por elas justamente remuneradas é
direito não só das esferas de governos, mas, acima de tudo, interesse dos cidadãos
brasileiros, já que são os municípios que poderiam garantir maior agilidade e qualidade
de atendimento da prestação dos serviços públicos, pois é a esfera que oferece melhores
condições para um efetivo controle social dos recursos públicos, e conhece
profundamente as demandas locais.
Existe a necessidade de se estabelecer um pacto com a necessidade de cobertura
dos gastos de determinados programas, de modo que as demandas possam ser atendidas
de uma forma mais equilibrada. Aliado a isso, é imprescindível deixar de lado o discurso
de que existiria uma incapacidade financeira e técnica dos governos municipais.
Me parece mais correto para entender essa configuração, como bem disse Affonso
(2000), que a partir da redemocratização do País, continuamos mergulhados em uma
gestão de Estado voltada quase que inteiramenre aos compromissos associados à
valorização do capital, prevalecendo a balcanização do poder.
Ou seja, mais uma vez, a reprodução das condições sociais e os interesses das
classes mais fragilizadas continuaram sem voz política e foram marginalizados na plena
vigência da Constituição Cidadã. A ampliação da desigualdade econômica e social inter
e intrarregional se expressa por todas as regiões do País, principalmente, nos grandes
centros urbanos, que passaram a conviver, lado a lado, com a acumulação do capital e
da pobreza.
Acredito que este capítulo observou questões que caracterizaram as dificuldades
estruturais decorrentes a partir do processo da descentralização fiscal, sob o âmbito de
pouca coordenação financeira e orçamentária, e de poucos avanços nas regulamentações
do papeis de cada esfera de governo, que reforçou o jogo de interesses privados,
enquanto que os interesses coletivos permaneceram desconectados de qualquer
possibilidade de construirmos ações integradas que nos direcionem para uma coesão
social.
Vem à tona a necessidade de uma reflexão que nos permita um debate fiscal,
capaz de enfrentar os conflitos federativos, as indefinições e vazios de competências
73
governamentais, o clientelismo e corporativismo presentes nas ações dos órgãos
responsáveis pela implementação das políticas públicas no País.
Fica evidente que a federação precisa de um ajuste forçado nas políticas
descentralizadas, capaz de resolver os conflitos, as indefinições e os vazios de
competências, e de fato selar compromissos com seus cidadãos, estabelecer e assumir
as confusas tarefas constitucionais, com regulamentações cristalinas, inclusive retomar
o debate sobre o papel da Região Metropolitana.
É impossível continuar com precarizações dos serviços sociais, indefinições e
ausências de papéis, em um modelo no qual perguntas, como: “Quem faz o quê? ”,
“Com quais recursos? ”, “E para quem faz? ”, ainda não têm respostas claras e simples,
mesmo diante de um processo de descentralização em curso há quase três décadas.
74
Capítulo 3: Os percalços dos 1990: ajuste fiscal combinado com
descompromisso social
3.1 Introdução
40
Ver Carvalho (2000).
76
3.2. Os impactos da política fiscal dos anos 90 nas finanças públicas das 26
capitais brasileiras
41
As empresas e famílias possuidoras de dívidas a pagar – bancárias e tributárias –, em vez de utilizar a
liquidez da nova moeda para realizar os pagamentos, adquiriam de outras empresas e agentes a
titularidade sobre os Valores a Ordem do Banco Central (VOBCs) retidos e com eles realizavam os
pagamentos. Os haveres não utilizados no processo viraram poupança de longo prazo, os denominados
VOBCs, que rendiam correção monetária, mais 6% ao ano.
42
Importante lembrar, que mediante a abertura às importações induziu um ajuste nas empresas que
sentiram a ameaça de acirramento da competição. O ajuste de preço foi superficial e concentrou-se no
corte dos custos, redução dos níveis hierárquicos, contratação dos serviços terceirizados, redução do
escopo das atividades industriais, e recorreu-se à importação dos bens cuja produção havia sido
interrompida, incrementando as compras externas de insumos, componentes e bens de capital, frente à
urgência de aprimorar a qualidade e a atualização tecnológica. As sucessivas medidas liberais resultaram
em um drástico corte de emprego para a indústria brasileira, processo denominado de Desindustrialização.
77
avanço do processo da descentralização fiscal, pois havia perdido participação na receita
disponível, e mediante a instabilidade econômica que afetava o País, a capacidade de
novos investimentos públicos ficava comprometida; e que a partir da redução do déficit
público, o controle da inflação se fortaleceria, permitindo um planejamento da política
financeira necessária para dar lastro às políticas de austeridade fiscal.
Dessa forma, o discurso centrava-se na necessidade de cortes de gastos, inclusive
a partir da venda de patrimônio público, que elevaria a arrecadação do governo.
Lembrando que a receita de alienação de bens públicos não era partilhada com os
governos subnacionais, e muito menos com o orçamento da seguridade social. O valor
deveria ser alocado integralmente para na alocação das despesas financeiras.
Outra forma de compensar a perda na receita disponível43 se deu por meio da
criação de novos tributos, em especial das contribuições sociais e de aumento de
alíquotas de impostos não compartilhados com os governos subnacionais. Ou seja, a
carga tributária aumentou e permitiu um movimento contínuo de recentralização
financeira, porém, sem nenhuma discussão com a sociedade democrática do País.
Estratégia que em nada contribuiu para soldar o pacto federativo, e a qualidade da carga
tributária nacional piorou, e o nível da desigualdade de renda44 aumentou.
Tal investida reduziu a importância dos recursos tributários que compunham as
transferências constitucionais, e que deveriam assegurar a descentralização das
responsabilidades. Começava a ficar evidente que os instrumentos da nova ordem
econômica e fiscal pactuaria apenas com os interesses de poucos. O governo federal,
sistematicamente, implementava medidas que feria o objetivo constitucional selado por
meio contrato social vigente.
A figura 01 nos permite visualizar a evolução da COFINS com relação ao PIB,
que ao longo do período observado foi sofrendo aumentos sucessivos, a alíquota passou
de 0,5%, em 1988, para 2%, em 1990. Enquanto que as receitas dos impostos que
sustentavam as transferências constitucionais perderam fôlego, em função do menor
dinamismo econômico, caso emblemático do IPI, conforme mostra a figura 01.
43
Para esta pesquisa, entende-se por receita disponível todas as receitas advindas de tributos, que ficam
disponíveis a cada esfera de governo, depois de computadas as transferências recebidas e os repasses
feitos às demais esferas de governos.
44
A esse respeito, ver Pochman (2008 e 2014).
78
Ou seja, a base das receitas das transferências constitucionais em 1988
representava 48% do total da receita tributária; em 1990 já havia sido reduzida para 39%
(OLIVEIRA, 1995).
O modelo em curso era desfavorável não apenas para o federalismo, mas de um
modo geral, prejudicava a economia e o contribuinte. O aumento dos tributos
contribuiram para que os preços relativos da economia45 aumentassem, prejudicando a
competitividade nacional.
0
1991 1993 1994 1997 1999 2000 2001 2005 2006 2007 2008 2009 2010
IPI CONFINS
45
O aumento da carga tributária de tributação, principalmente, indireta, garantiria prejuízos para a
competitividade econômica, uma vez que sua sistemática teria incidência cumulativa na formação do
“custo Brasil”, ampliando também a regressividade da estrutura tributária, transferindo um ônus maior
para as camadas mais pobres da população. Vale lembrar que, naquele momento, a federação já sofria
com os efeitos da estagnação econômica, com as altas taxas de juros e com o desemprego.
46
O plano pretendia renovar a dívida externa de países em desenvolvimento mediante a troca por bônus
novos. Esses bônus contemplavam o abatimento do encargo da dívida, por meio da redução do seu
79
O Brasil imediatamente ampliou o montante de recursos orçamentários
comprometidos com o pagamento dos juros vincendos de 30% para 50%. A partir dessa
renegociação os objetivos do liberalismo se fortaleceram, e parte expressiva do
orçamento era drenada para o pagamento dos juros da dívidas públicas federal com o
mundo.
O vazamento desses recursos em nada contribuiu com a geração de emprego
nacional, e muito menos com a promessa de coesão social. A redução do papel do
Estado, alinhado com o resultado da queda da atividade econômica, concomitante à
erosão das suas receitas, aumentou a pressão pelas demandas sociais.
Após o processo de impendimento do presidente Fernando Collor, assume o vice
Presidente da República, que imediatamente priorizou e ampliou os compromissos
fiscais, e na sequencia anunciou um plano estabilização econômica, o Plano Real. O
discurso do governo Itamar Franco era apoiado na necessidade de aumentar as
transferências de responsabilidades para os governos subnacionais e alterar o regime
fiscal, principalmente por meio da recuperação da receita e avanços no programa de
privatização do patrimônio público. Ações que se consolidaram no Programa de Ação
Imediata (PAI)47.
O diagnóstico central era de que o processo inflacionário resultava do
desequilíbrio fiscal. Para o governo, o sucesso da estabilização econômica dependeria,
fundamentalmente da criação de instrumentos que permitissem alcançar o equilíbrio
fiscal. O anuncio do plano de estabilização em 1994, seguia a linha de argumentação do
PAI, apoiada pelo instrumento da âncora cambial, taxa de juros altas, e de realização de
um superávit fiscal.
O Plano Real concentrou-se na aprovação das reformas tributária e a
previdenciária; e propôs a desvinculação de receitas do orçamento da seguridade social,
por meio da Emenda Constitucional que instituiu o Fundo Social de Emergência (FSE)
48
.
principal ou pelo alívio nos juros. Além de emitir os bônus, os países deveriam promover reformas liberais
em seus mercados.
47
Ver Lopreato (2013) e Bacha (1994).
48
O ministro da Fazenda do governo Itamar Frando, Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 7 de
dezembro de 1993, anunciou medidas fiscais para reduzir o déficit público. Criou o Fundo Social de
Emergência (FSE), que depois virou Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e deu origem à atual DRU –
Desvinculação de Receitas da União. Esses mecanismos permitiram desvincular 20% das receitas
orçamentárias e direcioná-los para o cálculo do superávit primário.
80
A metodologia do FSE desvinculava 20% dos valores que seriam investidos na
seguridade social e determinava que fossem alocados na composição das metas fiscais
do governo, usados para assegurar o pagamento de juros da dívida pública. Acredito que
essa medida cristalizou os compromissos do governo brasileiro com a agenda liberal.
O aumentou da carga tributária e da centralização dos recursos na esfera federal
se deu também, em 1994, por meio da criação do imposto provisório sobre
movimentações financeiras (IPMF), em 1997, transformado em contribuição provisória
sobre movimentação financeira (CPMF).
O governo prometia que esses recursos seriam investidos no orçamento do setor
da saúde, mas não ficou estabelecido no texto da lei, a condição de que os recursos do
IPMF/CPMF deveriam ser adicionados ao volume de recursos do orçamento que já
vinham sendo direcionado para o orçamento da saúde.
A aprovação dessa nova rubrica de receita pública abriu espaço para que o Tesouro
Nacional remanejasse as fontes de recursos do orçamento que financiavam a saúde
pública para outras áreas, não necessariamente a seguridade social.
Para se ter uma ideia da intensidade da recentralização dos recursos, a participação
das contribuições sociais na carga tributária saltou de cerca de 11,3% do PIB em 1990,
para 19% em 1994.
Num primeiro momento, se dizia que a combinação das políticas de austeridade
fiscal, somadas à sobrevalorização do câmbio administrado, a concorrência da abertura
comercial, e a manutenção de elevadas taxas de juros, juntas contribuíriam para uma
vitória contra a inflação alta.
E os déficits na conta de transações correntes do País seriam facilmente
financiados, a partir de as condições de liquidez internacional, uma enxurrada de
capitais seriam atraídos pelo diferencial da taxa de juros brasileira.
Para Belluzzo e Almeida (2002), o Plano Real “seguiu o método básico para dar
fim à maioria das ‘grandes inflações’ do século 20: recuperação da confiança na moeda
nacional, por meio da garantia de seu valor externo”. Esta forma de alcançar a
estabilidade de preços conhecida como âncora cambial, somente era possível quando
houvesse um financiamento em moeda estrangeira, e uma quantidade suficiente de
reservas internacionais que desestimulasse a especulação contra a paridade escolhida.
As autoridades monetárias controlavam o comportamento da taxa de câmbio
nominal; impediram qualquer reajuste nos salários; e ainda elevaram os juros e adotaram
medidas de restrição ao crédito. Sob essas condições, ao mesmo tempo em que
81
alcançamos a estabilização inflacionária, ocorreu um crescente desajuste fiscal que
caminharam juntos, e eram faces desta mesma moeda, o Real (BELLUZZO, 2002).
Podemos dizer que a formação dos déficits volumosos externos e internos, foram
obras integralmente da engenharia do Plano Real, a partir do crescimento rápido das
dívidas externa (do setor privado) e interna (do setor público).
Com esse espírito, o processo de desmonte dos programas federais avançou, e as
responsabilidades delagadas por meio da descentralização de funções aos governos
subnacionais aumentaram, ao mesmo tempo, parte dos recursos eram desvinculados ou
insuficientes para assegurar o custo, e o impacto das políticas públicas municipalizadas,
principalmente para os municípios polos provedores dos serviços, as 26 capitais.
Rapidamente as finanças públicas dos governos subnacionais passaram a
contabilizar enorme déficit público e sofriam com as quedas expressivas na arrecadação
tributária. Os déficits fiscal e social se agravaram e conduziram a uma forte desigualdade
de condições econômicas e sociais para a grande maioria da população.
Segundo Giambiagi (2008) o período de 1988 até 1994, os municípios eram
superavitários. A partir de 1994, após os sucessivos cortes das despesas no orçamento
geral da União (OGU), a questão do déficit público municipal se agravou. A
recentralização dos recursos na esfera federal foi fundamental para a consolidação
deficitária municipal, principalmente nos centros urbanos que administravam os
maiores prejuízos econômicos e sociais desde o início da década de 90.
Para Abrúcio (1999), a implantação das medidas liberais foram possíveis a partir
da aliança do PSDB e PFL, que juntos atuaram nas lideranças regionais de maior peso,
e os governadores garantiram a aprovação das medidas restritivas e centralizadoras. E,
apesar de muitos estados e municípios do Norte, Nordeste e Centro-oeste, os mais
dependentes de transferências federais sofrerem perdas substanciais de receitas, o
momento de estabilidade na coalização política que sustentava o governo Fernando
Henrique Cardoso, assegurava a aprovação das reformas ocorridas no âmbito do Estado
brasileiro.
Ambiente que permitiu a aprovação da medida que limitou o raio de ação dos
governos subnacionais, a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995, que definiu
os limites para as despesas com pessoal ativo e inativo, da administração direta e
indireta.
Ficava evidente que estávamos diante de uma éspecie de ideologia, que assegurou
e legitimou a especulação financeira no País, ao mesmo tempo, contribuiu para o
82
desequilíbrio das finanças públicas. O governo, comprometido quase que
exclusivamente com o segmento financeiro, passou a administrar o País guiado pela
apuração de metas em detrimento de qualquer outra política pública de interesse
coletivo.
A regra básica do programa de estabilização se pautava fundamentalmente na
oferta de ativos atraentes que pudessem ser absorvidos pelo movimento da globalização
-a oferta dos títulos públicos – e que prometessem elevados ganhos de capital e prêmios
de risco em suas taxas de retorno, os denominados spreads.
Conforme Carneiro (2002), a política de esterilização deu origem ao chamado
déficit quase fiscal, decorrente do diferencial entre taxa de juros obtida na aplicação das
reservas, e aquela paga aos detentores de títulos públicos que gerava enormes
constrangimento às finanças públicas, face à excessiva apreciação do câmbio e à
necessidade da constituição de um colchão de segurança contra a fuga de capitais. Na
verdade, o diferencial da taxa representava um pedágio pago pelos Países
subdesenvolvidos para se inserirem na globalização.
O nível de endividamento interno iniciou uma trajetória jamais vista na federação.
O resultado foi uma rápida conversão do superávit de 1994 que o País herdou do
governo Itamar Franco, em déficit do setor público em 1995.
A partir daí, as finanças públicas brasileiras se deterioravam face aos custos das
políticas de juros e do câmbio valorizado. De acordo com Belluzzo e Almeida
(2002:364):
(...) na partida do Plano Real, a situação financeira do setor público era
invejável, uma vantagem que nenhum dos planos anteriores pudera almejar.
O ajuste fiscal e de endividamento público do Plano Real foi feito antes. Em
1993, as contas do governo registravam superávit primário e operacional, e
a dívida líquida total e mobiliária nunca havia sido tão baixa.
Para os autores, a política econômica do governo FHC jogou fora esse trunfo e
depois levou ao limite do insustentável a situação das contas públicas, pois não houve
nenhuma preocupação, nem instrumentos de proteção voltados para as finanças
públicas.
As combinações de câmbio valorizado49 e juros altos, com crescimento medíocre
encarregariam de impulsionar o crescimento da dívida pública interna com relação ao
49
Segundo Belluzzo e Almeida (2002), a recuperação da confiança na moeda nacional ocorreu por meio
da garantia do seu valor externo. A âncora foi a estabilização do câmbio nominal, garantida por meio do
financiamento em moeda estrangeira e por um montante de reservas capazes de desestimular a
especulação contra a paridade escolhida.
83
PIB, enfraquecendo a capacidade do Estado perante as necessidades de políticas de
desenvolvimento.
Na visão de Milton Santos, a globalização do projeto liberal tal como foi vendida,
deveria ser considerada uma fábula perversa, elaborada pela violência da informação, e
que fez com que não discutamos a solidariedade.
Sabemos que toda a discussão do pensamento dominante se fez apenas em bases
contábeis, desconsiderando qualquer possibilidade de coesão social e desenvolvimento
econômico sustentável. A sensação que fica é que os debates ocorreram no campo da
perversidade, naturalizando e cristalizando a desigualdade social para favorecer os
donos do poder.
A engenharia da estabilização do Plano Real alcançou, em um curtíssimo prazo,
aumentos expressivos nas contas do passivo externo e interno e seguiu adiante, pois
atendia aos interesses da riqueza financeira. Com altas taxas de juros e baixo
crescimento do PIB, a relação dívida pública/PIB evoluiu de 30%, em 1994, para 45%,
em 1999. A piora da relação se explica para um mesmo valor de dívida: quanto menor
o denominador dessa relação, no caso, o PIB, maior a relação dela com o tamanho da
economia.
Diante desse cenário, o custo das despesas financeiras no orçamento geral da
União passou a consumir mais da metade da estrutura do orçamento fiscal, recursos que
eram transferidos para a riqueza dos rentistas, contra os interesses coletivos majoritarios
do País. Ficamos sujeitos a esse projeto.
E, com o agravamento dos efeitos desencadeados pela crise mexicana e asiática
na metade dos 1990, todas as condições para uma crise das contas externas estavam
criadas. Por razões comerciais e bancárias, em razão do descasamento de moedas, uma
crise cambial poderia ser deflagrada.
A reversão dos empréstimos bancários externos criava um problema de solvência
doméstica – a reversão do ciclo de ativos – um problema de liquidez externa em razão
das saídas de divisas. Situação que se tornaria insustentável rapidamente.
Em abril de 1996, a taxa de juros real alcançou um nível que provocou o maior
constrangimento de crédito. Naquele momento, cada banqueiro tentou restringir
rapidamente os créditos que haviam concedido ao setor privado. Ocorreu um
movimento de tentar recuperar todos os recursos que as instituições bancárias haviam
postos para fora.
84
Sabemos que, quando esse movimento é realizado por todos, de forma simultânea,
o resultado pode ser uma quebradeira de bancos e empresas, com níveis de
inadimplências muito acima da média. Cenário que submeteria as contas públicas a um
enorme desequilíbrio fiscal. Sem saída para resolver o problema criado pela política
econômica do Plano Real, o governo passou a socorrer bancos com o dinheiro do
orçamento fiscal.
Para o ministro do Planejamento à época, em entrevista ao jornal folha de São
Paulo, 26 de abril de 1996, José Serra defendeu a inclusão das despesas do governo com
o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional),
contrariando a versão do Banco Central, de que não haveria custo para o Tesouro, uma
vez que os recursos são colhidos junto ao sistema financeiro, por meio de depósitos
compulsórios.
Para o ministro, o Proer deveria ser incluído em dois itens do Orçamento Fiscal:
como renúncia fiscal e nas despesas financeiras. A renúncia fiscal ocorreu quando
permitiu que o prejuízo do banco quebrado fosse abatido do lucro líquido da instituição
que assumiria o controle acionário. Lembrando que o lucro é a base de cálculo do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.
Em segundo, a diferença entre o custo de captação dos recursos e a taxa do
empréstimo, o governo usou dinheiro do depósito compulsório dos bancos para
emprestar aos bancos quebrados, e que mudaram de controle acionário. Ao liberar
recursos, aumentou o dinheiro em circulação. Então, o Banco Central emitiu títulos para
enxugar esse dinheiro e aumentou o estoque e o custo da dívida pública.
Para o ministro Serra, as pessoas não se deram conta. Porém, o custo fiscal estaria
justamente na diferença entre as taxas de juros desses títulos (custo de captação) do BC,
e os juros pagos pelos bancos que tomaram recursos do Proer.
Outro custo fiscal estaria na amortização da linha de crédito. Os empréstimos são
concedidos mediante garantia de "moedas podres" (títulos vendidos com desconto de
até 60%). O Tesouro estaria pagando pelo valor de face, o que deveria ter um valor
menor. Segundo o FMI, o PROER custou 4% do PIB em custos diretos, e 10% se forem
considerados os custos indiretos.
Resumindo, a política econômica do plano real criou um desequilíbrio fiscal nas
contas do Estado brasileiro. Redistribuiu renda e riqueza para a elite do capital, de forma
desfavorável à geração de emprego, ao crescimento econômico, e aos salários, além de
85
sacrificar e impedir a participação dos direitos constitucionais na agenda do Estado
brasileiro.
Os objetivos do projeto minimalista de Estado seguiram e conduziram a uma
degradação ainda maior da infraestrutura e da qualidade dos serviços públicos,
agravando as tensões sociais por todas as regiões do País.
No biênio 1997/1998, contabilizamos um dos piores desempenhos do produto
interno bruto do Plano Real, 0,04% e 0,25%, respectivamente, o déficit público foi
agravado. Na avaliação de Oliveira (2010), um dos maiores erros do Plano Real foi
desprezar elementos importantes, como possíveis mudanças nas condições financeiras
internacionais; a sensibilidade dos mercados em relação à situação dos Países devedores
e emergentes; o risco de fuga real diante da desproporção entre a massa de ativos
financeiros domésticos líquidos e as reservas em divisas do País. Sem saída, e como era
de se esperar, o país se rendeu aos braços do FMI.
50
A Medida Provisória n. 2.185-35, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu critérios para a consolidação, a
assunção e o refinanciamento pela União da dívida pública mobiliária e outras, especificas de
responsabilidade dos municípios.
89
assinatura, por uma nova taxa de juros que passaria de 6% para 9% ao ano, ou seja,
aumentaria em 50% a taxa de juros.
Essas penalidades desencadearem inúmeros prejuízos para a população urbana
residente nas capitais, que podem ser traduzidas na entrevista de Luís Carlos Afonso,
ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, publicada em 3 de junho de 2004,
no Diário de S. Paulo:
(...) em maio de 2000, quando o ex-prefeito Celso Pitta negociou a dívida do
município com o governo FHC, as condições foram extremamente
desvantajosas para o cidadão paulistano. Nessa negociação ficou acordado
que, em novembro de 2002, o município desembolsaria, de uma só vez, uma
parcela de R$ 3,095 bilhões, o que corresponderia a 4 meses de arrecadação
da Prefeitura de São Paulo na época, ou ainda, quase o valor total investido
em saúde e educação naquele ano (R$ 3,352 bilhões).
Esse compromisso firmado entre Celso Pitta e FHC era de conhecimento
geral que seria impossível de ser cumprido, sob pena de falência de todos os
serviços prestados à população. A punição pelo não cumprimento dessa
cláusula contratual inexequível elevou os juros em 50%, de 6% para 9% ao
ano (...).
51
Ver anexo 3, evolução da dívida pública por cada capital.
90
Tabela 6 -Evolução da participação do estoque da dívida de longo prazo das 26
capitais no total do estoque da dívida municipal, período: 2000 a 2010
ANO Total Dívida 26 Capitais (A) Total Dívida Municipal (B) (A/B)
2000 73.541.080.523,16 102.324.547.817,96 72%
2001 78.744.707.243,76 111.005.963.223,67 71%
2002 93.408.507.476,96 127.497.815.136,88 73%
2003 96.009.853.997,97 137.094.069.138,17 70%
2004 105.802.251.073,18 144.684.207.696,33 73%
2005 91.759.083.487,87 141.922.290.449,27 65%
2006 93.090.674.561,51 154.352.095.647,46 60%
2007 100.106.662.650,97 175.717.577.646,21 57%
2008 103.142.421.616,53 179.803.576.204,11 57%
2009 99.881.944.718,60 207.657.035.699,03 48%
2010 110.949.820.261,35 227.774.636.939,32 49%
Fonte: FINBRA Vários anos - STN/CCONT
Valores Corrigidos pelo IPCA-IBGE, março de 2018. Em R$ 1,00.
52
Dívida Consolidada Líquida (DCL): de acordo com o Manual de Demonstrativos Fiscais da STN, a
DCL representa o montante da Dívida Consolidada (DC) deduzido o saldo relativo aos haveres
financeiros (disponibilidade de caixa e demais haveres financeiros). Caso o valor dos haveres financeiros
seja inferior aos Restos a Pagar processados (exceto precatórios), não haverá deduções na DC, e logo a
Dívida Consolidada Líquida (DCL) será igual à Dívida Consolidada. Por sua vez, a Dívida Consolidada
(DC) ou fundada, para fins fiscais, corresponde ao montante total das obrigações financeiras, apurado
sem duplicidade (excluídas as obrigações entre órgãos da administração direta e entre estes e as entidades
da administração indireta), assumidas: a) pela realização de operações de crédito com a emissão de títulos
públicos, para amortização em prazo superior a 12 (doze) meses (dívida mobiliária);b) pela realização de
operações de crédito em virtude de leis, contratos (dívida contratual), convênios ou tratados, para
amortização em prazo superior a 12 (doze) meses; c) com os precatórios judiciais emitidos a partir de 5
de maio de 2000 e não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos; d) pela
realização de operações de crédito de prazo inferior a 12 (doze) meses, que tenham constado como receitas
no orçamento.
53
Receita Corrente Líquida (RCL): de acordo com o MDF da STN, a RCL é o somatório das receitas
tributárias, de contribuições, patrimoniais, agropecuárias, industriais, de serviços, transferências correntes
e outras receitas correntes do ente da Federação, deduzidos alguns itens exaustivamente explicitados pela
própria LRF, não cabendo interpretações que extrapolem os dispositivos legais. Conforme a LRF, em seu
art. 2º, inciso IV: " - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições,
patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também
correntes, deduzidos: a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação
constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195,
e no art. 239 da Constituição; b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação
constitucional; c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio
93
definiu o que o estoque da dívida consolidada líquida municipal ao final do décimo
quinto exercício financeiro, contado a partir do encerramento do ano de publicação da
resolução, não poderia exceder, no caso dos Municípios, a 1,2 (um inteiro e dois
décimos) vez da sua receita corrente líquida.
O cronograma de amortização definido e controlado pelo governo federal, por
meio da Secretaria do Tesouro Nacional adotou muitas medidas para alcançar as metas
definidas, através da elaboração de um relatório quadrimestral da gestão fiscal.
E, por meio das informações do sistema integrado de administração financeira
(SIAFI), em caso de inadimplência dos municípios endividados, o órgão federal poderia
reter as transferências constitucionais.
Porém, poucos foram os intrumentos da política macroeconômica do governo
federal, preocupados com a atividade econômica local, necessária para se ampliar a
arrecadação da receita própria, e, por sua vez, fundamental para a performece do
coeficiente de endividamento.
A figura 2, mostra a trajetória do coeficiente de endividamento da capital mais
populosa e com maior arrecadação própria do país, e, ao mesmo tempo, responsável
pelo maior passivo municipal, a cidade de São Paulo. Sem interromper a parcela de
pagamento do acordo de refinanciamento, praticamente, permaneceu sem nenhuma
capacidade de endividamento após a vigência da LRF, pois não conseguiu enquadrar-se
nos limites exigidos pela lei.
244,78 246,45
250 236,2
221,15 213,49
203,32 207,98
192,98 196 189,52
200
150
100
50
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
54
Ver artigos: 19, 20 e 21 da Lei nº 101, de maio de 2000 que definem os limites de gasto com pessoal.
55
Principais elementos de despesas da natureza Outras Despesas Correntes: Transferências para
Instituições Privadas sem Fins Lucrativos; Diárias – Civil; Material de Consumo; Passagens e Despesas
com Locomoção; Outras Despesas de Pessoal Decorrentes de Contratos de Terceirização; Serviços de
Consultoria; Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Física; Locação de Mão de Obra; Outros Serviços de
Terceiros - Pessoa Jurídica; Contribuições; Despesas de Exercícios Anteriores; Subvenções Sociais.
96
unitário da ação terceirizada, o número de pessoas atendidas no bimestre e ou
quadrimestre, para identificarmos, ao menos, o custo e a satisfação de cada usário com
a política terceirizada.
Para o modelo, a ideia de eficiencia e eficácia só abrangueu as metas do resultado
primário e nominal, sem nenhuma preocupação com a gestão da terceirização
impulsionada pela regra de ouro que impos o teto de gasto com pessoal.
A cada ano, as regras imputáveis aos municípios endividados, ao mesmo tempo,
mais autônomos para arrecadar recursos próprios, de alguma forma os impedem de
elaborar e assumir suas responsabilidades federativa.
Questão que nos ajuda na construção da problemática dessa pesquisa: de que os
municípios capitais sofreram restrições fiscais, que interferiram na sua autonomia
federativa, uma vez que a rigidez fiscal limitou suas ações. Fica a sensação de que os
municípios endividados foram obrigados a abdicarem de suas responsabilidades
constitucionais comuns e concorrentes, em detrimento das premissas fiscais da nova
ordem econômica e fiscal.
Resumindo, muitas são as dificuldades colocadas para às finanças públicas após a
renegociação da dívida pública municipal e a implantação da LRF. E, o aumento da
arrecadação própria não tem um significado que possa alimentar uma expectativa para
coesão social, ao contrário, assistimos a uma convulsão social e estrutural dos grandes
centros urbanos.
Outras imposições fiscais da nova disciplina fiscal, tem sido a obrigatoriedade do
pagamento das parcelas dos precatórios56; e permissões frequentes de mandados
judiciais que obrigaram os municípios a realizarem determinados serviços e bens
públicos não planejados. Determinações que contribuíram para restringir ainda mais a
autonomia orçamentária municipal.
Aliado a tudo isso, ainda é preciso apontar que o volume dos recursos fiscais
direcionados para às contrapartidas exigidas pelas transferências negociadas com o
governo federal e estadual, conforme veremos no próximo capítulo, cresceram de forma
substancial, e contribuíram para aumentar a rigidez orçamentária e redução da
autonomia federativa municipal.
Assim, podemos concluir que o ônus pela concordância com o reducionismo do
papel do Estado brasileiro não tem sido pequeno para a federação brasileira, orientado
56
Conforme trata o § 3º do art. 100 da Constituição Federal ou pelo art. 87 da Emenda Constitucional n.
37 de junho de 2002.
97
pelo prisma da garantia do cumprimento das obrigações financeiras prévias, e as
questões que haviam sido descentralizadas e ou municipalizadas pouco foram
respeitadas no contexto de austeridade fiscal.
Segundo os próprios técnicos do FMI, as ações praticadas no universo liberal,
nossa experiência abrangeu e englobou regras mais restritivas, as quais envolveram
limites para os gastos públicos e para o estoque de endividamento, além do controle do
processo orçamentário, desde a formulação até realização das metas primárias e
nominais. Podemos dizer que, nosso modelo de ajuste fiscal, teve forte influência do
modelo Hard Budget Constraint (HBC), abordado no capítulo 1.
3.2.2.2 O distanciamento das relações entre Estados e seus respectivos Municípios, a partir da
renegociação das dívidas Estaduais e das mudanças institucionais da nova disciplina fiscal
Sempre pelo caminho mais fácil, como já observado, o governo federal promoveu
a operação desmonte e se omitiu de muitas funções constitucionais, além de conduzir
uma trajetória de aumento da carga tributária, baseada em tributos indiretos, os quais
não partilhava com os governos subnacionais. Postura motivada e justificada pela
necessidade de se cumprir metas fiscais57.
Com esse mesmo discurso, com vistas a eliminar instituições estaduais, as
privatizações avançaram e permitiram que muitos programas estaduais, fundamentais
para soldar as relações federativas, de alguma forma, fossem extintos da agenda regional
e local.
Isso porque, a partir da privatização dos bancos estaduais, o repasse que era feito
pelas agências oficiais de crédito aos bancos estaduais desapareceram, e as operações
financeiras foram eliminadas. Nesse sentido, a hierarquização das relações entre os
estados e seus respectivos municípios foram sendo prejudicadas.
57
A Lei n. 9.496 de 11 de setembro de 1997 estabeleceu critérios para consolidar e refinanciar pela União
diversas dívidas financeiras de responsabilidade de Estados e do Distrito Federal. O Programa de
Reestruturação e de Ajuste Fiscal foi pautado, em parte, pela lei n. 9.496, de 11 de setembro de 1997,
segundo a qual os Estados se comprometeram a alcançar metas, com destaque para a relação dívida
financeira versus receita líquida real, resultado primário, limite de despesas com funcionalismo público,
alienação de ativos, privatização, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e
patrimonial, despesas de investimento em relação à RLR. O programa foi aderido por governadores de
25 estados, incluindo Distrito Federal, e apenas o Amapá e Tocantins não aderiram a ele. A cada ano, tem
sido avaliado o cumprimento das metas e compromissos do exercício anterior. A Medida Provisória n.
2.192-70, de 24 de agosto de 2001, que estabeleceu mecanismos objetivando incentivar a redução da
presença do setor público estadual na atividade financeira bancária, dispõe sobre a privatização de
instituições financeiras, e dá outras providências.
98
Mecanismo que desarticulou o que existia entre as esferas subnacionais, e o
volume de recursos financeiros necessários para que o investimento público municipal
fosse realizado, praticamente, desapareceu.
Mecanismo parecido com o que já havia ocorrido no início da implantação do
Plano Real, a desvinculação da receita do orçamento da seguridade social, impediu que
a ações necessárias fossem encaminhadas, desvencilhando os recursos de seus
propósitos e funções, criando um modelo com características pouco cooperativas,
diferente do desenho proposto para às relações federativas comuns as três esferas de
governo.
Dessa forma, a restrição da autonomia dos estados interferiu nas decisões e
escolhas da estruturação dos programas locais, que implicou em dificuldades de acesso
ao crédito. Como bem disse Santos (1996), as respostas às demandas sociais que estados
e municípios tinham sob sua responsabilidade passaram a fazer parte de possibilidades.
Para Lopreato (2013), a partir da renegociação da dívida dos governos
subnacionais, o poder federal se agigantou no controle da política fiscal, e forçou os
entes subnacionais a venderem empresas e bancos. Esse comportamento alterou
características tradicionais do federalismo brasileiro.
Ou seja, a política de impor qual deveria ser o comportamento das finanças
subnacionais, passou a ser condizente com o ajuste macroeconômico do governo
federal. As normas de acesso às operações de crédito e definição das regras de
endividamento permitiram à União ditar o comportamento das finanças dos entes
subnacionais e centralizar o poder da formulação da política fiscal.
“A perda de grau de liberdade forçou governadores e prefeitos a seguirem as
diretrizes fiscais traçadas na esfera federal, alterando relações de poder que
haviam caracterizado o federalismo brasileiro mesmo nos tempos do regime
militar”.
58
Para Maria de Lourdes Manzine Covre (1995), ser cidadão significa ter direitos e deveres e ser
soberano. Cidadania significa que homens são iguais, ainda que perante a lei, sem discriminação de
raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário
condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habilitação, ao lazer. E mais:
é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar
movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem.
59
Para o IBGE, pessoa ocupada é quem trabalhou nos últimos 12 meses anteriores à data de referência
do Censo, ou parte deles. A pessoa que não trabalhou nos últimos 12 meses anteriores à data de referência
do Censo, mas que, nos últimos 2 meses, tomou alguma providência para encontrar trabalho, foi
considerada como desocupada.
60
PEA são pessoas que, durante todos os 12 meses anteriores à data do Censo do IBGE, exerceram
trabalho remunerado, em dinheiro e/ou produtos ou mercadorias, inclusive as licenciadas, com
remuneração, por doença, com bolsas de estudo etc. e as sem remuneração que trabalharam habitualmente
15 horas ou mais por semana em uma atividade econômica, ajudando a pessoa com quem residiam ou a
instituição de caridade, beneficente ou de cooperativismo ou, ainda, como aprendizes, estagiárias etc.
Também foram consideradas nessa condição as pessoas de 10 anos ou mais de idade que não trabalharam
101
Cabe observar que a queda da população ocupada na maioria das capitais,
contribuiu para piorar os índices de violência, da informalidade, da inadimplência
tributária, enfim, questões que nos ajudam a explicar a piora do desequilíbrio fiscal.
As informações da tabela foram classificadas em ordem decrescente pela variação
em percentual da relação entre população ocupada urbana versus população
economicamente ativa.
nos 12 meses anteriores à data de referência do Censo, mas que, nos últimos dois meses, tomaram alguma
providência para encontrar trabalho.
102
E, mais grave, as imposições fiscais adotadas contribuiram para piorar do perfil
da dívida pública interna, ocasionando uma deterioração das finanças públicas e nas
relações federativas. A dívida interna líquida do governo federal com relação ao PIB em
1993 era da ordem de 7%, uma situação favorável para o governo brasileiro.
A partir do plano Real, com altas taxa de juros e âncora cambial, o aumento da
dívida mobiliária interna passou a ser crescente, com desdobramentos deletérios para a
estrutura produtiva da economia brasileira e para as relações federativas. Ou seja, o
governo federal priorizava cada vez mais, a participação das despesas financeiras no
orçamento fiscal.
A trajetória do estoque de endividamento interno líquido, conforme mostra os
dados da tabela 09, nos permitiu identificar que existe um descontrole de endividamento
interno brasileiro, responsável pela deterioração das finanças públicas do País.
Evolução que, segundo Oliveira (2012), pode ser sentida nas despesas correntes.
No ano de 1994, as despesas correntes representaram 66 pontos percentuais das despesas
103
totais. Em 2007, ultrapassaram 80 pontos percentuais. O aumento se traduz pelo custo
dos juros da dívida pública, um dos principais pilares de sustentação do Plano Real. No
orçamento federal, as despesas com os juros e encargos, somadas à amortização do
principal da dívida pública fundada, ultrapassam mais 50 pontos percentuais do
orçamento total.
Considerando o aumento do passivo, mediante o estoque de endividamento
interno a partir da emissão extra orçamentária de novos papeis, usados para a rolagem
do principal da dívida interna, os denominados títulos do Tesouro, somos remetidos a
uma das piores condições das taxas de juros e do grau de desigualdade social.
O mecanismo tem favorecido uma minoria privilegiada, os detentores da riqueza,
pois a elite financeira ganhou e permanece auferindo lucros extraordinários a partir
desse modelo de financiamento do setor público, que seguramente tem contribuído para
acentuar a concentração de renda e a riqueza, e ampliar a tensão social. Em um mundo
globalizado, enterromper essa engenharia fiscal não será tarefa fácil.
Dessa forma, esse programa tem comprometido a agenda nacional e o futuro das
próximas gerações, sem criar oportunidades para que as relações federativas possam ser
revigoradas. Enquanto isso, o contigenciamento das despesas decorrentes do processo
da descentralização fiscal e ou municipalização tem sido justificada pela necessidade de
equilibar as finanças públicas, e os direitos dos cidadão aguardam na fila, sem saber
quando – e se – será realizado, algum dia, um profundo e amplo contrato de
renegociação que possa de fato efetivar a cidadania dos brasileiros.
Isso nos permite dizer que o custo do endividamento interno tem sido
compartilhado com todos os cidadãos, pois estamos pactuados com os compromissos
que atendem apenas aos interesses do capital, a partir da oferta das generosas de taxa de
juros. Nos acostumamos a conviver com possibilidades e precarização dos bens e
serviços públicos.
Fomos submetidos a diversas reformas, sem nenhuma discussão com a sociedade.
A bem da verdade, o projeto minimalista liberal não permitiu que as demandas sociais
e urbanas fossem legitimadas, enquanto as despesas financeiras exercem a soberania na
estrutura orçamentária.
De forma recorrente construímos e ofertamos políticas de educação que pouco
conseguem desenvolver e estimular o conhecimento dos nossos professores e crianças;
temos uma assistência social com pouca regulamentação e acesso; as políticas de saúde
104
e saneamento, gestão ambiental, transporte e habitação permanecem com recursos
insuficientes perante à agenda nacional61.
A realidade hoje é que temos uma federação com atribuições governamentais
descentralizadas e desacompanhadas de recursos financeiros e orçamentários capazes
de garantir a cidadania; e, ao mesmo tempo, um governo central que legalizou a
apuração das metas fiscais em detrimento da universalização dos direitos62.
Por meio de um olhar federativo atento, os acontecimentos dos anos 90 não nos
revelou uma oportunidade para garantir a cidadania, nem tampouco revigorar o pacto
federativo e revertermos as patologias do passado.
Os encaminhamentos de imediato favoreceram a ascendente disputa de recursos
financeiros e orçamentários entre os governos subnacionais, em um ambiente de
verdadeiro leilão de vantagens fiscais oferecidas, e eliminou qualquer perspectiva de
aperfeiçoamento nas relações do pacto federativo, mediante o favorecimento de um jogo
de disputas verticais e horizontais entre as unidades federativas.
Guerreando entre si, muitas unidades federativas passaram a renunciar receitas ou
reduzir as alíquotas dos seus tributos para atrair o capital. Um exemplo que trouxe
prejuízos significativos para toda a federação, e que comprometeu o volume arrecadado
e a partilha dos recursos enviados para os grandes centros urbanos, que perderam
participação no índice, e no volume dos recursos que deveriam compor o orçamento das
políticas universais descentralizadas.
Ainda hoje, os grandes centros urbanos são um dos maiores responsáveis pela
geração do valor adicionado. Entretanto, a guerra fiscal reduziu a geração de valor
adicionado, variável fundamental da metodologia que apura o índice que distribuiu os
recursos da cota parte do ICMS.
Rever a importância da variável do valor adicionado na formula de apuração, e
considerar outras variáveis, como a importância da arrecadação do ICMS no município,
torna se fundamental para os municípios capitais, que sofreram perdas expressivas a
partir da desindustrialização e guerra fiscal.
61
A esse respeito, ver Anexo 2.
62
A esse respeito ver Pinto (2017).
105
Lembrando que o princípio da partilha dos recursos do ICMS não teve o caráter
distributivo. Sendo assim, essa correção torna-se necessária na atual economia de
serviços, pois permitirá uma distribuição mais equilibrada dos recursos da Cota parte do
ICMS, fundamentais para compensar e assegurar o desenvolvimento da econômica
local, e reduzir as disparidades de valor per capita entre as cidades, permitindo que os
municípios sede de regiões metropolitanas e polos provedores de serviços tenham
condições de exercer suas responsabilidades, e de assegurar a infraestrutura exigida pela
própria dinâmica econômica local.
Atualmente, com menos recursos disponíveis, as capitais estão inseridas em um
ambiente de aberta regressão social. A carência de bens e serviços está espalhada por
todas as áreas urbanas, e qualquer tentativa de resolver os problemas sociais por meio
de programas específicos tornou-se um esforço inválido.
As medidas fiscais andaram na contramão da agenda consagrada pela Constituição
Cidadã, das lutas políticas e sociais travadas desde o final dos anos 1970. E a extensa
agenda de reformas democráticas, comprometidas com o desenvolvimento social, e que
tinham como condições principais a retomada do crescimento econômico e do emprego,
melhoria nas condições de trabalho, avanços na previdência social, políticas de saúde,
de educação, de abastecimento popular, reforma agrária, políticas urbanas para
habitação popular, saneamento básico e transporte coletivo entre outras, foram
suprimidas da agenda nacional, por meio de contingenciamentos de recursos
orçamentários e omissão federativa.
Acredito que esse capítulo nos ajudou, em parte, a sustentar a principal hipótese
desta pesquisa: que os orçamentos fiscais das 26 capitais se deparam com uma estrutura
orçamentária rígida e com pouca autonomia federativa, mediante as imposições do
ajuste fiscal e da ausência dos governos central e estadual na prestação das suas
responsabilidades, a partir do movimento de reenquadramento dos compromissos sob o
âmbito da ordem econômica liberal.
Passados quase 30 anos da promulgação do texto constitucional, a única reposta
que temos é que a agenda fiscal dos anos 1990, com o discurso de que seria temporária,
assumiu caráter permanente, e os efeitos indesejáveis permaneceram encrustados na
economia nacional, com baixo crescimento econômico, aumento da dívida pública, altas
taxas de juros e mínimos resultados sociais. E, o pressuposto de que a universalidade
aumentaria a permeabilidade às demandas sociais e de investimentos em infraestrutura
não alcançou os anseios da Nova República.
106
A proposta central do estudo exigiu uma reflexão dos acontecimentos fiscais que
nos permitissem contextualizar a encruzilhada federativa que se encontram os centros
mais populosos do país, de cada estado da federação, as 26 capitais.
Estudo que necessariamente exigiu um olhar para o comportamento das finanças
públicas, leis e instruções normativas publicadas após a promulgação do texto
constitucional, que tinham como prioridade metas e resultados fiscais que interferiram
nas relações intergovernamentais, motivadas pelas regras de ouro do modelo,
justificadas pela necessidade de alcançarmos a estabilidade econômica.
O ajuste fiscal das contas do governo central sobrecarregou as finanças públicas
das capitais, lembrando que o texto constitucional de 1988 reconheceu os municípios
como unidades autônomas, sendo que as capitais deveriam assumir responsabilidades
financeiras e técnicas para a oferta das políticas públicas, algumas de competência
comum às três esferas, outras de competências exclusivas municipais.
E alinhado com o avanço do movimento da descentralização fiscal, e do processo
da municipalização das políticas públicas, as dificuldades orçamentárias e financeiras
das capitais para se cumprir o seu papel constitucional se agravaram.
Submetidas aos compromissos da nova disciplina fiscal e monitoradas a cada
bimestre e quadrimestre pela Secretaria do Tesouro Nacional, as restrições fiscais
impostas aos centros mais endividados, somada a baixa capacidade de investimento, os
forçaram a promover mudanças na forma de prover a oferta da política pública
descentralizada.
Conforme veremos nesse capítulo, o modelo da terceirização avançou de forma
rápida. Acredito que para compreendermos esse resultado, conforme abordamos no
capítulo 3, é preciso reconhecer que as condições que restringiram seu papel, não lhes
permitiram ampliar a infraestrutura urbana, e o número de equipamentos públicos,
necessários para assegurar a oferta de serviços públicos, que sistematicamente tem sido
transferida para o mercado.
Para a minha hipótese, o novo rumo escolhido ainda não assegurou instrumentos
que nos permita fazer a gestão pública dos custos e dos atendimentos terceirizados.
107
Nesse sentido, acredito que sem qualquer preocupação com a gestão dos serviços e a
satisfação dos usuários com a política terceirizada, a direção adotada tem favorecido e
atendido muito mais aos interesses privados, que propriamente a cidadania. Isso porque,
os mecanismos ditos de gestão, negligenciaram a estruturação de parâmetros que
pudessem apurar indicadores que avaliassem a eficiência e eficácia da política oferecida
por meio das terceirizações; parcerias público/privada; leilões; concessões; e
consórcios.
Ou seja, a ausência de instrumentos que de fato nos permita fazer um controle
social do dinheiro público, do preço, da qualidade e quantidade de serviços ofertados
por meio da terceirização, ainda precisam ser regulamentados.
O discurso frequente para abordar essa questão, tem sido atribuído basicamente
à hipótese de que os maiores centros urbanos são autônomos, que arrecadam muito bem,
e que parte da crise na gestão pública é oriunda da falta de competência para
desempenhar funções. É justamente nesse ponto que discordo da tese predominante.
Existe sim a necessidade de buscarmos um aperfeiçoamento da gestão pública
local, e o caminho perpassa pela necessidade de construirmos parâmetros e indicadores
que nos permitam entender os custos, principalmente das ações que deveriam ser
financiada pelo modelo tripartite, e que hoje se encontram no terceiro setor, e exigem a
cada dia mais recursos próprios do orçamentos dos municípios polos provedores de
serviços.
Sem essas informações, a conscientização das responsabilidades e partilhas
federativas, que representariam de fato a coesão social, com a transparência prometida,
permitiria o cidadão participar das decisões de planejamento de cada ação financiada
com o dinheiro público.
Mas, conforme veremos, apesar da maior autonomia de arrecadação própria per
capita, as capitais vêm perdendo autonomia para realizarem ações de responsabilidades
exclusivas municipais, necessárias para enfrentarem as complexidades decorrentes do
processo de urbanização caótica e do próprio modelo da municipalização.
As informações estudadas nos ofereceram pistas das dificuldades federativas,
que podem ser vistas em qualquer esquina de uma grande cidade. Ou seja, os maiores
centros urbanos, apesar da importância da sua arrecadação tributária própria, ficam
sujeitos às limitações fiscais, e às escassas políticas públicas locais voltadas para os
interesses coletivos, não conseguem oferecer serviços sociais e urbanos essenciais para
a população residente.
108
E há fortes indícios que uma combinação de esforços entre as três esferas, com
políticas redistributivas e com estratégias não excludentes, que representassem as
necessidades locais de cada sede de região metropolitana, permanecem fora da agenda
do governo brasileiro.
Para tanto, esse último capítulo fará uma leitura da série histórica da execução
orçamentária dos centros mais populosos do País, que nos indicará que poucas foram as
ações que contemplaram o fortalecimento institucional do município no quadro
federativo do País.
Sabemos que a disciplina fiscal restringiu o acesso ao financiamento, ao mesmo
tempo, as regulamentações que deveriam priorizar a coordenação das ações federativa
por parte dos governos federal e estadual não foram pautadas. Dessa forma, as esferas
superiores de governo participaram só como formuladoras das imposições fiscais, e não
atuaram como provedores das suas responsabilidades constitucionais.
Circunstância que não permitiu que as capitais acolhessem as necessidades de
uma sede de região metropolitana. Sobrecarregadas pelo ajuste fiscal, permanecem
diante de uma crise de funções federativas, onde todos brigam e ninguém parece ter
razão. Enquanto isso, o modelo mostra-se impotente para edificar uma sociedade em
outras bases, comprometida com princípios do federalismo cooperativo, acompanhados
dos compromissos sociais democráticos.
Diante disso, a maioria das capitais enfrenta o dilema posto pelo aumento da
participação dos recursos próprios na estrutura orçamentária e, em paralelo, a
multiplicidade de restrições fiscais que cercam a municipalização das políticas públicas
causando severa rigidez orçamentária.
O custo social e econômico é nefasto e ocorre na mais completa ausência e
abandono de papeis de cada esfera federativa. E, claro, a fatura do descaso é remetida
para a população mais vulnerável e desassistida pelo Estado.
Estas observações nos indicam a urgência com que é preciso discutir
explicitamente esse processo. Reconheço que é mais frequente identificarmos estudos
que mostram resultados opostos, a tese predominante associa os municípios como
vencedores do processo, devido ao volume das transferências intergovernamentais que
passaram a contabilizar. Porém, acredito que é uma hipótese desconectada com a
conjuntura orçamentária dos grandes centros urbanos.
A constante atuação das políticas definidas apenas nas instâncias superiores de
governos, gerou uma hipertrofia da autonomia do exercício das competências
109
municipais, e estimulou a adesão espontânea à municipalização. Por meio da celebração
de convênios, as 26 capitais passaram a executar um volume crescente de orçamento
discricionário, com ações que exigiram um expressivo volume de contrapartidas de
recursos próprios.
Essa hipótese será averiguada a partir do resultado das regulamentações federais
e estaduais, por exemplo, os setores da saúde e educação transferiram um volume
crescente de recursos vinculados, e por meio da exigência das contrapartidas interferem
diretamente no planejamento das ações locais financiadas com recursos próprios.
Faremos essa análise a partir da trajetória das receitas próprias, e das
transferências intergovernamentais no financiamento das políticas públicas ofertadas
pelas 26 capitais, para um período de dezesseis anos, 1995 até 2010. O período definido
e já abordado na introdução da pesquisa, é decorrente das alterações da nova
institucionalidade fiscal que definiu as novas regras para o País.
Não menos importante, o recorte do período do estudo, 16 anos, respeitou as
mudanças contábeis promovidas pela portaria MOG n. 42 de 15 de abril de 1999, que
promoveu alterações nas principais funcionais das despesas públicas.
Essas alterações para a esfera municipal passaram a vigorar em 2002, a partir do
desmembramento de algumas funcionais, como Educação e Cultura, Saúde e
Saneamento, Previdência e Assistencial Social, Habitação e Urbanismo, entre outras.
Todas essas alterações contábeis das despesas públicas coincidiram com o período das
mudanças promovidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Dessa forma, a trajetória do gasto público das 26 capitais abrangerá dois
intervalos: de 1995 a 2001, baseado em uma análise das funcionais do gasto mais
agregado e sem a vigência e restrições fiscais da LRF; e 2002 a 2010, compreenderá a
vigência das alterações decorrentes da portaria 42 e da LRF. Para efeito de comparações
entre períodos da análise da despesa pública municipal que compreenda o período que
antecede o ano de 2002, poderá haver algumas discrepâncias que serão apontadas,
conforme a base de dados disponibilizada pela Secretaria do Tesouro Nacional,
Finanças do Brasil (FINBRA).
A base FINBRA reúne a série mais longa de dados disponíveis e sistematizados
dos governos locais. Por meio da consolidação dos demonstrativos financeiros e
contábeis, as informações de receitas, despesas, ativos e passivos são encaminhadas
anualmente pelos governos municipais à Secretaria do Tesouro Nacional, sendo o poder
executivo de cada ente governamental o responsável pela elaboração de cada documento
110
enviado. Contudo, é preciso considerar que pode haver erros de digitação, ou algumas
mudanças na metodologia de consolidação das contas de um ano para outro, além de
reconhecer que em alguns anos, algumas capitais63 não enviaram as informações para a
STN.
Deve-se destacar ainda que, grande parte das informações se refere aos valores
contábeis empenhados64 e podem diferir dos valores efetivamente liquidados na
execução orçamentária.
Reconheço que além dessas questões, outras têm contribuído para diluir a
autonomia federativa municipal, como por exemplo, as constantes determinações e
interferência do judiciário no orçamento local, instrumento conhecido como
judicialização.
A imprevisibilidade daí decorrente tem colocado em risco a continuidade das
políticas públicas, desorganizando e até impedindo a alocação dos escassos recursos
orçamentários e financeiros que administram. Ou seja, a prática tem limitado a execução
do planejamento municipal, a partir dos excessos e da falta de critérios nas decisões
judiciais que vem comprometendo a execução orçamentária, por acarretar uma série de
gastos não previstos na Lei Orçamentaria Anual (LOA).
Para Barroso (2008):
“O sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode
morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de
voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração ao custeio irrazoáveis, seja
porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade...”.
63
Vale observar que foi identificada ausência de informações de algumas localidades na base FINBRA:
Municípios que apresentaram inconsistência em um ano: 1997: Florianópolis e Palmas
Municípios que apresentaram inconsistência em dois: 1996: Porto Velho; 1998: João Pessoa; e 1999: João
Pessoa e Porto Velho.
64
Segundo a Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, que normatiza a execução orçamentária no caso
brasileiro, o empenho corresponde à emissão de uma nota por meio da qual o ordenador da despesa se
compromete a realizá-la. Por sua vez, a fase seguinte, conhecida como liquidação, é também definida na
Lei 4.320: é uma etapa em que o governo verifica e reconhece o direito adquirido pelo credor, tendo por
base os comprovantes da entrega do bem ou da prestação do serviço. Ou seja, a partir da liquidação da
despesa, o ordenador reconhece sua obrigação em relação ao pagamento. Pode haver diferenças entre os
valores empenhados e os valores que de fato foram realizados, pois o simples fato de a despesa ter sido
empenhada não implica a sua efetiva execução, uma vez que os empenhos podem ser anulados se não
houver a prestação do serviço contratado pelo governo em tempo hábil e, se os bens comprados não forem
entregues, a nota também não será liquidada, e, portanto, o pagamento não será efetivado.
111
Esse cenário confirma a profundidade dos desafios atribuídos aos municípios mais
endividados e populosos, e corrobora com minha hipótese de estudo, que existe uma
rigidez na autonomia orçamentária que implica em dificuldades para planejar ações
estritamente locais, responsabilidade dos governos autônomos.
E considerando que as 26 capitais65 concentraram 25% da população do País, e
acolheram em média, mais de 23% da população residente em seus respectivos estados,
conforme os dados do censo de 2000 e 2010 apresentados na tabela 10, o cenário é no
mínimo conflitante, com prejuízos substanciais para parcela expressiva da população
brasileira.
65
A amostra do estudo escolheu as 26 capitais, e não considerou o Distrito Federal (DF), pois não é um
estado, nem na dimensão, nem nas suas características fiscais, e arrecada tanto impostos estaduais como
municipais, e recebe tratamento diferenciado nas transferências federais que podem prejudicar a análise
das médias que serão apresentadas apenas para os 26 capitais da federação.
112
Segundo Pinto (2017), as ações descentralizadas e ou municipalizadas nos
municípios mais populosos, somada às restrições fiscais, e a ausência de correlação dos
fluxos tripartite tem impostos inúmeras consequências e desmantelamento de políticas,
e que são agravadas pela judicialização.
Se continuarmos a insistir em soluções míopes e parciais sobre os sintomas de
tamanho desarranjo federativo, e não avançarmos sobre as causas estruturais
dificilmente teremos efetividade e equidade nos direitos sociais. Nesse ambiente o
princípio básico do federalismo fiscal tornou-se quase um desafio, e as políticas
exclusivamente municipais desapareceram da agenda orçamentária local.
Para sustentar a hipótese de autonomia para arrecadar recursos, apresentaremos
no item abaixo, as maiores rubricas de receitas que ilustram a evolução da arrecadação
própria; as principais transferências66 constitucionais e discricionárias; e as receitas de
capital que compuseram o orçamento das capitais.
Na sequência, serão apresentadas as metodologias das transferências de recursos;
as funcionais da despesa pública; as categorias econômicas do gasto por natureza e
elemento da despesa. O estudo apresentará a informação pela média e para cada capital;
e algumas informações serão apresentadas por intervalos populacionais dos municípios
brasileiros.
66
De acordo com Arretche (2010), vale lembrar que, desde a Constituição de 1946, foi criado um
mecanismo de transferências intergovernamentais, e os recursos transferidos aos governos subnacionais
passaram a estar crescentemente sujeitos a negociações e barganhas, além de frequentemente vinculados
a prioridades já definidas pelo órgão federal do qual se originaram, e não permitiam a livre alocação local
de receitas transferidas de outras jurisdições, ou seja, a lógica subjacente ao arranjo era limitar as decisões
dos governos locais.
67
Conforme Prado (2013), o equilíbrio vertical refere-se à obtenção de uma distribuição adequada de
recursos entre governo federal e governos subnacionais; enquanto o equilíbrio horizontal refere-se ao à
obtenção de uma distribuição minimamente equitativa dos recursos fiscais entre governos subnacionais
pobres e ricos do mesmo nível.
113
considerando a necessidade de reduzir as desigualdades econômicas e sociais, regionais
e locais da federação. Ou seja, transferir recursos aos governos mais pobres era
necessário, uma oportunidade para que um nível mínimo de serviços fosse assegurado
aos cidadãos das regiões menos consolidadas de um território.
Lembrando que, para a teoria do federalismo fiscal as disparidades territoriais,
econômicas e sociais só poderiam ser vencidas a partir de uma harmonia federativa,
construídas a partir de uma relação de cooperação técnica e financeira, vertical e
horizontal entre os entes federativos.
Como bem disse Prado (2013), o sistema arterial de uma federação deve ser
construído por meio de mecanismos que viabilizassem uma distribuição de recursos
fiscais entre governos autônomos, uma oportunidade para reduzir as disparidades de
capacidade fiscal entre eles.
Reconheço que a pactuação federativa de 1988 depositou nas transferências
intergovernamentais de recursos verticais e horizontais, o papel vital para enfrentarmos
as desigualdades sócio econômicas do País.
No entanto, acredito que a finalidade da partilha dos recursos assegurada no texto
constitucional de 1988 acabou suscitando algumas discrepâncias para os centros mais
populosos, pois o uso de regras generalizadas desconsiderou as alterações ocorridas no
âmbito da dinâmica econômica ao longo do processo da internacionalização da
economia.
Conforme as informações da tabela 11, a evolução da arrecadação dos municípios
capitais mostra que houve um aumento da importância da receita própria, de 38 para 43
pontos percentuais da receita total.
68
Definição de Receitas Próprias se constitui da soma das rubricas das receitas apresentadas quadro 01,
do anexo 05.
117
pontos percentuais. Resultado que mostra a desigualdade na capacidade econômica de
gerar própria entre os municípios capitais.
ARACAJU SE 587.701 43% 25% 44% 56,12% 13% 21% 34% 18% 38% 40% 14% 33%
BELEM PA 1.410.430 28% 17% 41% 32,91% 10% 30% 34% 8% 32% 40% 7% 30%
BELO HORIZONTE MG 2.395.785 45% 28% 31% 51,58% 23% 21% 47% 24% 24% 53% 19% 24%
BOA VISTA RR 296.959 22% 16% 50% 11,61% 13% 50% 14% 9% 26% 29% 8% 22%
CAMPO GRANDE MS 805.397 54% 28% 26% 36,54% 21% 25% 41% 17% 24% 44% 23% 21%
CUIABA MT 561.329 28% 14% 47% 29,41% 8% 38% 31% 10% 45% 38% 7% 37%
CURITIBA PR 1.776.761 58% 13% 21% 63,92% 14% 20% 62% 14% 21% 65% 11% 21%
FLORIANOPOLIS SC 433.158 44% 17% 30% 56,86% 21% 29% 62% 23% 25% 64% 22% 24%
FORTALEZA CE 2.500.194 36% 15% 36% 41,62% 11% 22% 37% 12% 27% 41% 11% 26%
GOIANIA GO 1.333.767 48% 28% 33% 33,78% 26% 32% 47% 25% 29% 51% 19% 26%
JOAO PESSOA PB 742.478 n.d n.d n.d 26,46% 15% 46% 25% 12% 36% 37% 7% 26%
MACAPA AP 415.554 16% 13% 54% 12,00% 3% 56% 18% 4% 36% 28% 4% 20%
MACEIO AL 953.393 29% 23% 31% 27,46% 19% 31% 31% 15% 34% 39% 10% 23%
MANAUS AM 1.861.838 39% 7% 40% 33,34% 6% 44% 32% 7% 49% 38% 5% 38%
NATAL RN 817.590 30% 15% 31% 33,23% 12% 34% 34% 10% 37% 42% 8% 31%
PALMAS TO 242.070 15% 8% 38% 21,00% 8% 41% 20% 6% 35% 35% 6% 23%
PORTO ALEGRE RS 1.416.714 45% 15% 27% 52,07% 13% 22% 58% 14% 24% 61% 13% 24%
PORTO VELHO RO 442.701 n.d n.d n.d 30,27% 4% 25% 28% 4% 30% 52% 2% 51%
RECIFE PE 1.555.039 47% 17% 31% 41,64% 20% 38% 44% 17% 34% 49% 15% 32%
RIO BRANCO AC 348.354 16% 14% 28% 22,88% 7% 23% 25% 5% 21% 39% 4% 19%
RIO DE JANEIRO RJ 6.390.290 64% 20% 35% 58,95% 19% 30% 60% 21% 34% 65% 16% 36%
SALVADOR BA 2.710.968 51% 28% 38% 46,20% 17% 36% 43% 15% 39% 49% 13% 35%
SAO LUIS MA 1.039.610 37% 11% 37% 46,95% 7% 26% 29% 9% 48% 40% 6% 41%
SAO PAULO SP 11.376.685 59% 21% 40% 58,44% 30% 36% 60% 26% 40% 64% 23% 40%
TERESINA PI 830.231 15% 19% 55% 48,88% 5% 13% 19% 9% 34% 35% 5% 20%
VITORIA ES 333.162 36% 11% 54% 45,38% 8% 44% 44% 7% 49% 51% 7% 42%
Média 1.676.083 38% 18% 37% 39% 14% 32% 38% 13% 34% 46% 11% 29%
Funções Mediana 891.812 38% 17% 36% 39% 13% 30% 34% 12% 34% 42% 9% 26%
Estatísticas Mínimo 242.070 15% 7% 21% 12% 3% 13% 14% 4% 21% 28% 2% 19%
Máximo 11.376.685 64% 28% 55% 64% 30% 56% 62% 26% 49% 65% 23% 51%
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, base Finbra, vários anos. Elaboração Própria.
Obs: Informação não disponível para João Pessoa e Porto Velho, no ano de 1998.
69
Estatuto da Cidade é a denominação oficial da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamentou o
capítulo “Política Urbana” da Constituição Federal, detalhando e desenvolvendo os artigos 182 e 183.
Seu objetivo é garantir o direito à cidade como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, para que
todos tenham acesso às oportunidades que a vida urbana oferece.
119
orçamentária justificada pelos acontecimentos dos anos 90, os resultados da
internacionalização da economia, as restrições do ajuste fiscal, e pelo própria atuação
da municipalização em curso.
70
A Secretaria do Tesouro Nacional definiu transferências Discricionárias a partir de três categorias: 1)
as voluntárias são aquelas que efetuam a entrega de recursos para Entes Federativos a título de
cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorrem de determinação constitucional ou legal,
nem sejam destinados ao Sistema Único de Saúde. Elas exigem a celebração de um instrumento jurídico
entre as partes envolvidas e, regra geral, requerem contrapartida financeira do beneficiário; 2) por
delegação são aquelas efetuadas entre entes federativos ou a consórcios públicos visando a execução
descentralizada de projetos e ações públicas de responsabilidade exclusiva da concedente e exigem a
celebração de um instrumento jurídico entre as partes envolvidas. São aquelas cujo atendimento de
requisitos fiscais pelo beneficiário é dispensado por lei, e normalmente estão relacionadas a programas
essenciais de governo. 3) específicas são aquelas que exigem a celebração de um instrumento jurídico
entre as partes envolvidas, e a sua execução orçamentária tem caráter discricionário, apesar de algumas
delas serem definidas como transferências obrigatórias ou automáticas por intermédio de leis específicas.
Acesso em 10/11/2016, sitio http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/transferencias-discricionarias.
125
a dizer que hoje, as decisões orçamentárias locais estão sendo tomadas por outras esferas
de governos, com interesses que não, necessariamente, respondem às demandas
coletivas locais das 26 capitais.
Dessa forma, as estruturas urbanas mais desenvolvidas e que contabilizaram
maior participação da arrecadação própria no orçamento local, sofreram com o atual
modelo de partilha, que não consideraram o alto custo das políticas municipalizadas, as
externalidades negativas geradas pelo processo da concentração econômica e
populacional, e muito menos o engessamento produzido pelas transferências
discricionárias.
Acredito que parte das dificuldades financeiras dos grandes centros urbanos,
sejam decorrentes desse modelo e dos critérios de partilhas das transferências. Trazer
essas questões para o debate federativo, certamente, contribuiria para a revigoração da
autonomia dos governos subnacionais.
71
Definição das Transferências Federais se constitui da soma das rubricas das receitas, conforme mostra
o anexo 06, figura 06.
72
Ver Prado (2013) e Coelho (2007).
126
Sabemos apenas, que o sistema privilegia os municípios com menos de cinco mil
habitantes, sendo que muitos não têm escala suficiente para oferecer a maioria dos
serviços públicos.
É razoável lembrar que as transferências intergovernamentais foram introduzidas
no país pela Constituição de 1946. O parágrafo 4º de seu art. 15 estabelecia: § 4º - A
União entregará aos Municípios, excluídos os das Capitais, dez por cento do total que
arrecadar do imposto de que trata o nº IV feita a distribuição em partes iguais e
aplicando-se, pelo menos, metade da importância em benefícios de ordem rural.
E, apenas por meio da Emenda Constitucional n.18 de 1965, a participação dos
municípios das capitais73, entre os beneficiários das transferências do FPM foi assegurada.
Em 1968, o governo central reduziu os 10 pontos percentuais originais das receitas do
fundo para metade. Somente na segunda metade dos anos setenta, a alíquota voltou a
ser ampliada, e ganhou novo impulso nos anos 80. Em 2007, por meio da Emenda
Constitucional n.55, conquistou 23,5 pontos percentuais da arrecadação total do IR e
IPI.
Cumpre lembrar que na trajetória do FPM, durante o período militar, os
municípios eram obrigados a comprometerem 50% dos recursos recebidos com despesas
de capital. Porém, o artigo 160 da CF/88, veda a retenção ou qualquer restrição à entrega
e ao emprego dos recursos, salvo para o pagamento de dívidas para com a União. Dessa
forma, a vinculação dos recursos do FPM, constitucionalmente foi vedada, exceto com as
vinculações da educação e saúde.
Quanto ao critério de rateio dos recursos, nenhuma mudança foi capaz de atender
a necessidade de equalizar um valor mínimo de recursos, que valorizasse os municípios
menos populosos, mas que também considerasse o grau de desenvolvimento e a
capacidade econômica de cada um. Seria oportuno refletir essa questão, necessária para
atenuar as assimetrias per capita geradas a partir do critério aplicado.
Conforme já observamos, a participação das capitais corresponde a 10% do
conjunto dos recursos do FPM. O rateio se realiza entre as capitais conforme a
população e o inverso da renda per capita do respectivo Estado que pertence.
73
"Art. 21. Do produto da arrecadação dos impostos a que se referem o artigo 8º, nº II, e o art.
11, 80% (oitenta por cento) constituem receita da União e o restante distribuir-se-á à razão
de 10% (dez por cento) ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, e 10% (dez
por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios.
127
Porém, segundo Coelho (2007), o valor recebido pelo município não é
proporcional a sua população. Por exemplo, no FPM - Interior, as populações
dos respectivos municípios são enquadradas em faixas, que privilegiam municípios
menores. A cada faixa corresponde um determinado coeficiente de participação que
define a parcela de recursos que o município tem direito.
O coeficiente de participação mínimo é de 0,6, que participam todos municípios
que têm população inferior a 10.088 habitantes. Por outro lado, o coeficiente
máximo é 4, com ele participam todos os municípios que têm população superior
a 156.216 habitantes.
Uma vez estabelecidos os coeficientes de participação de cada município, estes
são somados, e a participação de cada município será determinada pela relação entre o
seu coeficiente individual e a soma dos coeficientes. Quando um município é
emancipado, os coeficientes individuais de todos os outros municípios permanecem
os mesmos, no entanto, como o total dos coeficientes aumentou, a participação
percentual de cada município é reduzida.
A Lei Complementar n.62/1989 estabeleceu que a partir de 1990, as alterações
dos percentuais de participação, em decorrência da criação de novos municípios,
deveriam se limitar àqueles municípios pertencentes ao Estado em que foi criado o
município. Até então, quando era criado um município, todos os outros municípios do
país tinham sua participação percentual reduzida, devido ao aumento da soma dos
coeficientes.
E, para satisfazer o estipulado pela Lei, o Tribunal de Contas da União dividiu os
recursos do FPM entre os Estados brasileiros. Para fixar a parte que caberia aos
municípios de cada Estado, utilizou como parâmetro a soma dos coeficientes dos
municípios de cada Estado vigente no final da década de 80. Ou seja, para satisfazer a
Lei Complementar n.62/89, o TCU congelou o percentual que tinha cada município, de
cada Estado da Federação, no total de recursos do FPM.
Coelho (2007) observou que o congelamento das faixas de população, deveria ser
atualizado a cada censo, a partir das mudanças na demografia, buscando estancar a
perda de recursos de municípios que tiveram seus coeficientes congelados, e os
coeficientes fixados por limites de faixas diferentes para municípios novos ou antigos.
Enfim, se o sistema tinha alguma racionalidade, ela foi perdida pela atual
legislação. A Lei Complementar n.91/97 tentou restabelecer critérios de distribuição
válidos para todos os municípios.
128
Ou seja, para 1998 foram mantidos os coeficientes de 1997; e, entre 1999 e 2002,
os coeficientes de 1997 eram comparados àqueles determinados pelo critério padrão,
se superior àquele estabelecido pelo critério padrão, o município permanecia com uma
parcela da diferença, o restante (resíduo) era redistribuído entre os municípios do Estado
que possuíam coeficientes de 1997 inferiores ou iguais ao padrão. Essa parcela foi se
reduzindo de forma que em 2003, todos os municípios teriam sua participação
estabelecida conforme o critério padrão.
A Lei Complementar n.106/2001 manteve a sistemática, mas ampliou o prazo de
adequação até 2007. Ou seja, em 2008 não haveria mais resíduo a ser distribuído. Para
o ano de 2005, o resíduo foi de 70%, ou seja, os municípios que apresentaram
coeficiente de participação inferior ao de 1997 permaneceram com 30% da diferença.
A sistemática foi aplicada na distribuição dos recursos dos três grupos do FPM: Capital,
Reserva e Interior.
Assim, de acordo com as regras, para se distribuir os recursos do FPM entre os
municípios do interior (exceto recursos da reserva), primeiro se repartem os
recursos entre os conjuntos de municípios de cada Estado, de acordo com a Resolução
do TCU n.242/90. E, no âmbito de cada Estado aplicam-se os coeficientes dos
municípios, calculado os resíduos e estes são redistribuídos entre os municípios do
próprio Estado.
Consequentemente, municípios com o mesmo coeficiente de participação, e com
mesma população, poderão ter direito a frações diferentes dos recursos do Fundo,
conforme a participação de seu Estado de origem no FPM - Interior.
Nos Estados em que nos últimos 15 anos foram criados diversos municípios ou
que apresentaram crescimento populacional significativo, o coeficiente de participação se
desvalorizou. Prado, ao analisar o FPM chama atenção aos objetivos de sua criação: "É
muito importante ressaltar o pressuposto básico que orientou o FPM desde a sua origem:
municípios pequenos teriam por princípio, menor capacidade de arrecadação”.
Assim, o fundo tinha um caráter de "renda mínima" fiscal para compensar a
limitação das bases próprias das pequenas localidades. A partir da criação de municípios
após a Constituição, aliada a sucessivas Leis Complementares buscando a conservação
da parcela de recursos do FPM de certos municípios e Estados, a renda mínima para
pequenos municípios variou significativamente entre os municípios de diferentes
Unidades da Federação.
De acordo com a Constituição Federal, os critérios de rateio do FPM tiveram como
129
objetivo a promoção do equilíbrio socioeconômico entre Municípios. Entretanto, com
os critérios atuais esse preceito constitucional não vem sendo cumprido. Há
populações com alto nível de desenvolvimento humano que recebem mais recursos
per capita do FPM, do que populações com níveis de desenvolvimento humano bem
inferiores.
Ao analisar os critérios de rateio do FPM, considerando os valores per capita,
por exemplo, o menor município do país, Borá sediado no Estado São Paulo, possui
818 habitantes. Enquanto o município de Tapiraí, também sediado no Estado de São
Paulo, com 10.025 habitantes recebeu de acordo com as regras do FPM - ambos com
participação no coeficiente de 0,6, o mesmo valor de FPM. Ambos, no ano de 2005,
R$ 2.697.271,41 (dois milhões, seiscentos e noventa e sete mil, duzentos e setenta e um
reais). Portanto, o município de Borá apurou uma receita disponível de FPM de R$ 3.298
per capita, enquanto o de Tapiraí, contou apenas com R$ 269 per capita.
Um caso emblemático da distorção provocada pela importância do FPM na
estrutura orçamentária das capitais, conforme mostrou a tabela 15, se refere a cidade
mais populosa da federação, responsável pelas maiores e mais complexas demandas
sociais e de infraestrutura, contou com apenas 1 ponto percentual de FPM nas
transferências constitucionais. Enquanto a representatividade média para as 26 capitais
alcançou 29 pontos percentuais, e a participação máxima do FPM foi de 57 pontos
percentuais no ano de 2010.
Para Palmas, a capital com menor população, a participação do FPM alcançou 52
pontos percentuais do total das transferências constitucionais. Situação singular e que
confirmar a assimetria dos recursos constitucionais partilhados, um antagonismo para a
revigoração das relações federativas, e para própria municipalização.
Ou seja, os municípios beneficiados pelos critérios de partilha do FPM acabaram
usufruindo de mais autonomia na alocação dos recursos para o atendimento das políticas
locais, quando comparados com cidades que desempenharam maior esforço tributário
próprio, e registaram as maiores demandas sociais, por serem principias polos
provedores das políticas descentralizadas dos programas nacionais.
Diante dessas assimetrias, Prado (2013) acredita que o sistema pode ser
considerado precário e ineficiente desde sua concepção, quando não havia bases
estatísticas fiscais que permitissem uma distribuição mais equânime.
Atualmente, padecemos de uma consciência federativa sobre a necessidade de
construirmos um sistema de equalização dinâmico, frente à desfiguração que o sistema
130
reproduziu, transformando-se num simples compartilhamento estático, onde a
participação de cada governo é fixa e as modificações no grau relativo de
desenvolvimento econômico não se refletem na distribuição dos recursos.
Permanecer com a aplicação do critério meramente populacional, só faria sentido
caso a receita própria dos municípios fosse aproximadamente proporcional ao seu
tamanho, ou seja, os pequenos, necessariamente, fossem os mais pobres.
Contudo, após o próprio movimento da guerra fiscal e da desindustrialização do
país, a realidade não mais atende a essa hipótese. Por exemplo, as cidades dormitórios
que concentram alta densidade populacional, enorme demanda por serviços e uma
atividade econômica relativamente baixa, são prejudicadas pelo critério de partilha e
recebem menor recursos per capita.
Circunstância que tende a direcionar parte da demanda não atendida nas cidades
dormitórios, para os municípios sedes de regiões metropolitanas, face à precária
estrutura que as cidades dormitórios oferecem.
Enquanto que, as pequenas localidades que receberam uma empresa ou indústria,
além de serem contempladas com a metodologia do FPM, geraram valores adicionados,
e, portanto, tiveram maior participação na distribuição da Cota-parte de ICMS e dos
royalties.
Nesse sentido, acredito que seria razoável no mínimo ponderar na fórmula do
critério de distribuição dos recursos do FPM, e considerar que os municípios
responsáveis pelos mais complexos problemas sociais e de infraestrutura recebessem
algum peso relativo no rateio dos recursos per capita.
Vale lembrar que, para as premissas da descentralização dos gastos, era
considerado a necessidade de o recurso transferido constitucionalmente ter correlação
com o grau da descentralização, dado o custo da política e tamanho populacional.
Dessa forma, enquanto houver imobilidade nos instrumentos de partilha, fica
impossível pensarmos em avançar na equalização de recursos per capita a partir do atual
arranjo federativo.
Acredito que ao menos deveríamos lutar para legitimar esse debate junto à
sociedade sobre a disposição atual dos recursos próprios e constitucionais, fundamentais
para o financiamento da oferta das políticas públicas de responsabilidades comuns e
exclusivas dos centros urbanos.
131
74
4.2.2.2 Transferência constitucional estadual : cota parte do ICMS
74
Definição das Transferências Estaduais se constitui da soma das rubricas das receitas, conforme
mostra o anexo 06, figura 08.
75 A Lei Complementar federal nº 63, de 1990, conceituou o valor adicionado como o valor de saídas
menos entradas de mercadorias, mais as prestações de serviços do ICMS.
132
A análise do índice de participação foi realizada apenas para o primeiro e último
ano do período de estudo da pesquisa, 1995 e 2010. A situação apurada em 14 capitais
da amostra evidenciou que ocorreu uma variação negativa em todos os casos analisados.
Observo que, a informação não estava disponível no site dos demais estados e capitais.
Para mais da metade dos municípios capitais ocorreu queda do índice de
participação, com destaque para as mais populosas e abarrotadas de demandas e
profundas transformações sócio espaciais. Ou seja, esses municípios tiveram sua
capacidade de investimento per capita reduzida.
José Roberto Afonso (2004) observou que, ao longo das últimas décadas, as
transferências de recursos de natureza discricionária tiveram papel de quase verdadeiras
minirreformas tributárias. Sem desrespeitar a autonomia formal dos municípios, o
governo superior formulou políticas setoriais para as quais logrou a adesão dos governos
subnacionais, tornando obrigatória a contrapartida financeira para o financiamento das
políticas descentralizadas.
Para Arretche (1999), a adesão dos governos locais para obter os recursos era
decorrente de duas principais oportunidades: assumir a gestão de determinada política
134
pública no processo de descentralização e, de outro, os benefícios fiscais e políticos
derivados daquela adesão.
Prado (2013), chama a atenção para o modelo, que contemplou muito mais os
requisitos nacionais, do que propriamente às necessidades locais e regionais, e acabou
limitando o raio de ação dos que assumiram as políticas descentralizadas os programas
nacionais descentralizados. Foi construído um arranjo onde a execução dos serviços
coube aos governos subnacionais, enquanto que as normas e natureza das atividades e
serviços eram definidas nas esferas superiores.
Sabemos que o governo central arrecada diretamente a maior parte da carga
tributária nacional e os governos subnacionais se apropriam de uma parcela por meio
das transferências constitucionais, e das transferências discricionárias consideradas
fundamentais no atual pacto federativo.
Dessa forma, a evolução da participação das transferências discricionárias no
modelo de descentralização fiscal brasileira, tem desencadeado determinada rigidez na
estrutura orçamentária, a partir das condicionalidades e contrapartidas exigidas,
decorrentes das transferências discricionárias no orçamento municipal.
E, mediante os frequentes atrasos no cronograma dos desembolsos financeiros
das transferências discricionárias, tem sido acarretado um grau de insegurança fiscal
para a execução das ações planejadas no Lei Orçamentária Anual (LOA).
Como bem destacou Pinto (2017), o cumprimento dos pisos em saúde e
educação, os repasses mensais proporcionais à receita efetivamente arrecadada
deveriam ser assegurados, conforme o mesmo rito dos duodécimos, que ampararam a
autonomia financeira do Judiciário, Legislativo e Ministério Público, já que o preceito
fundamental reside na estabilidade e segurança temporal dos repasses de recursos.
Tal entendimento evitaria que a execução orçamentária, por exemplo, do piso
em saúde fosse adiada mediante a adoção de artifícios contábeis no manejo do art. 24,
II e §1º da LC 141/2000.
Ou seja, os governos superiores, simplesmente contabilizam como ações e
serviços públicos de saúde volumoso saldo de empenhos, gerados em novembro e
dezembro do exercício financeiro, e, formalmente depositam na conta específica do
Fundo de Saúde, em 31 de dezembro de cada ano.
Segundo Pinto (2017), é como se fosse uma conta de passagem do reveillon para
cumprir formalmente o ditame legal, para, após a virada do ano, postergarem o
processamento de tais restos a pagar, e remanejarem os recursos do Fundo de Saúde
135
novamente para a Conta Única do Tesouro, e, literalmente frustrarem a efetividade do
piso da saúde.
Esse comportamento, alinhado com algumas instruções normativas que
regulamentaram as transferências discricionárias, em nada contribuíram para a execução
das políticas públicas municipalizadas, de responsabilidade dos principais polos
provedores da política pública.
Ou seja, em muitos momentos os municípios foram obrigados a suprimirem suas
competências exclusivas da execução orçamentária, e financiarem com recursos
próprios o que deveria ser assegurado pelos recursos das transferências discricionárias.
Resultado que no limite compromete os padrões de serviços oferecidos à população.
Outro exemplo, quanto à determinação de que o débito dos recursos
discricionários na conta corrente do poder municipal, deveria ocorrer antes da ordem de
serviço ser gerada. Mediante aos atrasos constantes, e de situações de urgência, essa
exigência acaba sendo descumprida, em algumas situações, impõem-se a necessidade
de devolução dos recursos aos governos superiores.
Vale destacar que outras questões precisam ser cumpridas, conforme a cartilha
do Tribunal de Contas da União (2000), Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, e Lei
n. 9.995/2000, art. 35, listadas abaixo, para o recebimento dos recursos discricionários:
1) regularidade na gestão fiscal – que instituiu, regulamentou e arrecadou todos os
tributos previstos nos artigos. 155 e 156 da Constituição, ressalvado o imposto
previsto no art. 156, inciso III – com a redação dada pela Emenda Constitucional
n. 3/1993 – quando comprovada a ausência do fato gerador (Lei Complementar
n. 101/2000, art. 11, parágrafo único, e Lei n. 9.995/2000, art. 35, I);
2) dotação orçamentária – que existe dotação específica (Lei Complementar n.
101/2000, art. 25, I);
3) despesas – que os recursos não serão destinados ao pagamento de despesas com
pessoal ativo, inativo e pensionista, do Estado, Distrito Federal ou Município
(Constituição Federal, art. 167, X, incluído pela Emenda Constitucional n.
19/1998, e Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, § 1º, III);
4) quitação – que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e
financiamentos devidos à União (Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, § 1º,
IV, a), mediante a apresentação dos seguintes documentos (IN STN n. 01/1997,
art. 3º): - certidão negativa de débitos, fornecida pela Secretaria da Receita
Federal (SRF), pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) do
136
Ministério da Fazenda e pelos correspondentes órgãos estaduais e municipais; -
comprovante de inexistência de débito junto ao INSS, referente aos três meses
anteriores, ou certidão negativa de débito (CND) atualizada, e, na hipótese de
haver débitos renegociados, também a regularidade quanto ao pagamento das
parcelas mensais; - certificado de regularidade de situação (CRS) junto ao
FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal; - comprovação de regularidade
do PIS/PASEP.
5) contas: que se acha em dia quanto à prestação de contas de recursos
anteriormente recebidos do ente transferidor (Lei Complementar n. 101/2000,
art. 25, § 1º, IV, a);
6) limites constitucionais – que cumpre os limites constitucionais relativos à
educação e à saúde (Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, § 1º, IV, b);
7) limites de dívidas – que observa os limites das dívidas consolidada e mobiliária,
de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em
restos a pagar e de despesa total com pessoal. O Estado, Distrito Federal ou
Município ficará impedido de receber transferências voluntárias, se a respectiva
dívida consolidada ultrapassar o correspondente limite ao final de um
quadrimestre, e uma vez vencido o prazo para retorno da dívida ao limite – até
o término dos três quadrimestres subsequentes – e enquanto perdurar o excesso
(Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, § 1º, IV, e art. 31, § 2º);
8) contrapartida – que existe previsão orçamentária de contrapartida, estabelecida
de modo compatível com a capacidade financeira da respectiva unidade da
Federação beneficiada, tendo como limites mínimo e máximo os percentuais
indicados a seguir (Lei Complementar n. 101/2000, art. 25, § 1º, IV, d, e Lei n.
9.995/2000, art. 35, III): Contrapartida dos Municípios: - 5% e 10%, para
Municípios com até 25.000 habitantes; - 10% e 20%, nos demais Municípios
localizados nas áreas da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE, da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e
no Centro-Oeste; - 10% e 40%, para as transferências no âmbito do Sistema
Único de Saúde – SUS, excluídos os Municípios relacionados nos itens
anteriores; - 20% e 40%, para os demais. Contrapartida dos Estados e do Distrito
Federal: - 10% e 20%, se localizados nas áreas da SUDENE e da SUDAM e no
Centro-Oeste; - 20% e 40%, para os demais.
137
A sofisticação das exigências discricionárias definidas pelas regulamentações, e
o detalhamento de quais itens poderiam ser financiados, bem como as normas e
contrapartidas a serem adotadas, é justificada pela necessidade de se impor uma gestão
às políticas descentralizadas.
Mesmo reconhecendo a evolução e necessidade de muitas dessas exigências, não
ficou assegurado uma compreensão do padrão mínimo de serviços a serem ofertado à
sociedade por esse modelo, e muito menos ficou definido quais os parâmetros de custos
reais dos serviços descentralizados.
Ou seja, o debate do financiamento das competências concorrentes permaneceu
confuso e complexo, e, de alguma forma, conferiu profunda rigidez orçamentária, e
incertezas quanto à irregularidade dos fluxos financeiros das transferências de recursos
dos governos superiores para os orçamentos municipais. As consequências são
percebidas, mas precisam ser vencidas, pois, certamente fragiliza as relações e
autonomia federativa.
Como bem destacou Prado (2013), é imprescindível uma medida institucional
que colabore para o desenvolvimento da avaliação dos encargos descentralizados, e que
ofereça uma base minimamente técnica para pautar esse debate.
Sabemos que padecemos de estatísticas que poderiam auxiliar na organização de
métodos mais eficazes de partilha, para estabelecer mecanismos periódicos de
avaliação, e que servissem de instrumentos para negociação da partilha dos recursos
vertical e horizontal para realização do custeio e investimento das políticas
descentralizadas.
Há tempos se fala da necessidade de se construir centros de custos para os
orçamentos dos programas nacionais descentralizados, informações que poderiam gerar
parâmetros mais eficazes na partilha dos recursos, pois revelaria claramente a
necessidade de ajustamentos, de acordo com a demografia e o custo das políticas
públicas descentralizadas, apontando a necessidade de cooperação técnica e financeira
entre as três esferas de governos.
Enquanto nada é feito, as tensões e desequilíbrios fiscais são constantes e
refletem a incapacidade federativa de enfrentar os problemas atuais. Voltamos, então,
ao início da discussão: a descentralização das políticas públicas, e a forte atuação das
imposições fiscais neutralizaram os recursos adicionais conquistados pelo esforço
tributário municipal, a partir da autonomia federativa recebida na Constituição de 1988.
138
A execução orçamentária das 26 capitais, polos provedores das políticas
municipalizadas, apesar da maior participação da receita própria na LOA, permanece
mergulhada numa profunda rigidez orçamentária. E, poucas ações ocorreram no sentido
de assegurar uma cooperação técnica e financeira à luz da municipalização.
A tabela 17, mostra a importância das receitas discricionárias nas transferências
correntes de cada capital. E reforça a hipótese de que as competências comuns aos três
entes federativos, imprimiram uma penhora na estrutura orçamentária local, e
configuraram a atual rigidez orçamentária que suprimiu da agenda local, as
competências constitucionais exclusivas do município.
Transferências Correntes
População 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Discricionárias
ARACAJU 587.701 31% 43% 45% 41% 43% 40% 42% 48% 46%
BELEM 1.410.430 40% 44% 47% 44% 47% 47% 45% 49% 49%
BELO HORIZONTE 2.395.785 46% 46% 56% 46% 46% 45% 46% 50% 49%
BOA VISTA 296.959 32% 32% 26% 30% 28% 28% 46% 24% 23%
CAMPO GRANDE 805.397 42% 44% 44% 55% 56% 42% 57% 44% 45%
CUIABA 561.329 36% 36% 39% 36% 38% 40% 43% 45% 44%
CURITIBA 1.776.761 31% 38% 42% 39% 41% 40% 40% 43% 41%
FLORIANOPOLIS 433.158 36% 26% 26% 35% 28% 31% 30% 36% 34%
FORTALEZA 2.500.194 42% 33% 36% 31% 48% 40% 40% 44% 42%
GOIANIA 1.333.767 14% 27% 41% 41% 43% 44% 33% 48% 44%
JOAO PESSOA 742.478 28% 37% 14% 40% 39% 38% 24% 26% 46%
MACAPA 415.554 45% 21% 23% 23% 26% 28% 27% 53% 32%
MACEIO 953.393 48% 42% 42% 38% 37% 37% 38% 42% 42%
MANAUS 1.861.838 36% 20% 21% 17% 20% 27% 21% 27% 26%
NATAL 817.590 46% 33% 42% 39% 36% 38% 42% 43% 40%
PALMAS 242.070 32% 22% 27% 25% 26% 24% 24% 36% 32%
PORTO ALEGRE 1.416.714 36% 44% 44% 43% 46% 46% 44% 47% 46%
PORTO VELHO 442.701 20% 19% 22% 36% 23% 24% 24% 27% 28%
RECIFE 1.555.039 19% 19% 22% 23% 32% 33% 30% 35% 35%
RIO BRANCO 348.354 21% 22% 20% 21% 27% 30% 35% 30% 26%
RIO DE JANEIRO 6.390.290 36% 50% 40% 82% 31% 33% 33% 35% 36%
SALVADOR 2.710.968 5% 22% 24% 26% 52% 44% 43% 48% 46%
SAO LUIS 1.039.610 26% 40% 42% 39% 39% 41% 43% 50% 45%
SAO PAULO 11.376.685 18% 19% 27% 24% 26% 26% 26% 28% 27%
TERESINA 830.231 31% 38% 31% 31% 41% 41% 41% 44% 42%
VITORIA 333.162 18% 17% 19% 18% 20% 19% 21% 23% 23%
Média 1.676.083 31% 32% 33% 36% 36% 36% 36% 39% 38%
Mediana 891.812 32% 33% 33% 36% 38% 38% 39% 43% 42%
Mínimo 242.070 5% 17% 14% 17% 20% 19% 21% 23% 23%
Máximo 11.376.685 48% 50% 56% 82% 56% 47% 57% 53% 49%
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, base FINBRA, vários anos. Elaboração Própria
139
Fica a sensação de que as interferências recorrentes e impositivas, representadas
pelas denominadas contrapartidas, contribuíram para erodir a autonomia concedida
constitucionalmente aos governos subnacionais. E o atual arranjo federativo pactuado,
conseguiu assegurar um financiamento cada vez mais regressivo, sob pena de permitir
a omissão dos entes nas suas atribuições e a precarização dos direitos sociais.
Dessa forma, podemos concluir que, ao mesmo tempo em que as 26 capitais
buscaram instrumentos e avanços importantes na arrecadação própria, com ações de
modernização administrativa e tributária76, não podemos afirmar que a evolução da
arrecadação de recursos próprios pudesse ser traduzida como sinônimo de autonomia
federativa para planejar e decidir sobre as diretrizes das políticas locais.
A prática, nos tem mostrado que as características dos mecanismos para transferir
recursos atuaram no sentido de restringir as possibilidades de mudança do status quo,
operando por meio das relações vertical e horizontal, uma contramarcha à ideia central
do federalismo fiscal e do diálogo federativo.
Nas duas últimas décadas, quase 70 emendas constitucionais, por meio da
regulamentação de programas nacionais foram editadas, com interferências diretas no
planejamento e execução das ações no âmbito municipal. A sensação é de que a cada
execução orçamentária, os orçamentos municipais mais autônomos do País, não têm
condições e nem perspectiva para enfrentarem questões cotidianas.
Dizer que a autonomia assegurada aos governos subnacionais no texto
constitucional de 1988 tem sido diluída ao longo das últimas décadas, não nos parece
um exagero, apesar do discurso predominante afirmar que a federação brasileira é uma
das nações com autonomia subnacional mais profunda do mundo.
76
Implantação de cursos voltados para a atualização dos conhecimentos dos servidores públicos;
atualização das legislações tributária e urbanística; modernizações nos sistemas de lançamento e
arrecadação das receitas; implantação da nota fiscal eletrônica municipal; gestão na execução do
orçamento; atualização dos cadastros de compras e folha de pagamento; gestão de controle da folha de
pagamentos; gestão dos almoxarifados e dos contratos, a arrecadação própria foi ampliada.
140
4.2.3.3 Financiamento da Saúde e da Educação
4.2.3.3.1 Saúde
4.2.3.3.2 Educação
77
Origem dos recursos do FUNDEB: 20% de cada um dos recursos a seguir: recursos que já integravam
o FUNDEF: 1) Fundo de Participação dos Estados (FPE); 2) Fundo de Participação dos Municípios
(FPM); 3) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); 4) Imposto sobre Produtos
Industrializados, proporcional às exportações; e 5) IPI exp Desoneração de Exportações (LC nº 87/96).
Recursos novos: 1) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); 2) Imposto sobre
Propriedade Veículos Automotores (IPVA); 3) Quota Parte de 50% do Imposto Territorial Rural devida
aos Municípios (ITR); 4) Parcela de 20% do Imposto que a União vier a instituir em razão de sua
competência residual; e 5) Receitas da dívida ativa tributária relativa aos impostos que o compõem, bem
como juros e multas eventualmente incidentes.
78
Vale observar que a Emenda Complementar 53 de 2005, que regulamentou o Fundeb, permitiu incluir
o ensino infantil, que era a principal carência da educação, dentro da conta de aplicação dos 25% da
receita dos impostos municipais.
147
que tem sido utilizado para aumentar os recursos disponíveis per capita aos estados mais
pobres, contribuindo para apurarmos um gasto mínimo per capita nacional maior.
A complementação federal passou a ser compreendida como um instrumento
redistributivo de transferência no âmbito nacional, enquanto o restante dos recursos
mobilizados pelo Fundeb não tinha qualquer efeito para reduzir as diferenças de
capacidade de gasto setorial entre estados.
O objetivo do sistema era apenas equalizar a capacidade de gasto entre os
municípios do mesmo estado, pois, como não ocorriam trocas entre estados, o efeito
relevante do fundo era deslocar receitas entre governos de um mesmo estado.
O saldo das transações líquidas realizadas mostra que, para mais da metade das
26 capitais, os recursos do Fundeb tiveram uma importância pouca expressiva,
sinalizando que as capitais contribuíram para financiar a educação do País,
principalmente por meio do aumento da alíquota de 15 para 20 pontos percentuais das
receitas, que serão deduzidas do orçamento municipal para formação do fundo.
Reconheço que os recursos do Fundeb são primordiais para o financiamento da
educação no País. Entretanto, o atual critério de distribuição dos recursos trouxe
resultados que pouco contribuíram para o financiamento da política educacional nos
municípios mais populosos do País.
Muitas capitais contabilizaram na estrutura orçamentária, participação líquida
negativa dos recursos do Fundeb79. Melhor dizendo, o volume de contribuição de
recursos para a formação do fundo foi maior, quando subtraído do valor recebido por
cada aluno matriculado, mesmo considerando as alterações promovidas em 2005.
Em 2010, a participação média desses recursos em mais da metade das capitais
aumentou, porém, ainda é bastante tímida, representou apenas 1,42 pontos percentuais
do orçamento corrente, conforme dados da tabela 18.
Segundo Prado (2013:238) a equalização plena em sistemas altamente
heterogêneos acaba sendo quase utópica. Não existem bases teóricas sólidas e acabadas
para o assunto, dada a peculiaridade de cada federação, mas, para o autor, a situação
mais provável é que os recursos disponíveis permitam algum grau de redução na
desigualdade.
Além disso, o autor chama atenção para a necessidade de se considerar em um
sistema de equalização, não apenas a capacidade e a necessidade fiscal de cada esfera,
79
A esse respeito, ver Cartilha Tribunal de Contas da União (2008).
148
mas o custo da política ofertada, que deve variar de acordo com cada realidade. De
alguma forma, os municípios capitais que apuraram resultado líquido negativo do
Fundeb, poderiam ter parte da perda compensada pelo custo da política.
As informações da tabela 20 indicam que a educação nas capitais tem sido
financiada, basicamente, por recursos próprios, apesar de ser uma competência
constitucional das três esferas de governo.
Ou seja, considerando a soma dos recursos líquidos do Fundeb, mais as
transferências discricionárias federal e estadual vinculadas à educação, a participação
média desses recursos no financiamento da educação foi de apenas 9 pontos percentuais,
resultado que reforça a necessidade de aprimorarmos os critérios de partilha das
transferências para esses centros.
80
Emenda Constitucional n. 64, de 4 de fevereiro de 2010: “(...) Art. 6º São direitos sociais a educação,
a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição(...)”.
150
As ações verticalizadas ocorreram mais no sentido de garantir uniformidade da
política e incentivos para a adesão dos governos subnacionais aos programas nacionais,
sem se preocupar com a participação de cada esfera de governo no financiamento da
política pública descentralizada verticalmente.
A ausência de regulamentação quanto ao financiamento tripartite tem permitido o
poder decisório no governo central reconcentrar parte dos recursos financeiros. Além
disso, segundo Arretche (2002), diferentemente das previsões da literatura, o
federalismo brasileiro tem permitido que o poder de veto dos governos subnacionais não
represente um ponto de veto intransponível à implementação da agenda de reformas do
governo federal.
Não nego a importância da descentralização como estratégia potencialmente
relevante para o exercício da cidadania, da execução e controle da política, mas ela
precisa ser aperfeiçoada e acompanhada dos princípios de solidariedade e cooperação
entre os entes federados.
Em resumo o modelo em curso precisa atender às diversidades e necessidade de
cada local e ou território, e não apenas dividir competências de forma horizontal e
vertical.
Assim, atender aos desafios contemporâneos dos centros urbanos mais populosos
de cada região do País não tem sido tarefa fácil, sobretudo quanto a necessidade de
implementar políticas de infraestrutura.
Lembrando que o modelo fiscal vigente limitou a autonomia decisória dos
governos subnacionais, e estabeleceu patamares de gastos. E, conforme Santos (2011),
os formatos das políticas sociais foram desenhados quase que exclusivamente pelo
poder central, e parte significativa do financiamento das ações ficaram sob
responsabilidade da esfera municipal.
Questões que elucidam a real dificuldade de os municípios polos provedores das
políticas públicas, assumirem suas funções exclusivas e construírem um novo modelo
de gestão eficiente, e, sobretudo, que respondam aos anseios da população.
151
4.3 A rigidez na estrutura orçamentária municipal
81
Sabemos que o texto constitucional de 1988 atribuiu ao ciclo orçamentário, à luz das três peças de
planejamento, Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 81 e a Lei Orçamentária
Anual (LOA), a possibilidade para construção de um Estado democrático. Ficou definido que os
interesses da sociedade democrática seriam contemplados e assegurados no ciclo orçamentário
constitucional, sob a perspectiva de que o executivo deveria planejar os programas e ações, ao mesmo
tempo, fortalecer o papel do poder legislativo por meio da aprovação das ações priorizadas por meio da
participação e decisão da sociedade.
82
A esse respeito, ver a metodologia no site da Secretaria do Tesouro Nacional:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/mcasp
153
Enquanto que os serviços de infraestrutura urbana, como lixo e transporte coletivo
urbano, drenagem, cultura, esporte, entre outros, tiveram queda expressiva na
participação média da estrutura orçamentária das 26 capitais.
Cenário que mostra a necessidade de ampla discussão federativa como objetivo
de assegurar um controle social das responsabilidades de cada governo. Em
praticamente todas as 26 capitais houve retração de recursos no âmbito da política das
responsabilidades exclusivas municipais. A evolução do comportamento das despesas
públicas destacadas nas figuras 3 e 4, sinaliza que as questões urbanas têm sido
desprezadas ao longo do processo da descentralização em curso.
16%
15% 15%
15% 14% 14%
10% 9%
5%
5%
0%
Educação e Cultura Saúde Saneamento Habitação e Urbanismo Transporte
A evolução média das mesmas funcionais entre 2002 a 2010, período após a
vigência da LRF, permaneceu com a mesma tendência, educação e saúde ganharam
participação na estrutura orçamentária total, e as demais funções do gasto público
perderam orçamento. O avanço dos gastos com os dois setores se justificou em parte,
pela municipalização das políticas, e em parte pela redução dos recursos direcionados
ao orçamento da saúde ocorrido por meio desvinculação da receita da União promovida
ao longo do período.
A alta prioridade conferida aos setores da saúde e da educação, mostrou um
comprometimento de aplicação dos recursos orçamentários muito superior aos limites
definidos constitucionalmente.
Dessa forma, o poder local vem assumindo parte crescente do custeio financeiro
desses setores municipalizados, em meio a um descontrole da gestão, e da falta de
recursos para investir em infraestrutura local, sendo que parte expressiva dos serviços
acabaram sendo terceirizados, circunstância que gerou mais desafios, como por
exemplo, assegurar parâmetros nos preços e na qualidade de cada serviço contratado.
Ou seja, mais vagas, mais leitos, mais exames laboratoriais, sem a gestão e
controle da política pública, infelizmente, não podem ser considerados sinônimos de
eficiência e qualidade a um bom atendimento ao cidadão. A figura abaixo nos permite
155
entender a precariedade da infraestrutura urbanística, da política de transporte,
saneamento e habitação que os grandes centros administram.
25%
23% 23%
21%
20% 20%
20%
20%
15% 13%
12%
12%
10% 9%
8% 9%
5% 4%
3% 3% 3%
3% 2%
2% 2%
1%
0%
Saúde Educação Urbanismo Encargos Transporte Saneamento Habitação
Especiais
Encargos
MUNICÍPIO População Urbanismo Habitação Saneamento Transporte
Especiais
São Paulo 11.253.503 9% 3% 1% 9% 12%
Rio de Janeiro 6.320.446 13% 2% 3% 1% 15%
Salvador 2.675.656 18% 0% 0% 3% 8%
Fortaleza 2.452.185 14% 2% 0% 0% 4%
Belo Horizonte 2.375.151 5% 4% 7% 2% 6%
Manaus 1.802.014 24% 1% 0% 0% 4%
Curitiba 1.751.907 27% 1% 3% 0% 3%
Recife 1.537.704 16% 1% 1% 0% 2%
Porto Alegre 1.409.351 3% 2% 21% 0% 6%
Belém 1.393.399 19% 1% 2% 1% 9%
Goiânia 1.302.001 1% 0% 8% 3% 3%
São Luís 1.014.837 6% 1% 9% 7% 2%
Maceió 932.748 4% 1% 9% 0% 2%
Teresina 814.230 10% 2% 2% 0% 1%
Natal 803.739 20% 1% 0% 0% 4%
Campo Grande 786.797 9% 1% 0% 15% 0%
João Pessoa 723.515 9% 1% 1% 2% 3%
Aracaju 571.149 20% 2% 1% 0% 2%
Cuiabá 551.098 12% 1% 0% 0% 9%
Porto Velho 428.527 26% 3% 0% 1% 6%
Florianópolis 421.240 9% 0% 12% 0% 2%
Macapá 398.204 3% 2% 0% 2% 2%
Rio Branco 336.038 27% 0% 7% 1% 4%
Vitória 327.801 19% 3% 5% 0% 3%
Boa Vista 284.313 17% 1% 10% 4% 3%
Palmas 228.332 13% 1% 3% 1% 5%
Média das 26 Capitais 42.895.885 12% 2% 3% 4% 9%
FONTE: STN/FINBRA, anos: 2010
A política de transporte, para o conjunto das 26 capitais, teve uma média apenas
de 4 pontos percentuais. Vale lembrar que todos os dias milhões de pessoas sofrem com
a questão da mobilidade urbana, realidade que atinge todos os cidadãos,
independentemente de renda e região. Cidades mais populosas, como Rio de Janeiro,
Salvador e Belo Horizonte, alocaram na funcional transporte apenas 1, 3 e 2 pontos
percentuais do orçamento total, respectivamente.
Enquanto que a média com o pagamento de juros e amortização do principal da
dívida pública foi de 9 pontos percentuais, as cinco cidades mais populosas destinaram
as maiores participações, 12, 15, 8, 4 e 6 pontos percentuais do orçamento total,
respectivamente. Gastos que justificam a baixa capacidade de investimento dos centros
urbanos mais populosos e endividados do País.
Em condições opostas, os municípios menores, favorecidos pelos critérios das
transferências intergovernamentais e com baixo nível de endividamento, conseguiram
158
registrar maior capacidade de investimento, mesmo com baixa arrecadação de recursos
próprios.
Em quanto os municípios populosos, com alta capacidade de arrecadação de
recursos próprios, porém, endividados e impedidos de realizarem operações de crédito,
comprometeram parte expressiva dos seus orçamentos com as despesas financeiras, e,
na maioria das vezes, permaneceram sobrecarregados pelas atribuições da
municipalização dos serviços, por meio da terceirização.
Vale observar que para proteger algumas áreas de maiores intervenções e
restrições federativas, muitas capitais criaram alguns fundos especiais na tentativa de
assegurarem algum recurso do orçamento fiscal para suas responsabilidades exclusivas
municipais, para as quais não haviam sido garantidos os recursos constitucionalmente,
nem por meio de convênios ou de programas nacionais.
Apesar de a medida ter sido usada com frequência, as dificuldades econômicas
restringiram a possibilidade de se reservar recursos próprios para esses fundos. Porém,
muitos não cumpriram seus objetivos estabelecidos na lei orgânica municipal, pois não
conseguiram planejar qualquer oferta de política pública por meio desse instrumento,
frente à impossibilidade de reservar e efetivar o orçamento desses setores.
Dessa forma, o processo orçamentário caminhou no âmbito de transferir parte das
responsabilidades das políticas descentralizadas para as organizações não
governamentais (ONGs), e administração indireta – fundações, autarquias e empresas
públicas.
As informações da tabela 22, apesar de não nos permitirem identificar quais ações
dos programas foram executadas pelos centros urbanos mais autônomos, mostraram a
execução por categoria econômica e natureza das despesas orçamentárias83.
As naturezas das despesas com pessoal e investimentos registraram queda nos dois
intervalos de municípios mais populosos, onde se encontram mais da metade das
capitais. Ao passo que os intervalos que reuniram os municípios com menor população
obtiveram uma participação maior dessas despesas na estrutura orçamentária. Em parte,
83
A categoria da despesa corrente recebeu o código 3 na Lei 4.320/64 e agrega três naturezas de despesas
com os respectivos códigos: 1. Pessoal e Encargos Sociais; 2. Juros e Encargos da Dívida; 3. Outras
Despesas Correntes. Essas despesas são realizadas para garantir o funcionamento da administração
pública e a oferta dos bens e serviços públicos. O código 4 é aplicado para a categoria econômica de
capital e reúne três naturezas de despesas com os respectivos códigos: 4. Investimentos; 5. Inversões
Financeiras; e 6. Amortização da Dívida.
159
o resultado da queda da participação dos gastos com pessoal e investimentos, nos
permite compreender a causa do sucateamento da política pública nos grandes centros.
Nos dois primeiros intervalos com maior número populacional, onde se encontram
a maioria das capitais, é possível observar o crescimento da natureza Outras Despesas
Correntes, que agrupa os serviços da terceirização. Em 1998, a participação dessa
despesa no intervalo mais populoso representava 27 pontos percentuais, em 2010 a
participação saltou para 46 pontos percentuais do orçamento total.
84
Subvenções Sociais: conforme portaria 163/2001, despesas orçamentárias para cobertura de despesas
de instituições privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, de acordo com os
artigos 16, parágrafo único, e 17 da Lei n. 4.320/1964, observado o disposto no art. 26 da LRF.
85
Contribuições: conforme portaria 163, de 2001, despesas orçamentárias às quais não correspondam
contraprestação direta em bens e serviços e não sejam reembolsáveis pelo recebedor, inclusive as
destinadas a atender a despesas de manutenção de outras entidades de direito público ou privado,
observado o disposto na legislação vigente.
161
em detrimento das próprias instruções normativas e das imposições fiscais da LRF, que,
de certa forma respaldou o modelo, definindo limites de gastos com pessoal, por
exemplo, e nenhum teto foi definido para as terceirizações.
86
Para o pleito de novos financiamentos necessários para os investimentos locais86, as resoluções 40 e 43
de 2001 do Senado Federal, condenaram essa possibilidade e futuro para muitas capitais.
167
do ICMS de Vitória representou mais de 68 pontos percentuais, enquanto que para a
média demais capitais a participação foi de apenas 39 pontos percentuais.
Quando a análise é apurada pela participação da média dos investimentos per
capita dos municípios do País, agrupados por intervalos populacionais, os municípios
dos intervalos com menor população realizaram investimentos per capita maiores,
conforme informações da tabela 26.
Dessa forma, mesmo sem analisarmos os programas realizados em cada
município, é possível afirmar que muitas das necessidades de infraestrutura são
decorrentes do modelo de partilha, das consequências da desindustrialização dos
grandes centros urbanos, dos efeitos da guerra fiscal, e, por fim dos limites fiscais e
modelo das relações federativas confusas, e que permitiram a omissão dos governos
superiores nas políticas municipalizadas.
Fica evidente que os maiores desafios encontram-se no crescente estrangulamento
financeiro dos centros mais populosos, com poucos recursos para investimentos e sem
capacidade de buscar novos financiamentos, e permanecem sobrecarregados pelas
exigências das contrapartidas, e submetidas aos determinantes da política fiscal
impostos pelos governos superiores.
Reconheço a importância dos menores municípios legitimada no texto
constitucional de 1988, circunstância que estimulou inclusive a emancipação de mais de
1400 novos municípios pequenos, que tiveram participação crescente nas transferências
constitucionais per capita.
Porém, o modelo de pactuação constitucional contribuiu para que o valor per
capita dos recursos disponíveis aos centros urbanos mais populosos e consolidados
economicamente fossem reduzidos. O resultado contribuiu para tencionar as relações
federativas dos centros urbanos mais populosos, que administram as atribuições de um
polo provedor de serviços e as responsabilidades metropolitanas, com poucas ações
cooperativas e solidárias.
168
Tabela 26 - Investimento per capita médio das capitais e por agrupamento
populacional, ano 2010, em valores reais
Investimento
MUNICÍPIO População Investimento * Per Capita
Médio
Vitória 327.801 328.499.242,08 R$ 1.002,13
Boa Vista 284.313 262.997.791,21 R$ 925,03
Porto Velho 428.527 282.702.159,73 R$ 659,71
Campo Grande 786.797 443.543.826,82 R$ 563,73
Belo Horizonte 2.375.151 929.088.781,93 R$ 391,17
Rio de Janeiro 6.320.446 2.416.798.569,37 R$ 382,38
Florianópolis 421.240 159.942.373,33 R$ 379,69
São Paulo 11.253.503 3.674.586.849,59 R$ 326,53
Porto Alegre 1.409.351 444.582.779,29 R$ 315,45
Manaus 1.802.014 555.390.486,54 R$ 308,21
João Pessoa 723.515 194.844.201,25 R$ 269,30
Palmas 228.332 60.237.537,73 R$ 263,82
Teresina 814.230 173.558.520,82 R$ 213,16
Rio Branco 336.038 66.249.856,54 R$ 197,15
Fortaleza 2.452.185 481.295.552,84 R$ 196,27
Recife 1.537.704 263.157.675,76 R$ 171,14
Aracaju 571.149 92.277.749,87 R$ 161,57
Goiânia 1.302.001 197.925.566,70 R$ 152,02
Belém 1.393.399 207.815.131,03 R$ 149,14
Cuiabá 551.098 74.438.674,12 R$ 135,07
Curitiba 1.751.907 217.051.000,78 R$ 123,89
Natal 803.739 83.693.666,97 R$ 104,13
Maceió 932.748 89.341.630,02 R$ 95,78
Salvador 2.675.656 241.311.276,31 R$ 90,19
Macapá 398.204 34.682.072,46 R$ 87,10
São Luís 1.014.837 0,00 R$ -
26 Capitais 42.895.885 11.976.012.973,08 R$ 279,19
500 Mil - Acima de 1 Milhão** 12.829.916 3.575.470.330,09 R$ 278,68
300 Mil - 500 Mil** 13.569.848 4.195.361.504,70 R$ 309,17
100 Mil - 300 Mil** 31.921.042 9.410.856.764,79 R$ 294,82
50 Mil - 100 Mil 21.996.138 4.878.904.716,19 R$ 221,81
20 Mil a 50 Mil 30.487.995 7.820.349.964,08 R$ 256,51
10 Mil a 20 Mil 19.250.170 5.822.748.136,68 R$ 302,48
805 a 10 Mil 12.578.054 5.553.449.816,33 R$ 441,52
FONTE: STN/FINBRA, ano 2010
(*) Valores Corrigidos pelo IPCA-IBGE a preços de março de 2018.
(**) exceto as capitais.
87
Medida Provisória, nº 1.811/1999, a atual 2.185/2001.
172
Ou seja, a partir da renegociação da dívida pública no final da década de 90, a
federação brasileira não encontrou um caminho que permitisse pensar na redistribuição
de recursos necessários para desenvolver os espaços urbanos e as competências
constitucionais de cada esfera de governo.
Lembrando que, o pagamento das parcelas do acordo de renegociação deveria
ocorrer não apenas por meio da tributação, mas por meio da limitação dos gastos.
Constrangimentos fiscais que causaram uma eclosão de dificuldades econômicas, com
pressões sociais que culminaram na mais grave crise social e fiscal do País.
Nossa experiência tem nos mostrado que o Estado tem persistido em um único
objetivo, a redução das despesas primárias para se apurar um superávit primário88. Fica
a sensação de que o Estado assumiu o compromisso apenas com o mercado financeiro
especulativo, em detrimento das garantias sociais asseguradas no texto constitucional e
em função da perda do controle da gestão das políticas públicas.
As características da nossa descentralização e do ajuste fiscal, a meu juízo,
comprometeram a autonomia municipal, pois a cada dia as demandas urbanas foram
preteridas na estrutura orçamentária.
Desde então, com pactuação confusa, a federação brasileira passou a conviver
com disputas de recursos; com a falta de regulamentação de setores e omissão de
responsabilidades nas ações metropolitanas; com atrasos nos repasses financeiros
necessários para assegurar as ações de programas nacionais descentralizados, além das
inúmeras restrições fiscais. Os desequilíbrios ocasionados são incalculáveis, e
comprometeram os direitos à cidadania.
Dessa forma, torna-se essencial pensar a gestão local, a partir de uma combinação
de esforços entre as três esferas, com políticas redistributivas e com estratégias não
excludentes, que acolham as necessidades locais. E, acima de tudo, a política nacional
precisa assegurar condições para a implantação e o funcionamento dos programas que
incorporem as necessidades metropolitanas das cidades mais populosas do País. Não há
dúvida de que a federação precisa de um ajuste urgente nas relações federativas.
Acredito que o Estado precisa de fato selar os compromissos constitucionais,
esclarecer e delimitar as confusas tarefas, a partir de regulamentações cristalinas a cada
esfera de governo, que nos permitissem fiscalizar, acompanhar e cobrar a realização de
88
A esse respeito, ver Ministério da Fazenda (2007), Anexo de Metas Fiscais e Relatório Resumido da
Execução Orçamentária aplicada à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios. 7ª edição
atualizada.
173
cada direito e dever; e, retomar o debate sobre as competências exclusivas definidas no
texto constitucional e do papel da região metropolitana no enfrentamento das
complexidades urbanísticas dos grandes centros urbanos do País.
Além disso, existe a necessidade de revermos as metodologias da distribuição dos
recursos que tem gerado muitas assimetrias nos valores per capitas entre os municípios
brasileiros, com prejuízos para o contingente populacional residente nas capitais.
Os encaminhamentos dessas questões, certamente, poderiam ajudar a desfazer a
rigidez orçamentária vigente, permitindo um equacionamento federativo integrado e
cooperativo, que nos permitissem enfrentar e garantir o acesso à universalidade dos
direitos aos mais de um quarto da população brasileira que ali residem.
A partir dessas questões estudadas, posso concluir que a atual crise federativa tem
identidade clara, e o hiato estabelecido entre necessidade e capacidade de investimento
são perceptíveis, assim como o próprio formato das políticas públicas, contribuíram para
a degradação e a precarização dos serviços, sem nenhum controle, fiscalização e gestão
quanto à qualidade da política pública.
Parece-me urgente a necessidade de uma repactuação que acolha as questões
urbanas e devolva a capacidade de investimentos às capitais que, atualmente, dispõem
de um volume de investimento por habitantes inferior à média do País, e dos municípios
menos populosos e mais dependentes de transferências intergovernamentais.
As informações estudadas nos ofereceram pistas que asseguram a necessidade de
realizarmos uma repactuação federativa. Apesar da importância da arrecadação
tributária própria, as metrópoles brasileiras permaneceram sujeitas às limitações fiscais
que comprometeram a realização de suas responsabilidades, determinantes na melhoria
da qualidade de vida de milhões de pessoas residentes nessas cidades.
Precisamos legitimar o conceito de autonomia na arrecadação própria e o aumento
da descentralização fiscal, para que os governos locais possam exercer sua autonomia
federativa e, por sua vez, orçamentária. Cumpre lembrar que analisamos os municípios
com as maiores capacidades de gerar receita própria, acima de média nacional e, que,
portanto, deveriam, naturalmente, ter autonomia financeira para assegurar as
necessidades dos investimentos locais, mas, de fato, isso pouco refletiu na performance
dos programas orçamentários e nas melhorias na provisão de bens e serviços oferecidos
à população residente nas capitais.
O desafio consiste em “como tratar dos interesses das partes, preservando os
valores do conjunto” (AFFONSO, 2001). As escassas políticas públicas locais voltadas
174
para os interesses coletivos, somadas às políticas monetária e fiscal restritiva, não
conseguiram oferecer de forma adequada os serviços sociais e urbanos essenciais para
grande parte da população que os grandes centros urbanos reúnem.
Precisamos de uma combinação de esforços entre as três esferas, com políticas
redistributivas e de estratégias não excludentes, que representem as necessidades locais
e de cada região, e assegurem um fortalecimento institucional do município no quadro
federativo do País.
Para tanto, é preciso não apenas de recursos financeiros e orçamentários, mas de
uma “coordenação federativa” por parte dos governos federal e estadual, que permitam
a esfera municipal assumir seu papel de provedor das suas responsabilidades
constitucionais.
Podemos dizer que o atual estágio do federalismo fiscal brasileiro manteve o poder
e o controle político e operacional do manejo dos recursos financeiros de forma
centralizada, bem como criou empecilhos para viabilizar qualquer ação que pudesse se
traduzir em redução do poder central. Enquanto isso, a situação atual sobrecarrega as
capitais de atribuições, e nos coloca em uma crise de funções, onde todos na federação
brigam e ninguém parece ter razão.
Embora se reconheça que a descentralização fiscal tem sido um processo
aclamado e defendido, desde o final dos anos 1970, de forma quase unânime pelas três
esferas federativas, legislativos, oposição e sociedade, as mudanças promovidas foram
insuficientes para fortalecer, de fato, a autonomia federativa e orçamentária dos
governos municipais, mesmo diante do amplo processo da descentralização fiscal.
As decisões federativas realizadas de forma centralizada reproduziram inúmeras
incertezas e sobreposições de papéis que não contribuíram em nada para garantir a
autonomia federativa de cada esfera e muito menos assegurou a realização e ou
universalidade dos direitos a todos os brasileiros. Perguntas como “Quem é que faz o
que na federação? ”; “Com quais recursos? ”; “E para quem? ” permanecem sem
respostas, no atual desenho federativo.
Enquanto isso, o modelo mostra-se impotente para edificar uma sociedade em
outras bases, comprometida com princípios do federalismo cooperativo, acompanhados
dos compromissos sociais democráticos.
Os propósitos da agenda do Estado brasileiro, comprometidos com as exigências
da nova disciplina fiscal, nos permitiram uma experiência com poucas oportunidades
para superarmos o atraso econômico e social, intra e enter regiões do País. E, ainda
175
permitiu que as economias urbanas mais populosas e economicamente mais
consolidadas do País, permanecessem mergulhadas em sua fragilidade fiscal.
Não há dúvidas que o momento exige uma considerável revisão da pactuação
das políticas descentralizadas, bem como uma reforma fiscal. Acredito que o custo e as
restrições do ajuste fiscal para os centros urbanos mais endividados do País, são
acontecimentos que configuraram a deformação do pacto federativo.
Diante disso, a maioria das capitais permanece inserida em uma encruzilhada:
enfrentar o dilema entre o aumento da participação dos recursos próprios na estrutura
orçamentária e, em paralelo, a multiplicidade de restrições fiscais e as regulamentações
que cercam a municipalização das políticas públicas, causando severa rigidez
orçamentária, mesmo diante do esforço realizado para o aumento da arrecadação dos
recursos próprios.
Os resultados têm um custo social e econômico nefasto para todas as regiões do
País. Um cenário da mais completa ausência e abandono de muitas políticas públicas de
investimento urbano. E, claro, a fatura do descaso é remetida para a população mais
vulnerável e desassistida pelo Estado.
Dessa forma, sem cooperação e integração federativa, todos os dias, milhares de
demandas batem à porta municipal. Entretanto, as ações realizadas têm sido
insuficientes. Torna-se inadiável uma discussão ampla e profunda sobre a necessidade
de promovermos uma reforma fiscal que seja capaz de discutir o papel do Estado
brasileiro nas políticas públicas.
As 26 capitais, com autonomia orçamentária restringida, têm sido forçadas a
colocarem em segundo plano uma parte das suas atribuições constitucionais, sem que
isso traga à baila a urgência do revigoramento do pacto federativo.
Estas observações nos indicam a urgência com que é preciso discutir o processo
da descentralização fiscal do País, que explicitamente padece de padrões mínimos na
prestação de determinados serviços. Na medida em que o nível mínimo de gasto seja
definido, os governos superiores deveriam ser forçados a buscarem alguma forma de
ajustamento, como por exemplo, transferir mais recursos e auxiliá-los tecnicamente no
tratamento dos setores descentralizados.
Acredito que é necessário repensar a pactuação federativa vigente, criar de fato
instrumentos que possam fazer a gestão das políticas públicas, e retomar o debate que
dê conta de discutir a partilha dos recursos, e a divisão de funções mais clara de cada
esfera de governo na prestação dos serviços públicos, sem sobreposição de tarefas, sem
176
omissão e, acima de tudo, com ações integradas e cooperativas necessárias, com o
cuidado de legitimar o papel das agências metropolitanas. Só então, será possível
enfrentar, em bases firmes, os principais problemas federativos, que hoje, parecem ter
ficado no discurso e na aprovação formatada no texto constitucional de 1988.
177
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189
7. Anexos
ANEXO 1:
ANEXO 2:
Tabela 28 - Despesas da União por Função União: 1995-1999
1
190
ANEXO 3:
Tabela 29 - Despesas da União por Função: 2000-2010
DESPESAS GOVERNO FEDERAL - FUNÇÃO 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 2.005 2.006 2.007 2.008 2.009 2.010
Legislativa 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0,5% 0,39% 0,45%
Judiciária 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2%
Essencial à Justiça 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,40% 0,38% 0,43%
Administração 2% 2% 2% 1% 2% 1% 1% 1% 1% 1% 2%
Defesa Nacional 3% 3% 3% 2% 2% 3% 2% 2% 2% 2% 3%
Segurança Pública 1% 1% 1% 0% 1% 0% 0% 1% 1% 1% 1%
Relações Exteriores 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
Assistência Social 1% 1% 1% 2% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 4%
Previdência Social 30% 28% 28% 29% 30% 31% 27% 29% 28% 27% 31%
Saúde 6% 6% 6% 6% 6% 6% 5% 5% 5% 5% 5%
Trabalho 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 2% 3% 3%
Educação 3% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 3% 4%
Cultura 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,06% 0,06% 0,08%
Direitos da Cidadania 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,10% 0,10% 0,13%
Urbanismo 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,12% 0,15% 0,18%
Habitação 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,02% 0,01% 0,00%
Saneamento 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,05% 0,08% 0,05%
Gestão Ambiental / Desenvolivmento Regional 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,15% 0,14% 0,19%
Ciência e Tecnologia 0% 0% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0,43% 0,45% 0,51%
Agricultura 2% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0,83% 1,02% 0,85%
Organização Agrária 0% 0% 0% 0% 0% 1% 1% 0% 0,27% 0,23% 0,21%
Indústria 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,23% 0,12% 0,14%
Comércio e Serviços 1% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,15% 0,13% 0,14%
Comunicações 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,04% 0,03% 0,05%
Energia 0% 0% 2% 1% 0% 0% 0% 0% 0,05% 0,06% 0,05%
Transporte 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 1% 0,52% 0,77% 1,13%
Desporto e Lazer 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0,02% 0,01% 0,02%
Encargos Especiais 42% 46% 45% 47% 44% 42% 50% 47% 50% 50% 42%
SUBTOTAL Orçamento Fiscal (A) 2.612.217.891.177,95 2.738.694.102.760,68 2.476.993.671.381,75 2.329.651.666.290,59 2.217.694.934.897,41 2.215.999.604.362,27 2.738.251.057.185,78 2.487.136.254.392,20 2.573.561.377.420,19 2.756.115.710.224,84 2.399.317.419.243,43
Encargos Especiais - Refinanciamento (B) 2.492.475.949.934,65 1.571.869.312.514,81 1.330.348.454.529,48 1.808.962.319.496,98 1.486.259.228.914,64 1.825.045.075.025,10 1.293.328.267.617,34 1.178.860.280.991,47 779.008.393.341,00 684.698.299.027,21 858.132.166.521,03
Refinanciamento da Dívida Mobiliária 98% 96% 97% 98% 98% 99% 99% 100% 99% 85% 85%
Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária 2% 4% 3% 2% 2% 1% 1% 0% 0% 14% 14%
Refinanciamento da Dívida Contratual 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 1% 1%
Correção Monetária e Cambial da Dívida Contratada 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
TOTAL (A+B) 5.104.693.841.112,60 4.310.563.415.275,48 3.807.342.125.911,23 4.138.613.985.787,56 3.703.954.163.812,05 4.041.044.679.387,37 4.031.579.324.803,12 3.665.996.535.383,67 3.352.569.770.761,19 3.440.814.009.252,05 3.257.449.585.764,45
Fonte: SIAFI - STN/CCONT/GEINC, vários anos. Elaboração Própria.
Valores atualizados com base no IPCA IBGE de março de 2018.
2
191
ANEXO 04:
Tabela 30 - Estoque do Exigível de longo prazo municipal e das 26 capitais: 2000-2010
MUNICÍPIOS / ANO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
SAO PAULO 48.799.682.741,32 54.464.282.472,30 64.791.958.612,84 68.672.285.106,48 76.838.509.391,90 65.145.603.074,84 66.145.175.465,04 66.825.713.494,63 70.235.343.783,21 66.624.949.392,38 75.572.849.302,24
RIO DE JANEIRO 13.720.440.681,24 13.807.147.225,41 17.083.298.048,84 15.493.262.838,79 16.018.478.840,86 14.809.434.701,82 14.403.924.224,45 13.866.613.680,20 14.589.398.613,01 13.211.981.297,19 14.712.337.584,74
BELO HORIZONTE 1.862.740.094,92 1.358.169.159,05 1.461.582.615,95 1.257.779.019,17 1.186.163.421,09 1.071.763.985,50 1.024.665.821,94 1.826.841.221,01 2.060.119.344,72 2.191.810.815,14 1.951.574.895,49
BELEM 174.021.995,89 10.110.522,26 2.689.786,00 147.385.036,77 154.690.550,14 228.417.371,34 209.111.483,72 180.800.000,04 2.578.839.101,81 3.379.439.794,83 3.272.527.557,69
SALVADOR 2.370.813.407,62 2.363.416.867,44 3.371.751.431,97 2.915.696.204,58 3.559.935.183,48 2.541.485.761,16 3.312.033.076,68 3.214.940.560,88 3.013.092.946,16 2.739.310.601,14 3.393.913.021,68
TERESINA - - 169.294.081,48 - - 122.822.856,25 360.649.005,47 1.157.918.540,21 2.224.656.178,31 2.250.811.531,19 2.796.293.092,58
MACEIO 1.056.004.534,33 884.852.305,56 - - - 796.495.681,33 729.327.638,85 671.205.158,72 630.059.154,67 427.476.813,05 -
CAMPO GRANDE 251.641.831,88 233.439.614,74 297.244.502,70 346.632.364,06 325.347.496,31 - - - 303.682.776,07 344.381.744,89 352.784.658,35
CURITIBA 1.074.927.459,37 990.207.167,63 1.470.593.568,31 1.272.215.183,36 1.068.283.195,65 813.017.309,35 703.436.334,10 6.317.308.995,69 939.278.450,77 2.053.414.114,77 1.511.670.916,08
PORTO ALEGRE 898.348.426,07 948.767.037,13 1.459.580.760,28 1.304.867.740,01 1.223.303.700,76 1.210.776.923,40 1.164.942.242,47 1.044.350.814,23 1.088.351.034,72 1.141.940.778,69 1.125.539.898,02
PORTO VELHO 39.284.032,39 19.386.650,79 86.243.405,36 720.419.002,91 703.441.237,80 658.340.935,57 493.968.898,91 754.103.164,20 699.952.470,15 891.625.348,62 1.176.406.225,15
RECIFE 745.915.691,54 765.399.817,00 910.622.632,24 877.756.157,83 1.121.045.678,97 1.189.422.115,75 1.249.832.192,41 1.546.070.814,33 1.358.634.365,16 1.326.005.271,51 1.319.805.232,90
VITORIA - 213.583.702,11 209.799.645,24 192.515.371,28 224.490.955,48 196.649.884,11 173.528.350,13 150.387.397,18 137.041.480,18 185.390.766,54 230.707.992,76
GOIANIA - 909.703.071,89 - 832.362.355,11 799.210.357,85 775.874.137,15 786.366.970,09 756.899.125,49 716.581.189,49 692.384.531,44 672.595.353,63
CUIABA 541.721.213,12 560.875.273,93 660.161.324,87 665.403.279,11 755.300.771,94 601.986.694,09 647.651.436,93 - 555.482.078,86 526.110.693,17 494.470.437,68
FLORIANOPOLIS 319.003.958,26 149.860.237,62 170.553.538,19 313.809.776,69 333.723.941,83 327.954.998,87 360.905.354,79 325.621.534,58 382.964.000,12 352.372.432,22 459.208.151,70
MANAUS 354.415.919,46 370.970.626,08 424.508.803,05 322.126.466,64 264.862.882,21 199.438.656,58 198.756.504,04 196.318.859,76 346.838.273,52 394.327.072,40 397.381.152,74
RIO BRANCO 111.942.479,64 147.535.954,91 114.836.409,50 130.691.440,75 121.984.373,12 114.820.233,75 111.950.031,47 140.144.886,22 166.052.470,41 149.061.085,40 140.723.415,45
PALMAS 40.356.672,64 35.664.346,21 30.297.867,14 28.622.741,30 27.980.776,73 33.364.567,09 39.507.984,31 39.278.526,00 34.760.898,60 - 230.200.846,93
NATAL - - 202.920.622,53 - 186.052.257,65 225.873.463,82 249.867.237,14 - - - 323.781.615,18
MACAPA - - - 84.931.487,53 73.986.363,64 62.223.616,32 58.249.820,69 55.764.224,92 53.191.222,24 363.311.416,81 338.217.338,83
ARACAJU 227.518.247,45 122.649.825,85 192.125.150,96 154.947.671,18 135.125.922,82 110.280.732,40 162.373.743,30 140.948.921,50 159.103.695,21 177.147.945,03 213.816.361,35
SAO LUIS 140.260.790,33 159.690.465,54 114.853.304,51 123.902.040,62 109.697.387,18 96.323.818,78 71.593.176,73 84.498.961,58 - - 79.054.439,58
BOA VISTA 33.056.412,98 24.980.277,23 19.921.474,77 - 97.809.480,66 94.929.867,92 90.578.738,52 78.482.595,35 98.826.361,75 - -
FORTALEZA 649.856.446,47 85.142.099,46 55.607.311,54 42.648.094,47 39.635.538,26 31.205.632,46 1.780.266,07 450.778.188,95 522.012.609,32 458.689.263,18 -
JOAO PESSOA 129.125.486,23 118.870.522,62 108.060.576,68 109.592.616,34 433.189.362,86 300.574.463,22 340.496.557,26 281.670.978,31 248.157.110,05 - 183.958.760,60
Total Dívida 26 Capitais (A) 73.541.080.523,16 78.744.707.243,76 93.408.507.476,96 96.009.853.997,97 105.802.251.073,18 91.759.083.487,87 93.090.674.561,51 100.106.662.650,97 103.142.421.616,53 99.881.944.718,60 110.949.820.261,35
Total Dívida Municipal (B) 102.324.547.817,96 111.005.963.223,67 127.497.815.136,88 137.094.069.138,17 144.684.207.696,33 141.922.290.449,27 154.352.095.647,46 175.717.577.646,21 179.803.576.204,11 207.657.035.699,03 227.774.636.939,32
A/B 72% 71% 73% 70% 73% 65% 60% 57% 57% 48% 49%
FONTE: FINBRA, vários anos.
Valores Corrigidos pelo IPCA-IBGE, março de 2018. Em R$ 1,00.
1
192
ANEXO 05:
Estoque de Dívida
MUNICÍPIOS População
Longo Prazo 1998
ARACAJU 460.898 151.692.449,14
BELEM 1.279.861 148.596.491,06
BELO HORIZONTE 2.229.697 1.781.531.776,67
BOA VISTA 200.383 29.938.373,69
CAMPO GRANDE 662.534 251.510.363,54
CUIABA 482.498 316.535.385,34
CURITIBA 1.586.898 -
FLORIANOPOLIS 331.784 231.482.539,65
FORTALEZA 2.138.234 392.844.186,36
GOIANIA 1.090.581 -
MACAPA 282.745 -
MACEIO 796.842 573.472.129,91
MANAUS 1.403.796 309.506.065,08
NATAL 709.422 -
PALMAS 136.554 46.706.565,13
PORTO ALEGRE 1.359.932 693.251.129,11
RECIFE 1.421.947 608.214.400,65
RIO BRANCO 252.800 50.986.385,97
RIO DE JANEIRO 5.850.544 10.375.489.240,66
SALVADOR 2.440.886 2.248.246.069,67
SAO LUIS 867.690 105.266.606,41
SAO PAULO 10.406.166 37.144.374.261,11
TERESINA 714.318 -
VITORIA 291.889 121.008.392,80
TOTAL 26 capitais 37.398.899 55.580.652.811,94
Fonte: FINBRA 1998. Elaboração Própria.
Valores Corrigidos pelo IPCA-IBGE, março de 2018.
2
193
ANEXO 06:
ANEXO 08:
Tabela 33 - Evolução do Investimento no orçamento total, 26 Capitais,
anos: 1995;2001;2005;2009 e 2010, em %
Participação dos Investimentos no Orçamento Total - em %
MUNICIPIO 1995 2001 2005 2009 2010
SAO PAULO 26% 5% 4% 8% 8%
RIO DE JANEIRO 17% 7% 7% 4% 11%
SALVADOR 0% 13% 5% 6% 5%
FORTALEZA 12% 11% 3% 8% 9%
BELO HORIZONTE 1% 1% 8% 17% 11%
MANAUS 32% 15% 6% 9% 16%
CURITIBA 16% 4% 4% 5% 3%
RECIFE 2% 3% 5% 7% 7%
PORTO ALEGRE 9% 8% 5% 6% 8%
BELEM 15% 8% 5% 9% 8%
GOIANIA 4% 9% 7% 9% 6%
SAO LUIS 14% 11% 6% 5% 0%
MACEIO 9% 4% 5% 5% 5%
TERESINA 1% 6% 8% 13% 9%
NATAL 2% 8% 7% 12% 5%
CAMPO GRANDE nd 25% 11% 16% 17%
JOAO PESSOA 7% 13% 4% 11% 11%
ARACAJU 8% 8% 10% 9% 7%
CUIABA 8% 9% 4% 6% 5%
PORTO VELHO 10% 14% 6% 17% 24%
FLORIANOPOLIS 8% 14% 9% 10% 12%
MACAPA 6% 8% 7% 8% 5%
RIO BRANCO 7% 19% 12% 20% 11%
VITORIA 19% 13% 8% 17% 17%
BOA VISTA 21% 13% 15% 18% 27%
PALMAS 35% 26% 20% 8% 9%
Média 12% 11% 7% 10% 10%
Mediana 9% 9% 6% 9% 9%
Mínimo 0% 1% 3% 4% 0%
Máximo 35% 26% 20% 20% 27%
FONTE: STN/FINBRA, vários anos. Elaboração própria.
1
198
ANEXO 09:
Tabela 34 - Resultado Primário do Governo Central. Em R$ Milhões - Valores de Março 2018 / IPCA
Discriminação 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
I. RECEITA TOTAL 548.833,1 623.092,1 652.579,3 691.279,8 738.677,7 776.853,5 790.866,2 864.738,5 952.590,7 1.027.680,6 1.120.746,1 1.224.745,7 1.211.048,2 1.422.959,0
II. TRANSF. POR REPARTIÇÃO DE RECEITA 83.677,1 92.203,8 95.181,3 107.926,6 117.615,7 126.260,6 126.423,2 132.171,3 156.655,9 171.005,7 184.721,1 217.969,4 196.358,5 206.612,9
III. RECEITA LÍQUIDA (I-II) 465.155,9 530.888,4 557.398,0 583.353,2 621.062,0 650.592,9 664.443,0 732.567,1 795.934,9 856.674,9 936.024,9 1.006.776,2 1.014.689,7 1.216.346,1
IV. DESPESA TOTAL 458.940,6 505.162,2 494.552,5 521.645,2 561.689,7 573.947,5 577.657,4 630.733,9 693.077,8 764.381,8 831.535,2 860.134,5 949.986,0 1.095.679,6
V. FUNDO SOBERANO DO BRASIL 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 -24.378,0 0,0 0,0
VI. PRIMÁRIO GOVERNO CENTRAL 6.215,3 25.726,2 62.845,4 61.708,0 59.372,3 76.645,4 86.785,6 101.833,2 102.857,1 92.293,1 104.489,7 122.263,7 64.703,7 120.666,5
VII.1 AJUSTE METODOLÓGICO ITAIPU 1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 5.436,8 4.686,0 4.904,6 3.240,2 2.103,7 2.252,8 2.103,6
VII.2 AJUSTE METODOLÓGICO CAIXA-COMPETÊNCIA 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
VIII. DISCREPÂNCIA ESTATÍSTICA -14.414,4 -8.608,8 7.816,0 -1.622,2 662,9 829,9 -746,5 845,0 1.305,4 24,2 1,1 -2.326,9 2.680,5 -814,6
IX. RESULTADO PRIMÁRIO GOVERNO CENTRAL (VI + VII + VIII) -8.199,1 17.117,4 70.661,4 60.085,7 60.035,2 77.475,3 86.039,1 108.115,1 108.848,5 97.221,9 107.731,0 122.040,4 69.637,0 121.955,5
X. JUROS NOMINAIS 3/ -65.342,4 -170.245,3 -152.742,0 -133.658,2 -129.066,0 -101.818,4 -224.062,1 -163.907,7 -251.953,3 -238.222,5 -215.767,0 -164.639,9 -245.788,7 -192.884,9
XI. RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO CENTRAL (IX + X) 2/ -73.541,5 -153.127,9 -82.080,6 -73.572,5 -69.030,8 -24.343,1 -138.023,0 -55.792,7 -143.104,8 -141.000,6 0,0 -42.599,5 -176.151,7 -70.929,4
Fonte: http://stn.gov.br/web/stn/demonstrativos-fiscais
1/ Recursos transitórios referentes à amortização de contratos de Itaipu com o Tesouro Nacional.
2/ Pelo critério "abaixo-da-linha" sem desvalorização cambial. Fonte: Banco Central do Brasil.