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INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
Fevereiro de 2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 23/02/2017
A conclusão de uma tese de doutorado em uma Universidade Pública que presa pela
qualidade não é tarefa fácil. Contudo, é imprescindível para quem busca compreender a
realidade na tentativa de transformá-la para que se consiga trilhar o caminho da emancipação
humana, ainda mais quando a realidade nos mostra o avanço da barbárie.
Apesar do trabalho de elaboração de uma tese ser solitário, tanto na leitura dos livros,
textos, artigos, documentos etc. e, principalmente na fase da escrita, o convívio e as condições
objetivas para esse percurso são indispensáveis.
Nesse sentido, gostaria de agradecer a UFVJM por ter concedido afastamento de
minhas atividades na Universidade no período da tese e também por ter disponibilizado um
professor substituto, de modo a não sobrecarregar, pelo menos no que diz respeito às aulas,
meus colegas do Departamento de Ciências Econômicas, aos quais agradeço pelo apoio que
recebi para a realização desta tese.
Agradeço principalmente a meus familiares que compreenderam esse período de
ausência e que me apoiaram incondicionalmente, tanto para que eu conseguisse realizar esse
trabalho, quanto também em todos os momentos da minha vida. Faço um agradecimento
especial a minha mãe: Neide Lopes Rodrigues. Aos meus irmãos: Paulo César Rodrigues,
Gilberto César Lopes Rodrigues, Mary Lídia Lopes Rodrigues e Meiry Blanco Baldini
Rodrigues. Aos meus sobrinhos: Mário Baldini Neto, João Paulo Baldini Rodrigues, Luís
Paulo Baldini Rodrigues e a Maia Vieira Lopes Rodrigues.
Também agradeço a Judith Vieira, aos meus tios Benê e Mada e meus primos
Fabiana, Emiliano e Carol.
Sou grato aos servidores da secretaria de pós-graduação do Instituto de Economia:
Marinete, Andréa, Ricardo e Fátima, que sempre se mostraram muito solícitos para resolver
quaisquer problemas burocráticos. Agradeço também à servidora Bel, cujo café ajudou nos
desafios das leituras e da escrita, e ao Benê, do xerox do IFCH.
Faço um agradecimento também aos servidores da Biblioteca, cuja dedicação e
empenho foram importantes nesses quatro anos de convivência praticamente diária:
Lourdinha, Clayton, Alexandra, Kelly e Mirian.
Agradeço aos colegas que fiz nesses quatro anos no Instituto de Economia da
Unicamp e cuja convivência e conversa diminuíram as angústias da tese: Victor Young,
Gustavo Zullo, Evandro Santinho, Maurício Espósito, Fábio Pádua, Henrique Braga, Ulisses
Rúbio, Lucas Andrietta, Leonardo Nunes, Franco Villalta, Jaime Leon, Flávia Silva, Juliano
Goulart, Artur Cardoso, Daniel Cardoso, Marcos Haddad, Leandro Pereira, Lima Júnior,
Robinho Gabioneta e Vinícius Figueiredo.
Sou grato também aos diálogos realizados com os professores: Paulo Lima, Carlos
Cordovano, Fernando Macedo, Bruno de Conti, Carol Baltar, Alice Peres, Eduardo Mariutti,
Evaldo Piolli e Lalo Minto.
Agradeço ao professor Plinio de Arruda Sampaio Jr. as disciplinas e as conversas que
tive o prazer de desfrutar nesses anos, além de sua grande contribuição na banca de
qualificação e de defesa da tese. Sou grato à professora Lígia Osório que me orientou no
mestrado, contribuindo muito para minha formação, além da sua colaboração na banca de
defesa desta tese. Agradeço ao Paulo Kliass a participação na banca de defesa, sua arguição e
seu trabalho pioneiro sobre a SEST. Faço também um agradecimento ao professor Adilson
Marques Gennari, meu amigo e orientador na graduação, que me estimulou na pesquisa
acadêmica e que esteve presente na banca de qualificação e defesa desta tese, fazendo parte de
toda minha trajetória acadêmica.
Gostaria de agradecer aos professores Anderson Deo, Bruno de Conti e Alexandre
Saes por aceitarem prontamente o convite para membros suplentes da banca de defesa da tese.
Faço um agradecimento ao meu orientador Fábio Campos, meu amigo de duas
décadas, por ter aceitado o desafio de orientar essa tese e ter realizado uma orientação
dedicada com leituras detidas e contribuindo para o seu resultado.
Agradeço aos amigos de longa data e que tiveram um papel importante para que esta
tese se concretizasse: Márcio Lupatini, Ellen Tristão, Thiago Mandarino, Fernando Leitão,
Anderson Deo, Mauricio Sabadini e Rangel Nascimento.
Por fim, gostaria de agradecer a Vanessa Follmann Jurgenfeld pelo companheirismo,
pelas discussões, leituras, sugestões e revisões da tese. Sem sua participação, com certeza, a
caminhada teria sido muito mais árdua e o resultado, aquém do alcançado.
Resumo
Esta tese tem o objetivo de analisar como as pressões do imperialismo promoveram mudanças
na política econômica brasileira entre os governos Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique
Cardoso na forma de ação das empresas estatais de modo a acentuar a dependência externa.
Para tanto, foi estudado principalmente o enquadramento sofrido pelas empresas estatais a
partir da atuação da SEST, na década de 1980, período entendido nesta pesquisa como o
início do neoliberalismo no país, pela maneira como essas empresas foram instrumentalizadas
por meio da política macroeconômica para satisfazer os anseios do imperialismo. O Estado,
como pressuposto da acumulação de capital também na periferia, atuou de maneira
dependente e subordinada, de modo que as empresas estatais foram relevantes para viabilizar
o processo de criação e envio de excedente econômico para os países centrais, seja como
lucros, juros ou transferências de patrimônio por meio de privatizações.
Introdução ............................................................................................................................... 16
Introdução
A dependência externa na periferia somente pode ser apreendida a partir de seus
nexos com o imperialismo. O posicionamento das burguesias brasileiras1 no comando do
Estado entre 1956 e 1998 mostra que a economia brasileira respondeu a cada fase de
transformação do capitalismo com mudanças na sua política econômica e com ajustes sobre as
empresas estatais sempre voltados a atender a lógica de acumulação dos Investimentos
Diretos Estrangeiros (IDEs).
A compreensão do uso que as burguesias brasileiras fizeram do Estado neste período
histórico como forma de atender as demandas do imperialismo possibilita uma contraposição
a interpretações “correntes”, que entenderam que, com a industrialização pesada, o Estado
brasileiro poderia articular os interesses nacionais, sobrepô-los aos do capital internacional e
isso levar ao desenvolvimento econômico nacional.
Esta tese insere-se num esforço de crítica que se baseia no reexame da economia
brasileira, a partir dos seus determinantes externos e internos. A pesquisa tem como objetivo
geral analisar como as pressões do imperialismo promoveram mudanças na política
econômica brasileira entre os governos Juscelino Kubitschek (JK) e Fernando Henrique
Cardoso (FHC) na forma de ação das empresas estatais de modo a acentuar a dependência
externa.
O imperialismo, principal determinante externo que serve de base para este estudo,
deve ser entendido como a fase superior do capitalismo2, na qual a transformação da
concorrência em monopólio é um dos fenômenos mais importantes do capitalismo moderno
(LÊNIN, 1985). A elevada concentração e centralização de capitais, já a partir da transição do
século XIX para o XX, que levou ao aumento da escala de produção, à expansão dos
1
Florestan Fernandes utilizou muitas vezes o termo burguesias brasileiras, no plural, porque ele as identificou
como bastante heterogêneas em seus interesses. Há um padrão compósito de hegemonia burguesa que dá
unidade a essas burguesias, funcionando como uma colcha de retalhos, ou unidade de diferentes. O que divide
essas burguesias na luta política é a polarização entre polo modernizador e polo conservador, o ritmo e a
intensidade das mudanças, e não sua direção. O que as unifica é a superexploração do trabalho, as restrições à
emergência do povo no cenário político e a associação dependente com o capital internacional.
2
“Movido pela exigência de compreender a situação gerada pelas crescentes rivalidades entre as potências
capitalistas, que empurravam o mundo para uma guerra generalizada, e pela urgência de encontrar uma resposta
teórica e prática para o fortalecimento das tendências oportunistas no interior da social-democracia, a partir de
1912, Lênin voltou sua atenção para o estudo do imperialismo. A importância crucial que ele dava ao
entendimento do imperialismo pode ser aquilatada nas suas próprias palavras: „O problema do imperialismo‟ –
escreve em 1915 – „não é somente um dos elementos essenciais na esfera da ciência econômica que estuda a
mudança de forma do capitalismo nos tempos modernos. Conhecer os fatos relacionados a esta esfera [...] é
absolutamente indispensável para quem se interessa, não só pela economia, mas por qualquer aspecto da vida
social contemporânea‟” (SAMPAIO JR., 2011, p. 31). Este trabalho não se propõe a discutir o imperialismo
clássico, uma vez que este tema por si só representaria uma nova tese, mas sim a influência do imperialismo no
Brasil, sobretudo, a partir da industrialização pesada.
17
1. Introdução
Com base no processo de internacionalização produtiva movido pelo imperialismo
no Brasil, que originou a implantação da indústria pesada, o objetivo deste primeiro capítulo
será mostrar como entre 1956 e 1973 as empresas estatais tiveram um papel central. Ao criar
as condições necessárias para que as empresas multinacionais se instalassem e se
expandissem no país, o Estado brasileiro por meio de suas empresas permitiu uma situação
privilegiada para a valorização do capital internacional.
O capítulo está dividido da seguinte forma: i) Especificidade do imperialismo no
imediato pós-Segunda Guerra Mundial, seção em que será mostrada a necessidade de
expansão das empresas multinacionais para fora de seu espaço nacional de origem; ii)
Atuação das burguesias brasileiras nesta fase do imperialismo, parte em que serão analisadas
as reflexões de Florestan Fernandes sobre as características das burguesias brasileiras e como
elas promoveram as mudanças necessárias exigidas pelo o que ele denominou “imperialismo
total”, favorecidas pelo golpe civil-militar; e iii) Empresas estatais brasileiras na fase do
imperialismo total. Nessa seção haverá uma divisão em cinco partes, de modo a mostrar como
a expansão das empresas estatais e as reformas promovidas a partir do Estado autoritário no
Brasil propiciaram alterações financeiras e institucionais para subsidiar a acumulação das
empresas multinacionais.
3
“O desenvolvimento do capitalismo avançado impõe contínuos reajustamentos no mercado mundial, dos quais
resultam a transformação e a reorientação das técnicas capitalistas de controle à distância das economias
nacionais dependentes. Essas alterações convergem todas para um mesmo ponto: converter os dinamismos de
crescimento da economia capitalista satélite em fonte de transferência para fora de seu próprio excedente
econômico” (FERNANDES, 1972, p. 55).
4
O pacto colonial, estabelecido pelas regras do antigo sistema colonial, resultava em uma situação de extremo
privilégio para a metrópole, na qual, por um lado, ela seria a única compradora dos produtos ofertados pela
colônia, caracterizando-se uma situação de monopsônio, de outro lado, a metrópole seria a única vendedora que
a colônia poderia adquirir suas mercadorias manufaturadas, estabelecendo-se um monopólio. Nessa relação de
exclusivo metropolitano, a metrópole conseguia um saldo significativo em sua balança comercial, por meio da
inequivalência das trocas, ou seja, comprar barato da colônia produtos primários que a metrópole não produzisse,
e vender caro produtos que a colônia necessitasse. Para mais informações, ver Novais (2006), p. 72 e segs. Nas
palavras de Prado Jr. (1997, p. 31, grifos do autor), “no seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a
colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria,
mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em
proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical”.
21
5
Campos (2014, p. 4, grifos do autor), ao interpretar o conceito de imperialismo total de Florestan Fernandes,
afirmou: “o que Fernandes chama de „imperialismo total‟ significa a difusão de valores fordistas dos países
hegemônicos do capitalismo, em especial a economia norte-americana, subordinando as burguesias periféricas
em um heterogêneo espaço transnacional. Nesse plano global é por onde se fundem tanto os novos processos
produtivos, as relações de trabalho e padrões de consumo, quanto a cultura capitalista dominante nos mais
diferentes estratos sociais. A dominação imperialista alargou-se de tal maneira, que ao penetrar por todas as
dimensões da vida, transpôs qualquer fronteira que se opusesse ao „controle societário externo‟. Haveria uma
espécie de penetração da estrutura organizacional das empresas transnacionais e de sua forma de administração,
gestão e produção, nos hábitos profissionais e culturais de grande parte das populações urbanas e
industrializadas, e até mesmo na organização militar”.
22
6
Constatou Magdoff (1983, p. 197): “enquanto que a produção no estrangeiro a partir de investimentos dos
Estados Unidos era, em 1950, 41/2 vezes maior que as exportações, em 1964 essa proporção aumentou para 5 1/2
vezes a exportação”. Reiterou Michalet (1983, p. 19): “segundo um relatório da ONU, em 1971 a produção
internacional de um certo número de economias – isto é, o valor da produção realizada fora das fronteiras por
filiais de empresas nacionais – excede o montante de exportações. Assim, para os Estados Unidos, o valor da
produção internacional é quatro vezes superior ao das exportações; é mais do que o dobro para a Grã-Bretanha e
a Suíça (respectivamente 2,14 e 2,35) e mais ou menos igual às exportações nos casos da França e do Japão”.
23
“importantes na elaboração da política dos EUA, porque o essencial [era] o controle sobre
toda a América Latina” (MAGDOFF, 1983, p. 9), já que o comando dessas regiões periféricas
possibilitava grandes chances de lucros para as empresas multinacionais.
Além dos IDEs, o poder norte-americano estava na reorganização do Sistema
Monetário Internacional (SMI) durante e após a Segunda Guerra Mundial, cujo protagonismo
estadunidense foi evidente e resultou na “liderança de um agente único: o estado imperial
norte-americano” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 29, grifos dos autores).
Os Estados Unidos constituíram nesse período um “império informal”8, com a
disseminação de uma nova forma de organização industrial; uma produção em massa, baseada
no modelo fordista9, e uma ideologia de estilo de vida estimulado por Hollywood.
Disseminava-se o American way of life10. Mas, apesar de informal, seu império ganhava
proporções maiores que os anteriores, como o império formal da Grã-Bretanha do século
XIX. O planejamento estatal e a expansão das grandes empresas norte-americanas se
destacavam de maneira inigualável no pós-Segunda Guerra Mundial. “Graças à expansão da
corporação multinacional, com investimento estrangeiro direto na produção e serviços, o
império informal ia demonstrar uma capacidade de penetração muito maior que outras
formações sociais precedentes” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 30).
8
“As tendências expansionistas do capitalismo norte-americano na segunda metade do século XIX eram ainda
mais propensas a adotar formas informais de imperialismo que o capitalismo britânico [...]. Foi através do
investimento estrangeiro direto e da forma corporativa moderna – exemplificada pela Singer Company
estabelecendo-se como a primeira corporação multinacional a superar a barreira tarifária canadense para
estabelecer uma sucursal com o intuito de produzir máquinas de costura para os prósperos plantadores de trigo
de Ontário – que o imperialismo norte-americano informal logo assumiu uma forma claramente distinta da do
britânico [...]. Foi logo com o New Deal que o estado norte-americano começou a desenvolver as capacidades
modernas de planejamento que, uma vez exercidas na Segunda Guerra Mundial, transformariam e estenderiam
amplamente o imperialismo informal norte-americano” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 32-33).
9
“A imitação das formas de tecnologia norte-americanas e administração „fordista‟ foram maciçamente
reforçadas através do investimento estrangeiro direto estadunidense” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 38, grifos
dos autores).
10
Para Harvey (2003, p. 53), “o imperialismo cultural tornou-se importante arma na luta para afirmar a
hegemonia geral. Hollywood, a música popular, formas culturais e até movimentos políticos inteiros, como o dos
direitos civis, foram mobilizados para promover o desejo de emular o modo americano de ser”. De acordo com
Chesnais (1996, p. 120), “o sonho projetado mundialmente a partir de Hollywood ou de Anaheim (a cidadezinha
da Califórnia onde fica a sede do grupo multinacional Disney) é o do capitalismo e da mercantilização total das
atividades humanas, sua aspiração e tendência. Dele se beneficiam, em consequência, todas as multinacionais,
bem como o conjunto das forças sociais comprometidas com a extensão e consolidação da influência do
capitalismo em todo o planeta. Porém, para a evolução da concorrência em nível mundial e para o resultado da
rivalidade oligopolista, em indústrias bem distantes do setor de mídia, não é indiferente que sejam os EUA, e não
outro grande país, a projetar esse „sonho mundial‟, e que a imagem da mercantilização seja essencialmente
americana. Os grandes grupos japoneses ou alemães não alimentaram qualquer dúvida a respeito. Em vez de
tentarem projetar, pelo menos por enquanto, uma imagem capitalista própria, trataram de se inserir no molde
americano”.
25
11
Para um aprofundamento do debate e das características do imperialismo em sua fase clássica e no pós-
Segunda Guerra Mundial, além de seus reflexos sobre a América Latina, ver Campos (2015).
12
Observou-se também uma grande diferença no tratamento estabelecido pelos Estados Unidos para os países
europeus (e em relação ao Japão) e para os países periféricos. A integração econômica europeia foi estimulada
pelos EUA “para „resgatar o estado-nação europeu‟. Contudo, isto contrastava com a aversão norte-americana
pelas estratégias de industrialização por substituições de importações adotadas pelos estados do sul” (PANITCH;
GINDIN, 2006, p. 39, grifos dos autores).
26
império informal dos Estados Unidos13, por meio do livre comércio e da penetração de suas
empresas multinacionais com poucas restrições por parte dos Estados nacionais (PANITCH;
GINDIN, 2006).
O IDE caracterizou-se enquanto a principal forma de exportação de capitais no pós-
Segunda Guerra Mundial sob a liderança dos Estados Unidos e promoveu uma maior
integração internacional. “Diferentemente do comércio, o investimento estrangeiro direto
norte-americano afetou diretamente as estruturas de classe e as formações estatais dos outros
países capitalistas centrais” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 42).
O aumento exponencial da exportação de capitais dos Estados Unidos após o conflito
bélico e a sua liderança nesse quesito, superando a Grã-Bretanha, são observados na tabela 1,
que mostra que em 1960 os norte-americanos já eram responsáveis por 59,1% de toda a
exportação mundial de capitais.
Tabela 1
Investimento no Exterior dos Principais Países Exportadores de Capital (em %)
1914 1930 1960
Reino Unido 50,3 43,8 24,5
França 22,2 8,4 4,7
Alemanha 17,3 2,6 1,1
Países Baixos 3,1 5,5 4,2
Suécia 0,3 1,3 0,9
Estados Unidos 6,3 35,3 59,1
Canadá 0,5 3,1 5,5
Total 100 100 100
Fonte: Magdoff (1978, p. 60).
13
Para Teixeira (1983, p. 170), “se há um período em que se pode falar de hegemonia absoluta da potência
americana, é sem dúvida nenhuma este, e o fato pode ser verificado tanto na esfera produtiva, como na comercial
e financeira”. Para mais informações, ver Harvey (2003), p. 48-76.
27
IDEs14. Os acordos de Bretton Woods faziam parte dessa estratégia, uma vez que
potencializavam a entrada de suas empresas no mercado mundial15.
Nos acordos de Bretton Woods foram criados o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, hoje Organização Mundial do Comércio). Tratava-se
de uma superestrutura política internacional que daria condições para que as multinacionais
tivessem maior autonomia no sistema mundial sob tutela do governo dos Estados Unidos, que
dominaria essas instituições. Oficialmente, o FMI se definia como uma instituição que tinha
como objetivo ajudar os países que se encontravam com déficits em seus balanços de
pagamentos por meio de propostas de ajuste e concessão de empréstimos. Os recursos
poderiam ser do próprio Fundo, fruto das quotas dos países membros, ou recursos do BIRD.
Este, por sua vez, se intitulava enquanto responsável por prover empréstimos aos governos
dos países que estavam em dificuldades financeiras, atuando como um banco voltado ao
financiamento de investimentos. O Banco, que começou emitindo títulos e vendendo-os a
instituições e pessoas, tornou-se na verdade um intermediário financeiro entre o tomador do
empréstimo e os indivíduos e as instituições dispostas a deixar o dinheiro a seus cuidados. Já
o GATT, apesar de se autodenominar uma instância capaz de reduzir os obstáculos ao
comércio internacional, pode-se dizer que tinha como propósito ajudar a defender os
interesses comerciais de alguns países desenvolvidos.
Cabe ressaltar que havia um esforço nas orientações do novo SMI para dificultar que
os países protegessem suas economias por meio de desvalorização cambial ou mesmo
adotassem políticas protecionistas alfandegárias. No período entreguerras foi comum a
utilização desses mecanismos na tentativa de os países preservarem seus mercados.
14
Nas palavras de Tavares e Teixeira (1981, p. 19), “a situação no imediato pós-guerra mostrava a economia
americana altamente trustificada, com grande concentração de capital financeiro que não podia ser plenamente
reinvestido no interior da própria indústria trustificada; daí a necessidade de expandir-se para fora”. Ainda, para
Belluzzo (2009, p. 43, grifos do autor), “qualquer forma de capital „trustificado‟ conduz necessariamente a uma
concentração de capital financeiro que não pode ser reinvestido dentro da própria indústria trustificada. Deve
expandir-se para fora. Os novos lucros têm que ser transformados em capital financeiro geral e dirigidos para a
formação e o financiamento de outras grandes empresas. Assim, o processo de concentração e consolidação
monopolista avança de forma generalizada em todos os ramos industriais onde prevalecem métodos de produção
capitalista. Por mais que seja a extensão do espaço nacional monopolizado e protegido pelo Estado nacional,
como era o caso dos Estados Unidos, a expansão contínua dos lucros excedentes obriga a busca de mercados
externos, tanto para as mercadorias quanto para investimentos diretos e exportação „financeira‟ de capital”.
15
De acordo com Campos (2009, p. 11), “o padrão de acumulação que se desenvolveu após a Segunda Guerra
Mundial se constitui na relação entre o planejamento estatal e a expansão da grande empresa norte-americana.
Decorridas décadas de paralisação da circulação de bens de capitais, motivada pela grande depressão, e a
devastação das estruturas produtivas das economias centrais, cujos desdobramentos fizeram erigir uma crítica ao
liberalismo desregulado, os EUA se colocaram como hegemon no sistema capitalista, sem oposição das outras
economias ocidentais”.
28
Como os recursos disponíveis por meio do FMI e do BIRD eram insuficientes para a
recuperação dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial, o contexto político e
socioeconômico na Europa se agravava e os Partidos Comunistas ganhavam cada vez mais
espaço nos governos europeus, os Estados Unidos decidiram criar o Plano Marshall18. Ele
tinha o objetivo de aumentar a destinação de recursos à reconstrução da Europa e, com isso,
conter a influência soviética sobre esses países. Estabelecido em 1947, o Plano exigia que
qualquer país beneficiário desses recursos não tivesse, em seu governo, nenhum representante
de partidos de esquerda. Esse Plano “contribuiu para reforçar a supremacia política dos
Estados Unidos e, simultaneamente, criar espaço para uma maior integração da Europa
16
Ao ressaltar a supremacia dos Estados Unidos, escreveu Teixeira (1983, p. 149), “esta complexa
institucionalidade era obra principalmente do empenho dos Estados Unidos em promover uma reordenação das
relações internacionais à sua feição. Tratava-se de afirmar sua própria hegemonia e, ao fazê-lo, revelavam uma
particular concepção do mundo. Um analista insuspeito como Solomon, por exemplo, chega a dizer que „os
dispositivos monetários internacionais celebrados em Bretton Woods no ano de 1944 refletiam o predomínio
político, industrial e financeiro dos Estados Unidos‟”.
17
Prossegue Campos (2009, p. 12, grifos do autor), “O IDE foi primordial para desobstruir os limites à
construção dessa ordem manejada por Washington. Senão vejamos. A liberalização do comércio e de capitais,
ainda que tivesse passado por uma ampla discussão interna nos EUA e com a oposição dos setores
„isolacionistas‟, criou critérios de não discriminação, reciprocidade e princípio da nação mais favorecida
sintetizados no GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Essa estratégia, porém, teve que ser
reavaliada, uma vez que as frágeis condições que apresentavam as economias europeias e japonesa exigiam um
pragmatismo maior dos EUA na manutenção da ordem capitalista nessas regiões. O problema da „escassez de
dólares‟ (dollar gap) para reativar a circulação de capitais e mercadorias fez com que fossem desrespeitadas as
principais pautas de conduta do GATT. Tais restrições significavam que a salvaguarda do sistema dependeria da
solidariedade do hegemon com o desenvolvimento dos Estados nacionais das principais potências capitalistas
que, por sua vez, ao reconstruírem suas forças produtivas internas, garantiriam a expansão de todo o padrão de
acumulação. O Plano Marshall se constitui em uma expressiva destinação de recursos líquidos norte-americanos
para tal fim, tendo como contrapartida a penetração da corporação americana, sobretudo, do setor de bens de
consumo na Europa Ocidental, atrelando-se aos setores de bens de capital europeus, principalmente alemães”.
18
Ver: Block (1987).
29
19
“No Japão, tendo em vista a controversa posição no continente asiático animada pela proximidade soviética,
mais uma vez os EUA se valeram do seu pragmatismo, permitindo que a economia japonesa se desenvolvesse
por seus próprios meios, sem IDE norte-americano, mas com forte injeção de liquidez e agressivas
discriminações contra as importações de produtos americanos” (CAMPOS, 2009, p. 12).
20
De acordo com Evans (1980, p. 271-272, grifos do autor), “para a Ford Motor Company, a „ameaça‟ de
exportações brasileiras de automóveis para a Nigéria, substituindo as exportações americanas, não constitui uma
ameaça, a menos que os carros exportados do Brasil sejam Volkswagens, e não Fords [...]. Como os retornos
gerais sobre os investimentos industriais pelas multinacionais no Brasil e México são cerca de 50% mais altos do
que nos mesmos investimentos nos Estados Unidos, a produção no Brasil representa uma oportunidade de maior
lucratividade para as multinacionais”.
30
8,8% a 17,8% dos lucros totais das sociedades americanas” (AMIN, 1973, p. 210). A tabela 2
explicita essa situação.
Tabela 2
Lucros e Capital Social (em %)
Ano Relação entre lucros e capital Relação entre lucros e capital
social em países subdesenvolvidos social no Estados Unidos
1945 11,5 7,7
1946 14,3 9,1
1947 18,1 12,0
1948 19,8 13,8
Fonte: Baran (1984, p. 205).
De acordo com a tabela 2, entre 1945 e 1948 os lucros nos países periféricos
aumentaram significativamente em relação ao retorno sobre o capital investido nos Estados
Unidos. Se em 1945 a relação era de 11,5% nos países subdesenvolvidos contra 7,7% nos
Estados Unidos, em 1948 essa mesma comparação passava a ser de um retorno de 19,8% nos
subdesenvolvidos ante 11,8% nos Estados Unidos. Enquanto em 1945 a diferença a favor dos
subdesenvolvidos era de 3,8 pontos percentuais, em 1948 ela chegava a 6 pontos percentuais,
mostrando quão vantajoso tornava-se o retorno obtido pelo capital investido nesses países em
detrimento aos Estados Unidos.
O Brasil foi muito atrativo para esses IDEs em função do tamanho de seu mercado
interno, da grande concentração de renda, do baixo nível salarial e da grande quantidade de
recursos naturais. Mas embora o país tivesse se tornado estratégico para a vinda das empresas
multinacionais, eram necessárias outras transformações internas para que esses investimentos
se dirigissem em maior magnitude ao país. Essas mudanças incluíam: uma maior
homogeneidade das burguesias brasileiras, alterações nos marcos institucionais e legais para
favorecer os interesses das empresas multinacionais e a contenção de movimentos
nacionalistas, como será discutido posteriormente neste capítulo.
As imposições do IDE expressavam-se por meio da rearticulação das burguesias
brasileiras – que viam na associação com tais empresas multinacionais oportunidades de
ganhos para seu capital privado nacional – e a partir da instrumentalização e uso do Estado
por essas burguesias. Neste último caso, houve o importante papel das empresas estatais na
criação de infraestrutura e no fornecimento de bens e serviços necessários para as empresas
multinacionais se robustecerem no Brasil e aumentar sua influência. A articulação das
empresas multinacionais com as burguesias nativas e a atuação do Estado brasileiro em favor
deste capital internacional foram imprescindíveis para o coroamento do processo de
industrialização dependente.
31
21
“Essas empresas trouxeram à região um novo estilo de organização, de produção e de marketing, com novos
padrões de planejamento, propaganda de massa, concorrência e controle interno das economias dependentes
pelos interesses externos. Elas representam o capitalismo corporativo ou monopolista, e se apoderam das
posições de liderança – através de mecanismos financeiros, por associação com sócios locais, por corrupção,
pressão ou outros meios – ocupadas anteriormente pelas empresas nativas e por seus „policy-makers‟”
(FERNANDES, 1975, p. 18, grifos do autor).
32
na garantia de poder remetê-los aos seus países de origem. Mas não eram todos os países da
América Latina que tinham condições de receber esse padrão de industrialização, visto que
era necessário um enorme mercado interno e uma grande concentração de renda, pré-
requisitos que o Brasil possuía. Deste modo, as burguesias brasileiras não mediram esforços
para estabelecer as transformações pleiteadas pelo imperialismo em detrimento das
necessidades da nação. Nesse período, a economia brasileira já não concorria, “apenas, para
intensificar o crescimento do capitalismo monopolista no exterior: ela se [incorporaria] a esse
crescimento, aparecendo, daí em diante, como um de seus polos dinâmicos na periferia”
(FERNANDES, 2005, p. 299).
Com o capitalismo monopolista, sob a égide dos Estados Unidos, o controle sobre o
Brasil não era mais externo, ele passava a se dar a partir de dentro, com o domínio do
mercado interno, processo que se iniciou com Juscelino Kubitschek (JK) e se aprofundou nos
governos autoritários.
O Estado brasileiro teve, portanto, um papel estratégico, uma vez que criou as
condições necessárias para um determinado tipo de desenvolvimento que satisfizesse as
demandas do “imperialismo total”. Com a tomada por completo desse Estado, as burguesias
mantinham sua posição superprivilegiada nessa sociedade, e continham, por meio do
monopólio da violência, grande parte da população que ficava escoimada dos benefícios do
desenvolvimento capitalista. As burguesias brasileiras fizeram do Estado “veículo por
excelência do poder burguês”, que se instrumentalizava “através da maquinaria estatal até em
matérias que não [eram] nem administrativas nem políticas”24 (FERNANDES, 2005, p. 312).
Não por outro motivo, as classes privilegiadas no Brasil “passaram tão rapidamente, em 1964,
da automobilização social para a ação militar e política; como o Estado nacional foi posto a
24
“O Estado transforma-se em instrumento de defesa e de suporte incondicional da iniciativa privada. Cabendo-
lhe não apenas compensar as debilidades que comprometessem a capacidade de a iniciativa privada incorporar as
transformações econômicas difundidas do centro mas também arbitrar os ajustes internos necessários para
viabilizar a convivência entre o „moderno‟ e o „atrasado‟” (SAMPAIO JR., 1999, p. 151, grifos do autor).
34
25
“As burguesias dependentes desenvolvem uma extrema intolerância em relação à utilização do conflito como
instrumento legítimo de luta política pelas classes populares. Elas são obrigadas a sufocar qualquer iniciativa de
transformação social contra ou dentro da ordem que ameace o controle absoluto das classes dominantes. Daí o
aparecimento de um padrão de luta de classes que impede a mudança social construtiva, aprisionando a história
no circuito fechado do subdesenvolvimento” (SAMPAIO JR., 1999, p. 148, grifos do autor).
26
“O ritmo e a intensidade do processo de incorporação e universalização das transformações capitalistas devem
estar subordinados ao objetivo maior de preservação do monopólio da força política das classes dominantes”
(SAMPAIO JR., 1999, p. 152).
35
[...] uma rearticulação do todo, através da qual o que parece arcaico é de fato
atualizado, servindo de suporte ao moderno, e pela qual o moderno parece
perder esse caráter, revitalizando o seu oposto ou gerando formas
socioeconômicas que misturam a acumulação pré-capitalista com a
acumulação especificamente capitalista. O que importa, no conjunto, não é a
existência do arcaico e do moderno, seu grau de visibilidade e os mundos
superpostos que evidenciam. Mas o modo pelo qual as transformações
sucessivas do mercado e do sistema de produção encadeiam a persistência de
27
“As técnicas de produção anacrônicas e a conglomeração de formas produtivas heterogêneas representam, em
si mesmas, um meio de defesa do „produtor‟ (ou seja, do agente econômico que detém a propriedade das
unidades produtivas e dos bens exportados). Conforme as condições, a combinação de modalidades de economia
de subsistência com a produção para exportar pode constituir um mecanismo de transferência de pressões para os
ombros do trabalhador. Nesse esquema, o proprietário-exportador consegue enfrentar fortes processos de
descapitalização da „empresa‟, do setor e até longas depressões da economia interna, em relativa segurança e
com riscos limitados. [...] A articulação de formas de produção heterogêneas e anacrônicas entre si preenche a
função de calibrar o emprego dos fatores econômicos segundo uma linha de rendimento máximo, explorando-se
em limites extremos o único fator constantemente abundante, que é o trabalho – por bases anticapitalistas, semi-
capitalistas ou capitalistas” (FERNANDES, 1972, p. 51-52, grifos do autor).
28
“A independência, a emergência do Estado nacional e a eclosão do mercado capitalista moderno não destroem
as estruturas econômicas, sociais e de poder de origens coloniais, mas se adaptam a elas. O „moderno‟ e o
„arcaico‟ se superpõem, tornando-se interdependentes como fatores de acumulação capitalista primitiva e de
consolidação do desenvolvimento capitalista a partir de dentro” (FERNANDES, 1979, p. 38, grifos do autor).
36
29
“A articulação de formas de produção heterogêneas e anacrônicas entre si preenche a função de calibrar o
emprego dos fatores econômicos segundo uma linha de rendimento máximo, explorando em limites extremos o
único fator econômico constantemente abundante, que é o trabalho” (SAMPAIO JR., 1999, p. 139).
37
Se a classe dominante brasileira teve como característica intrínseca, por um lado, ser
subserviente e impotente perante os interesses das empresas multinacionais no país, por outro
lado, foi imponente e implacável com grande parte da população que não fazia parte de seu
“circuito fechado”30, que fora eleita inimiga principal e que teve reduzido seu espaço de
reinvindicação e participação nos destinos da sociedade brasileira31. Pode-se dizer que a força
das burguesias brasileiras vinha, portanto, de sua fraqueza nesta associação com o capital
internacional, por isso não podia ser contra seus interesses. Nesse sentido, essas burguesias
não tinham como vacilar, não se aliavam à classe trabalhadora e não permitiam sua ascensão
nas decisões internas. A dominação era instável e suscetível a crises. Tal situação evidenciou-
se pelo resultado da revolução burguesa no país.
30
“O circuito fechado constitui uma equação metafórica de um dos ângulos da situação que prevalece graças aos
tempos retardados da revolução burguesa. A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.
São os homens, em grupos e confrontando-se com classes em conflito, que „fecham‟ ou „abrem‟ o circuito da
história. A América Latina conheceu longos períodos de circuito fechado e curtos momentos de circuito aberto.
No entanto, o modo pelo qual se dão as coisas, nos dias que correm, revela que „o impasse de nossa era‟ não
consiste mais no caráter perene da repressão e da opressão. Os que reprimem e oprimem, nestes dias, lutam para
impedir o curto circuito final, que para eles vem a ser o desaparecimento de um Estado antagônico à Nação e ao
Povo, ou seja, um Estado que, como todo o Estado elitista, tem sempre de „fechar a história‟ para os que não
estão no poder. Nesse sentido, vivemos a pior fase da transição, aquela na qual a autodefesa do privilégio pela
violência sistemática, organizada, institucionalizada e „legitimada‟ através do poder concentrado do Estado dá a
impressão que o „passado é perene‟ e que tenderá a reproduzir-se no futuro como se reproduzia socialmente no
passado” (FERNANDES, 1976, p. 5, grifos do autor).
31
“Para Florestan Fernandes, o problema central das economias dependentes é que o processo de modernização
fica à mercê de burguesias impotentes para superar a situação de subordinação externa e onipotentes para impor
unilateralmente a sua vontade ao conjunto da população. Nesse sentido, o desenvolvimento dependente aparece
como o produto de burguesias incapazes de levar às últimas consequências as utopias de que são portadoras: a
revolução nacional e a revolução democrática” (SAMPAIO JR., 1999, p. 143-144).
38
32
“As burguesias nativas detinham o controle da sociedade política. Contudo, eram burguesias relativamente
fracas (com referência aos centros dinâmicos do capitalismo mundial) e incapazes de dinamizar as funções
básicas da dominação burguesa (o que as concentrava naquelas funções diretamente vinculadas a seus próprios
interesses particularistas, de autopreservação e autoprivilegiamento direto ou indireto, como a „defesa da ordem‟
e a consolidação do capitalismo privado de duas faces; ou, em outras palavras, o que as absorvia nas „funções
nacionais‟ diretamente vinculadas aos interesses das classes possuidoras e ao exercício de sua dominação,
mesmo que isso acarretasse o monopólio do poder político estatal por segmentos muito reduzidos da sociedade
global). Em consequência, como sucedia com as elites coloniais, convertiam-se no elo interno da dominação
imperialista externa” (FERNANDES, 1979, p. 39-40, grifos do autor).
39
33
“O Estado adquire estruturas e funções capitalistas, avançando, através delas, pelo terreno do despotismo
político, não para servir aos interesses "gerais" ou "reais" da Nação, decorrentes da intensificação da revolução
nacional. Porém, para satisfazer o consenso burguês, do qual se tornou instrumental, e para dar viabilidade
histórica ao desenvolvimentismo extremista, a verdadeira moléstia infantil do capitalismo monopolista na
periferia” (FERNANDES, 2005, p. 401-402, grifos do autor).
34
“Mesmo quando o ritmo de modernização é intenso, as estruturas fundamentais da sociedade colonial não
desaparecem [...]. Como as burguesias dependentes não abrem mão de privilégios exacerbados, os esforços para
40
combater as desigualdades sociais não podem avançar até o ponto em que a alteração na correlação de forças
ameace a absoluta supremacia das classes dominantes sobre a sociedade. Por este motivo, Florestan Fernandes
adverte que, ainda que o crescimento econômico seja um elemento estratégico do padrão de dominação, pois
alimenta ilusões de melhor classificação social, ele não pode ser considerado uma solução para os problemas
gerados pela dependência” (SAMPAIO JR., 1999, p. 154).
41
35
“A metade dos anos 50 marca um período de mudanças no padrão de acumulação com alteração da estrutura
produtiva. Nessa época (Governo Juscelino Kubitschek), ocorre uma expansão econômica liderada,
principalmente, pelo setor de bens de produção e bens de consumo duráveis. O setor produtivo estatal emerge
significativamente através das diretrizes traçadas pelo Plano de Metas, possibilitando vários projetos na área de
infraestrutura (energia, transporte) e insumos básicos. Essa infraestrutura seria condição prévia para que o setor
privado se desenvolvesse, tornando-se também um dos fatores necessários para a instalação de empresas
multinacionais no País. E essas empresas direcionam seus investimentos para a indústria de bens duráveis,
implementando diversos projetos na área. Como o setor de bens de capital não estava totalmente consolidado, os
investimentos estrangeiros vieram de forma direta. As empresas multinacionais tiveram, ainda, uma série de
vantagens para se instalarem no País, em termo de estímulos fiscais e facilidades para saída de lucros”
(RÜCKERT, 1981, p. 79-80). Para uma análise detalhada sobre o Plano de Metas, ver Lessa (1983), p. 23-117.
42
36
De acordo com Cipolla (1977, p. 107, grifos do autor), “ao investir na produção de serviços e insumos básicos,
institucionalizando a baixa lucratividade para potenciar o capital privado – o que foi feito com a administração
dos preços [...] – o Estado termina por perpetuar-se nessas atividades [...]. Não há dúvida de que se trata de um
mecanismo de transferência de mais-valia, que é criada nas empresas do governo, mas que é apropriada pelas
empresas multinacionais e empresas privadas nacional, via preços administrados”. Para Villela (1984, p. 18),
“foram criadas empresas públicas em situações em que as necessidades de capital para os projetos eram muito
grandes e, pelo menos a curto prazo, a rentabilidade esperada pelo setor privado seria muito baixa para atraí-lo”.
De acordo com Trebat (1980, p. 843), “as empresas estatais brasileiras nos setores de utilidades públicas e de
indústria básica revelaram-se substitutas efetivas da propriedade privada. Criadas para desempenhar papéis no
processo de crescimento que, por numerosas razões, as empresas privadas não podiam cumprir, as estatais
alteraram o curso e o ritmo da industrialização no Brasil. Em vez de concorrer com as empresas privadas, elas de
fato criaram condições para que o setor privado estendesse suas operações”.
Para Martins (1977, p. 279-280): “a estatização [foi] um dos expedientes de que a burguesia [lançou] mão para
37
maximizar a taxa de lucro e/ou multiplicar as oportunidades de investimento privado. Para ela, os recursos do
Estado são seus recursos, uma vez que o Estado é o seu Estado”.
38
“A intervenção do estado em atividades diretamente produtivas está intimamente ligada à questão da
apropriação e alocação de recursos necessários à dinamização da atividade econômica [...]. Uma parcela
ponderável das atividades produtivas do estado destina-se a gerar economias externas ou insumos essenciais
(muitas vezes a preços administrados) à produção privada de bens industriais. Na medida em que apoia o setor
privado, garantindo-lhe a oferta de certos bens e serviços básicos, o setor estatal serve, também, como
intermediário no repasse desses recursos, indo beneficiar, em última instância, setores de produção final,
integralmente controlados pela iniciativa privada” (ABRANCHES, 1977, p. 48).
43
39
Este trabalho se baseia na periodização sistematizada por Campos (2009, p. 10), para quem, “a fase de
internacionalização produtiva iniciou-se no final da Segunda Guerra e seguiu até o início dos anos 60, quando o
IDE, sobretudo de origem norte-americana, internacionalizou os mercados internos. Aqui houve uma ampliação
dos padrões de produção e de consumo norte-americanos, protagonizada pela corporação originária do EUA, que
difundiu novos processos empresariais nos países da Europa Ocidental que estavam reconstruindo suas
economias, ao mesmo tempo em que firmou uma dimensão política, ao garantir o espaço de sociabilidade
capitalista entre o risco do avanço soviético nas franjas do sistema. Para isso, foi necessário criar mecanismos
multilaterais para certa conduta econômica internacional, tendo como planejador central o poder estatal dos
Estados Unidos”.
40
Para Abranches (1977, p. 10), “seria enganoso admitir que a incorporação das ferrovias seja o marco inicial do
processo de formação do setor produtivo estatal [...]. Foi a partir de três setores de base da economia –
siderurgia, petróleo e energia elétrica – que se constituiu o núcleo do segmento estatal na economia”.
41
Esse setor “só foi viabilizado pelo Estado depois de fracassarem as negociações para que o setor privado
estrangeiro assumisse o risco, uma vez que o setor privado nacional não teria aporte de capital suficiente. A
44
telecomunicações, entre outros, que não eram de interesse do capital internacional, mas se
mostravam fundamentais para a instalação de suas filiais no país. Essas áreas de atuação do
SPE caracterizavam-se pelo
decisão do Estado em implantar esse projeto com empréstimo externo colocou-se como única solução para
impedir escassez e estrangulamento na utilização desse insumo” (RÜCKERT, 1981, p. 79).
42
A criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, esteve relacionada às necessidades de
fornecimento de minérios a preços subsidiados para os Estados Unidos e a Inglaterra, como forma de apoio aos
esforços de Guerra, conforme estabelecido entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, através dos Acordos de
Washington, que impunham uma ingerência dos Estados Unidos à empresa, como garantia dos pagamentos dos
empréstimos disponibilizados por meio do Eximbank (DAIN, 1986).
43
Esses momentos se dividiram em: i) intervencionismo incidental, que vai do início do século XX até a década
de 1920; ii) intervencionismo consciente, entre 1930 e 1945; iii) intervenção circunstancial, da segunda metade
da década de 1940 até meados da década de 1960; e iv) dirigismo da economia pelo Estado, a partir do golpe
civil-militar (SUZIGAN, 1976).
44
Tais estágios se dividem em: i) o período anterior a 1930; ii) os anos 1930; iii) os anos 1940, durante a
Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos do pós-guerra; iv) os anos 1950 e; por fim, v) os anos 1960
(BAER; KERSTENETZKY; VILLELA, 1981).
45
“Fazem parte da primeira geração as empresas do setor ferroviário as quais, quando de origem privada, passam
progressivamente ao controle estatal. Na década de 40, a ação estatal se dirige à extração de minério de ferro,
criando a Vale do Rio Doce e encampando duas outras companhias. É dessa época também a criação da Cia.
Nacional de Álcalis e da Cia. Siderúrgica Nacional. O destaque mais importante dos anos iniciais da década de
50 é o estabelecimento do monopólio estatal de petróleo, com a criação da Petrobrás” (DAIN, 1977, p. 143).
46
“Durante o Plano de Metas surge a segunda geração de empresas produtivas, integradas por vários
empreendimentos no setor de energia elétrica, bem como pela Rede Ferroviária Federal, que com sua
constituição, unifica as estradas de ferro federais. No setor de insumos básicos, são constituídas a Usiminas, a
Ferro e Aço Vitória e a Cosipa. Nos anos iniciais de 1960, e coroando um processo decisório iniciado
anteriormente surge a Eletrobrás como a primeira holding estatal” (DAIN, 1986, p. 143-144).
47
“A terceira geração reúne o maior número de empresas estatais criadas. No entanto, este aparente
desenvolvimento do setor estatal deve ser melhor qualificado. Parte das novas empresas corresponde a uma
reorganização administrativa e de controle de decisões, que se consubstancia na multiplicação de subsidiárias ou
na constituição de novas holdings setoriais. No caso das subsidiárias, inúmeras resultam da diversificação
vertical e horizontal de empresas já existentes” (DAIN, 1977, p. 144).
45
48
Dain (1986, p. 279) ressaltou “a inexistência de um padrão de intervenção estatal”. Diferentemente do que
ocorreu em países europeus, como a França e a Itália.
49
De acordo com Baer, Kerstenetzky e Villela (1973, p. 883), “a atual preponderância do estado na economia
brasileira não é o resultado de um esquema cuidadosamente concebido. Decorre, em grande parte, de numerosas
circunstâncias que, em sua maioria, forçaram o Governo a intervir de maneira crescente no sistema econômico
do País”.
50
Motta (1980, p. 70) afirmou que “as empresas públicas que proliferaram no Brasil nos últimos 30 anos tiveram
as suas origens assentadas na combinação de diversos fatores. Não surgiram de qualquer política global de
estatização, mas resultaram de decisões fragmentadas ao longo do tempo, inclusive movidas por fatores
circunstanciais que em dado momento exigiram a intervenção do Estado”.
51
Para uma visão que se contrapõe especificamente à análise de Suzigan, ver Cipolla (1977).
De acordo com Abranches (1979, p. 101, grifos do autor), “torna-se patente o caráter complementar da
52
atividade produtiva estatal em relação ao segmento privado da economia. Na medida em que as empresas estatais
concentram-se na produção de insumos básicos, impõe-se ao setor produtivo estatal certas tarefas de reforço à
acumulação privada, em função, mesmo, de seus efeitos para frente. A concentração das empresas estatais em
setores básicos faz com que o setor produtivo estatal submeta-se à lógica de expansão do setor privado – em
particular dos segmentos produtores de bens finais –, que lideram o crescimento da economia. Contudo, esta
mesma concentração determina o caráter estratégico do Estado na formação de base técnica necessária à
continuidade de acumulação de capital no setor privado. Isso significa que a expansão prévia da infraestrutura de
responsabilidade estatal e a oferta de insumos de uso geral são requisitos fundamentais para a expansão, em base
ampliada, do setor privado”.
53
Assim, foram criados “no setor de energia elétrica as Centrais Elétricas de Furnas (1957), a Cia. de
Eletricidade do Amapá (1959) e a Cia. Hidrelétrica do Vale do Paraíba, no âmbito federal, e várias outras
unidades na esfera estadual; no setor de transportes, foram unificadas as estradas de ferro federais pela criação da
Rede Ferroviária Federal (1957); e, no setor de indústria de base, a USIMINAS (1956), a Cia. Ferro e Aço de
Vitória (1959) e a COSIPA (1960)” (SUZIGAN, 1976, p. 89).
46
O Estado, de fato, atuou em “vácuos” deixados pelo setor privado, isto é, ele entrou
“no mercado não para cercear a voracidade da empresa privada, mas para suprir sua ausência”
(MARTINS, 1977, p. 289). Assim, “o arsenal de instrumentos da política econômica à
disposição do governo aí [estava] não para estatizar a economia, mas para servir à burguesia:
sua razão de ser [consistia] em que a burguesia [vivia] melhor com ele do que sem ele”
(MARTINS, 1977, p. 292). É um grande equívoco, portanto, afirmar que as empresas estatais
se expandiram em setores que prejudicavam a iniciativa privada57, pelo contrário, as empresas
estatais forneceram subsídios à acumulação dessas empresas58.
54
Para mais informações sobre a importância das empresas do governo na economia no período JK, ver Villela
(1962).
55
No período do PM, a malha rodoviária cresceu em 20.000 km, enquanto a ferroviária aumentou menos que
900 Km. “A indústria de bens de capital cresceu à taxa de 26,4% ao ano entre 1955 e 1960 em grande medida
devido ao comportamento dos segmentos „equipamentos e veículos‟ e equipamentos de transporte‟”
(ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1992, p. 174, grifos dos autores). Para Abranches (1977, p. 9), “a
estatização das ferrovias não constitui nenhum plano deliberado de confisco da propriedade privada, implicando,
apenas, na transferência para o setor público de um empreendimento decadente”.
56
Para Prado (1984, p. 88), foi “surpreendente [a] facilidade com que a privatização ampla foi aceita e endossada
pela sociedade brasileira [...] mesmo operando processos de privatização desde 1981, somente em 1990 o
governo brasileiro inicia um amplo e abrangente processo de reforma da produção estatal, adotando um
programa de privatização totalmente integrado às políticas de ajustamento macroeconômico”.
57
Mesmo porque o Estado operava em “empreendimentos que exigem pesados investimentos, com longo prazo
de maturação e retorno lento, que se implantam em um momento em que a escassez de capitais era mais
acentuada. Mas setores necessários para a realização de condições apropriadas para a produção manufatureira e
superação de deficiências oriundas do desenvolvimento capitalista retardatário. A intervenção direta do estado
foi uma demanda das forças mais interessadas na combinação do processo de desenvolvimento e na abertura de
novas possibilidades e arranjos para a expansão das atividades produtivas. Essa demanda articulava-se em torno
de empreendimentos estratégicos, de cuja produção a indústria necessitava, mas que o capital privado não tinha
condições ou interesse em assumir” (ABRANCHES, 1977, p. 10).
58
Elucidando tal situação, afirmou Martins (1977, p. 286): “se o grosso da burguesa deseja, digamos, comprar
aço barato, não é de seu interesse impedir que a Companhia Siderúrgica Nacional ou a USIMINAS dediquem-se,
47
através de subsidiárias criadas para esse efeito, como a Cobrafi e Usimec, às atividades relativas à elaboração de
projetos à construção de equipamentos siderúrgicos, em lugar de onerar os seus custos adquirindo esses bens e
serviços das mãos de terceiros e a preços que incluem o lucro dos fornecedores privados”.
48
59
De acordo com Sampaio Jr. (1999, p. 47-48, grifos do autor): “O ensaio Capitalismo Associado, de Carlos
Lessa e Sulamis Dain, é ilustrativo da convicção de que as filiais estrangeiras teriam vindo à periferia para ficar,
pautando sua estratégia de valorização do capital em função das oportunidades de negócios abertas no espaço
econômico nacional. Inverte-se, assim, o papel desempenhado pelo capital internacional, no desenvolvimento
nacional. Já não é a Nação que se ajusta às „exigências‟ do capital internacional, mas exatamente o contrário: é o
capital internacional que se adapta às „exigências‟ da sociedade periférica”.
49
“No capitalismo monopolista há uma politização da economia, no sentido de que tanto a forma da
60
concorrência intercapitalista como a forma das relações entre capital e trabalho são constituídas no Estado.
Isso, a nosso ver, explica o paradoxo de que nenhum conflito pode-se subtrair à presença do Estado, e, ao mesmo
tempo, a articulação dos interesses é fugaz e circunstancial. Diante disso, necessariamente toda a crise
econômica se transfigura numa crise política. Em suma, é deste ponto de vista que adquire sentido o conceito de
capitalismo monopolista de Estado” (MELLO, 1977, p. 3, grifos do autor).
50
61
Assim, definiram desenvolvimento enquanto “resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um
modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja posição, conciliação
ou superação dá vida ao sistema socioeconômico. A estrutura social e política vai se modificando na medida em
que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto
da sociedade” (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 22).
52
A saída como resolução dos problemas do Brasil, de acordo com eles, estava na
democratização das decisões políticas da sociedade. “A alternativa para isso, além do valor da
igualdade, reside em seu complemento que requer liberdade: a necessidade de participar. Está
na democracia” (CARDOSO, 1995, p. 162, grifos do autor). Daí a possibilidade que
entendiam existir de conciliação entre dependência/desenvolvimento/democracia e Estado de
Bem-Estar Social.
É, no mínimo, controverso afirmar que um país que promoveu mudanças internas
com o objetivo de atender os interesses das empresas multinacionais e que aumentou a
influência externa sobre as decisões internas tenha, de fato, constituído um Estado que
propusesse aumento de sua soberania e de sua autonomia. Essa situação descrita pelos autores
pode até ter sido tentada no momento que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 por uma
fração das burguesias brasileiras e dos trabalhadores, contudo, fortemente reprimida, e o
desfecho foi uma maior perda de autonomia, principalmente com o regime autoritário.
Inegavelmente há uma relação dialética entre os interesses externos e as mudanças
internas, entretanto, não se pode colocar em segundo plano as pressões existentes para um
certo tipo de desenvolvimento na periferia pautado pelas aspirações do “imperialismo total”.
Esses autores ignoravam, portanto, determinantes externos que eram decisivos para um tipo
de desenvolvimento capitalista na periferia. O “imperialismo total” cooptava suas burguesias
para que se beneficiassem desse processo à custa de grande parte da população alijada das
melhorias desse suposto desenvolvimento.
Conforme Fernandes (1972; 1975; 2005), o fortalecimento da ação do Estado,
principalmente por meio das empresas estatais, significou atender as demandas do
imperialismo total e reduzir, paradoxalmente, a possibilidade de autonomia por parte do
Estado e das burguesias nativas. O controle externo, neste sentido, operou a partir de dentro e
acentuou a dominação imperialista. Enquanto Cardoso (1995) reiterou sua posição inicial
junto a Faletto (1970), afirmando que existia “simultaneamente um processo de dependência e
de desenvolvimento capitalista” (CARDOSO, 1995, p. 106, grifos do autor), Fernandes (1972;
53
64
Anteriormente a Prado Jr., outros autores como Hilferding (1985) e Lênin (1985) também concluíram que a
empresa multinacional na fase do capitalismo monopolista organizava-se por meio de trustes. Essa forma de
organização facilitava sua expansão e a dominação de mercados externos para auferir uma rentabilidade
expressiva em suas inversões fora de suas fronteiras nacionais, dado o elevado nível de concentração e
centralização de seus capitais.
65
“Isso se pode afirmar inclusive dos principais setores de nossa indústria, como a siderurgia, metalurgia,
cimento, vidro etc., que se fundam sobretudo, embora indiretamente, naquele consumo suntuário, pois se
destinam em sua maior parte à produção final de bens de consumo durável cujo mercado é restrito a pequenos
setores da população brasileira, como sejam: automóveis, aparelhos eletrodomésticos etc. bem como edificações
urbanas de luxo (prédios de apartamentos e de escritórios de alto custo). No que se refere à siderurgia, enquanto
a construção civil absorve 26,1 por cento do aço consumido no país, e a indústria automobilística, 12,6 por cento,
as atividades de interesse mais geral e que dizem respeito mais de perto às necessidades das massas da população
se mantêm em índices bem mais modestos: 7,4 por cento para as ferrovias; 2,0 por cento para a construção naval;
1,3 por cento para o equipamento agrícola” (PRADO JR., 2006, p. 331).
66
Para Prado Jr., “diferentemente do que tinha ocorrido na fase do capitalismo concorrencial – quando a
exportação de capital produtivo integrava-se organicamente nas economias periféricas –, na etapa do
imperialismo total este processo é regido pelo interesse do grande capital financeiro internacional em
monopolizar os mercados e os processos produtivos das economias dependentes. Enquanto no período anterior a
difusão de estruturas produtivas contribui para o desenvolvimento das economias retardatárias, na etapa
subsequente tal processo bloqueia o desenvolvimento nacional, fechando as possibilidades para uma arrancada
recuperadora” (SAMPAIO JR., 1999, p. 120).
55
com suas necessidades de obtenção de lucro e em detrimento dos interesses desta nação. Os
trustes, portanto, não se relacionavam ou apenas por coincidência se associavam com as
necessidades próprias dos países subdesenvolvidos67 (PRADO JR., 1961).
Em uma síntese, Prado Jr. (2006, p. 315) destacou os motivos que levaram ao avanço
dos trustes no Brasil:
67
De acordo com Prado Jr., “a participação dos grandes monopólios internacionais no processo de substituição
de importações agravou a instabilidade das economias dependentes porque, ao recorrerem à periferia atraídos
pelas oportunidades de negócios abertas pela expansão do mercado interno, eles inviabilizaram a consolidação
de um „capital industrial‟ de origem nativa capaz de liderar o processo de acumulação. Por mais paradoxal que
isso possa parecer, apesar do expressivo desenvolvimento das forças produtivas, a subordinação do processo de
industrialização à lógica do capital financeiro internacional agravou a vulnerabilidade externa da economia, uma
vez que não há nada que assegure de antemão que os lucros acumulados internamente poderão ser sancionados
no mercado internacional” (SAMPAIO JR., 1999, p. 118, grifos do autor).
56
Tabela 3
Remessas e Inversões (em US$ milhões)
Ano 1963 1964 1965 1966 1967
Remessas de Rendas - 147 - 192 - 269 - 291 - 313
Inversões 51 76 75 133 84
Saldo - 96 - 116 - 194 - 158 - 229
Fonte: Boletim do Banco Central. In: Prado Jr. (2006, p. 317).
68
Marx afirmava que a classe que surge enquanto classe dominante tem, necessariamente, que conquistar o
poder político e, além disso, criar a sensação de que os seus interesses enquanto classe são os interesses de todas
as classes, ou seja, “toda classe que aspira à dominação, mesmo que essa dominação, como no caso do
proletariado, exija a superação de toda a antiga forma de sociedade e de dominação em geral, deve conquistar
58
primeiro o poder político, para apresentar seu interesse como interesse geral, ao que está obrigada no primeiro
momento” (MARX, 1996, p. 49).
69
Como exemplo, Vargas priorizava o transporte de ferrovias e não o das rodovias. Uma análise sobre o GEIA,
de acordo com Campos (2009, p. 65), “deixa transparecer como o ritmo da produção dado, mesmo tendo como
orientação mais geral o poder estatal, resultava numa crescente subordinação da industrialização ao
planejamento privado. Assim, o governo estimulava o desenvolvimento setorial por meio de instrumentos
cambiais e fiscais e estabelecia as metas mais amplas do seu plano de desenvolvimento, sem interferir no ritmo
estabelecido pelo grupo executivo da indústria automobilística”.
59
constituição da nação. Não por acaso, o golpe contou com apoio incondicional dos Estados
Unidos70, para que fossem bloqueadas as Reformas de Base encampadas pelo governo de
João Goulart (Jango)71, além da Lei 4.131, que limitava e dificultava as remessas de lucro ao
exterior, desagradando os interesses do “imperialismo total” sobre o país72.
Para atuar na articulação da derrubada do governo Jango, os norte-americanos
encaminharam ao Brasil, principalmente momentos antes do golpe, os Boinas Verdes73, uma
tropa de elite militar treinada para desarticular movimentos nacionalistas na América Latina e
ainda coordenaram a Operação Brother Sam74. Esta não foi efetivada, uma vez que não houve
resistência significativa ao golpe. Além disso, o complexo formado pelo Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)
também trabalhava contra o governo democraticamente eleito e conspirava sua destituição75.
70
“Os agentes da CIA teceram, sem dúvida, toda rede da conspiração contra o governo de Goulart, com a
colaboração não só de militares brasileiros, mas, também, de latifundiários, comerciantes e industriais,
amatilhando os radicais de direita para atos de terror e sabotagem, lutas de guerrilhas e antiguerrilha. Os
depósitos de material bélico, bem como os campos de treinamento militar, espalhavam-se por todo o país,
escondidos em igrejas e fazendas. E organizações como Ação de Vigilantes do Brasil, Grupo de Ação Patriótica,
Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira e outras apareceram em todos os Estados, como
forças policiais paralelas, espécie de milícias fascistas, num processo de crescente irradiação” (BANDEIRA,
1978, p. 126).
71
As Reformas de Base foram explicitadas no discurso de Jango 18 dias antes do golpe. Discurso disponível em:
http://outraspalavras.net/brasil/ha-cinquenta-anos-o-discurso-da-central/.
72
Para Gennari (1999, p. 30), “o governo brasileiro, ao promulgar a Lei 4.131, tocou num aspecto central do
imperialismo daquele período, qual seja, impediu que a mais-valia criada na esfera nacional (de país receptor de
investimentos diretos) retornasse para a origem, rompendo assim o próprio ciclo internacional do capital, [...] a
questão não era puramente econômica, mas também política e ideológica”.
73
Houve uma entrada maciça de norte-americanos, principalmente no Estado do Nordeste, que eram os
chamados Boinas Verdes, “uma unidade de elite, treinada e especializada na tarefa de combater movimentos de
esquerda e reprimir intentos de insurreição” (BANDEIRA, 1978, p. 138).
74
Bandeira (1978, p. 174) ressaltou que essa Operação “consistia na expedição para o Brasil de uma força-tarefa,
composta pelo porta-aviões Forrestal, destróieres de apoio, entre os quais um com mísseis teleguiados, navios
carregados de armas e mantimentos, bem como quatro petroleiros (Santa Inez, Chepachet, Hampton Roads e
Nash Bulk), com um total de 136.000 barris de gasolina comum, 272.000 barris de óleo diesel e 20.000 barris de
gasolina de avião, 35.000 barris de óleo diesel e 20.000 barris de querosene. A fim de atender às necessidades
mais prementes dos insurrectos, sete aviões de transporte C 135, levando 110 toneladas de armas, oito aviões de
caça, oito aviões-tanques, um avião de comunicações e um posto aéreo de comando estabeleciam uma ponte-
aérea, ligando as bases norte-americanas e o Brasil”.
75
Para Toledo (1988, p. 84, grifos do autor), “o complexo IPES/IBAD procurou desempenhar, assim, o papel de
„verdadeiro partido da burguesia – a vanguarda das classes dominantes – e seu estado-maior para a ação política,
ideológica e militar‟. Entre os objetivos perseguidos pela organização, destacavam-se: impedir a solidariedade da
classe operária; conter a sindicalização dos trabalhadores rurais e a mobilização dos camponeses; apoiar as
facções de direita dentro da Igreja Católica; dividir o movimento estudantil, bloquear as forças nacional-
reformistas no Congresso e nas Forças Armadas; mobilizar a alta oficialidade militar e as „classes médias‟ para a
desestabilização do regime „populista‟. A tarefa „construtiva‟ do IPES/IBAD estaria na sua proposta de uma
nova ordem sócio-política sob a hegemonia do capital multinacional e associado”. Prossegue Toledo (1988, p.
86), “Miguel Arrais demonstrou com documentos que o IBAD recebeu contribuições da Texaco, Shell, Ciba,
Schering, Coca-Cola, IBM, Esso, Cigarros Souza Cruz, Hanna Mining Corp. , General Motors, etc. O IPES
conseguiu ajuda financeira de 297 corporações norte-americanas; contribuições também vieram da Alemanha
Ocidental, Inglaterra, Bélgica, etc. Recursos da Central Intelligence Agency (CIA), agência governamental
norte-americana, foram igualmente canalizados para as campanhas do IBAD”.
61
76
“Sem dúvida, o desenvolvimento mais importante em assuntos econômicos foi o estabelecido pelo IPES, de
sua hegemonia dentro da rede financeira do Estado, controlando assim a alocação dos vastos recursos ao seu
dispor. Além disso, os ativistas do IPES controlaram os principais escritórios de elaboração de política financeira
e todos os mecanismos decisórios, moldando assim a economia” (DREIFUSS, 1987, p. 429).
77
De acordo com Dreifuss (1987, p. 417), existia uma forte “congruência das reformas administrativas,
econômicas e políticas pós-1964 com as propostas de reformas aventadas pelos grupos de Estudo e Doutrina do
IPES, que forneceu as diretrizes e a orientação para as reformas estruturais e mudanças organizacionais da
administração pós-1964, e muitas dessas diretrizes políticas haviam sido desenvolvidas pela elite orgânica
empresarial durante sua vitoriosa campanha de 1961 a 1964. Os tecno-empresários e empresários puderam
assegurar, através de seus cargos públicos, o rumo do Estado brasileiro ao longo de uma via capitalista, servindo
aos interesses gerais dos industriais e banqueiros multinacionais e associados”.
78
Para se ter uma ideia do alinhamento com os Estados Unidos, o novo Ministro do Exterior chegou a afirmar
que: “„o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil‟, parafraseando o conhecido dito sobre a General
Motors e os Estados Unidos” (DREIFUSS, 1987, p. 441).
79
“O controle oligopolista de mercado baseava-se principalmente na preferência multinacional pela penetração
setorial seletiva, especializada e concentrada, e na integração tecnológica e financeira. Até a década de
cinquenta, o capital transnacional havia se estabelecido em serviços, extração e comercialização de produtos
agrícolas e em menor grau, em empresas industriais. Através do Plano de Metas, os interesses multinacionais no
Brasil redirecionaram seus investimentos para outros setores e expandiram a economia local em direção à
manufatura” (DREIFUSS, 1987, p. 51). Para se ter uma ideia dos investimentos norte-americanos no Brasil, “em
1950 a manufatura já representava 44%, subindo para 54% em 1960 e atingindo 68% em 1966” (DREIFUSS,
1987, p. 53).
62
80
“Na verdade, a contrarrevolução só foi possível porque as classes possuidoras, através de seus setores
dirigentes e de suas elites econômicas, políticas, culturais, militares, judiciárias e policiais (e em certo sentido
também religiosas), revelaram-se capazes de unificar socialmente o seu espaço político, engendrando o
equivalente político de uma união sagrada dos interesses comuns das classes possuidoras” (FERNANDES,
1980, p. 118, grifos do autor).
81
“A ameaça – real ou potencial – de uma insurreição dos condenados do sistema obriga os donos do poder a
passar por cima de suas diferenças e a cerrar fileiras contra o inimigo comum: as classes subalternas”
(SAMPAIO JR., 1999, p. 149).
63
82
As ORTNs foram criadas, nesse contexto, com o objetivo de “garantir a cobertura do déficit de caixa do
tesouro (Banco do Brasil) sem que se recorresse à emissão primária. Isto é, permitia-se ao recém-criado Banco
Central adquirir massas de capital circulante para cobrir as operações governamentais” (COUTINHO;
REICHSTUL, 1977, p. 70).
83
A criação de canais institucionais voltados ao acesso da liquidez internacional teve início com a modificação
da Lei de Remessas de Lucro por meio da Lei nº. 4.390 de 29/08/1964, que recolocou na base de cálculo para
remessas os reinvestimentos e o aumento da alíquota das remessas de lucro de 10% para 12%.
84
De acordo com Baer (1986, p. 18, grifos da autora), “a forte influência que, no início, o capital estrangeiro teve
na institucionalização de uma maior abertura para o mercado financeiro internacional via endividamento ficou
evidente no estabelecimento da Instrução 289. Além da Lei 4.131, que não faz distinção entre empresas privadas
(nacionais e estrangeiras) e públicas, implementou-se a Instrução no 289 em 1965, que autorizava as empresas
estrangeiras residentes no Brasil a contrair empréstimos diretamente de empresas do exterior para financiar seu
capital de trabalho”.
65
brasileiras85. Essas operações de repasse por meio da Resolução 63 “constituíram, por sua
vez, o elo através do qual as instituições financeiras locais absorveram quantidades massivas
de recursos originários do sistema financeiro dos países avançados no bojo do forte
movimento de internacionalização financeira verificado no período” (CRUZ, 1984, p. 168).
Com a Resolução 63, tentou-se equilibrar o acesso tanto das empresas estrangeiras
como das empresas nacionais aos recursos no mercado externo. Era reconhecido o privilégio
das filiais das multinacionais, “que obtinham parte do capital de giro no exterior, no montante
desejado e a juros inferiores aos que as firmas nacionais pagavam, as quais enfrentavam ainda
severas restrições creditícias internas” (PEREIRA, 1974, p. 62). A partir de então, tanto as
empresas multinacionais como as nacionais passavam a ter acesso ao mercado financeiro
internacional.
O Banco Central (BC) foi também fundado nesse período, em 31 de dezembro de
1964, pela Lei nº 4.595. Ainda em 1965 foi reaberto o ministério do Planejamento, concebido
em 1962, e em 1964 foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) que, após o fim da
estabilidade no emprego promovida pelo regime autoritário, teve o reforço do aporte do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), vinculado ao BNDE para promover
empréstimos de longo prazo86.
As causas da inflação, como em qualquer análise monetarista, eram para os
articuladores do PAEG “o crescente déficit público, a expansão exacerbada do crédito ao
setor privado e os „demagógicos‟ aumentos salariais acima dos aumentos da produtividade”
(OLIVEIRA, 1981, p. 39-40, grifos do autor). O novo cálculo do reajuste salarial abaixo da
inflação “facilitava a sobrevivência das pequenas e médias empresas. Por outro lado,
propiciava substancial reforço à rentabilidade das grandes empresas” (COUTINHO;
REICHSTUL, 1977, p. 71).
Instituiu-se a correção monetária dos débitos fiscais com o objetivo de defender a
arrecadação dos efeitos da inflação, que corroíam esses débitos e diminuíam o montante de
impostos a ser pago. O Imposto sobre Produtos Industrializados passou a substituir o Imposto
sobre Consumo. Transferiu-se o Imposto de Exportação da esfera estadual para a União e o
85
“A demanda por estes recursos cresceu substancialmente pois interpunha entre a empresa brasileira e o
mercado financeiro internacional uma instituição financeira, o que eliminava o problema de garantia para a
empresa brasileira. O aval do empréstimo era dado pelo banco brasileiro, que exigia uma garantia colateral
aceitável” (SOCHACZEWSKY, 1993, p. 258).
86
Sobre o financiamento do BNDES, afirmou Martins (1978, p. 34), “o BNDE, que passou a administrar o PIS-
PASEP, e que teve seus recursos aumentados em 305% em termos reais entre 1964 e 1975, dedicava mais de
90% de seus financiamentos ao setor público em 1964; atualmente, a situação é precisamente inversa: cerca de
90% de seus dispêndios são destinados ao setor privado”.
66
87
É interessante ressaltar que “embora a receita tributária tenha crescido substancialmente, a contribuição para
ela dos impostos indiretos (renda e propriedade) decresce de 45% (1960) para 29,2% (1974)! O que indica uma
das mais altas taxas de tributação indireta que se conhece no mundo capitalista” (MARTINS, 1978, p. 33, grifos
do autor).
88
“A distribuição dos recursos tributários efetivamente disponíveis por nível de governo revela que, em 1966,
couberam à União 40,6% e aos Estados, 46,3%. A situação em 1974 se alterou significativamente: a participação
da União atingiu 51,6%, enquanto a dos Estados caiu para 35,2%” (LOPREATO, 2002, p. 55).
89
“Cabe notar a tendência para a centralização pela União (relativamente aos Estados e Municípios) da tarefa da
arrecadação tributária em plano nacional. Da receita tributária total do país, a União eleva sua participação de
49,5% (1960) para 59,7% (1976), ao mesmo tempo em que declina a parte apropriada diretamente pelos Estados
(passa de 44,5% a 37,1%) e pelos Municípios (reduz-se de 6% a 3,2%) entre aqueles dois anos. Passando a
União a recolher parte do que antes era diretamente arrecadado pelos Estados e Municípios, os últimos ficam na
dependência política da primeira para a transferência dos termos que lhe cabem” (MARTINS, 1985, p. 44-45).
90
A captação de recurso via Resolução 63 que conectava o sistema financeiro nacional ao sistema financeiro
internacional foi estimulada pelas correções cambiais, uma vez que “a existência de ajustes periódicos do tipo de
câmbio, que fazem parte do mecanismo global de indexação da economia, fez com que os riscos de captação
externa praticamente se equiparassem aos de uma fonte interna de financiamento. Resultado disso foi uma
articulação mais estreita entre o sistema financeiro nacional e o internacional, passando esse último a ser uma
importante fonte alternativa de recursos” (BAER, 1986, p. 14).
67
91
Prado Jr. (1966) chamou a atenção para o fato de que essa Lei caracterizava uma consciência anti-imperialista
que surgia no Brasil. Não por outro motivo, após o golpe ela foi alterada para atender justamente aos interesses
do imperialismo total. Para Campos (2009, p. 142, grifos do autor), “a Lei 4.131 representava uma inflexão no
marco institucional destinado a regular o capital estrangeiro por várias razões. Primeiro, por ser a mais bem
organizada legislação feita para essa questão até o momento. Segundo, ela se diferenciava da Instrução 113, que
havia revogado todo o complexo de essencialidade e seletividade da legislação varguista, cujo desdobramento do
sentido do termo „de especial interesse nacional‟ havia sido extinto em 1955. Em terceiro lugar, ela se distinguia
também da Lei de Tarifas, que apresentou um excesso de proteção ao oligopólio estrangeiro internalizado, do
próprio Decreto no. 42.820 que regularizou a Instrução no.113, assim como da Instrução no. 204 que, ao unificar
o câmbio, colocava o Estado nacional como avalista do grave problema cambial. A Lei de Remessas de Lucro
vinha no sentido contrário a todas essas institucionalidades que tinham como intuito diminuir a
discricionariedade dos centros internos de decisão perante a internacionalização em curso”.
92
Campos (2009, p. 142) explicou os motivos pelo quais o presidente Goulart demorou para sancionar a Lei: “a
Lei 4.131 também restaurava uma continuidade com o DL 9.025 de 1946 e o DL 30.363, principalmente no que
tange à proibição da base de cálculo para remessas de reinvestimento de lucro. Se dez anos antes as outras
legislações já tinham provocado a celeuma nos grupos internacionais instalados, agora, depois de toda a
internacionalização da indústria pesada ocorrida a partir de 1955 com IDEs novos, cuja capacidade de recuperar
100% do capital inicial se dava em poucos anos, dá para imaginar as proporções e implicações políticas muito
maiores que na época de Vargas, que a Lei de Remessa de Lucro representava. Talvez esse fosse um dos motivos
que fizeram João Goulart sancionar esse polêmico diploma legal só no dia 17 de janeiro de 1964”.
93
Para Campos (2009, p. 144), “a Lei 4.131 procurou repor o controle ao capital internacional que a Instrução
113 havia suprimido, tornando-se um dos elementos mais relevantes da argumentação dos setores conservadores
contra o governo. Por outro lado, ela também simbolizou o questionamento da internacionalização brasileira,
constituindo-se como uma das razões pela qual o Golpe de 64 não foi mero resultado da conspiração dos
quartéis, mas, acima de tudo, dos interesses reais constituídos em parte pelo próprio capital internacional. Se
assim não fosse, como explicar que uma das primeiras medidas tomadas pelo primeiro governo militar ao ser
empossado, ainda no segundo semestre de 1964, tenha sido a alteração dos artigos mais polêmicos da Lei de
Remessas de Lucro por meio da Lei 4.390”.
68
O Estado autoritário, para Campos (2009, p. 144-145), “além de flexibilizar a Lei de Remessa de Lucro,
94
instaurou uma reforma institucional que conectava os interesses das multinacionais e classes associadas aos
empréstimos externos altamente disponíveis pelo sistema financeiro internacional (Euromercado). Esse estágio
de desregulamentação financeira interna, aliado à sobreoferta de empréstimos externos, foi conduzido
conscientemente pelo complexo multinacional, impondo uma nova descontinuidade ao padrão de
desenvolvimento capitalista brasileiro, porque, além de repor as condições do marco regulatório menos
restritivas criadas em 1955, fez da política econômica súdita dessa etapa de acumulação de capital”.
95
Sobre a expansão dos empréstimos e financiamentos do exterior, principalmente a partir de 1971, observou
Wells (1973, p. 13): “no curso de 1971, por todo o ano de 1972 e primeiros meses do presente ano [1973],
[caracterizou-se] um estado de excesso de liquidez no mercado de euro-dólar. A reação desse mercado foi: 1)
buscar clientes fora dos EUA e da Europa; 2) estender consideravelmente os prazos médios de maturação dos
investimentos; e 3) reduzir, tanto as taxas interbancárias de empréstimos, como as margens cobradas pelos
bancos. (Para isso contribuiu, também, o acirramento da concorrência interbancária.) A existência de
69
substanciais linhas de crédito serviu, também, para dar às corporações multinacionais muito maior liberdade de
manobra para expandir suas atividades em âmbito mundial”. Nesse mesmo período, Wells, reproduzindo um
analista financeiro, ressaltou: “a redução da procura de empréstimos, de parte das multinacionais norte-
americanas e dos grandes clientes europeus forçou os bancos de euro-moedas a oferecer essas ótimas taxas a
clientes periféricos, fora das áreas tradicionais de operação do sistema de euro-moedas” (WELLS, 1973, p. 14).
96
Entre 1967 e 1973, “67 por cento do incremento da dívida destinaram-se à acumulação de reservas”
(FURTADO, 1982, p. 24). Cruz (1984, p. 17) chamou a atenção para “o caráter predominantemente financeiro,
ou seja, não-produtivo, do endividamento ocorrido no período [que] fica evidenciado quando se observa que as
contratações líquidas de empréstimos e financiamentos tiveram como contrapartida principal a formação de
reservas internacionais, ou seja, a criação de poder de compra que não se realiza no período e que retorna ao
circuito financeiro internacional”.
97
De acordo com Wells (1973, p. 26), “a acumulação de reservas além do que é necessário para o financiamento
normal das importações é uma operação bastante custosa [...], o fato é que há uma margem considerável entre a
taxa de juros dos empréstimos feitos, o que, no contexto brasileiro, representa um pesado encargo, possivelmente
da ordem de US$ 60 milhões por ano”.
98
O movimento líquido de capitais para as regiões menos desenvolvidas mostrava a evolução do Brasil enquanto
destinatário desses recursos, passando de US$ 138 milhões em 1967 para US$ 1,578 bilhão em 1971, superando
o México na América Latina que recebera, em 1971, US$ 671 milhões (PEREIRA, 1974).
70
Tabela 4
Despesas da União Segundo os Setores (em % total)
Setores 1965 1967 1969
I – Governo e Administração 13,3 7,2 6.8
II – Agricultura e Recursos Naturais 2,9 3,0 1,7
III – Energia 4,3 2,0 2,3
IV – Transportes e Comunicações 24,0 19,9 17,6
V – Indústria e Comércio 3,4 6,4 1,4
VI – Educação 5,1 3,8 3,8
VII – Habitação e Serviços Urbanos 0,2 0,1 0,2
VIII – Saúde e Saneamento 5,0 7,3 6,9
IX – Trabalho, Prev. e Assistência 27,3 28,8 28,9
X – Defesa e Segurança Pública 10,9 11,4 8,7
XI – Trans. a Estados e Municípios 2,7 8,8 5,4
XII – Dívida Pública 0,9 1,3 16,3
Total Geral 100 100 100
Fonte: IPES/INPES e FGV/IBRE/CEF. In: Silva (1974, p. 63).
99
“Os principais tomadores de ORTN são os bancos comerciais privados. Entretanto, é fundamental notar que se
trata de uma tomação induzida. Ora, o governo dá como alternativa ao recolhimento compulsório em moeda a
possibilidade de os bancos comerciais comprarem títulos da dívida pública federal. Os bancos privados
obviamente preferem especular com os títulos ao invés de terem seu capital subtraído ao processo de
valorização. Fica ainda mais evidente o caráter especulatório desse mercado se atentarmos para o fato de que são
também os bancos comerciais os principais tomadores de Letras do Tesouro Nacional. No caso das LTNs –
títulos de curto prazo – não existe mecanismo de indução à sua compra que não sejam os mecanismos normais
do mercado de capitais, isto é, o governo não apresenta as LTNs como alternativa ao recolhimento compulsório
em moeda e mesmo assim os bancos comerciais privados são os maiores tomadores!” (CIPOLLA, 1980, p. 35-
38, grifos do autor).
71
100
O excesso de liquidez internacional após a Segunda Guerra Mundial, expresso pelo poder do dólar enquanto
moeda internacional, levou à constituição dos Eurodólares e “quem se beneficiará particularmente dessa
conjuntura de largueza financeira, abrindo-lhe perspectivas e oportunidades imensas, serão naturalmente, em
primeiro lugar, os grandes trustes e monopólios norte-americanos, e logo em sequência, das demais potências
capitalistas, em especial a Alemanha e o Japão [...]. E aqui entra em cena o caso brasileiro. O nosso país não
ficaria à margem da tremenda ofensiva, pelo mundo afora, do capitalismo internacional mobilizados pelos
grupos financeiros e monopólios, e que encontraria aqui larga e generosa acolhida graças à orientação política
entre nós adotada. Os primeiros, à busca de aplicações para o excesso de liquidez proporcionados pelos
Eurodólares e outras fontes abundantes de capitais na época disponíveis; os outros, os monopólios, como bons
negociantes, à cata de quaisquer oportunidades de novos negócios, que relativamente abundavam, e, de imediato,
muito bons, nas áreas do Terceiro Mundo, semivirgem ainda do progresso capitalista mais recente, onde quase
tudo, no nível desse progresso, estava por fazer ou introduzir” (PRADO JR., 2006, p. 347-348). “A estrutura
enviesada que ia assumindo o sistema financeiro internacional ajustava-se como uma luva ao que, no cenário
internacional, era requerido como condições para a perfeita articulação da economia brasileira com o sistema
internacional privado, em franca expansão. Como se pode ler hoje em qualquer texto de iniciação ao problema
da dívida externa, o desenvolvimento do chamado Euromercado acelera-se justamente naquela época, meados
dos 60” (TAVARES; ASSIS, 1986, p. 19).
101
“As instituições financeiras locais absorveram quantidades massivas de recursos originários do sistema
financeiro dos países avançados no bojo do forte movimento de internacionalização financeira” (CRUZ, 1984, p.
168).
102
“Tanto o capital internacional do setor produtivo quanto o da esfera financeira foram os grandes beneficiados
dessa reforma que teve seu início na modificação da Lei de Remessas de Lucro. Essa reestruturação no padrão de
desenvolvimento significou a imposição sistemática dos interesses da internacionalização em detrimento das
necessidades internas. Por meio da exigência de mecanismos institucionais que integrassem a estrutura
financeira nacional ao ritmo de expansão do crédito internacional, essa reforma estrutural concedeu enormes
vantagens, com prazos alongados e custos baixos à captação de empréstimos externos, dos quais as filiais
instaladas no país desfrutaram de maneira intensa nos anos 70” (CAMPOS, 2009, p. 147).
72
103
Disponível em: file:///C:/Users/User/Desktop/Decreto%20200_1967/Decreto-Lei%20200%201967.htm. Esse
Decreto-Lei, com algumas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 900 de 1969, em seu Artigo 4° estabeleceu a
Administração Federal nos seguintes moldes:
I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da
República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade
jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista;
d) Fundações Públicas.
Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área
de competência estiver enquadrada sua principal atividade.
No Artigo 5º é detalhado o que compreende cada uma das quatro categorias da Administração Indireta:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para
executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada.
II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e
capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a
exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas
admitidas em direito.
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei
para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto
pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.
IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por
órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos
respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.
Deve-se destacar que “as empresas governamentais podem assumir duas formas básicas: empresas públicas e
sociedades de economia mista” (MARTINS, 1985, p. 57).
73
lado, também havia a intensão de melhorar sua capacidade de financiamento, por meio de
endividamento externo direto e negociação de suas ações na Bolsa de Valores.
Quanto à política de preços realistas, esta não obteve muito êxito, uma vez que o
papel estratégico das empresas estatais no sentido de subsidiar as empresas privadas com
repasses de bens e serviços a preços baixos não permitia a elevação de seus preços, pelo
menos para muitas dessas estatais104. Já em relação à captação de recursos por meio do
endividamento externo ou mesmo ações na Bolsa, os objetivos foram alcançados. O nível de
endividamento externo das empresas estatais aumentou, além de ter sido ampliada sua
participação no mercado de ações105.
A partir do Decreto-Lei 200, as empresas estatais foram orientadas a expandir suas
áreas de atuação por meio de um comportamento que se assemelhava ao das empresas
privadas. Para tanto, o decreto determinava: “assegurar-se-á às empresas públicas e às
sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do setor privado
cabendo a essas entidades, sob a supervisão ministerial, ajustar-se ao plano geral do
Governo”. Contudo, a meta de continuar a subsidiar as empresas privadas colocava restrições
às orientações governamentais em relação às empresas estatais106. A rentabilidade dos setores
público e privado, como mostra a tabela 5, explicita a menor lucratividade das empresas
estatais em comparação com as empresas privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras.
Tabela 5
Rentabilidade das 100 Maiores Empresas Brasileiras
Empresas 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 Média
Estatais 6,7 7,7 7,6 9,3 10,1 10,0 11,3 9,0
Nacionais 8,0 5,5 10,4 14,1 15,8 15,8 18,4 12,5
Estrangeiras 8,1 9,7 14,8 18,3 20,1 20,1 20,4 14,8
Fonte: Quem é Quem na Economia Brasileira. In: Cipolla (1980, p. 43).
104
Para Coutinho e Reichstul (1977, p. 72): “Entre a necessidade de assegurar elevadas margens de lucros para
aqueles setores líderes (dos bens duráveis) e a necessidade de conter a inflação, prevaleceria a imposição de
limites para os reajustes de determinados preços para o aço, álcalis etc., com reflexos posteriormente
desfavoráveis sobre a expansão das siderúrgicas”. Corroborando a análise, explicitou Rückert (1981, p. 81), “a
siderurgia que, devido a sua posição de estar articulada com as empresas produtoras de bens duráveis, para
favorecer esse setor, se manteve numa política de contenção de preços. A fixação de preços num patamar muito
baixo forçou as empresas estatais do setor siderúrgico a operarem com elevados níveis de endividamento”.
105
De acordo com Martins (1985, p. 71), “a especulação na Bolsa de Valores, desde o início dos anos 70,
atividade incentivada pelo próprio Governo, foi em grande parte sustentada pelos papéis de empresas
governamentais. Tanto assim que no período 1972-75 papéis de empresas governamentais responderam por
cerca de 75%, em média, do conjunto das transações realizadas”.
106
Cipolla (1980, p. 43-44, grifos do autor), comparando a rentabilidade das empresas que atuam no Brasil, no
período compreendido entre 1968 e 1974, concluiu: “a evolução comparativa da taxa de lucro das cem maiores
empresas separadas em Estatais, Nacionais e Estrangeiras, mostra que a função das empresas estatais foi, de um
lado, a de cobrir os setores para os quais o capital privado não se mostrou disponível e, de outro, a de „poupar
lucro‟ para o capital privado, isto é, repassar via preços parcela da mais-valia produzida”.
74
107
Essa diminuição se justificava pelo fato de que “„a peça orçamentária‟ enviada anualmente ao Congresso
inclui em suas previsões de receitas e despesas apenas a administração direta e parte das atividades e programas
desenvolvidos por órgãos do tipo autarquias, fundações etc., afetos à administração indireta. A proposta de
orçamento do Executivo exclui, portanto, todo o setor das estatais (na administração indireta) [...]. Sob o ponto
de vista orçamentário, portanto, somente a administração direta está focalizada em sua totalidade na peça
orçamentária apreciada pelo Congresso anualmente” (MEREGE; NEDER, 1984, p. 57, grifos do autor).
108
“Tomando-se o período 1965/1971, nota-se que, enquanto a receita total do Governo federal aumenta em 80%
em termos reais, o custo operacional aumenta apenas em 50%. Mais significativo talvez é o fato de que as
despesas do Governo federal com o pagamento do pessoal ativo da administração direta cresce apenas 32% no
mesmo período. Dado que esse ainda é distorcido pelo notável aumento do custo do pessoal militar: um aumento
de 85% em termos reais, no período. Eliminando essa „distorção‟, verifica-se que o custo do pessoal ativo
decresce em termos reais, de 6,5% entre 1965 e 1971” (MARTINS, 1985, p. 50, grifos do autor).
109
“Na década 1966-1976 foram criadas mais empresas governamentais (60% delas) do que no curso dos 60
anos precedentes. Proporção essa ainda mais acentuada (70%) para o caso das empresas da União [...]. Do total
assinalado, 476 empresas (ou seja, 84% do universo) têm suas atividades no setor terciário e muitas delas
dedicam-se à prestação de serviços públicos, que constitui atividade tipicamente estatal. É certo, entretanto, que
desperta atenção o número significativo (92) de empresas que exercem atividades financeiras (bancos, seguros,
etc.)” (MARTINS, 1985, p. 60-61).
75
Doce (CVRD). Entretanto, apesar dessa ampliação, não houve mudanças expressivas na
diversificação das áreas de atuação de tais empresas. Elas se expandiram em várias etapas da
produção de bens e serviços que já ofereciam, mesmo porque essas empresas não podiam
entrar em atividades privilegiadas de lucratividade, reservadas ao setor privado.
Tabela 6
Criação das Empresas Estatais
Períodos Número de Empresas
Até 1930 17
De 1931 a 1950 18
De 1951 a 1960 37
De 1961 a 1970 147
De 1971 a 1976 131
Não identificado 221
Total 571
Fonte: Quem é Quem na Economia Brasileira. In: Rückert (1981, p. 85).
110
Apesar da compra da Amforp não ter sido concluída pelo governo Jango, em função dos valores elevados
exigidos por essa empresa, logo após o golpe, o ministro Roberto Campos “reassumiu as negociações para se
submeter graciosamente às pretensões da Amforp, pagando 135 milhões de dólares pelo seu ferro-velho – valor
no qual se embutia a correção monetária integral do investimento histórico, algo que não se reconhecia na
legislação brasileira, que previa um índice específico. Além disso, aceitou um sobrepreço de 17,7 milhões de
dólares a título de multa pelo atraso na execução do protocolo de Washington [...], também a Companhia
76
Telefônica Brasileira era „nacionalizada‟ em bases semelhantes, igualmente favoráveis ao investidor externo”
(TAVARES; ASSIS, 1986, p. 19-20, grifos dos autores).
111
“Cujo objetivo primordial era prover o desenvolvimento da indústria petroquímica nacional, até então de
reduzidas proporções” (VILLELA, 1984, p. 32).
112
Atuava no setor de distribuição de derivados (VILLELA, 1984).
113
“Cujo objetivo fundamental era reforçar a produção interna com petróleo produzido pela empresa no exterior”
(VILLELA, 1984, p. 32).
114
Essa holding atuava na produção de insumos básicos para a agricultura (VILLELA, 1984).
115
A empresa atuava na área de pesquisa de potássio e enxofre (VILLELA, 1984).
116
A Chesf foi constituída em 1945, com a construção e operação da Usina Paulo Afonso (VILLELA, 1984).
117
Criada em 1957 e “constituída com a finalidade de suprir de eletricidade o Centro-Sul, que no início dos anos
60 se ressentia de grave escassez de energia” (VILLELA, 1984, p. 42).
118
A Eletrosul iniciou suas operações em 1969 e voltou-se para a expansão da geração de energia no Sul do país
(VILLELA, 1984).
119
A empresa foi criada em 1973 para atuar no setor de energia da região Norte do país (VILLELA, 1984).
77
120
De acordo com Trebat (1980, p. 846, grifos do autor), “os exemplos brasileiros de empresas estatais
„passivas‟ ou de „baixo rendimento‟ poderiam incluir as estradas de ferro, as companhias urbanas de telefones, a
maioria das companhias fornecedoras de eletricidade e, talvez, as siderúrgicas do Estado. Dando um exemplo,
uma das principais funções da siderurgia estatal é prover abastecimento adequado de aço de baixo preço à
indústria automobilística. Grandes empresas e grupos na faixa superior de riqueza são os que mais se beneficiam
com as operações das empresas de propriedade estatal. As companhias telefônicas beneficiam uma pequena
fração de residências servidas por telefone. As operações ferroviárias podem beneficiar principalmente os
embarcadores de produtos industriais e agrícolas. Em seus substanciais programas de compras, todas essas
empresas de propriedade do Estado favorecem a indústria nacional de bens de capital (de origem privada)”.
121
A recessão derivou, em grande medida, das ações adotadas durante o PAEG.
122
Bonelli e Malan (1976) reiteraram os fatores endógenos que contribuíram para o crescimento econômico, tais
como: expansão do crédito ao consumo; facilidades de financiamento à construção residencial; facilidades e
subsídios concedidos às exportações; e políticas monetárias e fiscal expansionistas. Em outro texto, Malan e
Bonelli (1983, p. 5) acrescentaram “o aumento dos investimentos públicos, incluindo empresas públicas”.
123
“Em 1967 o sistema industrial brasileiro trabalhava com cerca de um quarto de sua capacidade produtiva
ociosa, comparativamente às normas que haviam prevalecido em 1961-62. [...] A retomada do crescimento fez-
78
se mediante uma melhor utilização da capacidade de produção já instalada, mantidos os salários reais
estacionários. Não de é admirar, portanto, que as margens de lucro hajam crescido abruptamente” (FURTADO,
1982, p. 21).
79
no país onde se localizavam suas matrizes, como já destacado anteriormente. Nesses termos,
enquanto houvesse abundância de capitais no mercado internacional, o financiamento dessas
importações se daria – além dos saldos de exportação – por meio do endividamento externo.
Portanto, o nível de endividamento das empresas estatais aumentou no período, influenciado
por uma política econômica que o incentivava e que não promovia um crescimento articulado
dessas empresas124.
Mantega (1979), apesar de não concordar que a retomada do ciclo tenha se dado por
meio das inversões das empresas estatais125, reconheceu a participação de tais empresas para o
crescimento econômico acentuado no período, principalmente subsidiando bens e serviços
utilizados pelas empresas multinacionais. Em suas palavras,
124
De acordo com Coutinho e Reichstul (1977, p. 90, grifos dos autores), “apesar da tendência à maior
centralização e planejamento em cada sub-bloco do SPE, através das grandes empresas-holdings, o seu
crescimento foi largamente desarticulado enquanto bloco agregado. Esse fato é inteiramente explicável e
compatível com a condução da política econômica durante o „milagre brasileiro‟, caracterizado pelo imediatismo
e pela miopia, incapaz de perceber que sérios desequilíbrios se agravavam e poderiam entravar o crescimento
futuro”.
125
Os fatores que influenciaram o “milagre econômico” se deveram, para Mantega (1979, p. 51-52), “à custa de
concentração de renda, do incremento das exportações, da rearticulação e concentração do sistema financeiro, da
maciça intervenção estatal na economia e, finalmente, da ampla generosidade governamental de um Estado que
extorquia o que podia da grande maioria da sociedade, para dar o que tinha e o que não tinha aos grandes
monopólios”. Complementou Mantega (1979, p. 56), “ao lado das modificações postas em prática pelo governo
na área fiscal e financeira, foi implementado um amplo programa de investimentos e gastos estatais em
infraestrutura, cuja contribuição foi considerável na expansão do ciclo de acumulação. [...]. Porém, não se deve
superestimar o efeito dinamizador das atividades estatais. Sabe-se que parte dele é canalizado para o exterior sob
a forma de importações, pois parcela considerável dos financiamentos utilizados pelas empresas do Estado
compõe-se de „suppliers credits‟ que as obrigam a comprar máquinas e equipamentos dos grandes cartéis
internacionais, tornando o setor estatal o maior importador de bens de capital do país”.
80
126
“Entre 1956 e 1960 cerca de 33% das novas filiais estabelecidas no Brasil o foram por compra de indústrias;
enquanto entre 1960 e 1965 aquela estimativa alcançou os 38%, de 1966 a 1970 chegou-se a 52%, e no triênio
seguinte a 61%” (BONELLI; MALAN, 1976, p. 397).
127
De acordo com Dreifuss (1987, p. 62, grifos do autor), “em 1969, a „apropriação‟ da economia brasileira por
interesses multinacionais era um fato consumado. Companhias multinacionais controlavam 37,7% da indústria
do aço, 38% da indústria metalúrgica, 75,9% dos produtos químicos e derivados de petróleo, 81,5% da borracha,
60,9% das máquinas, motores e equipamentos industriais, 100% dos automóveis e caminhões, 77,5% de peças e
acessórios para veículos, 39,8% da construção naval, 71,4% do material para construção e rodovias, 78,8% dos
móveis de aço e equipamentos para escritório, 49,1% dos aparelhos eletrodomésticos, 37,1% do couro e peles,
55,1% dos produtos alimentícios, 47% das bebidas, 90,6% do fumo, 94,1% dos produtos farmacêuticos, 41% dos
perfumes e cosméticos e 29,3% da indústria têxtil”.
128
Nas palavras de Campos (2009, p. 56), “durante o período de 1967 e 1973, contudo, o IDE que impulsionou o
crescimento da economia ocorreu a partir de uma base produtiva pré-existente, em que o volume destinado à
desnacionalização e às importações de insumos no âmbito do comércio intrafirma explicam o fato de o seu
ingresso em moedas ser dezoito vezes maior em médias anuais do que em mercadorias”.
129
Para Baer (1986, p. 95), “o capital estrangeiro instalado no país, através de seu acesso privilegiado aos
recursos externos acelerou a concentração e a desnacionalização da economia”.
81
5. Conclusão
Em meio a ascensão de uma nova fase imperialista, a partir da segunda metade da
década de 1950 a industrialização pesada no Brasil fez parte de uma estratégia de
internacionalização produtiva das empresas multinacionais, que exigiram determinadas
condições políticas e econômicas no país para o seu avanço. A associação subordinada das
burguesias brasileiras às empresas multinacionais desdobrou-se em um Estado autocrático
direcionado a satisfazer tanto os interesses do capital internacional quanto as próprias
burguesias nativas.
À medida que instrumentalizou as empresas estatais em setores essenciais, como
siderurgia, mineração, energia, transportes, telecomunicações etc., o Estado construiu uma
infraestrutura mínima, reduziu os pontos de estrangulamento da economia brasileira, e
garantiu o fornecimento de insumos em áreas que o capital privado não estava disposto a
investir. Na verdade, a expansão das empresas estatais nesse período se apresentou,
essencialmente, como uma reação às mudanças dadas pelas necessidades do capital
internacional, situação característica de uma economia satélite, como é o caso da economia
brasileira. Desse modo, as empresas estatais foram subordinadas à valorização das
multinacionais no espaço nacional desde o governo JK, com o Plano de Metas, e,
posteriormente, nos governos ditatoriais.
A atuação das empresas estatais não ocorreu para fortalecer a economia nacional no
sentido de orientar o investimento privado e de operar em áreas rentáveis. Ao se instalarem
em setores nos quais o capital privado não tinha interesse em atuar, a principal função que
82
1. Introdução
A crise estrutural do capital na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 teve como
desfecho a internacionalização financeira e o neoliberalismo. Esse contexto foi estimulado
pela estratégia dos Estados Unidos de retomada de sua hegemonia mundial. Entre as empresas
multinacionais, este novo padrão de acumulação significou uma ampla reestruturação
produtiva130, que as conduziu a uma produção cada vez mais flexível e a ganhos financeiros
expressivos.
Decorrente dessas mudanças, na década de 1980 houve a crise da dívida externa dos
países da América Latina. O Brasil, um dos mais endividados da periferia, direcionou sua
economia para o pagamento dos juros dessa dívida, instrumentalizando as empresas estatais
para tal fim. Diante deste contexto, o objetivo deste capítulo é mostrar como as empresas
estatais sofreram no começo da década de 1980 um ajuste promovido pela SEST que
comprometia suas atividades, iniciava o neoliberalismo no país e atendia as demandas do
capital internacional.
Para melhor compreensão deste período, o capítulo está dividido em três partes: i)
Imperialismo e financeirização, seção em que se discute a transição dos anos 1960 aos anos
1970 e como o avanço da financeirização refletiu em transformações do espaço nacional de
acumulação; ii) O II PND e as empresas estatais, parte em que se analisam as propostas do II
PND, seu padrão de financiamento e o papel das empresas estatais; e iii) A SEST e o ajuste
sobre as empresas estatais, item que estuda a criação da SEST, sua forma de atuação e o uso
das empresas estatais pelo Estado no período da crise da dívida externa.
130
O termo reestruturação produtiva, para Lupatini, (2015, p. 133), foi “empregado no sentido de expressar as
transformações na produção, mas também para capturar as alterações nas atividades de gestão, com a introdução
de métodos ohnoistas, sobretudo a partir da crise do capital dos anos 1960/70. Recaem sobre este termo ainda as
alterações na relação organizacional-espacial da produção, nas relações inter-empresas e na relação capital
versus trabalho, as quais se expressam no processo de desverticalização dos processos produtivos, no
estabelecimento de relações de subcontratação, na terceirização de etapas ou de processos produtivos inteiros,
nas relações de trabalho informal etc”.
131
Ver Mészáros (2009) e Mandel (1990).
84
137
“Basta lembrar aqui o papel mundial do dólar; a capacidade dos Estados Unidos de aplicarem a política
monetária que quiserem, sem se preocuparem muito com as repercussões que pode ter em praticamente todos os
outros países, ricos ou dominados e pobres; a possibilidade de „compensar‟ as mais baixas taxas de poupança
interna dos países da OCDE, drenando para si todos os capitais requeridos para financiar seu déficit
orçamentário e servir de paliativo ao subinvestimento. A ascensão da esfera financeira recolocou quase todos os
trunfos da rivalidade imperialista mundial nas mãos dos Estados Unidos. Os mercados financeiros são
inigualáveis em suas dimensões, mas também em sua diversidade” (CHESNAIS, 1996, p. 119, grifos do autor).
138
Chesnais (1996; 1995) utilizou o termo “mundialização do capital” porque para ele globalização dava a
entender que se promoveria a globalização das trocas em uma situação de concorrência, na qual o grande
beneficiário seria o consumidor que compraria mercadorias e contrataria serviços de melhores qualidades a
preços menores, entretanto, “ao se observar as coisas de perto, percebe-se que o conteúdo efetivo da
globalização é dado, não pela mundialização das trocas, mas pela mundialização das operações do capital, em
suas formas tanto industrial quanto financeira [...]. Em vez de usar o termo „globalização‟ e, portanto, de fazer
referência à „economia‟ de modo vago e impreciso, parece então desde já preferível falar em „globalização do
capital‟, sob a forma tanto do capital produtivo aplicado na indústria e nos serviços quanto do capital
concentrado que se valoriza conservando a forma dinheiro. Pode-se então dar mais um passo, aquele que
consiste em falar de „mundialização‟ em vez de „globalização‟” (CHESNAIS, 1995, p. 3-5, grifos do autor)
139
“Por acumulação financeira, entende-se a centralização em instituições especializadas de lucros industriais
não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em
ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços”
(CHESNAIS, 2005, p. 37).
140
Boa parte dos recursos disponíveis no Euromercado foram destinados à periferia. O Brasil, por exemplo, foi
um grande receptor. Contudo, com a elevação da taxa de juros dos Estados Unidos no fim da década de 1970,
esse fluxo para a periferia foi completamente invertido. Entre 1980 e 1983, os ingressos líquidos de “créditos
86
Tabela 7
Países Receptores dos Investimentos Diretos Mundiais (em US$ bilhões)
Ano Países Industrializados Países em Valor Total
Desenvolvimento
1967 69,4 30,6 105,5
1973 73,9 26,1 208,1
1980 78,0 22,0 504,5
1989 80,8 19,2 1.402,90
Fonte: Departamento de Comércio dos EUA. In: Chesnais (1996, p. 65).
Ocorria também uma inversão no fluxo de IDEs, não mais estes tendo como destino
prioritário os países subdesenvolvidos. Conforme tabela 7, enquanto os fluxos de IDEs aos
países desenvolvidos aumentavam de US$ 69,4 bilhões em 1967 para US$ 80,8 bilhões em
1989, isto é, 16,42%, os IDEs endereçados aos países subdesenvolvidos diminuíam de US$
30,6% bilhões em 1967 para US$ 19,2% bilhões em 1989, ou seja, em 37,25%. Ao invés
deste IDE “criar novas plataformas produtivas, ou manter seu habitual fluxo para a periferia,
nessa fase, sua função foi a de efetivar a redistribuição de capitais em favor da centralização
mediante fusões e aquisições (F&A), e consolidar as posições oligopólicas no centro do
sistema” (CAMPOS, 2009, p. 11).
Outras regiões subdesenvolvidas que não a América Latina começaram a receber boa
parte deste IDE, entre elas o Sudeste Asiático e a China. O deslocamento gradativo das
empresas multinacionais para novos locais de acumulação era estimulado por auxílios
concedidos pela legislação tributária dos Estados Unidos142 a produtos importados e pelas
privados para os países em desenvolvimento passaram de 26 a 1,6 bilhão de dólares. Depois, a partir de 1984, o
fluxo simplesmente passou a correr em sentido contrário, tornando-se uma transferência líquida de 25 bilhões de
dólares aos bancos credores” (CHESNAIS, 1996, p. 256). O resultado foi a elevação expressiva da dívida
externa e os ajustes que o país realizou para pagar os empréstimos desses recursos.
141
Deve-se ressaltar que os investimentos financeiros se apropriam da riqueza produzida no setor produtivo. “A
esfera financeira nutre-se da riqueza criada pelo investimento e mobilização de uma força de trabalho de
múltiplas qualificações. Uma parte, hoje elevada, dessa riqueza é captada ou canalizada em proveito da esfera
financeira, e transferida para esta” (CHESNAIS, 1996, p. 246).
142
“Em conformidade com as seções 806/807 da lei de tarifas dos Estados Unidos, estão isentas de impostos as
partes dos produtos que reingressarem nesse país, limitando-se a incidência tributária ao valor adicionado no
estrangeiro, ou seja, essencialmente aos custos salariais. Graças a essas facilidades, o valor das importações
chamadas „806/807‟ subiu entre o final dos anos 60 e o dos anos 80 de menos de 1 bilhão para 40 bilhões de
dólares” (FURTADO, 1992, p. 20).
87
143
“As chamadas zonas de processamento de exportações, instaladas na Coréia do Sul, em Taiwan, nas Filipinas
e em outros países do Sudeste asiático são um conjunto de facilidades destinadas a atrair empresas
multinacionais” (FURTADO, 1992, p. 20).
144
Nos Estados Unidos, “por essa época, o salário médio mensal do trabalhador atingia 1.220 dólares. Ora, em
Taiwan, ele se situava ao redor de 45 dólares, na Coréia do Sul, não passava de 68 dólares; em Cingapura, de 60,
e em Hong Kong, de 82 dólares. A luta para utilizar mão de obra barata do Sudeste asiático passou a ser a frente
mais dinâmica dos investimentos das multinacionais norte-americanas” (FURTADO, 1992, p. 19-20).
145
“Nos Estados Unidos, onde as grandes dimensões do mercado interno haviam permitido às empresas
industriais esgotarem as possibilidades de economias de escala, e o custo da mão de obra era muito mais alto, as
firmas saíram diretamente para a descentralização transnacional” (FURTADO, 1977, p. 79).
146
“A extrema mobilidade do capital internacional comprometeu o controle das sociedades nacionais sobre as
empresas transnacionais. Os aumentos nas escalas mínimas de produção fizeram com que os novos processos
produtivos exigissem um espaço econômico de referência mais amplo, que tendia a ultrapassar os limites das
fronteiras dos Estados nacionais. A integração do sistema financeiro internacional levou ao paroxismo a
liberdade de movimento de capitais, generalizando, para as economias centrais, um problema que até então se
restringia aos países subdesenvolvidos: a incapacidade de circunscrever o circuito de valorização do capital ao
espaço econômico nacional” (SAMPAIO JR., 1999, p. 18-19).
147
“Posto que essas empresas têm acesso ao mercado financeiro internacional e decidem da localização de seus
investimentos – decisões muitas vezes tomadas a partir de holdings localizadas em países de conveniência – a
possibilidade que tem um governo de atuar sobre elas é necessariamente limitada” (FURTADO, 1982, p. 121).
88
149
“A homogeneização dos padrões de consumo que se logra entre as minorias privilegiadas dos países
periféricos e as populações dos países de elevados níveis de renda tem como contrapartida a crescente
heterogeneidade social daqueles países” (FURTADO, 1982, p. 123).
150
“O excedente retido na periferia desempenhará papel fundamental no processo de aculturação desta, operando
como vetor dos valores culturais do núcleo industrial em expansão” (FURTADO, 1980, p. 86).
151
Ver Furtado (1974).
152
De acordo com Furtado (2000, p. 7-8, grifos do autor), “[...] existe alguma evidência de que por toda parte, no
espaço e no tempo, a invenção cultural tende a ordenar-se em torno de dois eixos: a busca da eficácia na ação e a
busca de propósito para a própria vida. É o que desde Max Weber se tem chamado de racionalidade formal ou
instrumental e racionalidade substantiva ou dos fins. A invenção diretamente ligada à ação supõe a existência de
90
os fins aos meios, ou seja, a acumulação capitalista foi totalmente usada para atender os
interesses privados dos capitalistas sem a possibilidade de se levar adiante um projeto de
nação. A construção foi interrompida153 no Brasil mais notadamente a partir dos anos 1980154.
Como o desenvolvimento nacional deveria estar relacionado com a conciliação entre
meios e fins, por meio da mediação do Estado, a fratura entre meios e fins, observada por
Furtado, mostrou que a incorporação do progresso técnico se deu de maneira descolada da
estrutura econômica e das necessidades sociais brasileiras155 e a busca por lucros passou a ser
o único objetivo. Deste modo, a sociedade como um todo se voltava ao lucro capitalista como
se este fim fosse coletivo.
Nesse sentido, por mais que pudesse haver desenvolvimento capitalista no Brasil, o
mesmo não redundava em desenvolvimento nacional. Ainda que o país avançasse, de certa
forma, no desenvolvimento dos meios (das técnicas) desde 1930 e durante o governo de JK,
com o golpe civil-militar houve uma completa subordinação dos meios ao lucro capitalista,
dadas as características das burguesias brasileiras que comandavam o Estado. O avanço da
técnica servia assim ao grande capital e não para emancipar o homem a partir do
desenvolvimento de sua criatividade156. Isso levou Furtado (1980, p. 44) a destacar que
parecia “não haver dúvida de que nos últimos dois séculos [XIX e XX] a criatividade humana
[foi] principalmente canalizada para a inovação da técnica”. E com o agravante de que o
monopólio da inventividade ocorria em benefício de apenas alguns países.
A transnacionalização do capitalismo esteve relacionada não somente ao
aparecimento das empresas transnacionais industriais como também às empresas
transnacionais bancárias, que criaram uma nova forma de articulação com a economia
brasileira que caracterizou a “nova dependência”157, tendo três desdobramentos na década de
1980: i) a armadilha da dívida externa, ou seja, a subordinação do Estado à lógica de
objetivos previamente definidos. Ela nos dá a técnica. A invenção ligada aos desígnios últimos nos dá os
valores, os quais podem ser morais, religiosos, estéticos etc.”
153
Ver Furtado (1992).
154
De acordo com Campos (2014, p. 82), “para Furtado a crise da dívida externa que acometeria a América
Latina no limiar dos anos 1980, em especial o Brasil, não se constituiu como uma simples crise do financiamento
da industrialização, mas a atrofia tanto dos meios quanto dos fins para alcançar o desenvolvimento nacional,
cujos limites do desenvolvimento capitalista brasileiro descortinavam seu contínuo caráter dependente e
subdesenvolvido. Mais do que um bloqueio passageiro, que poderia ser suplantado a qualquer momento pelo
mero crescimento econômico, instaurou-se nesse contexto uma relação inconciliável entre dependência e
desenvolvimento”.
155
“Foram as economias periféricas que se adaptaram às exigências da racionalidade econômica das
transnacionais, o que conduziu a uma marcada divergência entre os resultados da acumulação e os objetivos de
melhoria das condições de vida da massa da população, com que acenavam as políticas de desenvolvimento”
(FURTADO, 1982, p. 122).
156
Ver Furtado (1978).
157
Ver Furtado (1982).
91
pagamento da dívida que promoveu um ajuste macroeconômico; ii) o mimetismo cultural, que
foi acentuado; e iii) o neoliberalismo como política econômica hegemônica, que negou o
planejamento. Assim, “com o avanço da internacionalização dos circuitos econômicos,
financeiros e tecnológicos, debilitam-se os sistemas econômicos nacionais” (FURTADO,
1998, p. 38), como ficou evidente no Brasil a partir da década de 1980.
alternativas de energia, uma vez que “a política de energia, num País que [importava] mais de
dois terços do petróleo consumido (respondendo este por 48% da energia utilizada), [passava]
a ser peça decisiva da estratégia nacional” (II PND, 1974, p. 17). A crise do petróleo e a
evolução industrial, de acordo com o documento, exigiam mudanças no Brasil com “grande
ênfase nas Indústrias Básicas, notadamente o setor de Bens de Capitais e o de Eletrônica
Pesada, assim como o campo dos Insumos Básicos, a fim de substituir importações e, se
possível, abrir novas frentes de exportação” (II PND, 1974, p. 17).
Havia o diagnóstico de que o país era muito dependente de petróleo para transporte e
também como fonte de matéria-prima para as indústrias, sobretudo, a indústria química. “O
Brasil [importava] cerca de 40% das suas fontes de energia, sendo a quase totalidade disso
constituída pelo petróleo” (II PND, 1974, p. 81). Na tentativa de amenizar essa situação, o
plano propunha uma atuação para promover o crescimento da economia e,
concomitantemente, reduzir a dependência desse insumo por meio do aumento da oferta
interna de petróleo e investimentos na produção de outras fontes internas de energia, como o
xisto e a produção de álcool.
A crise do petróleo, ao mesmo tempo em que criava problemas para a balança
comercial brasileira e para o balanço de pagamentos, dada a grande dependência do país desse
insumo, possibilitava a obtenção dos recursos externos necessários para levar o II PND
adiante – e consequentemente diminuir a dependência em relação ao petróleo –, na visão dos
formuladores do plano. A reciclagem dos petrodólares era vista como a principal fonte de
recursos externos aos países subdesenvolvidos, que teriam garantido o seu ingresso
[...] aos centros financeiros da Europa e dos Estados Unidos, que [faziam]
boa parte da reciclagem do dinheiro árabe. E principalmente [para os países
subdesenvolvidos seriam] montados esquemas especiais de financiamento de
longo prazo junto às instituições internacionais, como o FMI, o BIRD e o
BID (II PND, 1974, p. 27).
159
“Essa orientação geral se aplica também aos esquemas de participação montados pelo BNDE, PETROQUISA
e outras entidades governamentais (mecanismos tipo IBRASA), que se destinam a criar a grande empresa
nacional, ou dar ao empresário nacional oportunidade de participar de grandes empreendimentos, ou a expandir-
se sem irracional estrutura financeira. Mas que não significam nenhum propósito de, como se tem feito em
alguns países europeus, criar um sistema de controle estatal sobre áreas industriais” (II PND, 1974, p. 38).
94
do capital internacional no país, para auxiliar nos seus IDEs. Assim, as empresas estatais
continuariam gerando economias externas para as empresas multinacionais.
Ao constatar a participação significativa das atividades governamentais na economia
brasileira, o plano enfatizava que tal presença não se devia à atuação em setores prejudiciais à
iniciativa privada e reconhecia que isso era resultado da intervenção em áreas estabelecidas
para o Estado, como “as transferências do sistema de Previdência Social, as despesas de
Infraestrutura Social (Educação e Habitação, principalmente), e os investimentos das
empresas em Infraestrutura de Energia, Transportes e Comunicações” (II PND, 1974, p. 49),
necessários para as empresas privadas. Por isso, “as empresas governamentais se elevariam a
8 entre as 25 maiores empresas pelo valor das vendas, a 7 entre as 25 maiores pelo número de
empregados, e a 17 entre as 25 maiores pelo total de ativo” (II PND, 1974, p. 49). Essa
significativa participação das empresas estatais “[funcionava] a favor do setor privado, nas
áreas que a este, no Brasil, realmente [interessavam]” (II PND, 1974, p. 50), mesmo porque a
estratégia governamental era “de apoio ao regime de mercado, com a divisão de trabalho já
definida. Nas áreas de responsabilidade da iniciativa privada, o setor público [estaria]
ativamente apoiando e estimulando a empresa [privada], para que [ocupasse] efetivamente os
campos à sua disposição” (II PND, 1974, p. 50).
O governo apostava no crescimento do comércio mundial. Era prevista uma elevação
das exportações na ordem de 20% ao ano no quinquênio, superando o crescimento projetado
para as importações. O II PND fazia uma análise bastante otimista das relações comerciais
com os Estados Unidos, o Mercado Comum Europeu, a América Latina, a África, o Japão, a
União Soviética e a China. Com esse diagnóstico, o plano estabelecia uma diversificação da
pauta de exportação brasileira por meio de incentivos fiscais e financiamento das exportações.
Havia uma preocupação com o fortalecimento da empresa privada nacional, “com
apoio governamental, por intermédio do BNDE (IBRASA, EMBRAMEC, FIBASE), da
PETROQUISA e de outros financiamentos oficiais”160 (II PND, 1974, p. 51). O II PND
também mantinha o tripé que existia desde o Plano de Metas – empresa estatal, empresa
nacional e empresa multinacional. Contudo, mesmo com a grande participação das empresas
estatais para dar suporte à acumulação do setor privado, isso não configurava uma maior
autonomia por parte do Estado.
160
“Em 1974 foram criadas as três irmãs – FIBASE, EMBRAMEC e IBRASA – como companhias de
investimento para assumirem participações acionárias minoritárias em projetos inscritos nas prioridades da
Estratégia” (LESSA, 1998, p. 224).
95
Entretanto, para Lessa (1998), a experiência não mostrava que as empresas privadas
nacionais fariam a escolha de crescer nas condições imaginadas, assim, priorizá-las, nas áreas
de insumos básicos, por mais vantagens que a elas fossem concedidas, não propiciaria sua
liderança, como advogava o plano. Com a crise que já se manifestava em 1976, houve críticas
dos empresários privados nacionais contra o II PND, com o argumento de que a participação
das empresas estatais na economia havia aumentado muito e prejudicado a iniciativa
privada161. Esses empresários não “percebiam” que a expansão das empresas estatais se dava
justamente para fortalecer o setor privado, tanto nacional como internacional, por meio
principalmente da transferência de “lucros potenciais para os capitais privados alimentando a
elevação de sua rentabilidade” (LESSA, 1998, p. 160). As empresas estatais atuavam
161
“A constatação da óbvia ponderação das empresas estatais no coração da Estratégia forneceu o principal pilar
ideológico da campanha contra o modo de manejo do Estado” (LESSA, 1988, p. 139). Tavares e Assis (1986, p.
61-62) também destacaram as críticas ideológicas das burguesias brasileiras ao processo de estatização da
economia: “A redução de ritmo dos grandes programas estatais frustrou em boa medida as expectativas de
crescimento a médio prazo dos produtores nacionais de equipamentos. Vendo minguar seu espaço de expansão e
premidos pela concorrência externa, representada pelas quotas de equipamentos importados que vieram
empurrados junto com os „pacotes‟ de financiamento, elevaram o tom de seu protesto contra o novo surto de
„estatização‟, numa crítica em que se misturavam, e ainda se misturam, vários componentes meramente
ideológicos [...]. Muitos empresários não reconheceram o óbvio: que o investimento estatal e os subsídios é que
sustentavam sua atividade e mantêm suas margens de lucro”.
96
contas externas”162 (LESSA, 1998, p. 270). Além disso, setores não prioritários, como a
indústria automobilística163, notadamente controlada pela empresa multinacional, tinham
barreiras à entrada de novos competidores, circunstância que aumentava a lucratividade
dessas empresas por dois motivos: a diminuição da concorrência, que repercutia diretamente
no aumento de seus preços; e o repasse de bens e serviços das empresas estatais ao setor
privado a preços ainda menores na tentativa de conter a inflação (LESSA, 1998).
Com a elevação da inflação e as medidas de controle sobre as estatais, houve cortes
em seus financiamentos e diminuição ainda maior de seus preços em relação à inflação. Essa
condição levou à redução de suas importações e de suas atividades produtivas, o que
repercutiu diretamente sobre o setor privado com a queda de encomendas. “O quadro geral
contracionista [ficava] visível a partir de 1976, quando caem as importações de bens de
capital e se contraem as taxas de crescimento das compras internas de bens de capitais”
(LESSA, 1998, p. 168).
Como desdobramento, “ao longo do 1º semestre de 1976 se avolumaram indícios de
sérios problemas para a continuidade dos programas do II PND” (LESSA, 1998, p. 168), visto
que a estratégia do plano era aumentar a demanda de insumos básicos, com a atuação direta
das empresas estatais164, estimulando a produção de máquinas e equipamentos do setor
privado e a expansão do mercado interno com diversificação e sofisticação da indústria
nacional de bens de capital.
A reversão do ciclo econômico em direção a uma crise e a diminuição das atividades
das empresas estatais repercutiu negativamente nas pretensões do II PND. Houve uma
diminuição e uma mudança dos investimentos do setor privado que, nesta fase, se
direcionavam a outras áreas com elevadas rentabilidades, como o setor financeiro e atividades
relacionadas aos recursos naturais e voltadas ao mercado externo. A crise do petróleo, ao
repercutir diretamente na elevação dos preços das matérias-primas, favoreceu para que novos
IDEs fossem agora reservados a esses setores. Nesse processo, o Japão165 surgiu como o
162
“Num descenso cíclico de uma economia com alto grau de monopólio surge inexoravelmente a tendência de a
acumulação financeira se deslocar da acumulação produtiva. No Brasil a sondagem cuidadosa feita por
Campos/Delfim entre os mecanismos financeiros externos e o circuito do mercado financeiro internacional
favorecia a tal tendência, reforçando suas dimensões especulativas” (LESSA, 1998, p. 166).
163
Apesar de em abril de 1974 o Banco Central ter reduzido de 48 para 24 meses o financiamento para aquisição
de automóveis novos, em abril do ano seguinte o mesma fora aumentado para 36 meses.
164
A produção de insumos básicos, em grande medida sob o controle das empresas estatais, cumpriria essa
função, com aumento da produção de aços e lingotes, alumínio, cobre, zinco, álcalis, fertilizantes, nitrogenados,
potássicos, fertilizantes fosfatados, petroquímicos, papel e celulose, entre outras. Para mais informações ver
Lessa (1998), p. 107-116.
165
“O Brasil, por possuir amplas reservas naturais e a melhor infraestrutura, além de apresentar um regime
relativamente flexível na conta capital, assim como incentivos e subsídios para atividades exportadoras, tornar-
98
terceiro maior IDE no Brasil para a exploração desses recursos, atrás apenas dos Estados
Unidos e da Alemanha. O novo IDE166 sinalizava a reestruturação produtiva das empresas
multinacionais. Diante dessa mudança, o II PND se adaptava às multinacionais, deixando de
lado suas próprias pretensões de receber um capital vinculado à produção de bens de consumo
duráveis167.
Nesta reação aos novos condicionantes externos, o II PND passou a incentivar uma
associação entre empresas estatais, empresas privadas nacionais e o capital internacional por
meio de “empreendimentos conjuntos (joint ventures)” (II PND, 1974, p. 51). Tais formas de
associação estimulavam amplamente as empresas multinacionais, uma vez que “derivavam da
necessidade de obter vantagens na compra de produtos primários em economias periféricas e
de vendê-los como produtos processados industrialmente em seu espaço econômico de origem
e em economias desenvolvidas” (CAMPOS, 2009, p. 84).
Em suma, apesar das propostas do II PND de promover o adensamento das cadeias
produtivas brasileiras tentando levar o Brasil ao patamar de um país industrializado,
depreende-se que esse projeto se deu em um momento inicial de grande liquidez no mercado
financeiro internacional e de uma conjuntura ainda de crescimento econômico. Contudo, a
mudança do contexto mundial no fim dos anos 1970, a recessão econômica interna e a
aceleração inflacionária repercutiram negativamente nas propostas do II PND, com as
se-ia o lócus preferido por esses fluxos no continente. Tais investimentos tinham um caráter complementar à
estrutura industrial japonesa, visto que o processamento de recursos naturais, sobretudo mineração, garantia o
suprimento de matérias-primas e insumos básicos indispensáveis a uma economia deficitária nesses bens, ao
mesmo tempo em que se constituía como uma ampla plataforma de compra de produtos primários e venda de
manufaturados nos principais entrepostos comerciais” (CAMPOS, 2009, p. 83). Como será mostrado no Capítulo
3, os japoneses interessaram-se por siderúrgicas como a Usiminas.
166
Nas palavras de Campos (2009, p. 84), “ao tratarmos dos requisitos exigidos pelas empresas multinacionais
para investirem no país, temos que transpor a análise a dois níveis de distinção do IDE: o antigo e o novo. O
primeiro, estabelecido na indústria de bens de capital e consumo duráveis, continuou exigindo proteção do
mercado interno, facilidades para captação de empréstimos externos e estabilidade política para manter seu
ingresso. Já o novo, que se fixou basicamente na indústria de bens intermediários – apesar de muitas de suas
exigências serem semelhantes a do antigo por ter um perfil voltado ao drive exportador –, só se instalaria se
tivesse uma ampla oferta de recursos naturais escassos em escala mundial, mão-de-obra barata, incentivos fiscais
e facilidades financeiras. A maneira como o Estado garantiu tais requisitos foi influindo em um padrão de
desenvolvimento capitalista capaz de dar sustentabilidade institucional à associação do capital internacional com
as empresas estatais e as privadas nacionais na forma de joint ventures. Certos projetos industriais se mostravam
empreendimentos de alto risco, lenta maturação e de grande soma de investimentos, que exigiam a presença do
poder estatal como forma de sustentar a lucratividade do negócio. Em contrapartida, o país contaria com certas
transferências tecnológicas e acúmulo de divisas”.
167
“O II PND, dentro dessa transição no padrão de acumulação, mostrou-se como mais um programa de
desenvolvimento que se relacionava aos novos destinos do IDE. O Governo Geisel teria o papel de proporcionar
à empresa multinacional acesso privilegiado e rentabilidade garantida por meio da intervenção estatal. Abriria
aqui um movimento distinto na internacionalização brasileira, visto que, diferentemente daquele capital
vinculado à produção de bens de consumo duráveis ao mercado doméstico, o IDE novo, voltado aos recursos
naturais, tinha sua estratégia definida pela industrialização de produtos intermediários destinados ao mercado
externo” (CAMPOS, 2009, p. 83).
99
168
Diferentes análises sobre o II PND podem ser vistas em Belluzzo (1985) e Castro; Souza (1985).
169
“Até 1964 os fundos da dívida externa brasileira provinham principalmente de fontes de financiamento
oficiais. Ainda que em 1969 seu peso já se havia reduzido relativamente pela metade dos recursos captados no
exterior. Não obstante, a partir de 1970, ano em que se deu a primeira grande expansão da dívida externa
brasileira, mais de 50% dela passou a ser financiada por fontes privadas. Em 1972, 70% da dívida de médio e
100
1986, p. 68). A partir desse momento, a dívida externa brasileira que vinha praticamente baixa
e estável ao longo do tempo teve um crescimento expressivo.
O endividamento externo acelerou, sobretudo, entre os anos de 1969 e 1973. Com a
maior parte dessa dívida direcionando-se para a elevação das reservas cambiais, a dívida
externa saltou de US$ 3,8 bilhões para US$ 12,6 bilhões entre 1969 e 1973, enquanto as
reservas cambiais aumentaram de US$ 300 milhões para US$ 6,4 bilhões. A expressiva
elevação das reservas cambiais no período, de 2.133%, deixava nítido que os empréstimos
contraídos, em grande parte, não eram voltados à expansão da capacidade produtiva industrial
do país, mas sim mantidos no circuito financeiro, como garantia para pagamento a credores
em caso de inadimplência dos tomadores desses recursos. Esses dados revelavam o caráter
eminentemente financeiro da dívida externa (CRUZ, 1984).
O comportamento da balança comercial brasileira neste período ajuda a entender a
lógica financeira da dívida externa, uma vez que a balança comercial manteve-se equilibrada,
sem grande aumento das importações de bens de capital. Estas, em teoria, seriam ampliadas
para o crescimento do parque produtivo do país, se este fosse o objetivo de fato do
endividamento externo. As importações não cresceram muito “devido principalmente ao fato
de que o período recessivo de 1964-67 havia criado uma grande capacidade ociosa, que pôde
ser aproveitada nos anos seguintes, fazendo com que as importações só se expandissem mais
rapidamente após 1970” (BAER, 1986, p. 89).
Este desempenho da balança comercial não condizia, portanto, com o argumento da
equipe econômica liderada pelo ministro Delfim Netto, que insistia na posição de que o Brasil
necessitava de poupança externa para crescer sua produção industrial, assim, endividando-se
(CRUZ, 1984).
O endividamento externo teve uma relação direta com a elevação da dívida pública
brasileira:
longo prazo havia sido contraída junto a fontes privadas de financiamento, havendo as fontes oficiais reduzido
sua participação relativa a 26,3%. Se bem que os credores privados continuaram aumentando sua participação
relativa no financiamento da dívida externa brasileira ao longo de todo o período, passando nos últimos anos a
ser responsáveis por cerca de 80% da mesma, podemos observar que a nova estrutura das fontes de recursos
externos praticamente já se havia consolidado em princípios da década de 70” (BAER, 1986, p. 73).
101
no início dos anos setenta – foi determinado pela intensa abertura financeira
para o exterior experimentada pela economia brasileira no período (CRUZ,
1984, p. 36, grifos do autor).
[...] passou a ser permitido que os recursos não utilizados nas operações
financeiras de repasse fossem aplicados na forma de depósitos em moeda
estrangeira junto ao BACEN, como alternativa à compra de LTN. Sobre tais
depósitos o BACEN assumiria os juros devidos ao credor externo e, também,
170
“Ideia de que o endividamento externo teria a função de financiar o déficit na conta de mercadorias e de
serviços produtivos que necessariamente acompanharia a trajetória de crescimento acelerado de uma economia
atrasada” (CRUZ, 1995, p. 123).
171
Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/1974/pdf/circ_0230_v10_l.pdf.
102
Entre 1974 e 1976, os gastos com juros sofreram uma elevação, chegando a US$ 4
bilhões, o que significava “em termos médios anuais um acréscimo de 300% em relação à
média do quinquênio 1969-73” (CRUZ, 1984, p. 21). Esse quadro já ressaltava o processo que
se gestava de aumento da taxa básica de juros internacionais e a elevação dos spreads
bancários. Contudo, a partir do segundo semestre de 1976 o Euromercado voltava a se
ampliar e a dívida externa brasileira iniciava um novo movimento de crescimento. A tabela 8
revela como o Brasil foi um dos maiores demandantes de recursos no Euromercado entre a
década de 1970 e o início dos anos 1980.
Tabela 8
Créditos Concedidos no Euromercado
Participação do Brasil como Tomador (em US$ milhões)
Ano Euromercado Brasil Participação do Brasil (%)
1970 4.730 87 1,8
1972 6.796 579 8,5
1974 29.263 1.672 5,7
1976 28.849 3.232 11,2
1977 41.766 2.814 6,7
1978 70.179 5.634 8
1979 82.812 6.278 7,6
1980 77.392 4.158 5,4
1981 133.379 5.751 4,3
1982 84.905 5.716 6,7
1983 73.899 4.475 6,1
Fonte: FGV. In: Lima (1991, p. 28).
de empréstimos US$ 13,5 bilhões. Os juros líquidos da dívida externa alcançaram US$ 4,8
bilhões e as reservas internacionais chegaram a US$ 5,3 bilhões, ou seja, 36% e 40%
respectivamente do total de contratação líquida de empréstimos no biênio (CRUZ, 1984).
Esses números explicitavam “que o acréscimo da dívida ocorrido no período [tinha]
pouco a ver com o financiamento do „hiato de recursos‟. Ou, em outras palavras, [revelava] o
caráter predominantemente financeiro da tomada de novos recursos externos” (CRUZ, 1984,
p. 22). O endividamento nessa época se deveu, de fato, a um “segundo movimento de
„transbordamento‟ do Euromercado de moeda e de uma política indutora de tomada de
recursos externos” (CRUZ, 1984, p. 23). Para Baer (1986, p. 95), “no período 1974-1978, o
endividamento externo passou a guardar uma relação mais estreita com o desequilíbrio do
balanço de pagamentos, tanto em sua dimensão produtiva como financeira”.
Nos anos de 1979 e 1980, a balança comercial brasileira voltou a ter déficit,
acumulando um saldo negativo de US$ 5,7 bilhões, como resultado direto do segundo choque
do petróleo. O preço do barril se elevou de US$ 13,60 em 1978 para US$ 30,03 em 1979.
Segundo Baer (1993), quando ocorreu o segundo choque do petróleo o Brasil importava 87%
do que consumia deste recurso.
Além da conjuntura mundial de recessão com inflação, no biênio 1979-1980 houve
também um aumento significativo da taxa de juros, que levou a uma situação inédita para o
Brasil: o aumento da dívida externa seria insuficiente para fazer frente aos juros líquidos
vencidos no período. “De fato, as tomadas líquidas totalizaram 9,2 bilhões de dólares,
enquanto os juros líquidos alcançaram o montante de 10,5 bilhões de dólares” 172 (CRUZ,
1984, p. 24). Para fechar o balanço de pagamentos, só restavam duas alternativas: a utilização
das reservas cambiais e/ou a contratação de mais empréstimos externos com um prazo menor
e com custos mais elevados. Esse contexto revelou que
Tabela 9
Serviços da Dívida, Empréstimos e Financiamentos (em US$ milhões)
Ano Serviços da Dívida Empréstimos e Juros Amortizações
Financiamentos
1968 628 583 144 484
1969 675 1.023 182 493
1970 906 1.433 234 672
1971 1.152 2.037 302 850
1972 1.561 4.299 359 1.202
1973 2.186 4.495 514 1.672
1974 2.572 6.891 652 1.920
1975 3.670 5.932 1.498 2.172
1976 4.796 7.772 1.809 2.987
1977 6.163 8.424 2.103 4.060
1978 8.019 13.810 2.696 5.323
1979 10.570 11.228 4.185 6.385
1980 11.321 10.596 6.311 5.010
1981 15.403 15.553 9.161 6.242
1982 18.305 12.515 11.353 6.952
1983 16.418 6.708 9.555 6.863
1984 16.671 10.401 10.203 6.468
1985 18.479 7.010 9.589 8.890
Fonte: Banco Central do Brasil. In: Lima (1991, p. 30).
173
“O governo brasileiro transformou em prioridade absoluta o objetivo de gerar superávits comerciais sem
precedentes na história econômica brasileira, acelerando o esforço iniciado em 1980-1981. Um dos resultados foi
o imediato aprofundamento dos problemas financeiros do governo. Como o setor público responde pela maior
105
parte da dívida externa e como o setor privado passou a responsabilizar-se pela produção de divisas necessárias
ao pagamento dos juros devidos pelo setor público, o aumento do superávit comercial traduzia-se em forte
pressão sobre as contas do Banco Central. A preocupação em manter algum controle sobre os agregados
monetários e a impossibilidade prática de gerar superávits orçamentários comparáveis ao montante de recursos
transferidos para o exterior levaram o governo a promover expansão acentuada do seu endividamento interno.
Em consequência, produziu-se substancial elevação das taxas de juros, o que reforçou a pressão inflacionária,
aumentou o déficit público e deprimiu o investimento privado” (BATISTA JR., 1987, p. 21).
174
A partir da Resolução 432 do Conselho Monetário Nacional, segundo Tavares e Assis (1986, p. 70-71),
“qualquer devedor ao exterior poderia, a qualquer tempo, transferir ao Banco Central, em caráter temporário ou
definitivo, o remanescente de sua dívida nas condições contratadas, desde que nele depositasse os cruzeiros
correspondentes ao principal da obrigação na data. Foi o sinal para a estatização crescente da dívida privada, a
um custo em dólares para o Banco Central equivalente ao spread arbitrado pelo credor e aceito pelo devedor
originais – não raro, matriz externa e subsidiária interna de um mesmo banco, ou vice-versa”.
106
privada. Entre os anos 1972 e 1973, quando houve o primeiro momento de crescimento
elevado do endividamento externo, o setor privado detinha quase 70% de toda a dívida. Em
1975, essa participação diminuiu para algo em torno de 50%. Nos anos 1979-1980, houve a
inversão: o setor estatal passou a responder por mais de 75% de toda a dívida externa
brasileira (CRUZ, 1984). A tabela 10 explicita esse aumento da dívida externa do setor
público e o endividamento dos setores de atividade dentro do setor público por meio da Lei
4.131.
Tabela 10
Empréstimos em moeda (Lei 4.131)
Captações brutas anuais realizadas pelo setor público, segundo principais setores de atividade
1972-1981 (em US$ milhões)
Discriminação 1972 1973 1974 1975 1976
Valor % Valor % Valor % Valor % Valor %
SETOR PÚBLICO 623,1 24,9 1.130,9 39,7 1.098,0 35,3 1.900,9 50,4 1.953,3 51,1
Energia 89,9 3,6 143,0 5,0 112,0 3,6 180,0 4,8 187,1 4,9
Siderurgia 3,9 0,2 19,1 0,7 26,4 0,9 72,0 1,9 128,5 3,4
Petroquímica 72,5 2,9 117,3 4,1 43,6 1,4 129,9 3,4 0,0 0,0
Transportes 197,7 7,9 306,0 10,8 422,7 13,6 531,0 14,1 475,7 12,4
Telecomunicações 63,5 2,5 50,5 1,8 209,1 6,7 267,7 7,1 262,2 6,8
Interm. Financeira 77,2 3,1 135,9 4,8 99,1 3,2 141,2 3,7 282,0 7,4
Adm. Pública 89,0 3,5 352,0 12,3 182,0 5,8 459,0 12,2 515,9 13,5
Outros 29,4 1,2 7,1 0,2 2,2 0,1 120,1 3,2 101,9 2,7
SETOR PRIVADO 1.874,4 75,1 1.718,3 60,3 2.011,5 64,7 1.872,1 49,6 1.872,7 48,9
Total 2.497,5 100 2.849,2 100 3.109,5 100 3.773,0 100 3.826,0 100
Como mostra a tabela 10, os setores da esfera pública que mais se destacaram na
captação de recursos externos foram o de energia e o de siderurgia. O primeiro aumentou sua
participação de 3,6% em 1972 para 25,1% em 1980. Já o segundo, representava 0,2% em
1972 e passou a 7,9% em 1980. Além desses ramos do SPE, os recursos captados pela
administração pública evoluíram de 3,5% em 1972 para 17,1% em 1980175 e o da
175
“Para os banqueiros internacionais é mais seguro emprestar ao Estado, seja à administração central ou a
grandes empresas públicas, como forma de garantir o pagamento das dívidas numa conjuntura que tendia
certamente à recessão” (BAER, 1986, p. 120).
107
intermediação financeira se elevou de 3,5% em 1972 para 17,1% em 1980, chegando a 20,2%
em 1979. O endividamento desses dois segmentos do setor público principalmente a partir de
1979 caracterizou-se pelo “„empréstimo jumbo‟ contratado diretamente pelo Tesouro junto a
um pool de bancos internacionais”176 (CRUZ, 1984, p. 97). À medida que o endividamento
externo do setor público aumentava, o endividamento privado diminuía.
O endividamento externo privado, principalmente das empresas multinacionais, teve
um comportamento próximo ao dos ciclos econômicos. Durante a fase expansiva, o
endividamento se elevava, e quando o ciclo sofria uma inflexão e a tomada de recursos no
mercado financeiro internacional passava a ser mais necessária para equilibrar o déficit do
balanço de pagamentos tais captações recuavam e os empréstimos do setor público subiam.
O setor privado nacional, que em 1972 foi responsável por 27,3% dos empréstimos
em moeda177 via Lei 4.131, apresentou uma participação de apenas 6,2% em 1975, devido
principalmente à desaceleração do crescimento e às restrições de liquidez que ocorreram em
1976. Em 1980, sua participação continuava baixa, representando somente 3,7% do total. Já
as empresas multinacionais tiveram um elevado endividamento a partir de 1972 quando este
chegou a 47,8% do total das contratações de empréstimos em moeda, caindo para 37,7% no
ano seguinte e mantendo uma média superior a 40% até 1977. Somente a partir daí
começaram a diminuir os empréstimos, chegando a 34,5% em 1978; 16,8% em 1979 e 19,7%
em 1980 (CRUZ, 1984).
O significativo endividamento do setor público na segunda metade da década de
1970 em um primeiro momento era para conseguir recursos para levar o II PND adiante e em
um segundo momento, para que o governo realizasse, com esses recursos, o pagamento de
juros e amortizações da dívida externa que cresciam aceleradamente. “A estatização da dívida
atendia ao objetivo de financiar tanto os investimentos públicos previstos no II PND, como a
necessidade de recursos do balanço de pagamentos, principalmente para a reciclagem da
dívida externa” (CAVALCANTI, 1988, p. 26, grifos do autor).
Esse processo acirrava a estatização da dívida externa, principalmente com a segunda
expansão do Euromercado em 1977 e 1978. Todavia, mesmo em uma conjuntura
176
De acordo com Cruz (1984, p. 87), “tais dados evidenciam que o processo de „estatização‟ passou, também,
pelo endividamento externo do governo federal, de quase todos os governos estaduais e, mesmo, de algumas
prefeituras, e que contou com a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE –
como importante agente tomador de recursos via Lei n. o 4.131”.
177
“Os empréstimos em moeda são recursos levantados pelo Brasil no Euromercado a taxas flutuantes, que são
ajustadas semestralmente. Por conseguinte, o processo que transformou os empréstimos em moeda na principal
fonte de financiamento da dívida externa brasileira está diretamente associado com o fácil acesso que o Brasil
teve ao Euromercado a partir do final dos anos sessenta” (BAER, 1986, p. 75).
108
178
“Em janeiro de 1975 o CDI fixou em 20% o limite superior do reajuste dos preços e tarifas de bens e serviços
públicos para todo o ano. E mesma política foi adotada nos anos imediatamente seguintes, agora no bojo das
„políticas restritivas‟ que prevalecem a partir de 1976. Essa política significava, em última instância, que as
empresas estatais estavam impossibilitadas de exercer seu „poder de monopólio‟, via preços, para assegurar um
crescimento autofinanciado” (CRUZ, 1984, p. 120).
109
Tabela 11
Empréstimos em Moeda
Estrutura dos Fluxos Brutos Anuais, segundo modalidades de captação
1972-1981 (em US$ milhões)
Discriminação 1972 1973 1974 1975 1976
Valor % Valor % Valor % Valor % Valor %
Lei no 4.131 2.497,5 63,0 2.849,2 72,7 3.109,5 65,9 3.773,0 80,3 3.826,0 70,9
Resolução 63 1.465,2 37,0 1.069,5 27,3 1.608,0 34,1 928,3 19,7 1.572,5 29,1
Total 3.962,7 100 3.918,7 100 4.717,5 100 4.701,3 100 5.398,5 100
De acordo com a tabela 11, os recursos demandados por meio das operações de
repasse diminuíram significativamente em 1975, chegando a 19,7% do total. Essa diminuição
se deveu à reversão do ciclo expansivo da economia que impactou diretamente na tomada de
empréstimos externos, além dos créditos internos subsidiados para a empresa privada nacional
via BNDE. Em 1978 houve um crescimento expressivo de captação, tanto pela Lei 4.131
quanto pela Resolução 63, beneficiado pela melhora da conjuntura internacional, fruto do
aumento da liquidez a partir da segunda expansão do Euromercado. Entre 1980 e 1981
destacava-se o crescimento das operações de repasse, que alcançavam 42,1% e 41,8% do total
de empréstimos demandados, respectivamente. Estes eram principalmente demandados pelas
empresas estatais. A conjuntura desfavorável em função da elevação das taxas de juros no
mercado internacional e a necessidade de recursos externos crescentes para pagar os juros da
110
dívida externa geravam o imperativo de entrada de recursos em moeda estrangeira para essas
empresas.
A partir de 1973 os empréstimos começaram a ser concedidos, em grande medida,
com taxas de juros flutuantes179, situação que deixava países como o Brasil vulneráveis às
variações dessas taxas no mercado internacional. Entre o final da década de 1970 e o início da
década de 1980, “em torno de três quartos da dívida externa brasileira de médio e longo
prazos estavam contratados a taxas de juros flutuantes, o que implicou um impacto forte e
imediato da política de valorização do dólar praticada pelos Estados Unidos a partir de
1978”180 (BAER, 1993, p. 75). Assim, a elevação da taxa de juros somada à deterioração dos
termos de intercâmbio levaram a “uma duplicação da dívida externa líquida num período de
quatro anos, de 1979 a 1982. Neste último ano, os encargos do passivo externo alcançaram a
cifra de US$ 18,3 bilhões” (BAER, 1993, p. 84).
Em 1980 a equipe econômica permitiu que municípios e autarquias contratassem
operações de repasse por meio da Resolução 63, bem como facilitou às empresas estatais a
captação desses empréstimos, acabando com “a divisão até então prevalecente que
contemplava a tomada direta de recursos externos por parte de empresas de capital externo e
de empresas estatais, reservando os recursos de repasse a empresas privadas de capital
nacional” (CRUZ, 1984, p. 146). As empresas estatais recorreram a muitos empréstimos e
começaram a fortalecer o processo de estatização da dívida externa brasileira. Além disso,
com a retração da atividade econômica, montantes crescentes de empréstimos sob a
Resolução 63 não conseguiam encontrar demandantes internos e os mesmos eram depositados
no BC, via Circular 230, que assumia essa dívida, o que também incidia diretamente na
estatização da dívida externa.
Com a necessidade crescente de recursos externos e diante da piora das condições
para sua contratação, as empresas estatais sofreram a pressão dos credores internacionais para
que os empréstimos concedidos estivessem vinculados com a aquisição de máquinas e
179
A quantidade de dólares que se encontrava fora dos Estados Unidos era muito grande e para fugir do controle
do sistema financeiro norte-americano foi criado o mercado de eurodólares, cuja maior liberdade nos
empréstimos resultaram em empréstimos com taxas de juros flutuantes. “Os bancos participantes desse mercado
captavam entre si recursos a curto prazo e os repassavam aos países do terceiro mundo por um prazo mais longo,
com taxas flutuantes. A cláusula fazia-se necessária na medida em que o banco repassador deveria renovar seus
empréstimos com o primeiro banco periodicamente no curto prazo e, portanto, renegociar a taxa” (LIMA, 1991,
p. 27).
180
Houve, de acordo com Baer (1993, p. 77), “um acréscimo de US$ 10 a US$ 16 bilhões na dívida externa
brasileira, no período 1979-1982, somente por conta do impacto de elevação das taxas de juros internacionais”.
111
181
Lênin (1985) já chamava a atenção para o fato de que a exportação de capitais trazia consigo a exigência de
compra de mercadorias por parte dos países demandantes desses capitais. Nessa situação, o país prestamista se
beneficiava duplamente, com os ganhos financeiros e com os da produção.
182
“A necessidade de levantar créditos em moeda para assegurar a cobertura do serviço da dívida externa tem-
nos levado a negociar „pacotes‟ comerciais e financeiros, nos quais a obtenção de empréstimos livres se encontra
explicitamente vinculada à aceitação pelo Brasil de suppliers credits em proporção variável (geralmente 1 ou 1,5
de empréstimos livres para 1 de financiamento de importação). Como agravante, deve-se ter presente que o
financiamento de importações passou a receber significativo aporte de recursos por parte de instituições
financeiras privadas que operam a escala internacional. Como consequência, vários dos financiamentos
contratados pelo setor público brasileiro têm como credores agências financeiras privadas. Resulta daí que o
setor púbico foi-se tornando duplamente dependente do sistema financeiro privado internacional: além de tornar-
se o principal tomador de recursos em moeda nos moldes da Lei n. o 4.131, passou a ter parcela crescente de suas
importações financiada por bancos privados internacionais. Sob tais condições, é evidente a crescente
vulnerabilidade das empresas estatais brasileiras face às exigências quanto à compra de bens de capital junto aos
países de origem das instituições financeiras” (CRUZ, 1984, p. 165).
112
privados do setor exportador (CAVALCANTI, 1988; CRUZ, 1995). Essa dívida passou a ter
um acentuado crescimento em relação ao PIB, como mostra a tabela 12.
Tabela 12
Dívida Mobiliária Interna Federal1 – 1980 – 1985 (em Cr$ bilhões de 1985)
Ano ORTN LTN Dívida Total Dívida Taxa de
(A) (B) (C= A+B) Total/PIB Financiamento do
(%) (E) Overnight2 (F)
1980 589,0 259,0 848,0 6,4 85,4
1981 1.986,0 1.102,0 3.088,0 12,0 120,5
1982 6.399,0 1.463,0 7.862,0 15,5 172,4
1983 20.723,0 4.712,0 25.435,0 21,0 197,1
1984 84.775,0 5.501,0 90.276,0 23,3 266,9
1985 341.131,0 61.602,0 402.733,0 29,5 385,3
Fonte: Banco Central do Brasil. In: Cavalcanti (1988, p. 39).
1
Inclui títulos públicos em poder do público e na carteira das autoridades monetárias. Saldo no final
do período.
2
Taxas nominais.
Quem tirava proveito dos investimentos em títulos da dívida pública era o setor
privado, principalmente as empresas multinacionais exportadoras de manufaturas que tinham
saído da crise favorecidas pela política adotada pela equipe econômica, que estimulava as
exportações de suas mercadorias, seu desendividamento e a constituição de altas taxa de
lucros. Essas empresas, “ao invés de destinar seus ganhos para a ampliação substantiva da
113
capacidade produtiva [...], passaram a valorizar seus recursos mediante aplicações altamente
lucrativas, tornando-se credores de um setor público cada vez mais endividado”183 (CRUZ,
1995, p. 141).
Apesar de parte da dívida externa se transformar em dívida interna, isso não resultou
em diminuição daquela, pelo contrário, significou que a necessidade crescente de dólares para
honrar os juros e as amortizações da dívida externa tinha como corolário o aumento da dívida
interna. Esta possuía a função de esterilizar os recursos que entravam no país para diminuir a
demanda agregada e favorecer os saldos positivos da balança comercial.
Em síntese, no processo de estatização da dívida externa184 foi possível identificar
dois momentos: o primeiro relacionado ao período do II PND, entre os choques do petróleo, e
o posterior, após o segundo choque do petróleo. A primeira etapa dizia respeito às captações
de recursos externos no Euromercado pelas empresas estatais por meio da Lei 4.131 e da
Resolução 63. O segundo movimento se iniciou no fim da década de 1970 e se estendeu até
meados da década de 1980. Neste período, além do endividamento por meio da Lei 4.131 e da
Resolução 63, a socialização da dívida ocorreu em função de mecanismos destinados a
proteger o setor privado das altas das taxas de juros internacionais e das desvalorizações
cambiais185 promovidas pela equipe econômica para ajudar o setor exportador, como os
estabelecidos pela Circular no 230 e pela Instrução 432. Deve-se também destacar a
renegociação da dívida externa no final de 1982 em que o BC muitas vezes se transformou no
tomador final dos empréstimos denominados “depósitos de projetos” (CRUZ, 1995).
183
Para mais informações ver Belluzzo e Almeida (2002), p. 201-237.
184
De acordo com Prado (1994, p. 99), “ao explicitar-se a crise fiscal e financeira do Estado e das estatais, no
final dos setenta, a política econômica evitou com sucesso a transferência do ônus do ajustamento para o setor
privado. O Estado assumiu o ônus, avançando na estatização da dívida externa pelas estatais e pelo Banco
Central. Foi evitado qualquer tipo de ajustamento patrimonial, e preservada a política de compressão tarifária.
Não havia, portanto, razão para o acirramento da resistência privada nos moldes da campanha antiestatização dos
setenta. O SPE estava encolhido e limitado às suas fronteiras básicas, e preservando sua funcionalidade
instrumental para a acumulação privada”.
185
As desvalorizações cambiais prejudicavam ainda mais o setor público. Nas palavras de Baer (1993, p. 101),
“a perversidade do efeito da aplicação de uma política de ajuste externo baseada essencialmente na
desvalorização cambial se gera pelo seu impacto sobre um estoque de passivo dolarizado, quando este é
significativo. No caso do Brasil, essa perversidade desembocou no setor público, onde se concentrou o processo
de endividamento externo ao longo dos anos 70 e que, consequentemente, foi atingido mais intensamente pela
elevação dos juros internacionais. O setor privado, além de concentrar as exportações em suas mãos e deter uma
parcela menor da dívida externa, também foi em parte poupado dos impactos negativos da política da
desvalorização cambial através de várias medidas de política econômica. Assim, o Estado, além de arcar com a
maior parte do impacto direto da elevação dos juros internacionais, viu sua situação fiscal e financeira agravada
pela política de desvalorização cambial priorizada pelo ajuste externo, diretamente pela valorização de seu
passivo externo e, indiretamente, pelos mecanismos que se criaram para desonerar agentes privados das
consequências desta estratégia de ajuste”.
114
186
Esse processo foi estimulado pelas reformas ocorridas principalmente no primeiro governo militar do general
Castelo Branco, no âmbito do PAEG (1964-1967), que permitiram as remunerações dos investimentos
financeiros no Brasil. Além disso, facilitou-se o ingresso de capitais externos de empréstimos e “se constituiu no
País uma estrutura bancária atrelada ao sistema financeiro internacional” (FURTADO, 1982, p. 27). A grande
empresa passa a operar no mercado financeiro, como “aplicadora privilegiada de recursos [...]. Já que o sistema
financeiro foi progressivamente aperfeiçoando instrumentos para a aplicação a juros de todo tipo de saldos
monetários” (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 224). Ainda, durante a década de 1980 as empresas
115
multinacionais diminuíram o IDE no Brasil e aumentaram, significativamente, as remessas de lucro para suas
matrizes
187
A SEST foi utilizada como um dos principais mecanismos de política macroeconômica. “É interessante notar
que, pela primeira vez, o investimento das empresas públicas, sob comando da SEST-SEPLAN, passa a ser
utilizado como instrumento de política macroeconômica, muito embora vise apenas objetivos conjunturais:
desaquecer a economia e controlar o fluxo de caixa governamental dentro das estreitas metas de expansão da
base monetária” (REICHSTUL; COUTINHO, 1998, p. 54, grifos dos autores).
188
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-84128-29-outubro-1979-
433673-publicacaooriginal-1-pe.html.
189
Havia um discurso privatizante e a acusação de que as empresas estatais precisavam ter maior controle. Por
conta disso, a criação da SEST foi comemorada. Kliass (1989, p. 112) ressaltou esse otimismo com as manchetes
dos jornais da época: “„Delfim passa a controlar também empresas estatais‟ (FSP – 30.10.79). „Decreto dá a
Delfim controle total da economia‟ (JT – 30.10.79). „Um verdadeiro Ministério da Economia‟ (OESP –
31.10.79). „Apoio ao controle das estatais‟”.
190
BRASIL. Secretaria de Planejamento. Secretaria de Controle de Empresas Estatais. Empresas Estatais no
Brasil e o controle da SEST; antecedentes e experiência de 1980. Brasília, 1981. 113p.
191
Em entrevista à revista Exame, em 21/11/79, Mortada expôs que “a principal razão para o governo criar esses
controles foi o fato de termos concluído que a pretensão de gastos acima de suas possibilidades colocou as
empresas estatais entre as principais causas da inflação no país, seja pelo seu déficit, seja por atacarem projetos
de maturação longa, que começam a gerar renda muitos anos antes de criar produtos ou serviços” (KLIASS,
1989, p. 126-127).
192
Apesar de ter criado durante o período do “milagre econômico” mais de uma centena de empresas estatais,
“„Delfim acusou as estatais de pretenderem realizar, a um só tempo, 50 grandes projetos, quando o normal seria
tocar 5 e levá-los até o fim, e não iniciar todos e não concluir nenhum‟. Em reunião com os Secretários de
Planejamento dos Estados e Territórios, Delfim procura deixar clara a política do governo federal com relação às
estatais. E suas declarações são, explicitamente, um novo golpe na autonomia que se procurava manter
aparentemente intocável, ao menos no nível do discurso. Ele afirma, então, que „se deixarmos as estatais
sozinhas, logo logo elas estarão planejando o Brasil‟” (KLIASS, 1989, p. 127-128).
116
A SEST surgiu como uma secretaria com grandes poderes. Ela tornou-se responsável
pela elaboração do orçamento das empresas estatais; financiamentos internos e externos;
cortes; quadro de trabalhadores das empresas; salários193; investimentos194; e política de
preços do setor. A SEST também ficou incumbida das alterações institucionais e patrimoniais
das empresas estatais195, com a meta de “evitar o excessivo crescimento do setor público na
economia e, se possível, reduzir a sua participação aos setores monopolísticos e de
infraestrutura” (BRASIL, 1981, p. 28). Cabia a SEST, ainda, impor tetos de importações com
o objetivo de diminuí-las para ajudar a elevar o saldo da balança comercial; controlar a
aquisição de combustíveis “destinados a veículos automotores, por parte das empresas estatais
e dos órgãos da Administração Direta Federal” (BRASIL, 1981, p. 29); principalmente após o
segundo choque do petróleo, em 1979. Além disso, a secretaria responsabilizava-se pelo
recolhimento de dividendos da União196; a remuneração dos dirigentes das empresas
estatais197 e; por fim, pelo controle dos planos assistenciais e benefícios indiretos.
Com todas essas atribuições, as empresas estatais passavam ao controle quase
irrestrito da SEST. A secretaria ganhava mais poder do que o de vários ministérios198,
utilizando as empresas estatais como um instrumento macroeconômico de curto prazo para a
promoção do ajuste estabelecido pela equipe econômica do governo.
Em relação aos orçamentos das empresas estatais199, a SEST os elaborava a partir das
informações obtidas das próprias empresas, fixava os limites máximos de “dispêndios
193
“Particularmente no que se refere aos gastos de modificação do quadro de pessoal, aumentos salariais e
assuntos correlatos, cabe também ter presente que é expressamente do titular do SEST a responsabilidade de
representação da SEPLAN no Conselho Nacional de Política Salarial – CPS, fato que concorre para o melhor
acompanhamento e definições mais precisas no tocante aos gastos associados a esse tópico” (BRASIL, 1981, p.
21).
194
“Todo este enfoque de controle de investimentos está eminentemente marcado pela preocupação financeira
dos gastos, em consequência das características conjunturais observadas no País. Mas é evidente que o
instrumento de controle do investimento só será eficaz à medida que se avançar mais na definição de prioridades,
a partir de estudos em níveis setoriais, com o que se verificará a razão de ser dos correspondentes programas e
projetos de investimento e a adequação dos seus custos aos recursos disponíveis” (BRASIL, 1981, p. 22).
195
“A criação e assunção do controle de empresas estatais, bem como a liquidação ou incorporação de entidades
descentralizadas em crítica situação econômico-financeira, somente podem ser realizadas após parecer emitido
pela SEST e apreciação final do Presidente da República” (BRASIL, 1981, p. 27).
196
“De um lado, isto permite aumentar os recursos do Tesouro e evitar a sua automática utilização pela empresa,
fora dos limites de dispêndios aprovados e, por outro, permite um acompanhamento da política de distribuição
de lucros e dividendos dessas entidades” (BRASIL, 1981, p. 30).
197
“O objetivo aqui perseguido é o de estabelecer padrões de remuneração a partir da hierarquização dessas
empresas, evitando iniciativas casuísticas e gastos excessivos nessa área” (BRASIL, 1981, p. 30).
198
“Mortada é bastante claro ao abordar esse tema. „Podem chiar, afirmou, mas nós temos todas as armas nas
mãos. É aqui na SEPLAN que se decidem os preços praticados por essas empresas e o seu montante de recursos
próprios. É aqui que se decidem os seus níveis de endividamento externo. Podemos também segurar as suas
fontes de crédito” (KLIASS, 1989, p. 131).
199
“Este orçamento, que sintetiza toda a programação financeira anual das empresas, se constitui na peça chave
de controle da ação das empresas” (BRASIL, 1981, p. 19).
117
200
A fixação de limites de gastos se dava “por rubricas básicas, a partir de alguns parâmetros globais, como
taxas desejáveis de crescimento do PIB e participação do setor público na economia” (BRASIL, 1981, p. 20).
201
“Os recursos próprios decorrem essencialmente das vendas dos bens e serviços das empresas, e, portanto, o
instrumento fundamental sobre esta parte é a política de fixação de preços e tarifas, que atualmente é definida
pela própria SEPLAN, mediante proposta da Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (SEAP), em
articulação com a SEST” (BRASIL, 1981, p. 23).
202
“Os recursos fiscais são considerados no Orçamento SEST, segundo os valores constantes da Lei
Orçamentária, fato que impõe à SEST, durante a fase de elaboração da proposta do orçamento da União, uma
atuação coordenada com a Secretaria de Orçamento e Finanças – SOF, órgão da SEPLAN, no tocante à definição
dos montantes que se destinarão às estatais. Esta articulação será ainda mais importante a partir de 1982, quando
não mais existirão os fundos vinculados e será possível maior flexibilidade na distribuição dos recursos fiscais”
(BRASIL, 1981, p. 24).
203
“As operações de crédito externo, como forma de antecipação de recursos futuros, se constituem, até então,
em uma das formas mais significativas de viabilização do programa de investimento de algumas empresas,
notadamente quanto aos recursos de origem externa. Destarte, o controle dessas operações torna-se um dos
instrumentos de vital importância do sistema SEST. [...] Isso implica, portanto, um controle total dessa fonte de
recursos, vez que nenhuma operação de crédito externo poderá ser feita sem prévia e expressa concordância da
SEST. Nesse processo, a SEST realiza seu trabalho articulada com o Banco Central, a quem cabe definir o
momento de entrada no mercado externo, após a mencionada autorização da SEPLAN” (BRASIL, 1981, p. 25).
204
“As empresas estatais [...] somente poderão contratar ou renovar operações de crédito interno com instituições
financeiras, públicas ou privadas, e obter concessão de garantia em nome da União ou de entidade da
Administração Indireta Federal a essas operações após expressa autorização da SEPLAN” (BRASIL, 1981, p.
26).
205
Esses orçamentos eram definidos de diferentes formas: a) Orçamento de Recursos e Dispêndios Globais –
Orçamento SEST/Dispêndios Globais; b) Orçamento de Captação de Recursos Externos – Orçamento
SEST/Recursos Externos; c) Fixação de Teto de Importação do Setor Público – Orçamento SEST/Importações e;
d) Fixação de Limites de Aquisição de Combustíveis Derivados de Petróleo para Autoveículos – Orçamento
SEST/Combustível.
118
utilizado inclusive posteriormente nos acordos com o FMI206; e também trará uma análise a
fim de apreender os objetivos da SEST sobre o SPE ao promover o ajuste das empresas
estatais. Por fim, será feita uma incursão nos Orçamentos e Relatórios SEST (1981-1986) para
explicar como nas EMs e na análise dos resultados da atuação da SEST na economia
patenteou-se o desmonte das empresas estatais no país e o fim do período desenvolvimentista,
que tinha como meta a industrialização, mesmo que dependente.
206
Os técnicos do FMI identificaram seis problemas na economia brasileira que causavam distorções na estrutura
produtiva, sendo o segundo problema listado a “excessiva presença das empresas estatais na economia, assim
como a inadequação na escala de seus investimentos” (SAMPAIO JR., 1988, p. 125)
119
ano e isso não poderia ocorrer em uma situação de ajuste econômico, como o adotado pela
equipe econômica na década de 1980. Muito pelo contrário, a regra do ajuste pregava a
necessidade de não só as inversões nas estatais serem contidas como também a empresa ser
privatizada. A lógica era que isso serviria para aumentar as receitas e minorar o déficit
público207, ignorando que esse investimento poderia resultar em retornos reais muito maiores
do que o dispêndio em períodos posteriores.
Como também não havia no conceito de NFSP a discriminação dos gastos, então
todo o aumento de receita naquele período, independentemente de sua origem, significava que
se estava promovendo um ajuste fiscal supostamente bom para o país retomar o crescimento.
“A dificuldade advém do fato de que o conceito de NFSP é obtido a partir de um sistema
contábil que não discrimina as contas correntes e de capital, como na prática usual da
contabilidade das empresas”208 (WERNECK, 1989, p.288).
O fato é que as análises sobre os investimentos não poderiam se dar simplesmente
em cálculos de retorno sobre o capital e nem tampouco em estudos de períodos tão curtos
quanto o de um ano, mas sim em períodos muito maiores, uma vez que os retornos sobre os
investimentos de uma estatal geralmente não ocorrem em um espaço de tempo pequeno.
Estrategicamente, entretanto, foi utilizado o conceito de NFSP para justificar a política
econômica adotada e convencer a opinião pública de que essas medidas seriam necessárias,
principalmente sobre o SPE, para resolver os problemas do país. Na verdade, esse ajuste sobre
as empresas estatais significava uma adequação do país enquanto uma economia satélite às
novas demandas do imperialismo na transição para a internacionalização financeira.
207
“Se, por exemplo, as receitas do programa [de privatização] forem utilizadas para o financiamento de gastos
correntes, a capacidade de poupança futura do governo será deprimida, já que ficarão sem cobertura aquelas
despesas que o governo costumava financiar, implícita ou explicitamente, com as receitas e dividendos da
empresa que foi privatizada” (MELLO, 1994, p. 6).
208
O equívoco deste argumento foi sintetizado por Mello (1994, p. 5): “quando os gastos de custeio do governo
excedem sua renda corrente, a eliminação do déficit passa necessariamente, ou pela redução dos gastos
correntes, ou pelo aumento da receita corrente, ou ambos. Portanto, uma medida mais adequada do déficit do que
as NFSP poderia ser obtida, por exemplo, através da DCG – Déficit Corrente do Governo, que não é afetado por
variações das contas de capital [...]. Se não juntarmos num mesmo agregado as contas de custeio e de capital fica
muito mais fácil compreender que a contribuição que a privatização pode dar à eliminação do déficit público é
marginal”.
120
209
Assinavam o Relatório o Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República Antonio
Delfim Netto, o Ministro da Fazenda Ernane Galvêas, os Ministros do Interior, da Indústria e Comércio, da
Agricultura e do Trabalho.
210
“No Brasil, principalmente no século XX, o Governo foi forçado a assumir crescentes responsabilidades na
economia, não em função de qualquer opção no sentido do dirigismo social, mas de circunstâncias diversas
relacionadas com as flutuações do comércio internacional e com as ambições de rápida industrialização do país”
(BRASIL, 1981, p. 11).
211
“As razões que levaram à criação da SEST decorreram da necessidade de ajustar a atuação das estatais aos
interesses da política econômica global, dentro de um marco referencial completo, que, entre outros, se
traduzisse em: a) explicitação dos gastos totais e não apenas dos investimentos; b) conciliação do total de usos e
fontes e consequente eliminação do conceito de „recursos a definir‟; c) abrangência de todo o universo de
estatais, incluindo as subsidiárias e coligadas, em lugar de restringir-se apenas às empresas líderes ou empresas-
mãe; e, também; d) completo conhecimento dos estágios e efeitos dos empreendimentos em execução e das suas
exigências e viabilidade de recursos” (BRASIL, 1981, p. 17).
121
212
As cartas de intenções do FMI propunham, de um lado, aumentar a liberalização da economia, diminuir o
protecionismo e subsídios, reduzir a presença do setor público, promover privatizações e eliminar distorções no
câmbio; de outro lado, para conter a inflação, o aumento do salário dos trabalhadores deveria ocorrer abaixo da
inflação, para eliminar o excesso de demanda, além de medidas econômicas recessivas para conter a expansão do
mercado interno (SAMPAIO JR., 1988).
213
“Tratando de uma maneira homogênea entidades tão heterogêneas, e rotulando-as todas como empresas
estatais, o orçamento Sest levou também a visões distorcidas sobre o significado da absorção de recursos do
Tesouro por estas entidades. Há centenas de entidades incluídas neste orçamento que, sendo simplesmente
agências governamentais que operam com relativa autonomia, têm nos recursos do Tesouro a fonte básica do
financiamento de seus dispêndios. São hospitais, universidades, escolas técnicas, fundações de pesquisa,
agências executoras de política regional ou setorial. Sendo basicamente unidades de dispêndio, não há por que
classificá-las como empresas. Mas tendo sido assim classificadas, passou a ser mal compreendido o caráter
natural das transferências de recursos do Tesouro a estas entidades” (WERNECK, 1987, p. 22).
122
214
“É preciso colocar em seu devido lugar o problema do desequilíbrio financeiro das estatais. Aqui a confusão,
frequentemente deliberada e de má fé, começa pela classificação equivocada. Estão qualificadas como empresas
tanto as entidades prestadoras de serviços públicos quanto o setor produtivo estatal” (MELLO; BELLUZZO,
1983, p. 19, grifos dos autores).
215
“Na tentativa de se consolidar as contas do setor público federal, tratou-se indiscriminadamente as receitas e
as despesas, não importando a natureza da rubrica. Assim, a título de exemplo, um dispêndio no valor de x
cruzeiros na folha de pessoal do Ministério da Justiça passou a ser tratado de forma idêntica a um dispêndio de
igual montante na compra de carvão pela Companhia Siderúrgica Nacional. Implicando ambos, supostamente,
no mesmo impacto sobre o orçamento consolidado do setor público” (WERNECK, 1987, p. 18-19).
123
216
“O dispêndio global de uma agência governamental descentralizada, que geralmente tem uma receita própria
desprezível, representa apenas um gasto indireto de recursos advindos do Tesouro e tem um impacto fiscal
semelhante a qualquer outra forma de dispêndio público realizado pela União. E como tal é natural que seja
objeto de controle. Já o dispêndio global de uma empresa estatal, capaz de financiar o seu próprio custeio com
receita própria, frequentemente não tem qualquer impacto fiscal. Quando o tem, ele se mede pelo montante de
recursos do Tesouro transferido a esta empresa. Do ponto de vista exclusivamente fiscal, o que importa, no que
tange às empresas estatais, é o volume de recursos do Tesouro que direta e indiretamente a elas se transfere e não
os seus gastos globais” (WERNECK, 1986a, p. 387). Prado (1985), analisando a partir de sua metodologia os
dispêndios globais e a transferência de recursos por parte da União, dos grupos de empresas que compõem as
estatais, chamou a atenção para as distorções, em função da metodologia utilizada pela SEST, ao asseverar:
“constatamos que 149 empresas, respondendo por uma despesa global de Cr$ 1.866 bilhões (portanto, 50% da
despesa total do orçamento SEST) envolvem apenas 10% dos recursos do Tesouro destinados àquele orçamento,
e constituem apenas 2% dos recursos totais envolvidos com seu financiamento” (PRADO, 1985, p. 231).
124
Parece claro, então, que o problema central com a crítica ortodoxa, portanto,
foi comprar precipitadamente a mercadoria posta no mercado pela SEPLAN
de Delfim Netto, sem verificar adequadamente sua qualidade. É essencial
notar que a agregação de orçamentos tão heterogêneos como os da SEST cai
na velhíssima armadilha da média: pés na geladeira e cabeça no forno,
barriga em temperatura ambiente (PRADO, 1985, p. 232, grifos do autor).
As restrições impostas às empresas estatais foram tão grandes que elas não podiam
aumentar de maneira autônoma seus investimentos mesmo que suas receitas com recursos
próprios se elevassem. Isso porque os dispêndios estabelecidos pela secretaria eram
considerados valores máximos de gastos e deveriam ser cumpridos. Caso houvesse
necessidade de extrapolar esses valores seria preciso uma autorização do presidente da
República após a proposta ter o aval da SEPLAN.
Mesmo com a posterior divisão das empresas estatais em cinco grupos, a partir de
1983, o problema da agregação não foi resolvido. Werneck (1986a, p. 389) chegou a destacar
que “apesar da separação, todas estas entidades [continuaram] sendo inapropriadamente
125
217
“Dois fatos mudariam radicalmente o comportamento do mercado financeiro internacional. No final de
agosto, após intensas negociações com o governo norte-americano e com os credores externos, o México
suspendeu o pagamento da dívida externa, abalando seriamente a confiança dos bancos internacionais na
capacidade de pagamento dos devedores. Nas primeiras semanas de setembro, os bancos sofreram um novo
revés, ao verem frustradas, na reunião anual do FMI (em Toronto), suas expectativas de que as organizações
126
nacional, o ministro Delfim Netto capitulou junto ao FMI e aceitou seus condicionantes para o
pagamento dos juros da dívida externa218, assinou 6 cartas-compromisso com o Fundo de
forma a realizar o ajuste da economia na tentativa de gerar os saldos para o pagamento dos
juros219. Além disso, “os bancos privados vincularam os acordos de renegociação da dívida
externa à adoção de programas de ajustamento supervisionados pelo Fundo, o qual passou a
ter um papel estratégico na reciclagem da dívida externa” (SAMPAIO JR., 1988, p. 1).
Nesse processo houve uma política explicitamente recessiva220, uma diminuição real
do poder de compra do salário221, maior perda de autonomia para realizar a política
econômica, visto que o FMI auditava as contas brasileiras para assegurar que o Brasil fizesse
o “dever de casa”. As estatais foram instrumentalizadas para assumir boa parte da dívida
externa no chamado processo de estatização da dívida, além de repassar bens e serviços para
as empresas privadas com preços ainda mais subfaturados222. Apesar da retórica de aumento
de suas tarifas, presente no discurso do governo, que exaltava a “realidade tarifária” ou a
era necessário impedir reajustes salariais equivalentes à inflação para que a nova política cambial de fato
produzisse desvalorizações reais do cruzeiro e para facilitar a redução do déficit público. Além disso,
considerava-se que a mudança na lei salarial contribuiria para o ajuste estrutural aumentando a eficiência como
um todo” (SAMPAIO JR., 1988, p. 127-128).
222
Nas palavras de Belluzzo e Almeida (2002, p. 235-237), “a observação relevante no caso das empresas
estatais é que seu desempenho, no período de crise, foi assimétrico ao das empresas líderes do setor privado [...]
a inflação alta que facilitara a ampliação das margens brutas de lucro das grandes empresas não operava da
mesma maneira no caso das estatais devido aos controles tarifários [...]. As tarifas e os preços públicos sofreram
intensamente os efeitos dos „choques‟ e dos atrasos de reajustes em face da aceleração inflacionária. Enquanto
isso, os preços privados lograram aprimorar seu grau de proteção, através de antecipações de reajustes e da
crescente flexibilização de margens brutas de lucro [...]. As empresas estatais, que antes do período de crise
apresentavam padrões de desempenho financeiro (grau de endividamento, margens e taxa de lucro) próximos aos
padrões das empresas privadas, terminam por se distanciar enormemente”.
127
“inflação corretiva”223, as estatais ficaram com seus preços ainda mais defasados e suas
capacidades de autofinanciamento comprometidas224. Werneck (1986b) mostrou que, no
período compreendido entre 1979 e 1984, houve redução real no preço dos produtos
siderúrgicos de 50%, na energia elétrica de 40% e nos serviços telefônicos, 60%.
Nas cartas-compromisso com o Fundo225, explicitava-se a orientação para uma maior
liberalização da economia, uma especialização na produção de commodities e a diminuição da
participação do Estado, uma vez que apesar de a crise ser mundial e de ter ocorrido um
aumento abusivo da taxa de juros dos Estados Unidos, a crise era tida pelos técnicos do FMI
como decorrente de decisões internas equivocadas na direção do protecionismo econômico,
da criação de indústrias artificiais no país e da excessiva participação do Estado na economia,
principalmente por meio das empresas estatais.
O contexto econômico é imprescindível para se entender as transformações que se
realizaram sobre as empresas estatais. Trata-se de um período de aumento expressivo dos
encargos financeiros, oriundo da elevação da taxa de juros internacional e de crescimento da
dívida externa brasileira, com efeitos negativos sobre as contas nacionais.
A tabela 13 explicita o grande aumento dos gastos com pagamento de juros da dívida
externa brasileira, dispêndios estes que se elevaram ao longo dos anos, principalmente a partir
de 1979.
223
Este era o discurso da dupla Bulhões e Campos no início do governo militar, os responsáveis pela
implementação do PAEG, após o golpe civil-militar de 1964.
224
“Preços relativos mantidos artificialmente baixos podem inviabilizar financeiramente as empresas estatais,
aumentar suas necessidades de financiamento e torná-las crescentemente dependentes do Tesouro, até mesmo
para cobrir os seus gastos correntes. Por outro lado, podem também estimular indevidamente a demanda de bens
e serviços produzidos por estas empresas. Em consequência, as necessidades de expansão de capacidade e os
requisitos de investimento das empresas tornam-se maiores [...]. Ironicamente, os desequilíbrios financeiros que
as empresas estatais passam a ter que enfrentar abrem espaço para que se atribua à ineficiência destas empresas
as razões da recalcitrância do processo inflacionário” (WERNECK, 1986b, p. 43).
225
“Em linhas gerais, os programas de ajuste supervisionados pelo Fundo orientam-se no sentido de promover o
livre funcionamento do mercado em seus dois principais corolários: o desenvolvimento dos setores em que o
país possui vantagens comparativas; e estímulo à expansão da iniciativa privada vis-à-vis a participação do setor
público na economia. As recomendações do FMI partem dos princípios básicos do liberalismo, segundo o qual o
livre jogo das forças de mercado leva o sistema econômico a uma posição de ótima alocação de recursos, tanto
em nível nacional como internacional, consubstanciando-se, portanto, no mecanismo mais eficaz para maximizar
o bem-estar econômico, não apenas do país que o adota como também das demais economias” (SAMPAIO JR.,
1988, p. 64-65).
128
Tabela 13
Juros Líquidos Pagos
Brasil: 1975 – 1985 (US$ bilhões)
Ano Valor Índice (1979 = 100)
1975 1,50 36
1976 1,81 43
1977 2,10 50
1978 2,69 64
1979 4,19 100
1980 6,31 150
1981 9,16 219
1982 11,35 271
1983 9,56 228
1984 10,20 243
1985 9,66 230
Fonte: Conjuntura Econômica, vários números. In: KLIASS (1989, p. 188).
Em 1985, o gasto com juros para pagar os credores da dívida externa era 130% maior
do que os juros pagos em 1979, após a implementação do ajuste e dos acordos com o FMI, e
era 6,44 vezes maior que os juros pagos em 1970. Antes desse período, como havia grande
liquidez no mercado mundial (Euromercado) e as taxas de juros eram baixas, em razão da
crise e da reciclagem dos petrodólares226, o Brasil aumentou muito sua dívida externa
principalmente durante o II PND. Quando os Estados Unidos elevaram as taxas de juros em
dólar, a partir de 1979, estourou a crise da dívida externa nos países da América Latina e estes
deixaram de ser receptores e destinaram grandes recursos para fora na forma de pagamento de
juros.
Mesmo elevando esses dispêndios, a dívida externa não era amortizada e o principal
aumentava significativamente no período devido às altas taxas de juros e às condições cada
vez mais restritivas no mercado financeiro internacional, principalmente a partir de 1982,
conforme mostra a tabela 14.
226
“O enorme aumento de liquidez internacional, provocado, a partir de 1974, pelos excedentes dos países
exportadores de petróleo, não encontrou aplicação fácil nos países industrializados, que se empenharam em
recuperar o equilíbrio externo abalado pelo aumento dos preços do petróleo ainda que apelando para a recessão
[...]. Foram estes últimos países [do Terceiro Mundo] (e os socialistas) que absorveram os excedentes da OPEP,
o que foi feito com a cooperação entusiasta dos bancos privados internacionais, que transformaram a
aparentemente difícil tarefa de „reciclagem‟ dos petrodólares em um grande negócio financeiro” (FURTADO,
1982, p. 18).
129
Tabela 14
Evolução da Dívida Externa Bruta
Brasil: 1975 – 1985 (em US$ milhões)
Ano Valor
1975 25.115
1976 32.145
1977 37.951
1978 52.187
1979 55.803
1980 64.259
1981 73.963
1982 85.487
1983 93.745
1984 102.127
1985 105.171
Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)
Gráfico 1
Serviços e Rendas - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
0
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
-2.000
-4.000
-6.000
US$ milhões
-8.000
-10.000
-12.000
-14.000
-16.000
-18.000
O pagamento com serviços e rendas cresceu 63,4% entre 1979 e 1985, passando de
US$ 7,880 bilhões para US$ 12,877 bilhões e aumentou em 1985 cerca de 3,72 vezes em
130
relação a 1975, quando somava US$ 3,461 bilhões. Esses números confirmavam o elevado
envio de recursos ao exterior.
Para tentar minimizar o déficit em transações correntes, a política econômica
promoveu medidas para gerar saldos na balança comercial. Foram incentivadas as
exportações em detrimento das importações, com uma política interna recessiva, de baixo
crescimento do PIB, desvalorizações cambiais e retração na geração de emprego e renda. O
desempenho da balança comercial pode ser verificado no gráfico 2.
Gráfico 2
Balança Comercial - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
14.000
12.000
10.000
8.000
US$ milhões
6.000
4.000
2.000
0
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
-2.000
-4.000
-6.000
Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)
Tabela 15
Exportações Brasileiras de Produtos Industrializados (FOB) 1980-1985
(em US$ milhões)
Ano Valor
1980 11.376
1981 14.000
1982 11.686
1983 13.057
1984 17.955
1985 16.821
Fonte: CRUZ (1995, p. 139). Elaboração própria.
227
“As exportações de manufaturado contaram com um vasto rol de incentivos, dentre os quais vale assinalar as
operações de drawback, o crédito prêmio, a redução do imposto de renda, as isenções tributárias, os incentivos
financeiros pré ou pós-embarque e o programa Befiex. Tais incentivos, se plenamente utilizados, atingiriam um
montante equivalente a cerca de 60% do valor FOB das exportações de manufaturados no período 1980-1985.
Por outra parte, estimativas aproximadas indicam que as políticas de incentivo teriam provocado uma
transferência anual de recursos públicos ao setor exportador da ordem de 3% do PIB, no período considerado”
(CRUZ, 1995, p. 140).
132
Gráfico 3
Exportações - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
30.000,00
25.000,00
20.000,00
US$ milhões
15.000,00
10.000,00
5.000,00
0,00
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
228
“A grande empresa privada manteve em plena recessão, condições favoráveis para o seu ajuste, o que àquela
altura, significava principalmente promover a recomposição dos níveis de endividamento. Esta recomposição
teve como pressuposto a obtenção de valores mais elevados de margens brutas de lucro (mark-up), a principal
peça da engrenagem inflacionária durante a recessão promovida pelo ajustamento” (BELLUZZO; ALMEIDA,
2002, p. 219).
133
Gráfico 4
Importações - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
25.000,00
20.000,00
US$ milhões
15.000,00
10.000,00
5.000,00
0,00
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
A diminuição das importações foi generalizada, mas incidia sobremaneira nos bens
de capitais (gráfico 5). Numa economia subdesenvolvida, em que esse setor não estava
consolidado, isso significou uma diminuição no processo de industrialização do país.
Gráfico 5
Importações de Bens de Capital - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
3.000
2.500
2.000
US$ milhões
1.500
1.000
500
0
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
De acordo com o gráfico 5, a queda das importações de bens de capital foi tão
intensa que em 1985 atingiu US$ 1,095 bilhão ante US$ 2,646 bilhões em 1975. Esses
números representavam uma redução de quase 60% nessas importações.
As medidas tiveram um impacto direto na conta de transações correntes, uma vez
que a diminuição das importações e o aumento das exportações levaram a saldos positivos na
balança comercial que amenizaram o déficit em transações correntes, conforme gráfico 6.
Gráfico 6
Transações Correntes - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)
2000
0
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
-2000
-4000
US$ milhões
-6000
-8000
-10000
-12000
-14000
-16000
-18000
Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)
De acordo com o gráfico 6, nota-se que o déficit em transações correntes que chegou
a US$ 16,3 bilhões em 1982, ficou negativo em apenas US$ 248 mil em 1985, quando os
saldos na balança comercial se tornavam mais expressivos e as transferências líquidas de
capital realizadas pelo Brasil ao exterior alcançavam valores excepcionais, conforme explicita
a tabela 16, chegando a montantes superiores a US$ 10,8 bilhões em 1985.
Tabela 16
Transferência Líquida de Capital Realizada pelo Brasil
Ano Transferência Transferência Variações de Transferência Transferência
Real em Bilhões Real em % PNB Reservas Financeira Financeira
US$ Internacionais Líquida em Líquida em %
Bilhões US$ PNB
1983 4,2 1,9 -1,9 6,1 2,8
1984 11,5 5 5,4 6,1 2,7
1985 10,8 3,4 0,8 10 3,1
Fonte: Helmut Reisen. In: Benakouche (2013, p. 55).
135
No triênio 1983-1985, o Brasil enviou ao exterior mais do que recebeu, algo superior
a US$ 25 bilhões, e a América Latina como um todo remeteu US$ 92,5 bilhões229, ou seja, as
remessas brasileiras representaram quase 30% do montante total das transferências latino-
americanas, sendo os maiores destinatários os Estados Unidos, com quase 40% dos recursos.
“A transferência de recursos reais ao exterior teve, como contrapartida, uma drástica redução
da capacidade de investimento do setor público brasileiro no período” (CRUZ, 1995, p. 133).
O Brasil adaptou-se, assim, às mudanças da conjuntura internacional. O país deixou
de ser receptor líquido de capitais e passou a exportador, pagando os juros abusivos dos
empréstimos realizados. Nessa situação, a equipe econômica decidiu pagar esses juros e não
declarar uma moratória230, realizando as mudanças na política econômica para atingir tal
objetivo.
Tabela 17
Dispêndios Globais SEST
1980 – 1985 (em Cr$ bilhões correntes)
1980 1981 1982 1983 1984 1985
valor % valor % valor % valor % valor % valor %
Empresas 2.907 54 2.997 55 2.959 58 2.260 58 2.229 60 2.229 55
Simpas 738 14 798 15 783 15 548 14 489 13 511 12
Bancos 1.722 32 1.625 30 1.522 30 1.213 31 1.085 30 1.371 34
Transferências 0 00 0 00 (441) -3 (112) -3 (111) -3 (57) -1
Total 5.367 100 5.420 100 5.123 100 3.909 100 3.692 100 4.054 100
(1980=100) 100 101 95 73 69 75
Fonte: Relatórios Anuais SEST. In: KLIASS (1989, p. 195).
229
As transferências da América Latina alcançaram, “entre 1982 e 1991, US$ 195 bilhões, quase o dobro, em
valores atualizados, do que os Estados Unidos concederam como doação, à Europa Ocidental entre 1948 e 1952,
sob o Plano Marshall” (BATISTA, 1994, p. 16).
230
“A moratória é considerada providência indispensável para criar outras bases de negociação. Ninguém deseja
a moratória em si mesma, mas no ponto a que chegamos, o de moratória de fato, sem nenhum direito, não há
outro caminho para escapar às vicissitudes cambiais. Ao mesmo tempo, tratando-se de instrumento legítimo e
moralmente saudável, tratando-se de moratória para negociar, e não de repúdio da dívida, não se deve aguardar a
insânia das represálias, mesmo porque já estamos sofrendo boa parte delas” (MELLO; BELLUZZO, 1983, p.
15).
136
Tabela 18
Dispêndios Globais SEST & PIB
1980 – 1985 (em Cr$ bilhões correntes)
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Dispêndios
SEST (A) 5.367 10.580 19.968 47.387 144.942 533.316
PIB (B) 12.639 24.737 48.148 118.195 387.968 1.406.078
A/B 0,4246 0,4277 0,4147 0,4009 0,3736 0,3793
Fonte: Relatórios Anuais SEST; Conjuntura Econômica. In: KLIASS (1989, p. 200).
Tabela 19
Dispêndios Globais – Importações Diretas (exclusive petróleo)
&
Importações Brasil (exclusive petróleo e trigo)
(1980 – 1985 em US$ milhões)
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Importações
Diretas (A) 2.986 2.870 2.360 1.766 1.589 1.837
(1980=100) 100 96 79 59 53 62
Importações
Brasil (B) 12.690 10.650 9.070 6.880 6.420 7.140
(1980=100) 100 84 71 54 51 56
(A/B) x 100 23,5 26,9 26,0 25,7 24,7 25,7
Fonte: Relatórios Anuais SEST. In: KLIASS, 1989 (p. 205).
137
Tabela 20
Orçamento SEST – Recursos Externos
(1980 – 1985 em US$ milhões)
1980* 1981 1982 1983 1984 1985
Valor 4.596 5.443 10.400 8.652 9.839 10.992
Índice 100 118 229 188 214 239
Fonte: Relatórios SEST. In: KLIASS (1989, p. 208).
*1980=100
231
“As importações diretas dos três maiores grupos de empresas estatais – Petrobrás, Siderbrás e Eletrobrás –
perfaziam em 1980 mais de três quartos do total de importações diretas do setor público federal [excluídas as
importações de trigo, petróleos e derivados]. Durante o período de análise, o valor em dólares correntes das
importações da Siderbrás sofreu um corte total de aproximadamente 52%, o da Petrobrás cerca de 42% e o da
Eletrobrás pouco menos do que 30%. As importações do grupo Acesita foram reduzidas em mais de 95%”
(WERNECK, 1986b, p. 57).
138
Tabela 21
SEST – Encargos Financeiros & Receita Operacional
(1980 – 1985 em Cr$ bilhões)
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Encargos (A)
Financeiros 29.097 50.060 68.403 75.306 86.686 114.729
(1980=100) 100 172 235 259 298 394
Receita (B)
Operacional 437.081 447.007 436.564 433.143 472.178 491.846
(1980=100) 100 102 100 99 108 113
Tabela 22
Evolução e Serviço da Dívida Externa das Estatais (em US$ milhares)
Ano Setor Elétrico Setor Siderúrgico Setor Petróleo Setor Telecomunicações
1977 4.177 1.830 1.682 2.390
1978 6.130 2.380 1.584 2.260
1979 8.334 4.747 2.935 2.190
1980 10.055 4.972 5.641 2.170
1981 11.972 5.566 6.676 2.000
1982 14.336 5.897 6.881 1.960
1983 14.593 5.958 6.478 1.760
1984 17.016 6.037 6.510 1.370
1985 17.972 6.452 5.786 1.110
Fonte: Eletrobrás/Siderbrás. In: Benakouche (2013, p. 104).
De acordo com a tabela 22, houve uma grande elevação dos gastos com serviço da
dívida externa das empresas estatais. O setor elétrico teve uma elevação de seus encargos
superior a 400% em 1985 se comparado a 1977. Já o setor siderúrgico viu seus gastos com a
dívida externa aumentarem em 3,5 vezes em 1985 em relação a 1977. O setor de petróleo, por
sua vez, teve seus custos com a dívida externa exorbitados em mais de 340% em 1985 se
comparado com 1977. Por fim, apenas o setor de telecomunicações teve uma diminuição de
seus encargos com a dívida externa, que caíram em torno de 45% em 1985 em relação a 1977,
o que mostrava sua menor capacidade de angariar recursos externos. No período
compreendido entre 1977 e 1988, diante dos problemas do balanço de pagamentos, a
139
utilização das empresas estatais para conseguir recursos externos resultou na seguinte conta:
“foram captados US$ 151,421 milhões para o setor elétrico, US$ 61,081 milhões com o
siderúrgico, US$ 57,189 milhões na área petrolífera e US$ 19,910 milhões por meio das
empresas de telecomunicações” (BENAKOUCHE, 1983, p. 104). Tal montante somou US$
289,601 milhões.
Além disso, essas empresas, apesar do discurso do realismo tarifário, não tiveram o
aumento das tarifas dos seus serviços, muito menos dos preços de suas mercadorias corrigidos
no mesmo patamar da inflação, mas sempre abaixo desse nível, uma vez que foram utilizadas
na tentativa de conter o avanço de preços da economia. Essa situação comprometeu a
rentabilidade dessas empresas e a capacidade de promoverem o autofinanciamento.
A seguir será mostrado o descompasso entre o aumento dos preços do SPE e a
inflação. Foram selecionadas cinco estatais: Petrobrás, Siderbrás, Telebrás, Eletrobrás e
CVRD, pela importância que possuíam no fornecimento de bens e serviços imprescindíveis
para a indústria. A forte baixa real de seus preços caracterizou as melhorias que o setor
privado obteria em sua relação comercial com as empresas estatais, além de confirmar o
ajuste que essas empresas sofreram sob controle da SEST.
Entre os anos de 1980 a 1985, de acordo com o gráfico 7, a Petrobrás apenas teve
seus preços equilibrados com a inflação em 1981, nos demais anos a inflação ficou maior do
que seus preços. Essa circunstância se acentuou em 1985 quando os preços da Petrobrás
ficaram defasados em quase 60% em relação à inflação.
Gráfico 7
Evolução de Preços - Petrobrás (índice base: dez. de 1979 = 100)
18000
16462
16000
14000
12000
10356
10000
8000
6000 5057
4532
4000
1577 1500
2000 620 585
151 144 317 319
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Gráfico 8
Evolução de Preços - Sistema Siderbrás (índice base: dez. de 1978 = 100)
35000
28983
30000
25000 23592
20000
15000
10000 8914
6978
5000 2779
268 228 563 506 1096 964 2035
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Gráfico 9
Evolução de Preços - Grupo Telebrás (índice base: dez. de 1979 = 100)
18000 16462
16000
14000
12000
10000
7802
8000
6000 5057
4000 2909
1577 1036
2000 317 273 620 519
151 142
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985
O Grupo Eletrobrás teve o reajuste dos preços de seus bens e serviços em patamar
sempre menor do que a inflação de 1980 a 1985, de acordo com o gráfico 10. Essa diferença
começou a ficar mais acentuada a partir de 1984, alcançando maior descompasso em 1985,
quando seu preço ficou abaixo da inflação em 38%.
Gráfico 10
Evolução de Preços - Grupo Eletrobrás (índice base: dez. de 1979 = 100)
18000 16462
16000
14000
11890
12000
10000
8000
6000 5057
3642
4000
1577 1166
2000 317 261 620 500
151 122
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Gráfico 11
Evolução de Preços - Grupo CVRD (índice base: dez. de 1979 = 100)
18000 16462
16000
14000
14000
12000
10000
8000
6000 5057
3628
4000
1577 1278
2000 317 289 620 599
151 147
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985
Como apontado, houve um comportamento similar dos preços dos bens e serviços
fornecidos pelas empresas estatais analisadas, destacando-se o seu contingenciamento como
resultado de uma política deliberada da SEST. A tabela 23 mostra também essa situação de
baixa significativa dos preços dos bens e serviços das empresas estatais, agrupando-as em
quatro setores: energia elétrica; aços planos; telecomunicações; e de derivados de petróleo.
Tabela 23
Evolução de Preços e Tarifas Públicas (1979 = 100)
Ano Energia Elétrica Aços Planos Telecomunicações Derivados Petróleo
1979 100 100 100 100
1980 96 85 94 95
1981 126 91 82 100
1982 119 70 74 94
1983 82 58 61 94
1984 75 64 54 89
1985 77 64 44 63
1986 76 53 35 46
Fonte: SEST/SEPLAN. In: Benakouche (2013, p. 105).
De acordo com a tabela 23, o decréscimo real dos preços e das tarifas públicas foi
muito acentuado no período compreendido entre 1979 e 1986, chegando a tarifa de energia
elétrica em 1986 a 76% do seu valor em 1979. A tarifa de telecomunicações sofreu uma
redução ainda mais acentuada, alcançando em 1986 apenas 35% de seu preço em 1979. Já o
preço dos aços planos em 1986 representavam 53% de seu valor em 1979 e o preço dos
derivados de petróleo diminuíram para 46% do que eram em 1979.
143
Tabela 24
SEST – Investimentos (SPE)
(1980 – 1985 em Cr$ bilhões de 1986)
Ano Valores 1980=100
1980 168.315 100
1981 177.881 106
1982 175.214 104
1983 123.031 73
1984 112.610 67
1985 127.815 76
Fonte: Relatório SEST. In: KLIASS (1989, p. 218).
Essa diminuição dos investimentos foi considerável, segundo a tabela 24, chegando
esses gastos a representar em 1985 apenas 76% do que foram em 1980. Tais investimentos
mostraram-se ainda menores no triênio 1983/1985, “situando-se em média, 40% abaixo dos
níveis verificados em 1980” (CRUZ, 1995, p. 137). Com a queda dos investimentos do SPE,
houve um impacto imediato na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que comprometeu a
capacidade de crescimento da economia brasileira (tabela 25).
Tabela 25
Formação Bruta de Capital Fixo
(1980 – 1985 em Cr$ bilhões)
Ano Valores 1980=100
1980 2,84 100
1981 2,57 90
1982 2,52 89
1983 1,94 68
1984 1,96 69
1985 2,29 81
Fonte: Conjuntura Econômica. In: KLIASS (1989, p. 219).
redução que houve na FBCF total do país, por conta da diminuição da participação das
empresas estatais.
Tabela 26
Formação Bruta de Capital Fixo/PIB
(1980 – 1985, em %)
Ano Valores
1980 23,5
1981 24,3
1982 23,0
1983 19,9
1984 18,9
1985 18,0
Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/).
Com uma retração tão expressiva da FBCF na economia brasileira – que passou de
uma taxa de 23,5% do PIB em 1980 para 18% do PIB em 1985 – observa-se que a
industrialização, mesmo que dependente, deixou de ser o foco da política econômica.
Tabela 27
As Maiores Empresas Estatais (1983)
Grupos No de Empresas Setores Principais de
Pertencentes Atuação
Grupo Petrobrás 21 Petróleo/Química
Grupo Siderbrás 19 Siderurgia
Grupo Eletrobrás 8 Energia Elétrica
Grupo Telebrás 29 Telecomunicações
Grupo CVRD 17 Mineração
Grupo RFFSA 4 Transporte Ferroviário
Itaipu 1 Energia Elétrica
Grupo Nuclebrás 7 Energia Nuclear
Cobal 1 Comércio de Alimentos e
Abastecimento
Grupo Acesita 3 Siderurgia
Grupo Portobrás 10 Infraestrutura Portuária
Grupo Infraero 2 Infraestrutura Aeroportuária
ECT 1 Telecomunicações/Correios
Caraíba 1 Não Ferrosos/Cobre
Lloydbrás 1 Transporte Marítimo
Grupo Embraer 4 Indústria Aeronáutica
Fosfertil 1 Química/Fertilizantes
Serpro 1 Processamento de Dados
Usimec 1 Mecânica/Equipamentos
Cobra 1 Indústria de Computadores
Total 133
Fonte: Werneck (1987, p. 71).
Tabela 28
Encargos Financeiros
(1980 – 1983 em Cr$ bilhões de 1980)
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas* Valor Índice Valor Índice Valor Índice Valor Índice
G. Petrobrás (21) 8,60 100 10,77 125,20 21,15 245,88 33,85 393,61
G. Siderbrás (19) 15,15 100 48,12 317,61 65,83 434,501 59,37 391,89
G. Eletrobrás (8) 35,98 100 45,21 125,66 58,42 162,36 65,16 181,10
G. Telebrás (29) 18,57 100 17,53 94,41 16,13 86,85 13,38 72,08
G. CVRD (17) 7,69 100 4,95 64,43 12,27 159,55 19,75 256,82
G. RFFSA (4) 6,22 100 8,24 132,51 10,02 161,05 11,76 189,12
Itaipu 0,00 100 14,05 ----- 15,51 ----- 16,71 -----
G. Nuclebrás (7) 3,98 100 4,95 124,49 6,52 163,85 9,22 231,74
Cobal 0,23 100 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
G. Acesita (3) 5,20 100 5,19 99,86 9,50 182,60 6,31 121,29
G. Portobrás (10) 1,46 100 2,10 143,58 2,54 173,82 2,76 189,04
G. Infraero (2) 1,49 100 0,86 57,55 3,57 239,53 5,23 351,00
ECT 0,05 100 0,05 95,28 0,03 58,51 0,03 51,71
Caraíba 0,00 100 0,00 ----- 2,25 ----- 4,13 -----
Lloydbrás 0,36 100 0,48 132,34 0,40 110,36 0,56 154,29
G. Embraer (4) 0,43 100 0,43 99,72 1,38 321,45 0,87 202,67
Fosfertil 0,81 100 3,43 423,48 2,7 338,29 2,77 341,57
Serpro 0,12 100 0,05 39,70 0,00 0,00 0,00 0,00
Usimec 0,85 100 0,52 61,65 0,45 52,49 0,32 38,08
Cobra 0,87 100 1,05 120,47 0,54 61,65 0,32 36,44
Total 108,6 100 167,98 155,46 229,22 212,13 252,49 233,66
Fonte: Werneck (1987, p. 73).
* Entre parênteses está o número de empresas pertencente a cada grupo.
232
Reservas internacionais – conceito caixa, disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores.
147
disso, o governo capitaneava moedas estrangeiras que o Banco do Brasil por ventura tivesse,
visto que os bancos estrangeiros não estavam mais dispostos a emprestar recursos para os
países da América Latina, principalmente após a moratória mexicana.
Assim, os encargos financeiros dentro da composição das despesas correntes
aumentaram, em média, na avaliação desses 20 grupos, no período compreendido entre 1980
e 1983, em 130%. Em contrapartida, as receitas operacionais dessas empresas, no período,
tiveram um pequeno recuo de 1,04%, passando de 85,37% para 82,01%, do total de recursos
próprios desse grupo (WERNECK, 1987).
No discurso de aumento da produtividade dos trabalhadores das empresas estatais
estava o corte de funcionários e o aumento do nível de exploração sobre os mesmos. Para se
ter uma ideia do incremento da produtividade, na Petrobrás holding em 1980 a produção
nacional de óleo e gás natural era de 272 m3 por empregado deslocando-se para 671 m3 em
1985. No Grupo Petroquisa a produção de petroquímicos passou de 436 toneladas em 1980
para 584 toneladas por empregado em 1985. Na CVRD, a produção de minérios e pelotas por
empregado avançou de 2.660 toneladas em 1980 para 3.398 toneladas em 1985. No Sistema
Telebrás, o número de telefones em serviço por empregado aumentou de 91 em 1980 para 139
em 1985. No Sistema Telebrás, a produção de aço por empregado passou de 132 toneladas em
1980 para 176 toneladas em 1985. No Grupo Eletrobrás a produção de GWh (Gigawatt-hora)
por empregado saltou de 1,17 em 1980 para 2,92 em 1985. A tabela 29 mostra a diminuição
das despesas com pessoal e encargos em relação à receita operacional.
148
Tabela 29
Relação entre Despesa com Pessoal & Encargos e a Receita Operacional
(1980 – 1983)
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas Índices Índices Índices Índices
G. Petrobrás (21) 100 105,70 115,70 89,74
G. Siderbrás (19) 100 104,80 101,99 92,15
G. Eletrobrás (8) 100 109,90 161,30 144,18
G. Telebrás (29) 100 104,68 103,52 91,46
G. CVRD (17) 100 125,18 192,87 158,30
G. RFFSA (4) 100 114,69 127,23 107,01
Itaipu 100 ----- ----- -----
G. Nuclebrás (7) 100 116,54 234,79 132,62
Cobal 100 108,85 102,48 87,78
G. Acesita (3) 100 120,14 121,87 108,75
G. Portobrás (10) 100 178,97 177,53 157,29
G. Infraero (2) 100 113,79 121,18 104,62
ECT 100 106,02 101,54 94,88
Caraíba 100 ----- ----- -----
Lloydbrás 100 148,10 195,18 138,49
G. Embraer (4) 100 123,96 168,17 108,69
Fosfertil 100 55,12 44,57 33,05
Serpro 100 118,26 102,72 97,12
Usimec 100 88,98 90,89 123,77
Cobra 100 77,02 67,16 56,65
Total 100 103,66 114,38 91,76
Fonte: Werneck (1987, p. 78).
Tabela 30
Relação entre Despesa com Encargos Financeiros e Receita Operacional
(1980 – 1983)
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas Índices Índices Índices Índices
G. Petrobrás (21) 100 112,26 224,01 342,07
G. Siderbrás (19) 100 316,96 444,33 455,65
G. Eletrobrás (8) 100 172,93 274,46 354,92
G. Telebrás (29) 100 108,65 89,92 79,68
G. CVRD (17) 100 78,46 280,69 452,09
G. RFFSA (4) 100 149,07 190,77 235,22
Itaipu 100 ----- ----- -----
G. Nuclebrás (7) 100 405,03 573,45 727,13
Cobal 100 0,00 0,00 0,00
G. Acesita (3) 100 121,76 220,35 166,84
G. Portobrás (10) 100 126,91 142,79 184,25
G. Infraero (2) 100 55,69 209,95 317,03
ECT 100 91,79 50,10 51,05
Caraíba 100 ----- ----- -----
Lloydbrás 100 167,79 171,15 220,05
G. Embraer (4) 100 120,62 408,93 220,05
Fosfertil 100 95,95 59,09 60,95
Serpro 100 43,27 0,00 0,00
Usimec 100 63,34 54,91 91,24
Cobra 100 102,08 44,28 28,29
Total 100 153,78 216,01 237,39
Fonte: Werneck (1987, p. 78).
233
Lembrando que a composição dos recursos próprios era constituída por receita operacional, receita não-
operacional e outros recursos. Para se ter uma ideia, em 1980, de todas as receitas do grupo das 20 maiores
empresas, 85,37% eram receitas operacionais; 10,83% receitas não-operacionais e; 3,81% outros recursos
(WERNECK, 1987). Esses números mostravam bem a capacidade dessas empresas para seu autofinanciamento e
investimento.
150
Tabela 31
Índices de Recursos Reais do Tesouro
(1980 – 1983)
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas
G. Petrobrás (21) 100 94,39 20,72 17,17
G. Siderbrás (19) 100 150,94 179,99 88,87
G. Eletrobrás (8) 100 236,34 79,07 44,70
G. Telebrás (29) 100 151,53 128,94 61,50
G. CVRD (17) 100 ----- ----- -----
G. RFFSA (4) 100 115,80 84,38 78,02
Itaipu 100 ----- ----- -----
G. Nuclebrás (7) 100 417,06 249,80 164,23
Cobal 100 9,96 5,42 15,24
G. Acesita (3) 100 120,39 85,61 59,46
G. Portobrás (10) 100 86,95 110,01 76,73
G. Infraero (2) 100 101,62 108,56 133,58
ECT 100 945,74 755,73 450,11
Caraíba 100 ----- ----- -----
Lloydbrás 100 ----- ----- -----
G. Embraer (4) 100 ----- ----- -----
Fosfertil 100 ----- ----- -----
Serpro 100 ----- ----- -----
Usimec 100 18,70 14,19 6,65
Cobra 100 ----- ----- -----
Total 100 139,38 106,63 77,47
Fonte: Werneck (1987, p. 82).
De acordo com a tabela 31, a redução dos recursos do Tesouro Nacional às empresas
estatais chegou a quase 23% em 1983 frente a 1980. Entre os anos 1983 e 1985 a diminuição
foi ainda maior e as estatais arcaram com um decréscimo de “46% em relação aos montantes
transferidos em 1980” (CRUZ, 1995, p. 137).
Aliada a essa retração dos recursos federais havia a redução das operações de crédito,
que comprometia ainda mais as possibilidades de investimento das estatais, de acordo com a
tabela 32.
151
Tabela 32
Operações de Crédito
(Cr$ bilhões de 1980)
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas Valor Valor Índice Valor Índice Valor Índice
Índice
G. Petrobrás (21) 24,48 100 30,73 125,53 44,22 192,88 26,49 108,21
G. Siderbrás (19) 88,59 100 113,96 128,64 98,81 111,54 62,82 70,91
G. Eletrobrás (8) 84,35 100 78,15 92,65 102,10 121,04 21,67 25,69
G. Telebrás (29) 21,96 100 14,04 63,96 14,18 64,56 6,13 27,92
G. CVRD (17) 9,86 100 23,50 238,31 42,64 432,48 25,78 261,48
G. RFFSA(4) 27,24 100 21,89 80,36 18,06 66,32 20,53 75,37
Itaipu 56,37 100 67,71 120,11 66,81 118,52 28,13 49,91
G. Nuclebrás (7) 8,88 100 14,59 164,33 25,62 288,48 26,57 299,18
Cobal 0,00 100 0,00 ----- 0,00 ----- 0,00 -----
G. Acesita (3) 20,03 100 5,95 29,68 6,39 31,91 0,31 1,54
G. Portobrás (10) 5,31 100 2,83 53,38 3,47 65,28 1,57 29,54
G. Infraero (2) 0,00 100 0,00 ----- 11,02 ----- 13,73 -----
ECT 0,00 100 0,00 ----- 0,01 ----- 0,01 -----
Caraíba 9,35 100 9,98 106,70 7,95 85,08 3,33 35,60
Lloydbrás 0,75 100 3,37 449,74 0,22 29,58 0,18 23,75
G. Embraer (4) 3,96 100 2,99 75,43 1,15 28,93 2,79 70,37
Fosfertil 3,69 100 0,36 9,68 0,59 15,99 0,00 0,13
Serpro 0,73 100 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Usimec 4,89 100 1,39 28,45 0,69 14,01 3,32 67,90
Cobra 6,08 100 0,96 15,75 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 376,52 100 392,40 104,22 229,22 118,70 243,36 64,63
Fonte: Werneck (1987, p. 84).
Tabela 33
Índices de Investimento Real
Ano 1980 1981 1982 1983
Empresas
G. Petrobrás(21) 100 122,62 148,05 108,61
G. Siderbrás(19) 100 83,20 60,34 33,03
G. Eletrobrás(8) 100 96,23 89,58 64,51
G. Telebrás(29) 100 112,76 123,11 98,25
G. CVRD (17) 100 176,94 206,71 122,92
G. RFFSA(4) 100 101,81 67,89 53,35
Itaipu 100 95,35 84,10 55,77
G. Nuclebrás(7) 100 259,34 337,91 280,72
Cobal 100 47,95 26,89 13,72
G. Acesita(3) 100 44,98 35,78 65,39
G. Portobrás(10) 100 61,68 89,71 56,61
G. Infraero(2) 100 3,77 5,07 3,79
ECT 100 78,33 167,34 135,53
Caraíba 100 75,62 52,90 14,61
Lloydbrás 100 458,63 54,28 68,31
G. Embraer(4) 100 179,22 170,65 503,69
Fosfertil 100 3,45 7,54 6,24
Serpro 100 301,73 337,23 568,22
Usimec 100 7,94 24,38 9,58
Cobra 100 19,06 21,94 13,41
Total 100 105,60 104,48 73,33
Fonte: Werneck (1987, p. 86).
repasse da inflação aos seus bens, serviços e mercadorias; redução dos investimentos por
parte dessas empresas para reduzir a demanda agregada; e aumento das despesas com
pagamento de juros da dívida externa.
234
Apesar deste último documento ter sido elaborado pela equipe econômica do então novo presidente da
República, Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional em substituição ao regime militar, ele
mostrava a continuidade das medidas em relação às empresas estatais do governo anterior.
235
A EM 038/81 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1982”, encaminhada ao
presidente da República em 29 de dezembro de 1981 e aprovada.
236
“Somente foram aceitos gastos compatíveis com a previsão das fontes existentes” (BRASIL, 1982b, p. 7).
237
“A alocação dos recursos está prioritariamente dirigida a programas e projetos com os menores prazos de
maturação e que, sem gerar pressões indesejáveis no balanço de pagamentos e na taxa de inflação, permitam
manter a atividade econômica do País em nível compatível com sua capacidade de crescimento” (BRASIL,
1982b, p. 8).
238
“Em prosseguimento à decisão adotada por Vossa Excelência há alguns meses e que procurou evitar o
processo de estatização da economia brasileira, devem ser realçadas as condições básicas e reais para o
fortalecimento do setor privado” (BRASIL, 1982b, p. 9).
239
“O primeiro levantamento efetuado pela SEST em 1980 indicou a existência de 530 entidades, conceituadas
como estatais para fins de aplicação do disposto no mencionado decreto, das quais 359 foram criadas nas
décadas de 1960 e 1970 [...]. A partir daquele momento, e mais intensamente na década de 1970 quando foi
duplicado o seu número, as empresas estatais passaram a participar de quase todos os setores da economia, desde
154
Tabela 34
Encargos Financeiros (Cr$ bilhões)
Empresas 1981 1982 Variação %
Grupo Siderbrás 100,1 270 170
Grupo Eletrobrás 94,9 239,3 152
Grupo CVRD 10,4 60,9 486
Grupo Nuclebrás 10,3 26,7 159,2
Itaipu 29,5 63,6 115,6
CST 4,8 30,8 541,6
Açominas 16,3 33,3 104,3
Fonte: BRASIL (1983a, p. 17).
infraestrutura, indústria de transformação, bens de capital, até o financeiro, de serviço e de comércio exterior”
(BRASIL, 1985a, p. 9).
240
A poupança própria bruta do SPE significa os recursos próprios menos as despesas correntes, já a poupança
própria líquida é representada pela poupança bruta deduzidos os encargos financeiros.
155
243
“Os investimentos, como nos anos anteriores, foram definidos residualmente, considerando que, pela menor
oferta esperada de recursos externos em 1983 e pela impossibilidade de serem aumentadas as já elevadas
transferências de recursos do Tesouro, seu limite global no próximo ano se situará aquém do observado em 1982,
em termos reais” (BRASIL, 1983b, p. 15).
244
“Os dispêndios com pessoal e encargos sociais em 1983 (parte integrante dos dispêndios correntes) estão
definidos de forma bastante austera, restritos ao valor efetivado em 1982 e corrigido apenas pela variação média
anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC. Caberá às empresas a responsabilidade de gerenciar
suas folhas de pagamento, de maneira que todas e quaisquer despesas com pessoal e encargos sociais, inclusive
as relativas a promoção, produtividade, aumento físico e reajustes salariais, não excedem, no seu total, os tetos
aqui propostos. Com isso, pretende-se que a produtividade da mão de obra alcance níveis mais elevados em
todas as empresas estatais, no decorrer de 1983” (BRASIL, 1983b, p. 13-15). Na EM do ano seguinte, essa
política em relação aos trabalhadores é mantida e reiterada: “Os dispêndios com pessoal e encargos sociais, por
sua vez, estão definidos ao amparo de uma legislação bastante austera, cabendo às empresas a responsabilidade
de gerenciar suas folhas de pagamento de tal sorte que o total desses gastos não exceda o teto estabelecido, o que
as induzirá a alcançar níveis mais altos de produtividade de mão de obra” (BRASIL, 1984b, p. 15-17). No
primeiro relatório assinado pela nova equipe econômica, há um enaltecimento à contenção real dos gastos com
pessoal e encargos sociais, na ordem de 11,75% em relação ao ano anterior, devido principalmente, ao fato de
que “as revisões salariais em 1984 estiveram regidas, primeiramente, pelos dispositivos do Decreto-lei nº 2.065,
de 26.10.83, que limitava os reajustes semestrais a 80% da variação do INPC para valores acima de 3 salários-
mínimos” (BRASIL, 1985a, p. 13).
245
“As estatais cadastradas pela SEST somam atualmente 471 empresas. Nenhuma empresa foi criada nesse
último período, o que mais uma vez atesta a execução da política de desestatização do Governo Figueiredo. A
respeito de setembro de 1981, quando foram listadas 530 entidades no Cadastro das Empresas Estatais, até essa
data, foram criadas somente três entidades, após exame prévio pela SEST quanto à necessidade e a oportunidade
de sua implantação. Nesse mesmo período, 17 empresas foram privatizadas, 14 incorporadas, nove extintas, duas
fundidas, três transferidas à Administração Estadual e 34 retiradas da classificação original, por inadequação”
(BRASIL, 1984a, p. 9-10).
246
“A estratégia básica do programa consistiria, em tese, em se obter um menor grau de dependência de recursos
de origem externa, pela contrapartida do crescimento da poupança interna especialmente do setor Governo, e
tornar mais eficiente a economia, através da gradual extinção dos subsídios diretos e indiretos e da alteração dos
preços relativos” (BRASIL, 1984a, p. 11).
157
inflação para que o país pudesse retomar o ciclo do crescimento econômico, projetado pela
equipe econômica de, no mínimo, 6% ao ano, entre 1986 e 1989, sendo o motor deste
crescimento o setor privado. Na EM nº 003/86251 constava:
Prosseguia o documento,
251
A EM 003/86 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1986”, encaminhada pelo novo
Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, João Sayad, pelo Ministro da
Fazenda, Dilson Domingos Funaro, além dos Ministros do Interior, da Indústria e Comércio, da Agricultura e do
Trabalho, ao presidente da República, Tancredo Neves, em 9 de janeiro de 1986, e aprovada.
252
“Paralelamente, no ORÇAMENTO SEST/Dispêndios Globais – 1986 estão refletidos os princípios de
austeridade, de racionalidade e de seletividade que têm norteado a atuação da SEST, levando-a a implantar
medidas com vistas a um rigoroso controle de gastos [...]. Em resumo, na elaboração da proposta do
ORÇAMENTO SEST/Dispêndios Globais – 1986 foram observadas as diretrizes gerais destinadas a promover o
reequilíbrio do setor público – rigoroso controle dos gastos operacionais, recuperação de receitas e seletividade
nos investimentos – estabelecidas no I PND da Nova República, bem como as medidas integrantes do „Programa
de Mudanças‟ do Governo de Vossa Excelência” (BRASIL, 1986a, p. 13-14).
160
5. Conclusão
O ajuste dos anos 1970 e 1980 recaiu, sobretudo, nas empresas estatais, que foram
estratégicas para o governo efetuar sua política econômica, cujo objetivo central era gerar
saldos na balança comercial para efetuar o pagamento dos juros da dívida externa no período
da crise da dívida. Por meio do ministro Delfim Netto, o Brasil colocou a economia a reboque
do pagamento desses juros. As políticas econômicas adotadas traziam em seu bojo medidas
neoliberais que ficavam explicitadas com a forma de atuação sobre as empresas estatais do
setor produtivo: restrição de seus gastos para reduzir a participação do Estado na economia;
aumento do contingenciamento de seus recursos diante da piora do cenário externo; atuação
para ajudar a gerar recursos para o pagamento dos encargos da dívida externa; e prioridade ao
fortalecimento do setor privado para a tentativa de crescimento da economia brasileira.
Ao terem grande participação na economia pela sua dimensão e áreas de atuação, as
empresas estatais experimentaram um processo de endividamento significativo, por absorver
parte da dívida externa privada e por capitanear no mercado externo recursos em moeda
estrangeira para o pagamento dos juros da dívida externa. Além disso, sofreram um processo
de precarização e sucateamento, por terem atrasos no reajuste de suas tarifas e preços de suas
mercadorias, a fim de que atuassem no sentido de tentar conter a inflação no país, e assim
também auxiliassem as grandes empresas privadas com o fornecimento de bens e serviços a
preços baixos.
Com as mudanças no padrão mundial de acumulação a partir dos anos 1970 em
consonância com a reestruturação global das empresas multinacionais, a função que as
empresas estatais desempenharam na economia brasileira se diferenciava daquela do período
161
desenvolvimentista. Por isso a SEST pode atuar de maneira consentânea com os interesses do
imperialismo.
Se o ajuste tinha, de fato, como meta a contenção da inflação e o crescimento da
economia brasileira, os resultados realçariam, no entanto, seu equívoco, visto que no período
do presidente militar João Figueiredo a economia brasileira cresceu, em média, 1,53% e a taxa
média anual de crescimento do PIB per capita declinou 0,6%. A inflação, por sua vez,
aumentou significativamente, passando de 99,7% em 1982 para 211% em 1983, 223% em
1984 e 235% em 1985. O único êxito da política econômica foi a geração de saldo na balança
comercial para o pagamento dos juros da dívida externa, que em 1983 foi de US$ 6,4 bilhões,
em 1984 foi de US$ 13 bilhões e de US$ 12 bilhões em 1985. O horizonte da política
econômica era, sem dúvida, gerar os saldos necessários para pagar os juros dos detentores da
dívida externa, independentemente do custo que isso pudesse causar para a sociedade
brasileira, e alimentar o circuito da valorização financeira no período marcado pela transição
para a internacionalização financeira.
Neste processo, caracterizou-se o ajuste neoliberal no Brasil já no início da década de
1980 quando as estatais foram instrumentalizadas de acordo com o imperativo
macroeconômico estabelecido pela política econômica com o intuito de subsidiar a geração de
lucros pelas empresas privadas multinacionais e suas sócias nativas. Além disso, as empresas
estatais assumiram boa parte do endividamento externo do setor privado (socialização da
dívida externa) e se endividaram diretamente no mercado externo para trazer dólares ao país a
fim de que com isso o governo realizasse o pagamento da dívida externa brasileira. No fim da
década de 1980, as empresas estatais se encontravam com seu parque produtivo desatualizado
e endividadas. Em seguida, boa parte das empresas estatais será privatizada, não sem antes
serem modernizadas, terem seu endividamento reduzido e o preço de seus bens e serviços
reajustados para que se tornassem lucrativas e atrativas aos compradores. Esses processos
serão discutidos no próximo capítulo.
162
1. Introdução
A internacionalização financeira aprofundou o neoliberalismo nas economias
periféricas, com exigências pautadas no Consenso de Washington. No Brasil, as burguesias
reagiram favoravelmente ao neoliberalismo com a exacerbação da financeirização sobretudo
nos governos dos presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Fatos importantes desse processo da transição dos anos 1980 aos anos 1990 foram a abertura
comercial, produtiva e financeira, a renegociação da dívida externa e a implementação de
planos de estabilização econômica, que ao deixar o câmbio do país sobrevalorizado para sua
própria permanência impuseram a necessidade de entrada de capitais estrangeiros no país para
que se fechasse a conta do balanço de pagamentos no curto prazo. Neste sentido, houve
privatizações de diversas empresas estatais, realizadas muitas vezes às pressas em vários
governos, com preços atrativos para remunerar vantajosamente o capital privado. Com a
desestatização em massa de setores estratégicos como siderurgia, energia e telecomunicações,
o governo faria caixa para equilibrar as contas nacionais, controlaria a inflação com a redução
de seus gastos e geraria superávits para remunerar os credores da dívida pública. Essa política
econômica levou o país a uma redução significativa de sua FBCF e, consequentemente, a uma
importante desindustrialização253.
As privatizações impulsionaram a desnacionalização da economia, com parte das
ações das empresas estatais sendo comprada por estrangeiros, e induziram a uma
financeirização exacerbada, uma vez que bancos de investimentos e outras instituições
financeiras, como fundos de pensão, foram protagonistas entre os adquirentes nos leilões. Em
vários casos, poucos anos após comprar ações dessas empresas, as instituições financeiras as
revenderam, confirmando seus objetivos puramente especulativos com a rápida saída do
negócio, após aferição de retornos significativos254.
253
De acordo com Cano (2012, p. 3), a desindustrialização se manifestou “com os nefastos efeitos da década
perdida, de 1980, e os decorrentes da instauração das políticas neoliberais, a partir de 1990, [quando] a queda da
participação da indústria de transformação no PIB para a América Latina em seu conjunto foi grave: com
participações, em 1980, em torno de 24% (Argentina e México) e de 33% (Brasil), os dados entre 2008 e 2010
regridem, para cerca de 19% no México e na Argentina, e a mais aguda, a do Brasil, para cerca de 18%”.
254
Entre as vendas lucrativas realizadas por bancos destacam-se as saídas em 1996 do Bozano, Simonsen e do
Unibanco da Acesita, privatizada quatro anos antes. Os dois bancos tiveram ganho bruto de US$ 500 milhões na
negociação de suas participações na empresa (BANCOS..., 26/04/1996, p. A1 e C1). Também destacam-se as
ofertas recebidas pelo Banco Pactual por sua participação na Escelsa, empresa de energia do Espírito Santo,
privatizada em 1995. Dois anos depois da desestatização o presidente do banco, Luiz Cesar Fernandez,
163
ressaltava: “Sou vendedor e já recusei ofertas de 100% sobre o preço do mercado dos papeis” (PACTUAL...,
25/11/1997, p. C3). A declaração mostra quão lucrativo foi o negócio em dois anos e o alto volume de
interessados, a ponto de Fernandez recusar um lucro superior a 100%.
255
Para Campos (2009, p. 10-11), essa “fase, chamada de internacionalização financeira, consolidou-se nos anos
80 e ingressou nos anos 90 mantendo seus traços essenciais até a atualidade. A dimensão financeira do capital
estabelece então uma dinâmica crescente em relação à dimensão produtiva, em que as transformações iniciadas
na fase anterior lhe possibilitam recentralizar o capital como um todo, impondo também uma mudança nas
estratégias de acumulação das empresas multinacionais instaladas na periferia”.
256
De acordo com Belluzzo (2013, p. 130, grifos do autor), “entre os anos 1980 e 1990, os Estados Unidos não
só pressionaram os parceiros a promover a liberalização das contas de capital como também exerceram políticas
que favoreceram a valorização do dólar, o que reforçou o movimento de migração da grande empresa para
espaços econômicos mais favoráveis à „competitividade‟. A partir daí o mundo presencia um movimento de
164
257
De acordo com Harvey (2004, p. 42), “os Estados Unidos vêm há muitos anos exercendo inegavelmente a
liderança da parte do mundo dedicada à acumulação interminável do capital, tendo por conseguinte disseminado
amplamente suas maneiras de fazer negócios. Claro que, no curso dos anos da Guerra Fria, eles não exerceram
uma hegemonia verdadeiramente global. Tendo a ameaça do comunismo desaparecido por completo agora, é
mais fácil de definir e manter o papel de liderança dos Estados Unidos”.
258
“O fato de os Estados Unidos serem a fonte principal do parasitismo financeiro que está gangrenando o
capitalismo mundial não os impede de imporem sua hegemonia por todos os meios ao seu alcance”
(CHESNAIS, 1996, p. 19).
259
Para Harvey (2004, p. 59), “o capital financeiro passou ao centro do palco nessa fase da hegemonia norte-
americana, tendo podido exercer certo poder disciplinar tanto sobre os movimentos da classe operária como
sobre as ações do Estado, em particular quando e onde o Estado assumiu dívidas de monta”.
260
Ainda para Chesnais (1996, p. 239, grifos do autor), “a capacidade intrínseca do capital monetário de delinear
um movimento de valorização „autônomo‟, com características muito específicas, foi alçada pela globalização
financeira a um grau sem precedentes na história do capitalismo”.
166
261
De acordo com Chesnais (1996, p. 275), “a globalização financeira pressionou os grupos a acentuar, de
maneira qualitativa, seu caráter de centros financeiros. Os grupos começaram a diversificar-se em direção às
finanças. Tornaram-se operadores importantíssimos em certos segmentos dos mercados financeiros,
especialmente os mercados de câmbio. Em certos casos, o mercado financeiro interno de grupo comporta a
existência de um ou mais bancos de grupo; em outros, é a própria direção financeira da holding que organiza e
controla essas transações em todo o mundo”.
262
“No fim dos anos 90, o volume de ativos [financeiros] em posse dos investidores institucionais ultrapassava
US$ 36 trilhões. Esses haveres representavam em torno de 140% do PIB dos países da zona da OCDE. Mas, em
alguns países, a relação entre ativos financeiros e o PIB – que representa as pretensões de apropriação da
167
1996, p. 244). Do mesmo modo, “o valor dos ativos financeiros mundiais (considerados aí
ações e debêntures, títulos de dívida públicos e privados e aplicações bancárias) cresceu cerca
de 14 vezes entre 1980 e 2006, enquanto que o PIB mundial limitou-se a crescer pouco menos
que 5 vezes no mesmo período.” (PAULANI, 2011, p. 66). Esses dados mostravam a
prioridade dada aos investimentos financeiros, atrativos pelo seu alto e rápido retorno em
relação aos investimentos produtivos e facilitados pela desregulamentação no fluxo de
capitais e pelas inovações tecnológicas, especialmente na microeletrônica.
Na década de 1990 aumentou a financeirização em direção à periferia. Isso porque na
segunda metade da década de 1980 os Estados Unidos fizeram um movimento contrário em
relação ao final da década de 1970 e início da década de 1980, ao reduzir sua taxa de juros de
algo em torno de 20% “para 4,5% no mercado monetário de Nova Iorque, [verificando-se]
uma aceleração do crescimento e da globalização263 dos mercados futuros de juros e câmbio,
com saída de fundos de pensão norte-americanos em busca dos chamados „mercados
emergentes‟”264 (TAVARES; MELIN, 1997, p. 61, grifos dos autores). Esses fundos se
dirigiram, sobretudo, no caso do Brasil, às privatizações e à aquisição de títulos da dívida
pública, após o país fazer mudanças na área econômica exigidas pelos interesses de
acumulação privada, notadamente aderindo às regras estabelecidas pelo Consenso de
Washington265. Intensificou-se assim a especulação financeira com o objetivo de valorização
de seu capital no menor espaço de tempo possível, a elevadas taxas de juros, liberdade para
sua movimentação e garantias de pagamento por parte do Estado.
produção econômica presente e futura – é muito mais elevada: 226% no caso do Reino Unido, 212% nos Países
Baixos, 207% nos Estados Unidos, 200% na Suíça. Ao longo da década, o crescimento do valor dos ativos dos
investidores institucionais se fez a um ritmo sustentado, mais de 11% em média durante o período. Se as
sociedades de seguro estão na frente pelo volume de ativos que detêm, são ultrapassadas no fim dos anos 90
pelas sociedades de investimentos e fundos de pensão, cujos ativos aumentaram a um ritmo mais elevado. Foram
as primeiras, sobretudo aquelas especializadas na gestão dos fundos mútuo, que tiveram maior crescimento:
entre 1990 e 1999, seus haveres aumentaram em média 20% ao ano contra 13% dos fundos de pensão”
(CHESNAIS, 2005, p. 43-44).
263
Gonçalves (1999, p. 29-32) explicitou que a globalização do final do século XX estava relacionada a três
fatores: i) desenvolvimentos tecnológicos associados à revolução da informática e das telecomunicações, que
redundaram em diminuição dos custos de operações produtivas e financeiras; ii) fatores de ordem política e
institucional, causados pelo liberalismo, cujo resultado foi uma onda de desregulamentação do sistema
econômico e liberalização do movimento de capitais; e iii) fatores de ordem sistêmica e estrutural,
caracterizados pela dificuldade de expansão da esfera produtivo-real das economias capitalistas maduras. Assim,
há um deslocamento de recursos da esfera produtivo-real para a esfera financeira.
264
“Entre 1979 e 1989, o banco central americano força uma flutuação da taxa de juros do teto de 20% (servindo
de umbrella para os rentistas de todos os países) para um piso de 4,5%” (TAVARES; MELIN, 1997, p. 62).
265
Harvey (2004, p. 66) chamou a atenção para a hegemonia dos Estados Unidos nessa fase ao afirmar que: “o
poder do complexo Wall Street-Tesouro-FMI está, com respeito a um sistema financeiro coercitivamente
imposto, instaurado em torno do chamado Consenso de Washington e mais tarde desenvolvido por meio da
construção de uma nova arquitetura financeira internacional, numa relação tanto de simbiose como de
parasitismo. Como diz Soederberg, trata-se claramente de um „anexo do Estado norte-americano‟, ainda que
também sirva aos interesses da „burguesia transnacional como um todo‟”.
168
266
A transferência de riqueza da esfera produtiva para a esfera financeira fez com que o foco “da política
econômica de muitos governos, não apenas da periferia como também do coração do sistema, [fosse] o
pagamento dos juros e do principal das dívidas públicas e a garantia de juros reais positivas, implementando
políticas sob a égide do combate à inflação” (CHESNAIS, 1995, p. 22).
267
De acordo com Harvey (2004, p. 126, grifos do autor), “a mistura de coerção e consentimento no âmbito
dessas atividades de barganha varia consideravelmente, sendo contudo possível ver agora com mais clareza
como a hegemonia é construída por meio de mecanismos financeiros de modo a beneficiar o hegemon e ao
mesmo tempo deixar os Estados subalternos na via supostamente régia do desenvolvimento capitalista. O cordão
umbilical que une acumulação por espoliação e reprodução expandida é o que lhe dão o capital financeiro e as
instituições de crédito, como sempre com o apoio dos poderes do Estado”.
169
268
Um exemplo dessas facilidades vinha do BNDES, que muitas vezes financiava a compra das empresas, além
de oferecer financiamentos para o comprador posteriormente.
269
Sobre desindustrialização, consulte Cano (2012).
270
Sobre a OMC, ver Campos (2009). Sobre o Consenso de Washington, ver Batista (1994). Em relação ao
Plano Brady, ver Batista Jr.; Rangel (1994). Sobre o Mercosul, ver Sarti (2001) e Campos (2009). De acordo
com Campos (2009, p. 179), “o MERCOSUL, concebido a partir do Tratado de Assunção em 1991, formou-se
sob a égide do neoliberalismo, ao optar por uma integração comercial e produtiva de natureza aberta e
desregulada”.
271
Essa reunião ficou conhecida como “Consenso de Washington” e é de autoria do economista John
Williamson o termo, uma vez que para ele que participou dessa reunião, “[...] o termo 'consenso' pode parecer
muito forte, mas significa, pelo menos, um alto grau de convergência entre os economistas americanos e os da
América Latina, e também entre os políticos, pelo menos nos aspectos macroeconômicos. E 'Washington' é mais
que um lugar, são instituições: o governo dos Estados Unidos (Executivo e a parte do Congresso interessada na
América Latina), o Banco Mundial e as agências do governo” (CAROS AMIGOS, 1998, p. 14).
170
272
Para Tavares (1998, p. 102), “como é natural, as políticas de ajuste recomendadas pelo FMI para a década de
90 são também de sinal contrário. Durante a década de 80 os países periféricos foram obrigados a praticar
políticas destinadas à geração de superávits comerciais para pagar o serviço da dívida externa. Depois de 1990,
os países da periferia são obrigados a inverter sua política cambial e a aceitar a absorção de recursos externos de
curto prazo, com altas taxas de arbitragem em dólar, em reposta ao excesso de liquidez que se esparrama pelo
mundo [...]. Em nome da liberdade de mercado, impôs-se à América Latina uma desregulamentação financeira e
comercial indiscriminada”.
273
“A periferia se transforma em campo de aplicação dos capitais especulativos [...]. Ainda, no caso da América
Latina, a modernização proposta pelos Estados Unidos – através dos organismos multilaterais manejados pela
potência hegemônica – implica transformar o continente num mercado cativo para as exportações americanas e
num território de expansão para os seus capitais, concentrados, em geral, nas privatizações dos serviços de
utilidade pública” (MELLO, 1997, p. 162).
274
Para Filgueiras (2005, p. 11), “o programa apresentado, consubstanciado no chamado Plano Collor, pela
primeira vez não se resumia – quando comparado aos outros planos de estabilização heterodoxos –,
simplesmente ao combate à inflação; era um programa de reformas estruturais do Estado e das relações deste
com o setor privado e do capital com o trabalho, nos moldes da doutrina neoliberal: privatização, abertura
comercial e financeira e ataque aos direitos sociais e trabalhistas – com a desregulamentação e flexibilização do
mercado de trabalho e das relações trabalhistas”.
171
implementação do Plano Real, que havia sido elaborado ainda no governo de Itamar 275, e o
avanço das privatizações por meio do II Plano Nacional de Desestatização (II PND).
Importante para os credores internacionais, o Plano Brady permitiu a renegociação
no mercado financeiro mundial de boa parte dos títulos da dívida externa que até então eram
considerados “podres” e com possibilidade de elevados ágios. Com esta renegociação o Brasil
foi obrigado a oferecer garantias aos detentores dos títulos da dívida externa de duas formas:
“pela contratação de novos empréstimos, e, sobretudo, pela imobilização de parte das reservas
do Banco Central”276 (BATISTA JR.; RANGEL, 1994, p. 16), diferenciando-se das
renegociações do México, Venezuela e Argentina, em que: “grande parte das garantias foi
financiada com recursos de fontes oficiais (FMI, Banco Mundial e outras)” (BATISTA JR.;
RANGEL, 1994, p. 21). Desta forma, estes últimos países renegociaram suas dívidas com um
custo menor. Além de atender os interesses dos credores internacionais, com essa
renegociação FHC ganhou a confiança da “comunidade financeira internacional” para apoiá-
lo na disputa presidencial277.
O Plano Real278, cujo êxito no combate à inflação mostrava-se central para projetar
FHC em sua campanha eleitoral, resultava de uma exigência internacional, dado que o afluxo
de capital financeiro que começaria a emergir principalmente na década de 1990 requereria,
para continuar seu movimento aos países periféricos, uma desregulamentação financeira e
275
“No primeiro governo, com a implementação do Plano Real, a lógica de valorização e a política econômica
do capital financeiro se impuseram de forma cabal – com a estabilização monetária apoiada na valorização
cambial e em taxas de juros elevadas, acompanhadas de desregulamentação e abertura comercial e financeira,
privatização e desregulação do mercado de trabalho –, dando continuidade ao programa de Collor”
(FILGUEIRAS, 2005, p. 13-14).
276
Apesar da retórica de que com a renegociação a dívida seria diminuída, o que se constatava era o contrário.
De acordo com Carcanholo (2003, p. 50), “o crescimento da dívida externa nos anos 90 é nítido, passando de um
total de US$ 115,5 bilhões em 1989 para US$ 241,2 bilhões dez anos depois, um aumento de quase 109% na
década. Os gastos com o serviço dessa dívida também mostraram um crescimento considerável de US$ 24
bilhões no final da década de 80 para US$ 62,8 bilhões ao término da década passada. Deve-se ressaltar,
entretanto, que o serviço da dívida externa experimentou certo recuo no início da década de 90, muito por causa
da renegociação da dívida externa nos moldes do Plano Brady encerrada em 1994. A partir desse momento, a
trajetória de crescimento do serviço da dívida acompanhou a elevação do endividamento do país”.
277
FHC em seu discurso no Senado Federal, após a conclusão da renegociação da dívida externa, declarou “que
estava „extremamente feliz com o fim do problema da dívida externa‟. Admitiu também que um dos
condicionantes do FMI era a vinculação direta do real ao dólar norte-americano, além do receituário tradicional
do Fundo: equilíbrio fiscal, austeridade monetária, superávit comercial e a agilização do programa de
privatizações” (BATISTA JR.; RANGEL, 1994, p. 5).
278
O Plano Real foi implementado em 3 fases, a saber: em primeiro lugar, o governo adotou um Programa de
Ação Imediata, o PAI, que foi um mecanismo de equilíbrio orçamentário, uma vez que o governo, com o fim da
inflação, teria dificuldades em fechar suas contas e criou o FSE (Fundo Social de Emergência) e a IPMF
(Imposto sobre Movimentação Financeira), sendo o FSE o responsável justamente por tirar recursos da área
social, garantidos pela constituição de 1988, para o governo manejar da maneira que quisesse. A segunda fase
consistiria na criação de um mecanismo original de transição, um índice único e obrigatório de indexação que
restituiria a função de unidade de conta da moeda, assim criou-se a URV. A terceira fase seria responsável pela
restauração das duas outras funções da moeda, ou seja, a de servir como meio de troca e reserva de valor, assim
ocorreria a transformação da URV em Real (OLIVEIRA, 1996). Para mais informações ver: Filgueiras (2006).
172
279
Braga (1997, p. 199), referindo-se ao modelo, ressaltou que o mesmo defendia “a estabilização monetária, a
qualquer custo, em que se salientam a desindustrialização, a desnacionalização e a expansão de circuitos de
valorização patrimonial e financeira”.
280
Nas palavras de Furtado (1999, p. 29), “É sabido que essa nova política foi concebida nos Estados Unidos,
com a colaboração de técnicos do Fundo Monetário Interacional, o que explica que não se haja tido em conta as
peculiaridades do processo legislativo brasileiro, o qual está longe de ter o nível de racionalidade ao gosto dos
tecnocratas [...]. A estratégia desse órgão [FMI] baseia-se em uma compressão da demanda para aumentar a
capacidade de pagamento do serviço da dívida externa de mais longo prazo. A inovação está em que a recessão
deixa de ser vista como um mal para ser considerada o objetivo a ser perseguido”.
281
Para mais informações sobre as posições da FIESP na década de 1990, ver Deo (2005).
282
De acordo com Furtado (1999, p. 28-29), “como era de prever, a estabilidade de preços engendrou um grave
desequilíbrio na balança de pagamentos. À diferença do ocorrido no passado, quando se enfrentava esse tipo de
desequilíbrio manipulando o câmbio, desta vez, privilegiou-se a estabilidade de preços, buscando o
endividamento de curto prazo mediante a elevação exorbitante da taxa de juros. Essa política de juros altos
provocou uma redução dos investimentos produtivos e uma hipertrofia dos investimentos improdutivos. O país
começou a projetar a imagem de uma economia distorcida que se endividava no exterior para financiar o
crescimento do consumo e investimentos especulativos, alienando o patrimônio nacional mediante um programa
de privatizações [...]. A dimensão do passivo externo praticamente dobrou entre 1994 e 1998, passando de 35%
para 65% do PIB [...]. Isso significou a opção consciente pelo endividamento externo na estratégia de combate à
inflação”.
283
Para se ter uma ideia do montante que o Estado brasileiro destina para os compromissos da dívida pública, “a
peça orçamentária de 2013 reserva 900 bilhões de reais (correspondente a 42% do Orçamento Geral da União)
para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos, por exemplo, 71,7 bilhões
para educação, 87,7 bilhões para a saúde, e 5 bilhões para a reforma agrária”. Disponível em:
http://www.brasildefato.com.br/node/10613.
173
284
“Essa permanente instabilidade – que acompanha o país desde a crise do México em dezembro de 1994 e que
se evidenciou sucessivamente e de forma cada vez mais crítica, nas crises da Ásia em 1997, da Rússia em 1998,
do próprio Brasil em 1999, da Argentina em 2001 e, de novo, do Brasil em 2002 – está associada a uma grande
dependência da dinâmica econômica brasileira para com o capital financeiro nacional e internacional, que se
alimenta das altas taxas de juros pagas pelos títulos das dívidas interna e externa” (FILGUEIRAS, 2006, p. 196).
285
De acordo com Carcanholo (2003, p. 50), “a estratégia de abertura, potencializada pelos efeitos da
sobrevalorização cambial da segunda metade da década [1990], levou a um processo de stop and go na trajetória
de crescimento do país. Qualquer melhora conjuntural que elevasse a renda nacional provocaria aumento da
demanda por importações, agravando o déficit em transações correntes e definindo a necessidade de reduzir esse
nível de renda. A variável-chave para isso sempre foi a taxa de juros que, mantida em níveis elevados, conseguiu
não só reduzir o nível de renda a patamares condizentes com a restrição externa, mas também manter o fluxo
positivo de capitais externos”.
286
É importante lembrar que FHC manteve o real valorizado até a sua reeleição e no primeiro mês de seu
segundo mandato já promoveu uma forte desvalorização da moeda na tentativa de reduzir os déficits em
transações correntes e a fuga de capitais foi minorada com empréstimos por parte do FMI e a exigência de metas
de inflação, câmbio flexível e superávit primário, o que ficou conhecido como tripé macroeconômico.
287
Esses argumentos estavam respaldados no relatório do Banco Mundial de 1991. De acordo com este
documento, “a estratégia de crescimento com base na proteção à indústria nascente teria levado à redução da
concorrência e à distorção de preços relativos, reduzindo o ritmo de crescimento do investimento e do aumento
da produtividade dessas economias. O documento se vê em dificuldades para explicar o sucesso asiático fundado
em altas doses de intervencionismo” (CARNEIRO, 2009, p. 18).
174
para justificar as privatizações. Tratou-se da defesa do “Estado mínimo e mercado livre” 288
(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p. 29).
Apesar de todas as mudanças promovidas pelo governo FHC, com o argumento de
que o país então “emergente” saltaria para a categoria dos países desenvolvidos, os resultados
foram desastrosos ao fim de seu primeiro mandato. Filgueiras (2006, p. 175) os elencou da
seguinte maneira:
O legado de FHC tornou-se ainda mais prejudicial pelas privatizações289, uma vez
que as receitas com os leilões das empresas estatais não amenizaram a dívida pública, muito
menos os déficits em transações correntes. Entre os motivos, certamente esteve o elevado
patamar das taxas de juros, que aumentava a dívida pública de maneira mais acelerada do que
as receitas com os leilões seriam capazes de cobrir. A maior parte dos gastos do governo FHC
foi destinada justamente para o pagamento dos serviços da dívida pública, em contínuo
crescimento. Deste modo, o Brasil desindustrializava-se290 enquanto o governo priorizava a
remuneração do rentismo, satisfazendo os anseios do capital internacional nesta fase da
internacionalização financeira.
288
Ressalta-se que a privatização estava entre os dez pontos elencados no Consenso de Washington, que foram:
“1) disciplina fiscal; 2) priorização dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) liberalização financeira; 5)
regime cambial; 6) liberalização comercial; 7) investimento direto estrangeiro; 8) privatização; 9) desregulação;
e 10) propriedade intelectual” (BATISTA, 1994, p. 18).
289
“O processo de privatização realizado no primeiro governo FHC (1995-98) foi extraordinário, segundo
quaisquer padrões históricos, inclusive internacionais” (GONÇALVES, 1999, p. 142).
290
Para se ter uma ideia da desindustrialização brasileira, a China passou a ser o principal parceiro comercial do
Brasil e as exportações nacionais para o país asiático se tornaram predominantemente de produtos primários. Na
década de 1990 exportávamos 19,5% de produtos primários e 80,5% produtos industrializados; na década
seguinte, 1990, esses números mudaram para 68% de produtos primários e 32% de produtos industrializados; e
entre 2000 e 2008, 77,5% foram produtos primários e 22,5% produtos industrializados, sendo que destes últimos,
12,2% estão relacionados a produtos naturais (CANO, 2012).
175
291
“A privatização, como programa de governo se inicia, no Brasil, com o Decreto 86.215, de julho de 1981,
ainda no governo Figueiredo. Nos dez anos que vão até a posse de Collor, sempre houve um programa oficial em
curso. Formalmente apenas o Chile, na América Latina, iniciou antes a privatização” (PRADO, 1994, p. 89).
292
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-83740-18-julho-1979-433047-
publicacaooriginal-1-pe.html.
293
No governo FHC também foi criado um Ministério para levar adiante as privatizações, denominado
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, tendo Bresser-Pereira à frente desse ministério
durante todo o seu primeiro mandato.
294
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-86215-25-julho-1981-435410-
publicacaooriginal-1-pe.html.
295
“Fica atribuído ao Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN), ao
Ministro da Fazenda e ao Ministro Extraordinário para a Desburocratização o encargo de, sob a coordenação do
176
Tabela 35
Privatizações em 1981 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Cia. América Fabril 28,7
Cia. Recôncavo Baiano 5,0
Total 33,7
Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.
Tabela 36
Privatizações em 1982 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Riocell Administ. S.A. (holding) 77,5
Riocell Trade GMBH
Rio Grande Cia. de Celulose do Sul
Florestal Rio Cell
Cia. Pernambuca de Borracha Sintética (Coperbo) 24,7
Fábrica de Tecidos Dona Isabel 16,8
Indústria Brasileira de Papel 3,2
Força e Luz Criciúma S.A. 2
Método Org. Plan. e Adm. De Sistemas Empresariais Ltda. 0,114
Total 124,314
Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.
S.A. por US$ 2 milhões. A sexta maior privatização, por sua vez, resultou da venda da
Método Org. Plan. e Adm. de Sistemas Empresariais Ltda., por US$ 114,65 mil. A Método
era uma consultoria sob comando da DATAMEC (CONSELHO..., [1985]).
Em 1983 foram desestatizadas cinco empresas estatais, conforme tabela 37,
totalizando US$ 31,2 milhões.
Tabela 37
Privatizações em 1983 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Cia. Brasileira de Cimento Portland Perus 15,8
Estrada de Ferro Pirapora e Cibrape
Federal de Seguros S.A. 7,1
Nitriflix S.A. 5,3
Óleos de Palma S.A. 3,0
Total 31,2
Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.
Tabela 38
Privatizações em 1984 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Livraria José Olympio Editora S.A. 0,281
Encine Audiovisual S.A.
Sidacta S.A.
Fiação e Tecelagem Luftala 0,02
Total 0,301
Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.
A principal venda em 1984 foi a Livraria José Olympio Editora S.A. juntamente com
a venda da Encine Audiovisual S.A. e da Sidacta S.A., todas firmas relacionadas ao setor de
Editoração, sob controle da BNDESPar, que foram compradas por Henrique Sergio Gregori,
por US$ 281,21 mil. Também foi desestatizada naquele ano a Fiação e Tecelagem Luftala,
adquirida pelo Grupo Carettoni pelo valor de US$ 2 mil (CONSELHO..., [1985]).
Se analisadas pelo âmbito setorial, as desestatizações do governo ditatorial de
Figueiredo foram diversificadas e não apresentaram um setor prioritário. Houve desde
desestatização de editora, tecelagem a setor de celulose, papel e energia. Dentre os setores
privatizados, a maior arrecadação ocorreu no de celulose, com receita de US$ 77,5 milhões.
296
Disponível em:
file:///C:/Users/User/Desktop/XYZ/DECRETO%20N%C2%BA%2091.991,%20DE%2028%20DE%20NOVEM
BRO%20DE%201985%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-
%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.html.
297
O CIP era constituído “pelos Ministros de Estado, Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da
República, que o presidirá; Fazenda; Extraordinário para a Desburocratização; Indústria e do Comércio; e pelos
Ministros de Estado que tenham empresa vinculada à sua Pasta incluída no Programa de Privatização”
(DECRETO 91.991, 1985, n/p).
180
É importante ressaltar que a maior parte das empresas privatizadas entre 1987 e 1989
relacionava-se à nova estratégia da BNDESPar299. A diretriz era se desfazer das empresas e
das participações que haviam sido adquiridas entre 1982 e 1985 em função das dificuldades
financeiras dessas empresas que não conseguiram “pagar os financiamentos que obtiveram do
BNDES e/ou honrar avais e fianças concedidos pelo Banco [...] e que concentravam mais de
50% do volume de seus desembolsos no período 1982/85” (PRIVATIZAÇÃO..., 1992, n/p).
A partir de 1986, foi decidido que a BNDESPar adotasse medidas para privatizar essas
empresas.
298
Em novembro de 1986, com o Decreto no 93.606, foram promovidas algumas alterações em relação ao
Decreto de 1995, notadamente no que diz respeito à CIP, que seria a responsável pela contratação da empresa
privada para promover o assessoramento da privatização. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-93606-21-novembro-1986-443812-
publicacaooriginal-1-pe.html.
299
“A BNDESPar foi constituída em julho de 1982, como sucessora das empresas Mecânica Brasileira S.A. –
Embramec, Financiamento e Participações de Insumos Básicos S.A. – Fibase e Investimentos Brasileiros S.A. –
Ibrasa, subsidiárias do BNDES criadas em 1975 no âmbito da política governamental para promover a
capitalização da empresa privada nacional” (PRIVATIZAÇÃO..., 1992, n/p).
181
300
Disponível em:
file:///C:/Users/User/Desktop/XYZ/Decreto%20n%C2%BA%2095.886,%20de%2029%20de%20Mar%C3%A7o
%20de%201988%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-
%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.htm.
301
“Art. 5º. O Conselho Federal de Desestatização será integrado pelos seguintes membros:
I - Ministro Chefe da SEPLAN, que será seu Presidente;
II - Ministro da Fazenda, que substituirá o Presidente em suas faltas ou impedimentos;
III - Ministro da Indústria e do Comércio;
IV - Ministro do Trabalho;
V - representante dos trabalhadores; e
VI - representante dos empresários.
§ 1º Participarão das reuniões do Conselho:
a) com direito a voto, o Ministro cuja área de competência se relacione a matéria em pauta;
b) sem direito a voto, o Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e o
Presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
§ 2º Os representantes classistas (itens V e VI) serão nomeados pelo Presidente da República, mediante
indicação das respectivas categorias, por intermédio do Ministro Chefe da SEPLAN.
§ 3º O Presidente terá, além do voto ordinário, o de qualidade” (DECRETO 95.886, 1988, n/p).
302
“Explicita-se agora a posição do BNDES como agente operacional do processo, respondendo inclusive pelas
suas despesas operacionais, e ampliam-se as atribuições das empresas de consultoria. Ainda assim, o modelo de
1988 mantém claramente o controle das vendas nas mãos do burocrata ministerial, através dos Grupos de
Trabalho” (PRADO, 1994, p. 93).
182
empresa Comercial Claudio Gaertner S.A., pelo valor de US$ 420 mil (CONSELHO..., 1990).
No ano de 1987, por sua vez, ocorreu a privatização de seis empresas estatais, conforme
tabela 39, alcançando uma arrecadação de US$ 34,8 milhões.
Tabela 39
Privatizações em 1987 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Cia. de Tecidos Nova América 15,8
Siderúrgica Nossa Senhora Aparecida 12,9
Engematic 3,8
Máquinas Piratininga do Nordeste S.A. 1,4
Fermag 0,853
Máquinas Piratininga S.A. 0,106
Total 34,859
Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.
A maior venda em 1987 foi a da Cia. de Tecidos Nova América, que era comandada
pela BNDESPar, e foi comprada por Multifabril S.A. (Grupo Cataguazes-Leopoldina), pelo
valor de US$ 15,8 milhões. Já a segunda mais importante privatização correspondeu a da
Siderúrgica Nossa Senhora Aparecida, controlada pela BNDESPar, que foi comprada por
Villares Indústria de Base S.A. (VIBASA), por US$ 12,9 milhões.
Ainda de acordo com a tabela 39, a Engenharia Hidráulica e Instrumentos S.A.
(ENGEMATIC), sob controle da Embraer, foi a terceira maior venda daquele ano, tendo sido
adquirida pela Enginstrel Instrumentos Elétricos, por US$ 3,8 milhões. Em seguida, em
termos de valor, ocorreu a venda da Máquinas Piratininga do Nordeste S.A., do setor de bens
de capital e controlada pelo BNDESPar, que foi adquirida pela Cia. de Cimento Portland
Poty, por US$ 1,4 milhão.
A quinta mais significativa venda do Estado em 1987, por seu turno, foi a da Ferritas
Magnéticas S.A. (Fermag), controlada pela CVRD, que foi arrematada pela Araldi
Participações S.A., pelo valor de US$ 853,2 mil. E, por fim, a privatização da Máquinas
Piratininga S.A., também de bens de capital, que correspondeu a uma arrecadação de US$ 106
mil. Ela também era controlada pela BNDESPar e foi arrematada pela Wyppertal Indústria de
Máquinas Ltda. (CONSELHO..., 1990).
Em 1988, de acordo com a tabela 40, foram desestatizadas mais seis empresas, com
destaque para a venda da Aracruz Celulose S.A., controlada pela BNDESPar, que foi
adquirida por Albatroz S.A. por US$ 133,8 milhões e por 7.860 novos acionistas que pagaram
183
US$ 21 milhões em leilão realizado no início de 1989. Esta empresa teve suas ações sobrantes
compradas por vários novos acionistas por US$ 1,4 milhão.
Tabela 40
Privatizações em 1988 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Aracruz Celulose S.A. 156,2
Caraíba Metais S.A. 87,1
Cepalg 72,7
Cimetal Siderúrgica S.A. 59,0
Sibra 47,6
Cosin 4,1
Total 426,7
Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.
Conforme a tabela 40, o total de privatizações em 1988 atingiu US$ 426,7 milhões, o
volume mais expressivo de todo o mandato de Sarney. Depois da Aracruz, em valor, a mais
importante privatização foi a da Caraíba Metais S.A. Esta empresa estava sob direção da
BNDESPar e foi comprada por uma Associação constituída por S.A. Marvin, Cia. Paraibuna
de Metais e Banco da Bahia Investimentos S.A., por US$ 87,1 milhões.
A terceira maior desestatização daquele ano foi a da Cia. Guatapará de Celulose e
Papel (Cepalg), administrada pela BNDESPar. Ela foi arrematada por Indústrias Votorantim
S.A. pelo valor de US$ 72,7 milhões. A quarta mais significativa venda do Estado, por sua
vez, correspondeu a da Cimetal Siderúrgica S.A. Até então sob administração da BNDESPar,
esta empresa foi vendida em leilão para três grupos de acionistas: o Grupo Gerdau
desembolsou US$ 37,5 milhões, o Grupo Inonibras pagou US$ 11,2 milhões, e “outros” 303,
US$ 10,3 milhões.
Segundo a tabela 40, em quinto lugar, esteve a venda da Eletrosiderúrgica Brasileira
S.A. (SIBRA), que atuava no setor de ferro-ligas. Ela era controlada pela BNDESPar e foi
vendida em três fases, sendo comprada por Ferro Ligas do Norte S.A., que desembolsou US$
29 milhões, NKK/Marubeni Corporation, que pagou US$ 5,4 milhões, e “diversos”304, que
arremataram suas ações por US$ 13,2 milhões. Por último naquele ano em valor esteve a
venda da Cia. Siderúrgica de Mogi das Cruzes (Cosin), que atuava na área de tubos.
303
Nos relatórios do BNDES não constam informações sobre quem seriam os acionistas enquadrados sob
denominação “outros”. A regra da Bolsa de Valores é que acionistas com menos de 5% do capital não são
obrigados a revelar seus nomes.
304
Nos relatórios do BNDES não constam informações sobre quem seriam os acionistas enquadrados sob
denominação “diversos”.
184
Controlada pela Siderbrás, ela foi adquirida por JSD Comercial Ltda. (Duferco), pelo valor de
US$ 4,1 milhões (CONSELHO..., 1990).
No último ano do mandato, Sarney reduziu o volume de privatizações para quatro
empresas, que totalizaram uma arrecadação de US$ 84 milhões (tabela 41).
Tabela 41
Privatizações em 1989 (em US$ milhões)
Empresa Privatizada Valor da Venda
Usina Siderúrgica da Bahia 54,2
Cia. Celulose da Bahia 14,4
Cia. de Ferro e Aço de Vitória 8,2
Cia. Brasileira de Cobre 7,2
Total 84,0
Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.
305
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8031-12-abril-1990-375980-
publicacaooriginal-1-pl.html.
306
Para Prado (1994, p. 100), “a agenda básica assumida pelo programa de Collor é exatamente, com alterações
pequenas, aquela já proposta no „Plano Verão‟ (janeiro de 1989) e no „Plano de Emergência‟ (agosto de 1989).
Em grande parte, os elementos centrais do programa Collor estavam dados ou esboçados já em 1988-1989.
Faltava força política para implementar, o que não faltará, pelo menos inicialmente, ao novo Presidente eleito”.
186
307
“O processo de venda adotado pelo BNDES, cegamente controlado pelo mercado, impede que o governo
tenha qualquer controle sobre o „day after‟ da privatização, ou seja, sobre a atuação dos novos proprietários na
gestão dos setores. Em outros países, como México e Argentina, a privatização é negociada previamente a partir
de propostas integradas de preço e compromissos de inversão futura, cabendo à burocracia governamental
selecionar as propostas que sejam tidas como mais adequadas” (PRADO, 1994, p. 150).
308
A Comissão Diretora do PND era um “órgão de deliberação colegiada composto de oito a doze membros
efetivos e igual número de suplentes, nomeados pelo Presidente da República; e o BNDES, como instituição
gestora do FND, com a responsabilidade de supervisionar o trabalho dos consultores privados e de efetivar o
processo de desestatização. O presidente do BNDES é o presidente da Comissão Diretora, onde tem voto de
qualidade” (PROGRAMA..., 1992, p. 5).
309
Tanto foi assim que o setor siderúrgico (que junto com os setores elétricos e de transporte somavam 50% da
dívida externa brasileira em 1986), o primeiro a ser privatizado, teve “a transferência da maior parte da dívida
para a „holding‟. Com a extinção da Siderbrás no governo Collor, a transferência definitiva da dívida para o
Tesouro se completa” (PRADO, 1994, p. 104).
187
A venda das empresas estatais era feita principalmente por meio de leilões na Bolsa
de Valores312. Uma menor parte das ações das empresas, em torno de 10%, se destinavam aos
funcionários ativos e aposentados das estatais. Essas ações não eram vendidas por intermédio
310
“Uma dessas firmas executava o chamado Serviço A, que compreende a avaliação econômico-financeira da
empresa e a proposição do preço mínimo de venda. A segunda, responsável pelo Serviço B, realiza o mesmo
trabalho e atua também em todo o processo como agente de desestatização, desse modo „privatizando-se o
processo de privatização‟.
O Serviço B inclui os seguintes tipos de serviços técnicos:
- Avaliação econômico-financeira e patrimonial da empresa
- Montagem e execução do processo de desestatização
- Proposta de sistemática para alienação de ações
- Atuação junto ao mercado de capitais
- Preparação de informações a terceiros
- Acompanhamento e assessoramento do procedimento de venda
- Auditoria especial da empresa” (PROGRAMA..., 1992, p. 17).
311
Nem por isso deixaram de haver inúmeras denúncias de irregularidades no processo de privatização e nos
valores estimados para a alienação das ações. Entre 1991 e 1992 foram interpostos 90 procedimentos judiciais
contra as privatizações: 11 ações civis públicas; 3 ações ordinárias; 21 ações populares; 2 interpelações judiciais;
13 mandados de segurança; 36 medidas cautelares e 4 outras medidas (PROGRAMA..., 1993).
312
“Todos os leilões são realizados no âmbito do Sistema Eletrônico de Negociação Nacional – SENN, criado
pela Comissão Nacional de Bolsas de Valores – CNBV, que abrange todo território nacional, através de nove
Bolsas de Valores (A Bolsa de Valores de São Paulo não integra a SENN, embora as corretoras a ela associadas
possam participar do Sistema)” (PROGRAMA..., 1992, p. 37).
188
de leilões, apenas seriam leiloadas se não fossem adquiridas em sua totalidade pelos
funcionários e aposentados.
A Lei 8.031 estabeleceu ainda um limite para a participação do capital estrangeiro
nos leilões de 40% e determinou uma participação máxima, em caráter excepcional, de 15%
para a compra de ações de uma empresa estatal por outra estatal. Não havia no documento a
preocupação com uma reestruturação produtiva do país no sentido de fortalecê-lo ante a nova
divisão internacional do trabalho. Para Prado (1994, p. 101, grifos do autor), “a construção de
um processo de privatização radicalmente subordinado a ajustes fiscal e patrimonial de curto
prazo exigiu não somente desconsiderar como bloquear de todas as formas a introdução de
objetivos e prioridades derivados de políticas de reestruturação produtiva”.
No primeiro relatório do I PND do governo Collor, em 1991, era sinalizado que
seriam seguidas as diretrizes estabelecidas pela Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990, que iam
ao encontro das propostas de privatizações estabelecidas pelo Consenso de Washington, cujo
objetivo era o aprofundamento das políticas neoliberais no país. Era reconhecido também no
relatório que as empresas haviam sido criadas pelo Estado principalmente “por se tratar de
empreendimentos de longo prazo de maturação [e] por desinteresse do setor privado, face à
baixa atratividade esperada ou regulamentação inadequada” (PROGRAMA..., 1992, p. 2).
Além disso, se ressaltava que houve “empresas que se tornaram estatais em função da
intervenção governamental para evitar sua falência” (PROGRAMA..., 1992, p. 2) e outras que
foram adquiridas da iniciativa privada313.
Para o governo, “a intervenção estatal no setor produtivo da economia tornou-se
desaconselhável [porque] deixou de haver razão para que as empresas criadas como
empreendimentos privados, sem nenhuma conexão específica com atividades essenciais do
governo, continuassem sob controle estatal” (PROGRAMA..., 1992, p. 2). Ainda, para a
equipe econômica, os fundamentos que tentavam justificar a “intervenção estatal no setor
produtivo foram esvaziados devido não só à maturidade já alcançada por setores não mais
considerados estratégicos, como também pela situação crítica das finanças governamentais,
que erodiu a capacidade de poupança do setor público” (PROGRAMA..., 1992, p. 2).
O processo de desestatização do governo Collor iniciou-se pelas empresas estatais
ligadas ao setor produtivo, sobretudo as relacionadas à infraestrutura314. O argumento do
presidente, preso à retórica neoliberal de que o Estado só deveria investir em empresas e
313
Isso mostrava muitas vezes que o setor privado não era tão eficiente quanto o discurso privatizante anunciava.
314
“A fase inicial de desestatização das empresas governamentais não estratégicas será seguida pela
desestatização da infraestrutura e dos serviços públicos, que necessita de atenção especial, consideradas suas
características, em muitos casos, de um monopólio natural” (PROGRAMA..., 1992, p. 3).
189
setores infantes e/ou que não fossem do interesse do capital privado, o levava a direcionar as
suas atenções para aquilo que ele entendia como “atividades essenciais”. De maneira vaga, no
relatório, as atividades consideradas estratégicas e de responsabilidade direta do governo se
relacionavam à “educação, saúde, bem-estar social e qualidade de vida” (PROGRAMA...,
1992, p. 2). Essas atividades não diziam respeito ao setor produtivo, ou seja, as empresas
estatais do setor produtivo não eram mais vistas como estratégicas e importantes para o
Estado brasileiro.
No relatório, o eixo central do programa de desestatização correspondia à defesa da
iniciativa privada. Como se as empresas estatais brasileiras não tivessem, em geral, sua
constituição e sua gestão voltadas a atender as necessidades das empresas privadas, o
argumento sustentava que, “com a venda das empresas estatais ao setor privado, sua gestão
[passaria] a ser realizada visando-se essencialmente a eficiência econômica” (PROGRAMA...,
1992, p. 3). Ainda que se reconhecesse que na década de 1980 o desempenho de grande parte
das empresas estatais havia sido “prejudicado por diretrizes governamentais geradoras, entre
outras distorções, de endividamento externo excessivo, defasagem de preços e aquisições
compulsórias de títulos governamentais” (PROGRAMA..., 1992, p. 3), o governo não
mostrava quais seriam os verdadeiros motivos dessas medidas sobre as empresas estatais
durante a década de 1980. Ou seja, não assumia que o endividamento das empresas privadas
era para que repassassem bens e serviços a preços baixos às multinacionais, com o argumento
de conter a inflação.
Assim, a equipe econômica defendia que a venda das empresas estatais promoveria
tanto a eficiência em sua gestão quanto o fortalecimento econômico do país. O governo
inclusive se comprometeria a promover “o desenvolvimento de uma política de fixação de
preços adequada à atração do capital privado” (PROGRAMA..., 1992, p. 3). Isso significava
na prática que, enquanto estatais, a política de preço do SPE era orientada para subvencionar
os lucros do setor privado, mantendo os preços de seus bens e serviços abaixo da inflação, e
quando privatizadas, essas empresas continuariam a prover os lucros privados, só que a partir
de então com aumento expressivo de seus preços, até mesmo acima da inflação.
O conjunto de empresas estatais inclusas no PND de 1991 envolvia os setores de
siderurgia, petroquímica e fertilizantes, porque estes eram considerados pela Constituição
como “áreas livres”315, ou seja, passíveis de serem transferidos para o setor privado:
315
As divisões se davam da seguinte maneira:
“1) Áreas de Monopólio: prospecção, refino e transporte de petróleo e gás natural: PETROBRÁS;
190
Tabela 42
Privatizações em 1991 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Usiminas 1.112,40
Celma 90,7
Mafersa 48,4
Cosinor 13,7
Total 1.265,20
Fonte: PROGRAMA... (1992). Elaboração própria.
O valor total arrecadado com as privatizações no ano de 1991 foi de US$ 1,26 bilhão.
Nota-se a grande importância da venda da Usiminas, por US$ 1,1 bilhão316, ou seja, ela
respondeu por quase todo o montante das privatizações daquele ano. No relatório de
atividades de 1991 era reconhecida a importância e a capacidade produtiva da Usiminas,
“considerada uma das mais eficientes em termos mundiais” (PROGRAMA..., 1992, p. 49) e
que teve incorporada antes de sua privatização a Usiminas Mecânica S.A. (UNIMEC). O
início das privatizações em 1991 pela Usiminas foi entendido por Prado (1994, p. 133, grifos
do autor) da seguinte forma: “A escolha de uma grande empresa lucrativa e atraente ao
investidor privado [maximizava] as chances de sucesso e [atuava] como „rolo compressor‟
sobre a oposição política. [Envolvia] por outro lado o risco inerente do „tudo ou nada‟”.
2) Áreas de Concessão Estatal: serviços públicos que podem ser realizados por concessão exclusivamente
empresa de capital estatal. Serviços telefônicos, telegráficos e de transmissão de dados: TELEBRÁS;
3) Áreas de Livre Concessão: serviços públicos que podem ser realizados sob concessão a agentes privados:
energia elétrica: ELETROBRÁS, portos: PORTOBRÁS, ferrovias: RFFSA, águas e esgotos, infraestrutura
aeroportuária e rodovias interestaduais; e
4) Área livre: demais empresas industriais e de serviços em geral: SIDERURGIA, PETROQUÍMICA,
MINERAÇÃO e outros” (PRADO, 1994, p. 102, grifos do autor).
316
O preço da Usiminas chegou a quase US$ 1,5 bilhão, em razão de venda posterior de ações remanescentes
(PROGRAMA..., 1994).
192
318
Para se ter uma ideia do tamanho que o banco atingiria com as privatizações, em 1996 ele já atuava em 40
empresas, desde setor agrícola, como café e laranja, à infraestrutura como energia, siderurgia, além da área
mineral, de fertilizantes e imobiliária (GRUPO..., 25/04/1996, p. C1).
319
Nippon Steel Corp. é uma multinacional japonesa, maior produtora mundial de aço líquido (A USIMINAS...,
08/09/1997, p. A1 e C4).
193
n/p)320. O bom desempenho da Usiminas por vários anos relacionou-se à melhoria dos preços
dos seus produtos, à expansão das empresas do setor automobilístico e de eletrodomésticos,
que aumentavam sua produção no país, e menos aos argumentos de melhoria de gestão após a
privatização. Em novembro de 1993, por exemplo, ela fechou contrato com a Autolatina para
o fornecimento de 3 mil toneladas de chapas de aço galvanizado, num total de US$ 2 milhões.
(USIMINAS..., 23/11/1993, p. 25).
A segunda maior privatização de 1991 foi a da Companhia Eletrônica Celma S.A.
(tabela 35). Ela era uma empresa de reparo de turbinas e fabricava peças de motores de avião,
com sede no Estado do Rio de Janeiro. Suas ações estavam distribuídas entre a União
(85,8%), a Pratt & Whitney (10,8%), o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) (3,3%) e
outros acionistas antigos (0,1%). Após leilão, cuja venda somou US$ 90,7 milhões, a
distribuição de seu capital acionário passou a ser: Banco Boa Vista (21,4%), Banco Safra
(21,4%), Construtora Andrade Gutierrez (21,4%), Pratt & Whistney (10,8%), General Eletric
do Brasil (9,7%), Fundo de Pensão dos Funcionários da Telebrás – Telos (5,3%), pessoas
físicas (4,0%), empregados (3,0%), Banco Bradesco (1,9%), Banco Montreal (Montrealbank)
(1,1%) e outros acionistas antigos (0,1%) (PROGRAMA..., 1993).
A Mafersa S.A., por sua vez, representou a terceira maior privatização de 1991
(tabela 35). Ela produzia vagões e carros ferroviários, carros de metrô, ônibus urbanos e rodas
forjadas e contava ainda com duas unidades em São Paulo e uma em Minas Gerais. Sua
propriedade era dividida entre o BNDES (99,9%) e acionistas antigos (0,1%). Após leilão,
quando foi vendida por US$ 48,4 milhões, sua distribuição ficou com o Fundo de Pensão dos
Ferroviários da Rede Ferroviária Federal (REFER) (99,8%), acionistas antigos (0,1%) e
empregados (0,1%) (PROGRAMA..., 1992).
Já a quarta maior privatização de 1991, em valor, foi a da Companhia Siderúrgica do
Nordeste (COSINOR), instalada em Pernambuco, que era responsável pela produção de
“laminação de vergalhões de aço para a construção civil” (PROGRAMA..., 1992, p. 49). Suas
ações pertenciam ao BNDES (99,8%) e a outros acionistas (0,2%) Após leilão em que foi
vendida a US$ 13,7 milhões, as ações do BNDES foram adquiridas pela Gerdau.
Em 1991, o relatório de atividades sinalizava os caminhos que o PND deveria seguir
para o próximo ano: promover a desestatização de 15 a 20 empresas, dentre elas: a Açominas,
a Cosipa, a CSN e a Embraer (PROGRAMA..., 1992). Também estabelecia que o BNDES
320
Em 2016, apesar de ter adotado um gestão privada orientada pelo mercado, a empresa entrou em recuperação
judicial contradizendo os arautos do neoliberalismo que defendiam a eficiência da administração privada.
195
Tabela 43
Privatizações em 1992 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) 797,1
Cia. Aços Especiais Itabira (Acesita) 465,4
Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) 347,4
Petroflex Ind. e Com. S.A. 234,1
Fertilizantes Fosfatados (Fosfértil) 182,0
Aços Finos Piratini S.A. 107,9
Companhia Nacional de Álcalis (CNA) 81,4
Companhia Industrial de Polipropileno (PPH) 59,4
Polisul Petroquímica S.A. 56,8
Nitriflex S.A. Ind. e Com. 26,2
Goiás Fertilizantes S.A. (Goiasfértil) 13,0
Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP) 12,0
Companhia Brasileira de Estireno (CBE) 10,9
Indag S.A. 6,80
Total 2.400,4
Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria.
322
Disponível em: http://anexos.radaroficial.com.br/9c8c860e092fd3de816fc1390a000357.pdf.
323
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/copene-garantias.shtml.
200
1996 pela Acesita, que em 1998 passaria a ser controlada pelo grupo francês Usinor. Já as
ações ordinárias do Bozano, Simonsen foram vendidas para a japonesa Kawasaki
(ACESITA..., 22/5/1996, p. C5). A saída do Bozano representou um aumento do poder dos
japoneses no bloco de controle da empresa. Já a entrada da Acesita, com a compra da
participação do Unibanco, levou à chegada dos franceses à empresa.
A saída dos bancos da CST foi bem lucrativa. As ações da empresa haviam se
valorizado 211% desde o leilão. A CST chegou a um valor de mercado (estimado pela
cotação de suas ações em bolsa) de US$ 1,1 bilhão em fevereiro de 1996, apenas quatro anos
após sua privatização, quando foi vendida por menos da metade deste valor (BANCOS...,
26/04/1996, p. A1 e C3) 324.
A venda das ações desses bancos aos estrangeiros ocorreu dias depois de a CVRD,
até então estatal e a terceira maior acionista da CST, renunciar ao direito de preferência na
compra das ações ordinárias pertencentes a esses acionistas. A empresa informou à época que
considerava alcançada sua estratégia, que era preservar o modelo de controle compartilhado
de gestão. A CVRD compartilhava até aquele momento o controle da CST com os outros
sócios, como a Kawasaki e os bancos. Assim, ela informou que manteria sua participação no
grupo controlador da CST – com 20,51% das ações ON – e renunciaria ao direito de
preferência de aquisição das ações ordinárias que seriam equivalentes a 41,03% do capital
social da CST (VALE..., 30/5/1996, p. C3; ACESITA..., 22/05/1996, p. C5). Curiosamente,
nesta ocasião, deve-se ressaltar que a CVRD renunciava ao controle mais consolidado de uma
empresa com faturamento em ascensão, com bons lucros e que já era considerada a maior
produtora de aços planos do país. Para se ter uma ideia do tamanho da CST, um ano após a
sua privatização ela mostrava um resultado positivo e um faturamento volumoso. Em 1994, o
faturamento chegava perto dos US$ 700 milhões, uma cifra 1 vez e meia superior ao valor da
sua venda em leilão em 1992. O lucro no mesmo ano somava US$ 288,6 milhões, mais do
que a metade do seu valor de venda325 (UM ANO..., 04, 05 e 06/12/1993, p. 28; LUCRO 1...,
07/02/1995326).
324
Além da valorização das ações no mercado, deve-se ressaltar que os bancos utilizaram “moedas podres” –
aquelas que não têm mais representação do seu valor de face e que dificilmente seriam negociadas no mercado –
para a compra de empresas durante as privatizações. Ao usar essas moedas, o seu desembolso efetivo equivaleu à
metade do valor da venda. Como justificou o presidente do Conselho de Administração do Unibanco, Roberto
Bornhausen, alguns anos depois: o Unibanco havia comprado parte da CST na privatização porque tinha moedas
podres e o leilão representava uma boa oportunidade de usá-las, mas não havia intensão de tornar-se um grande
participante em empresas fora do setor financeiro (BANCOS..., 26/04/1996, p. A1 e C1).
325
Em dezembro de 1997, a siderúrgica celebrava um contrato de financiamento de R$ 110 milhões com o
BNDES (CST..., 23/12/1997, p. C5).
326
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/2/07/dinheiro/21.html.
201
ainda maiores ao capital privado. Não por acaso, a Comissão Diretora do PND dizia acreditar
“que a ampliação do Programa, seja pela inserção de novas empresas e atividades, seja pela
criação de maiores oportunidades de participação de investidores, [propiciaria] condições
ainda melhores para tornar a economia mais eficiente e o Estado mais eficaz”
(PROGRAMA..., 1994, p. 6).
Para alcançar seu objetivo de atrair mais os capitais privados, o governo Itamar
Franco, por meio da Medida Provisória no 362, de 25 de outubro de 1993328, permitiu a
elevação da participação do capital estrangeiro no processo de privatização, que até então era
de 40%, para 100% do total das ações disponíveis em leilões329. Outras mudanças implantadas
por Itamar foram: i) Decreto 724, de 19 de janeiro de 1993330, que alterou a composição da
Comissão Diretora do PND331, com cinco membros ligados a ministérios e cinco a sete
membros constituídos de “pessoas de notório conhecimento”; ii) Medida Provisória 327, de
24 de março de 1993332, que mudou mais uma vez a composição da comissão diretora do
PND, desvinculando os cinco membros de ministérios como havia sido exigido anteriormente
pelo próprio governo Itamar333. Além disso, ficou estabelecido que esses membros após
indicados pelo presidente da República enfrentassem o crivo do Senado Federal; e iii) o
328
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1993/medidaprovisoria-362-25-outubro-1993-
372883-publicacaooriginal-1-pe.html.
329
“Art. 13. IV - a alienação de ações de empresas a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras poderá atingir cem
por cento do capital votante, salvo determinação expressa do Poder Executivo, que determine percentual
inferior” (MP 362, 1993).
330
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1993/decreto-724-19-janeiro-1993-336523-
publicacaooriginal-1-pe.html.
331
A nova composição passou a ser: “cinco dos cargos de membro titular, e respectivo número de suplentes,
serão exercidos pelos representantes dos Ministérios da Fazenda, do Trabalho, das Minas e Energia e dos
Transportes e da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República; e de sete a
dez cargos de membro titular, e respectivo número de suplentes, serão exercidos por pessoas de notórios
conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros, contábeis, de administração de empresas ou de mercado de
capitais” (DECRETO 724, 1993). A Lei original do PND (LEI 8.013, 1990) apenas estabelecia o quantitativo da
Comissão: “O Programa Nacional de Desestatização terá uma Comissão Diretora, diretamente subordinada ao
Presidente da República, cujos membros, titulares e suplentes, serão por ele nomeados, depois de aprovada a sua
indicação pelo Congresso Nacional” (MP 362, 1993).
332
Disponível em:
file:///C:/Users/User/Desktop/PND_BNDES/Medida%20Provis%C3%B3ria%20n%C2%BA%20362,%20de%20
25%20de%20Outubro%20de%201993%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-
%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.htm.
333
“O Programa Nacional de Desestatização terá uma Comissão Diretora, diretamente subordinada ao Presidente
da República, e vinculada tecnicamente ao Ministério da Fazenda, composta de quinze membros titulares e igual
número de suplentes, sendo:
I - o Presidente da Comissão Diretora indicado pelo Presidente da República, que o nomeará após aprovação do
Senado Federal, e terá voto de qualidade, além do pessoal;
II - quatro membros titulares e respectivos suplentes, exercidos por representantes de órgãos da Administração
Pública Federal, livremente nomeados pelo Presidente da República;
III - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pelo Presidente da República que os nomeará
após a aprovação pelo Senado Federal;
IV - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pela Mesa do Senado Federal e nomeados pelo
Presidente da República” (MP 327, 1993).
205
Tabela 44
Privatizações em 1993 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) 1.271,7
Aço Minas Gerais S.A. (Açominas) 598,5
Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) 359,8
Ultrafértil - Ind. E Com. De Fertilizantes S.A. 210,5
Poliolefinas S.A. 87,1
Oxiteno S.A. Ind. e Com. 53,9
Total 2.581,5
Fonte: PROGRAMA... (1994). Elaboração própria.
De acordo com a tabela 44, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi a mais
expressiva privatização do ano de 1993. Do total de US$ 2,58 bilhões arrecadados com todos
os leilões feitos em 1993, a CSN correspondeu a US$ 1,27 bilhão, praticamente a metade da
soma total do ano. O montante total de 1993 foi superior aos US$ 2,4 bilhões de 1992 e ao
US$ 1,6 bilhão de 1991334, totalizando nesse triênio quase US$ 6,6 bilhões. Foi quando
praticamente se concluiu a desestatização do setor de siderurgia no Brasil (PROGRAMA...,
1994).
A CSN, com sede em Volta Redonda (RJ) e capacidade de produzir 4,6 milhões de
toneladas de aço por ano, era “a maior siderúrgica integrada fabricante de produtos planos e
aço comum no país”335 (PROGRAMA..., 1994, p. 9). Suas ações eram quase todas de
propriedade da Siderbrás/Tesouro (90,8%) e a Caixa Beneficente dos Empregados da CSN
(CBS) possuía 9,2% das ações. Após leilão, as ações da CSN ficaram com a seguinte divisão
(gráfico 16):
334
Valor atualizado com a venda das ações sobrantes da Usiminas.
335
“O minério de ferro é fornecido cativamente pela mina Casa de Pedra, localizada em Congonhas (MG). A
CSN dispõe ainda de duas minas, de dolomita e calcário, em Arcos (MG). Em Conselheiro Lafayette (MG)
opera uma mina de resíduos de manganês [...]. A Fábrica de Estruturas Metálicas, subsidiária da CSN, também
está situada em Volta Redonda, com capacidade de produção anual de 40 mil toneladas de estruturas metálicas e
30 mil toneladas de perfis soldados” (PROGRAMA..., 1994, p. 9).
207
resultados de 1994, ela também informou que a CSN havia atingido o recorde latino-
americano de produção, com 4,6 milhões de toneladas de aço líquido (CSN..., 29/10/1993, p.
19; CSN..., 18/01/1995, p. 9).
A privatização era um negócio tão interessante para a concentração e centralização
de capitais que os controladores da CSN anos depois comprariam mais uma empresa: a
CVRD337. Por meio de sua subsidiária, a CSN Steel Corp., sociedade constituída nas Ilhas
Cayman, e em parceria com CSN Panamá, com a Litel Participações338, com a Textilia, com a
Sweet River Investments e Eletron, o Consórcio Brasil, liderado pela CSN, comprou o total de
104.318.070 ações ON do capital social da CVRD, representativas de 41,73% de seu capital
votante e de 26,85% de seu capital social total, pelo preço de R$ 3,3 bilhões 339 (VALE...,
13/05/1997, p. A3 e C5; CSN..., 03/06/1996, p. B1).
Assim como em outras empresas, depois da desestatização, a CSN não teve mais que
segurar os preços dos seus produtos, como era comum quando ainda era estatal. Em junho de
1997, quando juntamente com a Cosipa e Usiminas reivindicava um reajuste de 8% a 12% no
preço do aço, o CADE a contestou e pediu suspensão do aumento, mas isso durou apenas um
mês. O processo foi revertido depois que a CSN entrou com mandado de segurança
contestando o governo. Naquela ocasião, a Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da
Justiça, alegava indícios de cartelização dessas empresas no preço do aço (CSN..., 18/6/1997,
p. 4; GOVERNO..., 01/07/1997, p. C4).
Os controladores da CSN em boa parte realizavam os novos investimentos pós-
privatização com auxílio do BNDES, o que mostrava a importância do Estado mesmo depois
da desestatização. Em 1996 a empresa anunciou que havia fechado com o BNDES uma linha
de financiamento para a sua rede de fornecedores (BNDES..., 19/3/1996, p. 29). Além dos
recursos do BNDES, a CSN conseguiu em 1996 uma importante vantagem fiscal. Ela assinou
com o governo do Rio de Janeiro uma postergação do recolhimento de ICMS sobre novos
investimentos no Estado (CSN..., 08, 09 e 10/11/1996, p. C3). Mesmo utilizando fartamente
recursos públicos, ela foi acusada pelo governo do Rio de Janeiro de sonegação fiscal um ano
depois das benesses de postergação (RIO..., 12/09/1997, p. 5).
337
A privatização da CVRD será discutida neste capitulo posteriormente.
338
A Litel era uma empresa formada por fundos de investimentos, como diversos fundos do Banco do Brasil;
Funcef, Petros; Fundação Cesp, entre outros.
339
A compra de ações da CVRD em maio de 1997 precedeu um anúncio feito em setembro do mesmo ano de
que a CSN batia recorde de produção de aço líquido, de 4,9 milhões de toneladas em 1997, na usina de Volta
Redonda (CSN..., 11/9/1997, p. C4).
208
341
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1068.htm.
210
342
O governo de Itamar Franco comemorava o decreto ao asseverar que o mesmo “conferiu maior abrangência
ao Programa” (PROGRAMA..., 1995, p. 44).
343
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1994/medidaprovisoria-772-20-dezembro-1994-
377244-publicacaooriginal-1-pe.html.
344
A nova composição passou a ser:
“I - o Presidente da Comissão Diretora indicado pelo Presidente da República, que o nomeará após aprovação do
Senado Federal, e terá voto de qualidade, além do pessoal;
II - quatro membros titulares e respectivos suplentes, representantes de órgãos da Administração Pública Federal,
livremente nomeados pelo Presidente da República;
III - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pelo Presidente da República que os nomeará
após a aprovação pelo Senado Federal;
IV - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pela Mesa do Senado Federal e nomeados pelo
Presidente da República” (MP 772, 1994).
212
O gráfico 17 mostra que os três principais acionistas da PQU após o leilão foram: a
Unipar (que praticamente manteve a fatia que já possuía, de 30%); a Petroquisa (empresa da
Petrobrás que detinha o controle da PQU e que reduziu sua participação com a privatização,
uma vez que foram justamente as suas ações que foram colocadas à venda, ficando com
17,5%) e o Consórcio Polo Invest, que ficou com 13%.
Os novos acionistas refletem a desnacionalização do seu capital. O Consórcio Polo
Invest foi liderado pela Union Carbide, empresa norte-americana que estava entre os maiores
demandantes da nafta da PQU. Além da Union Carbide, eram consumidores da PQU e
integraram este consórcio a Oxiteno, a CBE e a Polibrasil, que era composta por Ipiranga,
Suzano e Shell (CONSÓRCIO..., 24/01/1994, p. 1). Algumas instituições financeiras também
participaram do leilão da PQU adquirindo fatias minoritárias para posteriormente negociá-las
por meio de acordo com o Consórcio Polo Invest (DEPOIS..., 06/12/1993, p. 25).
A entrada do capital estrangeiro foi facilitada na PQU. Poucos dias antes do leilão, o
edital de desestatização sofreu alterações: a Comissão Diretora do PND corrigiu artigo no
edital que limitava em 40% do capital votante a participação do capital estrangeiro. Com base
na MP 362, de 25 de outubro de 1993, então recentemente publicada, a Comissão permitiu
que o capital estrangeiro adquirisse até 100% do capital votante da petroquímica
(COMISSÃO..., 09/11/1993, p. 20).
A PQU era a principal indústria de abastecimento de produtos petroquímicos básicos
de São Paulo e integrava o grupo das 10 maiores empresas do setor no país. A empresa tinha
1.200 funcionários e vendia sua fabricação, principalmente de propileno, benzeno e etileno,
para as indústrias de embalagens, autopeças, tintas, eletrodomésticos, produtos farmacêuticos
e têxteis. A PQU por ano faturava cerca de US$ 400 milhões (CONSÓRCIO..., 24/1/1994, p.
1).
O leilão da PQU sofreu seis adiamentos. A resistência dos interessados esteve entre
os motivos do adiamento da venda porque exigiam uma fórmula por parte do governo para o
cálculo do preço da nafta e a garantia de que após a compra não teriam que cobrir o passivo
ambiental da empresa, avaliado em US$ 200 milhões. Esses acertos foram feitos entre o fim
de 1993 e início de 1994. Em dezembro de 1993 a Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental de São Paulo (Cetesb) informou que estaria disposta a discutir com os novos donos
o problema ambiental e, no início de janeiro de 1994, o governo divulgou uma fórmula para o
cálculo da nafta que agradou os empresários (CONSÓRCIO..., 24/1/1994, p. 1).
214
pensão Previ e Sistel também compraram participação importante, com 9,8% cada345 e outras
fundações de previdência privada ficaram com 9,9%. Para justificar manter 20% na Embraer,
o governo enaltecia a empresa ao ressaltar o “caráter especifico da indústria, com
desenvolvimento tecnológico de elevado padrão, treinamento de mão de obra de altíssima
qualificação técnica e científica e potencial de exportação de alto conteúdo tecnológico”
(PROGRAMA..., 1995, p. 24).
A única explicação que não existia era o porquê da privatização. A Embraer era, de
acordo com Biondi (2014, p. 56), “a única indústria aeronáutica – existente em um país menos
desenvolvido – fora do circuito dos países ricos, com tradição na área e capaz de roubar
mercado das empresas multinacionais no filão que [explorava], isto é, a produção de aviões de
porte médio”.
Desde 1991, no governo Collor, a privatização da Embraer esteve na agenda do
governo federal, mas ela se concretizou de fato três anos depois, em dezembro de 1994, no
governo de Itamar. Antes disso, a trajetória da empresa foi marcada por um processo de
investimento voltado à modernização e principalmente ao saneamento financeiro.
Em 1993, a empresa possuía uma dívida total de US$ 902,9 milhões, sendo US$
263,1 milhões no curto prazo, dos quais US$ 239 milhões já haviam vencidos. Do total, US$
438 milhões foram contratados entre 1987 e 1992 (OZIRES..., 19/5/1993, p. 11). O presidente
Itamar então decidiu apoiar o Plano de Saneamento Financeiro da Embraer, seguido de sua
privatização. Esse saneamento envolvia um refinanciamento de US$ 438 milhões, negociado
com o Banco do Brasil (BB) e injeção direta de recursos na empresa “em moeda forte”, de
US$ 300 milhões (GOVERNO..., 27/9/1993, p. 28). Em novembro de 1993, a União fez um
aumento de capital de US$ 190 milhões na Embraer. Foi negociado no BB cerca de US$ 172
milhões e bens que o Ministério da Aeronáutica possuía na Embraer sob comodato, no valor
de US$ 18,2 milhões. O aumento de capital foi usado para diminuir o estoque de dívida de
longo prazo da empresa, de modo a saneá-la para a privatização (GOVERNO..., 20, 21 e
22/11/1993, p. 31).
Com esses ajustes financeiros prévios, a companhia elaborou um plano enviado ao
PND que mostrava até 2003 um potencial de faturamento subestimado, entre US$ 800
milhões e US$ 900 milhões. A Comissão Diretora do PND chegou a estabelecer no dia 7/3/94
o preço mínimo de venda da companhia em US$ 295,3 milhões, que em agosto foi reduzido
345
Em 1997, com um aumento de capital de R$ 230,2 milhões, esse grupo de acionistas majoritários passou a
controlar 85,4% do capital votante da companhia. A operação envolveu conversão de ações preferenciais em
ordinárias (CAPITAL..., 08/09/1997, p. C4).
215
para US$ 265 milhões, e em novembro caiu ainda mais, para US$ 153 milhões, com a
justificativa de que havia dívidas remanescentes (EMBRAER... 8/3/1994, p. 26). Para se ter
uma ideia do que se entendeu por subestimado, somente o valor de exportação da empresa em
1997 (cerca de US$ 600 milhões) representava 3 vezes mais o valor que ela foi vendida346. Em
1997, a receita bruta ficou próxima a US$ 750 milhões ante US$ 380 milhões em 1996
(EMBRAER..., 03, 04 e 05/10/1997, p. C6).
O potencial da empresa era notado pelo seu desempenho pouco tempo depois de ser
privatizada. Somente em 1995, em uma única viagem de exibição de um novo avião EMB
145 em três dias, nos Estados Unidos, a Embraer vendeu 15 aviões de US$ 15 milhões cada.
As próprias previsões dos controladores da empresa não escondiam o otimismo: esperavam
reduzir seu prejuízo líquido de US$ 300 milhões de 1995 para algo entre US$ 50 milhões e
US$ 70 milhões já em 1996. Estimavam que sua receita bruta aumentaria para US$ 400
milhões em 1996 e dobraria em 1997, para US$ 703,2 milhões. A estimativa também era de
conseguir um lucro líquido em 1997 de US$ 20,2 milhões (A EMBRAER..., 25, 26 e
27/10/1996, p. C3).
O negócio Embraer era tão rentável que em 1999 alguns bancos como o Bozano,
Simonsen manifestavam interesse de vender sua participação na companhia. Na justificativa
oficial do banco, o processo de reestruturação da Embraer já estava feito e “a companhia
encontrava-se pronta para atrair interessados pela perspectiva de vendas ascendentes e lucros”
(BOZANO..., 10/6/1999, p. 2). No entanto, o verdadeiro motivo de sua saída certamente era
vender sua participação com lucro significativo.
Em relação ao capital estrangeiro, a privatização da Embraer teve duas denúncias do
Sindicato dos Engenheiros de São José dos Campos (SP). A primeira esteve relacionada à
entrega de documentos sigilosos pelo presidente da Comissão do PND, André Franco
Montoro Filho, a grupos estrangeiros antes do leilão. A segunda era contra o então presidente
da Embraer nos EUA, Newton Berwing, e o superintendente Ozires Silva, por participação
desses empresários na formação de um grupo de investidores norte-americanos interessados
no leilão da Embraer (DENÚNCIA..., 10/07/1994, p. 20).
A empresa recorreu ao BNDES logo depois de desestatizada algumas vezes para se
financiar. Em 12 de fevereiro de 1997, por exemplo, o BNDES aprovou US$ 1 bilhão em
financiamento para que uma empresa norte-americana, a American Eagle (subsidiária da
American Airlines), comprasse 40 jatos da Embraer. Em junho de 1998, anunciou que estava
346
O resultado da venda da Embraer foi de US$ 192,2 milhões, com uma dívida transferida de US$ 263,4,
totalizando US$ 455,6 milhões (PROGRAMA..., 1996).
216
347
“No biênio 1992/93, a Coperbo apresentou uma receita operacional líquida de US$ 87 milhões/ano, com um
lucro líquido médio de US$ 68 milhões/ano. Em dezembro de 1993 o ativo total da empresa atingia US$ 115
milhões, com um patrimônio líquido de US$ 68 milhões” (PROGRAMA..., 1995, p. 28).
217
milhões. Ela possuía unidades em Arujá (SP) para produção de plastificantes; em Taubaté
(SP), onde fabricava acrilatos, no Uruguai para produção de ftálicos e na Argentina, onde
explorava anidrido maleico. A Petroquisa detinha 33,2% do capital votante e 31,4% do capital
total da empresa (PROGRAMA..., 1995). Após leilão, suas ações foram adquiridas pela
Companhia Nordeste de Participações (Conepar), “já acionista da empresa, que elevou seu
nível de participação para 66,5% do capital votante (50,6% do capital total). O principal
acionista estrangeiro (Mitsubishi) manteve sua participação em 27,9% do capital votante e
13,1% do capital total” (PROGRAMA..., 1995, p. 27). Assim como a Nissho Iwai e “outros”
que permaneceram com seu capital votante em 5,4% e 03%, respectivamente
(PROGRAMA..., 1995).
A Polialden Petroquímica S.A., com sede em Camaçari (BA), vendida por US$ 16,7
milhões, foi o sexto maior valor de leilão em 1994. Ela explorava “resinas derivadas do eteno,
produzindo polietileno de alta densidade (PEAD) e polietileno de ultra-alto peso molecular
(PEUAPM)” (PROGRAMA..., 1995, p. 27). Antes da desestatização, o capital da Polialden
era dividido entre Petroquisa (33,3%), Conepar (33,3%), Mitsubishi (16,7%) e Nissho Iwai
(16,7%). Posteriormente a sua privatização, as ações da Petroquisa foram compradas “pelo
sócio Conepar, que passou a controlar a empresa com 66,7% do capital votante. Os demais
sócios mantiveram as participações detidas antes do leilão” (PROGRAMA..., 1995, p. 28).
A Acrilonitrila do Nordeste S.A. (Acrinor), sediada em Camaçari (BA) e produtora
de acrilonitrila, produto petroquímico intermediário de grande uso na produção de fios e
fibras para a indústria têxtil e de resinas ABS para as indústrias automobilísticas e
eletroeletrônica, também foi vendida em 1994, por US$ 12,1 milhões, sendo a sétima em
valor no ranking das empresas privatizadas naquele ano. Ela atendia a todo o mercado interno
e exportava 45% de toda a sua produção. A Petroquisa e a Rhodia detinham 35% do capital
votante da Acrinor cada uma, a Copene 26% e a Unigel, 4%. As ações da Petroquisa foram
adquiridas pela Copene e pela Rhodia que passaram a possuir 48% da empresa cada uma, e a
Unigel manteve sua participação em 4% (PROGRAMA..., 1995).
A Arafértil S.A., localizada em Araxá (MG), vendida por US$ 10,7 milhões, foi, por
sua vez, o oitavo maior negócio de 1994. Ela fornecia concentrado fosfático e superfosfato em
pó granulado. A empresa era dividida igualmente (33,3%) “entre a Petrofértil, a Quimbrasil
(Grupo Moinho Santista) e a Fertisul (Grupo Ipiranga)” (PROGRAMA..., 1995, p. 25). Após
o leilão, as ações da Petrofértil foram adquiridas pela Fertisul que passou a deter 50,1% da
empresa e pela Quimbrasil que ficou com 49,9% das ações (PROGRAMA..., 1995).
218
348
De acordo com Furtado (1999, p. 92), “as privatizações feitas pelo governo nos últimos quatro anos [1995-
1998] criaram compromissos permanentes com o estrangeiro, de remessas de lucros. Ninguém discutiu essa
opção. E pergunto: o Brasil, endividado do jeito que está, pode se da ao luxo de assumir compromissos externos
crescentes sem prazo fixo, como os criados pelas privatizações?”.
349
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1995/medidaprovisoria-841-19-janeiro-1995-
377369-publicacaooriginal-1-pe.html.
219
350
“As decisões mais importantes do Programa – antes tomadas por uma Comissão Diretora, composta por
membros do setor público e privado – foram transferidas para o Conselho Nacional de Desestatização (CND),
composto pelos ministros de Estado relacionados com o Programa, visando agilizar a implementação das
decisões” (PROGRAMA..., 1996, p. 7).
351
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-8987-13-fevereiro-1995-349810-
publicacaooriginal-1-pl.html.
352
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-9074-7-julho-1995-347472-
publicacaooriginal-1-pl.html.
353
“A Lei 8.987, de 13.02.95, originou-se no Senado Federal, de autoria do então senador Fernando Henrique
Cardoso, e foi aprovada, após realizadas modificações, pela Câmara Federal. Devido ao seu impacto em grande
número de concessionárias existentes no setor elétrico, foi simultaneamente publicada a Medida Provisória 890,
de 13.02.95, que passou por quatro reedições mensais antes de se transformar, com algumas alterações, na Lei
9.074, de 07.07.95” (PROGRAMA..., 1996, p. 35). “Mais de quatro anos já se passaram desde que o então
Fernando Henrique Cardoso, hoje presidente da República, decidiu apresentar o projeto que estabelece as regras
para as concessões dos serviços públicos à iniciativa privada” (PROJETO..., 18/01/1995, p. 6).
220
outra alteração significativa para o processo de privatização em relação à Lei 8.031: estender
o PND aos Estados e Municípios354.
Entre outras mudanças dos marcos legais do governo FHC ainda, no mesmo ano, foi
enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei relacionado ao setor de telecomunicações
que regulamentava “a exploração pela iniciativa privada de serviços de telefonia celular e
adicionados e de serviços de satélites. Foram ainda regulamentados a outorga de serviços de
telecomunicações e de radiodifusão e os serviços de TV a cabo” (PROGRAMA..., 1996, p. 7).
O BNDES foi colocado ainda mais a serviço do processo de desestatização da
economia brasileira, quando em 1997 foi permitido ao banco “prestar serviços financeiros
para a implementação de projetos de privatização de serviços públicos nos níveis federal,
estadual e municipal, bem como na estruturação de projetos do setor privado”355
(PROGRAMA..., 1996, p. 8). Para acelerar e estimular ainda mais as privatizações foi
eliminado “pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil o desconto de
25% que incidia sobre o valor de face de vários tipos de bônus da dívida externa, assegurando
melhores condições para utilização desses títulos no Programa Nacional de Desestatização” 356
(PROGRAMA..., 1996, p. 7-8).
354
Enquanto a Lei original do PND de 1990 estabelecia em seu artigo 2º a alienação das empresas ligadas direta
ou indiretamente à União, a nova lei determinava a desnacionalização e concessões além da União, para os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
355
De acordo com Biondi (2014, p. 82), o governo FHC assinou um decreto por meio do qual “o BNDES ficou
„autorizado‟ a [...] conceder empréstimos também a grupos estrangeiros [...]. O decreto presidencial de 24 de
maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais”.
356
Houve ainda várias mudanças cujo objetivo era estimular crescentemente o processo de privatização, quais
sejam:
- Resolução Bacen 2.203, de 28.09.95:
Reduziu o desconto inicial sobre tipos de bônus da dívida externa de 25% para 0%;
Permitiu que o registro de investimento estrangeiro fosse realizado pelo valor de face dos títulos da dívida
externa efetivamente empregados no âmbito do PND;
Eliminou a proibição de que pessoas físicas ou jurídicas no país e/ou suas subsidiárias, filiais e agências no
exterior participassem dos leilões de privatização utilizando títulos da dívida externa.
- Emenda Constitucional 5, de 15.08.95:
Permitiu a exploração pela inciativa privada, mediante concessão estadual, dos serviços locais de distribuição de
gás canalizado.
- Emenda Constitucional 6, de 15.08.95:
Revogou a diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional;
Autorizou a pesquisa e lavra de minérios às empresas constituídas sob a lei brasileira e que tenham sede
administrativa no país.
- Emenda Constitucional 7, de 15.08.95:
Abriu a navegação interna brasileira a empresas estrangeiras.
- Emenda Constitucional 8, de 15.08.95:
Permitiu a exploração dos serviços de telecomunicações pela iniciativa privada, mediante autorização, concessão
ou permissão, pela União;
Para os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
- Emenda Constitucional 9, de 09.11.95:
Permitiu a contratação pela União, com empresas estatais ou privadas, da realização de atividades ligadas à
exploração de petróleo (PROGRAMA..., 1996, p. 36-37).
221
Tabela 46
Privatizações em 1995 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) 399,932
Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene) 270,444
Salgema Indústrias Químicas S.A. 139,213
Companhia Petroquímica de Camaçari (CPC) 99,564
Pronor S.A. 63,452
Companhia Brasileira de Poliuretanos (CBP) 36
Nitrocarbono S.A. 29,55
Companhia Química do Recôncavo (CQR) 1,708
Total 1.039,9
Fonte: PROGRAMA... (1996). Elaboração própria.
A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) foi a primeira empresa estatal de
serviço público privatizada e a mais importante em valor no ano de 1995 (US$ 399,9
milhões). A Escelsa inaugurou a privatização do setor elétrico após FHC mudar a lei vigente.
Em todo o ano de 1995 as privatizações somaram cerca de US$ 1 bilhão (tabela 46).
A Escelsa era responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia em
uma área de concessão de 40,67 mil Km2, cobrindo 90% da área do Estado do Espírito Santo,
atingindo 66 municípios e 651 mil consumidores. Antes de ser desestatizada, as ações da
Escelsa estavam distribuídas entre: Eletrobrás (72,3%), Iven S.A. 20,1%, Banco Pactual
(1,1%), Estado do Espírito Santo (3,4%), Prefeituras (1,2%), e “outros” (1,9%)
(PROGRAMA..., 1996). Após sua privatização, a divisão das ações da empresa ficou da
seguinte forma (gráfico 19):
223
também a manifestar interesse na Cerj (estatal do Rio) e na Coelba (estatal da Bahia), mas não
adquiriram essas empresas (ESCELSA..., 26/8/1996, p. B8; ESCELSA..., 23, 24 e
25/05/1997, p. B7).
Depois de privatizada, os aumentos de tarifa da Escelsa também foram permitidos.
Em 2001, por exemplo, sob intensa pressão dos concessionários, conseguiu reajuste de
19,89%, quando a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) falava em reajuste de
14,90% (ESCELSA...; 08/08/2001, p. A4). Os aumentos ocorriam mesmo com a Escelsa
apresentando baixos indicadores de qualidade nos serviços prestados, situação que foi
explicitada pelo índice de duração de interrupção de energia, que passou de 28,37 para 35,67,
e do valor de frequência, que saiu de 25,33 para 27,21 em 1996 (LIGHT..., 14/06/1996357).
Quatro anos após a sua privatização, acionistas portugueses entraram no capital da
Iven adquirindo uma parte do que pertencia aos bancos. Assim, a Escelsa e a Enersul foram,
enfim, vendidas aos portugueses da EDP, confirmando uma desnacionalização do seu capital.
A transação ocorreu em agosto de 1999, quando a EDP Eletricidade de Portugal S.A., por
meio de suas subsidiárias EDP 2000 Participações Ltda., EDP Investimentos Ltda. e EDP
Internacional S.A., informou ter adquirido participação acionária direta e indireta na Iven,
então controladora da Escelsa e da Enersul. As empresas do grupo EDP adquiriram o
correspondente a 73,12% do capital social da Iven, pagando US$ 534,6 milhões à vista.
Assim, a EDP passava a deter o controle da Iven de forma compartilhada, por meio de uma
sociedade constituída por EDP, por Opportunity358 e Citibank, que não alteraram o montante
de suas participações acionárias no capital ordinário da Iven (EDP..., 26/08/1999, p. C5). Em
2002, o grupo EDP assumiu de fato a gestão da Escelsa. A EDP indicou a nova diretoria
composta por três portugueses e apenas um brasileiro (EDP..., 11, 12 e 13/10/2002, p. A7).
Com a compra da Iven em 1999, os portugueses ampliaram o seu poder no setor
elétrico brasileiro. Isso porque em setembro de 1998 eles já haviam adquirido a Bandeirante
Energia359, de São Paulo, que integrava a Eletropaulo, pelo preço mínimo R$ 1,01 bilhão.
Naquele leilão, a EDP ficou com 56% do capital e 44% ficou com a CPFL, controlada pelo
357
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/6/14/dinheiro/7.html
358
O Opportunity atuou nas privatizações da década de 1990 e na década de 2000 seu dono, Daniel Dantas, foi
preso na operação Satiagraha. Além de telecomunicações, realizou compras na área de mineração e no setor
agropecuário (DANIEL..., 8/7/2008. Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Daniel-Dantas-
Naji-Nahas-e-Celso-Pitta-sao-presos-acusados-de-integrar-organizacao-criminosa/4/14234). Para mais
informações sobre a operação Satiagraha, ver: Valente (2014).
359
Além de financiar a compra no leilão, o BNDES teve protagonismo no financiamento para expansão da
empresa, em 2009 foi liberado R$ 190 milhões de um total de R$ 900 milhões (EDP..., 28/12/2009. Disponível
em: https://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2009/12/28/edp-obtem-r-190-milhoes-de-financiamento-
direto-do-bndes.jhtm).
225
do total – 19,0% ações ordinárias), Nissho Iwai (6,4% do total – 14,3% ações ordinárias),
“outros” (49,4% do total – 89,3% ações preferenciais). Após leilão, as ações da Petroquisa
foram vendidas por US$ 99,6 milhões e passaram a ser distribuídas entre: EPB (29,8% do
total – 66,7% ações ordinárias), Mitsubishi (8,5% do total – 19,0% ações ordinárias), Nissho
Iwai (6,4% do total – 14,3% ações ordinárias), “outros” (49,4% do total – 89,3% ações
preferenciais) e “novos adquirentes” (5,9% do total – 10,7% ações preferenciais)
(PROGRAMA..., 1996).
Em 1995, o Estado também se desfez da Pronor Petroquímica S.A. Sediada no Polo
Petroquímico de Camaçari (BA), era fabricante de tolueno diisocianato (TDI) destinado para a
produção de espumas de poliuretano utilizadas em estofados para móveis, autos e colchões. A
Pronor era a única produtora de TDI no Brasil. A empresa também produzia monóxido de
carbono e fosgênio. A composição do capital da Pronor se distribuía entre a Petroquisa
(35,3% do total – 49,3% ações ordinárias e 25,6% ações preferenciais), Petroquímica da
Bahia (20,6% do total – 50,0% ações ordinárias e 0,4% ações preferenciais), Petrobrás (0,3%
do total – 0,5% ações preferenciais), BNDESPar (38,9% do total – 65,8% ações preferenciais)
e “outros” (4,9% – 0,7% ações ordinárias e 7,7% ações preferenciais). Após o leilão das ações
da Petroquisa, a Petroquímica da Bahia comprou por US$ 63,5 milhões todas as ações
leiloadas. O controle da Pronor Petroquímica passou a ser dividido entre: Petroquímica da
Bahia (55,9% do total – 99,3% ações ordinárias e 26% ações preferenciais), Petrobrás (0,3%
do total – 0,5% ações preferenciais), BNDESPar (38,9% do total – 65,8% ações preferenciais)
e “outros” (4,9% – 0,7% ações ordinárias e 7,7% ações preferenciais) (PROGRAMA...,
1996).
Vendida por US$ 36 milhões, a Companhia Brasileira de Poliuretanos (CBP), que
produzia “MDI, matéria-prima alternativa ao TDI na produção de poliuretanos”
(PROGRAMA..., 1996, p. 24), foi o sexto maior leilão de 1995. Ela tinha seu capital social
distribuído entre Petroquisa (23,7% do total – 82% ações preferenciais), Pronor (73,6% do
total – 100% ações ordinárias e 8,6% ações preferenciais), “outros” (2,2% do total – 7,6%
ações preferenciais) e BBM (0,5% do total – 1,8% ações preferenciais). Decorrido o leilão no
valor de US$ 36 milhões, a Atrium comprou todas as ações ofertadas e a CBP passou a ter o
seguinte controle: Pronor (73,6% do total – 100% ações ordinárias e 8,6% ações
preferenciais), BBM (0,5% do total – 1,8% ações preferenciais), Atrium (23,7% do total –
82,0% ações preferenciais), e “outros” (2,2% do total – 7,6% ações preferenciais)
(PROGRAMA..., 1996).
227
Com um leilão em que foram arrecadados US$ 29,55 milhões, a Nitrocarbono S.A.,
pertencente ao Polo Petroquímico de Camaçari (BA), foi a sétima maior privatização de 1995.
Ela produzia “caprolactama, insumos de fios e fibras químicas” (PROGRAMA..., 1996, p.
23), e também foi privatizada por FHC. Antes do leilão, suas ações eram segmentadas entre a
Petroquisa (19,0% do capital total – 24,6% ações ordinárias e 13,6% ações preferenciais),
Petroquímica da Bahia (10,9% do total – 17,5% ações ordinárias e 4,6% ações preferenciais),
Pronor (28,2% do total – 57,9% ações ordinárias), “outros” (41,9% do total – 81,7% ações
preferenciais). Após a venda da participação da Petroquisa, a nova composição da
Nitrocarbono passou a ser: Petroquímica da Bahia (12,7% do total – 19,8% ações ordinárias e
5,9% ações preferenciais), Pronor (45,4% do total – 80,2% ações ordinárias e 12,4% das
ações preferenciais), “outros” (41,9% do total – 81,7% ações preferenciais) (PROGRAMA...,
1996).
Outro leilão de 1995 foi o da Companhia Química do Recôncavo (CQR), com sede
em Camaçari (BA). Ela produzia sódica cáustica e cloro e tinha suas ações fracionadas entre
Petroquisa (36,9% do total – 72,6% ações preferenciais), Salgema (49,0% do total – 99,7%
das ações ordinárias) e “outros” (14,1% do total – 0,3% ações ordinárias e 27,4% ações
preferenciais). Após o leilão em que foi vendida por US$ 1,7 milhão – o menor volume entre
as privatizações de 1995 –, ela ficou partilhada entre Salgema (49,0% do total – 99,7% das
ações ordinárias), “outros” (14,1% do total – 0,3% ações ordinárias e 27,4% ações
preferenciais), e Apply Com. Empreend. (36,9% do total – 72,6% ações preferenciais) que
comprou todas as ações ofertadas pela Petroquisa (PROGRAMA..., 1996).
No ano de 1996 o governo FHC promoveu ainda mais mudanças por meio de leis,
medidas provisórias e emenda constitucional com o objetivo de acirrar o processo de
privatização, facilitando a desnacionalização da economia brasileira361. Neste ano foi
361
Como exemplos, destacam-se (PROGRAMA..., 1997, p. 6):
“Lei 9.295/96 de 19.07.96, regulamentada pelo Decreto 2.056/96, de 04.11.96, institui o Serviço Móvel de
Celular, a ser prestado, sem exclusividade, sob o regime de concessão, em áreas delimitadas do território
nacional.
A Emenda Constitucional 13/96, de 21.08.96, aboliu o monopólio estatal para o setor de resseguros, permitindo,
em consequência, a participação da iniciativa privada no setor.
O Decreto 2.003/96, de 10.09.96, regulamentou a produção de energia elétrica por produtor independente e por
autoprodutor, mediante concessão ou autorização.
O Projeto de Lei 32/96, de 22.11.96, encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, dispondo sobre o uso
de recursos depositados em contas nominativas detidas pelos participantes do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) para utilização como meio de pagamento na aquisição de ações alienadas no âmbito do PND
(moedas sociais).
O Projeto de Lei 2.648/96, que versa sobre a nova organização geral dos serviços de telecomunicações, a criação
de um órgão regulador e aspectos institucionais do setor, encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional.
A Medida Provisória 1.556/96 de 18.12.96, estabeleceu mecanismos objetivando incentivar a redução da
presença do setor público estadual na atividade financeira bancária e a privatização de instituições financeiras.
228
finalizada a privatização de uma boa parte do SPE com a conclusão da desestatização do setor
petroquímico (venda de participações da Petroquisa – Petrobrás Químicas S.A.). Além disso,
avançou o processo de privatização dos serviços públicos, com o leilão da Light, da Rede
Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e o início da reestruturação do setor elétrico para posterior
venda do Sistema Eletrobrás. Ainda em 1996 foram incluídos no PND o setor portuário e a
CVRD (PROGRAMA..., 1997).
O Decreto no 2.077, de 21 de novembro de 1996362, promoveu alterações no Decreto
no 1.024, de 29 de julho de 1994363, permitindo, por meio do Artigo 33, que o CND pudesse
“estabelecer procedimentos simplificados para os processos de desestatização, inclusive para
a fixação do preço mínimo” com o objetivo de favorecer e acelerar as privatizações. Com
essas novas “facilidades” no ano de 1996 foram privatizadas 11 empresas, um volume maior
do que as 7 do ano anterior (tabela 47):
Tabela 47
Privatizações em 1996 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Light Serviços de Eletricidade S.A. 2.356,90
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Sudeste 888,9
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Centro-Leste 316,9
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Sul 216,6
Polibrasil S.A. Ind. e Com. 99,4
Polipropileno S.A. 81,2
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Oeste 62,36
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Tereza Cristina 18,51
Estireno do Nordeste S.A. 16,6
Deten Química S.A. 12,1
Koppol Films S.A. 3,1
Total 4.072,6
Fonte: PROGRAMA... (1997). Elaboração própria.
A tabela 47 mostra que o total de privatizações em 1996 foi significativo: US$ 4,07
bilhões. A privatização mais importante de 1996 em valor foi a da Light Serviços de
Eletricidade S.A., por US$ 2,36 bilhões. A Light, distribuidora de energia, atuava no Estado
do Rio de Janeiro cobrindo 72% de sua população, ou seja, 2,7 milhões de pessoas. Antes de
A Lei 9.427, de 26.12.96, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de
Minas e Energia, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização
de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”.
362
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-2077-21-novembro-1996-444978-
publicacaooriginal-1-pe.html.
363
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1994/decreto-1204-29-julho-1994-449481-
publicacaooriginal-1-pe.html.
230
1997, p. 30), para torná-la ainda mais atraente ao setor privado. Dentre as alterações esteve
um ajuste financeiro em 1995. Houve entendimentos entre o BNDES, Eletrobrás, Eletropaulo
e Light sobre o valor do débito da Eletropaulo com a Light. Até então, a Light reconhecia uma
dívida de US$ 1 bilhão enquanto a Eletropaulo alegava uma dívida de US$ 400 milhões. No
acordo, foi fechado um número único para a dívida da Eletropaulo, de US$ 800 milhões
(ELETROPAULO..., 08/03/1995, p. 21). Isso foi importante para definir a privatização da
Light, pois além de estabelecer o valor em comum da dívida, houve a ideia de uma
modelagem de leilão em que se desvincularia a Light operacional das participações que a
Light possuía, como os 47,5% da Eletropaulo, e definiu-se pela realização de dois leilões
separados. A primeira parte da empresa, que representaria a sua melhor parte, visto que
envolveria uma empresa saneada, chamaria Light Rio e seria logo leiloada, enquanto a outra,
chamada Light Participações, só seria leiloada após o equacionamento da dívida da
Eletropaulo. A cisão da empresa era entendida pelo governo como uma forma de viabilizar a
privatização da Light (PRIVATIZAÇÃO..., 05/01/1995, p. 27; GOVERNO..., 19/09/1995, p.
B3; ELETROPAULO..., 29, 30 e 01/10/1995, p. B3).
Após comprar a Light364, a EDF já se empenhava em aumentar sua participação no
Brasil, ampliando a concentração e centralização de capitais. A empresa sinalizava a
possibilidade de participar do leilão da Cerj, no Rio, o que poderia lhe render o monopólio da
distribuição de energia do Estado do Rio de Janeiro (LIGHT..., 21/08/1996, p. A1 e B6).
Manifestava-se também interessada nas distribuidoras de gás do Rio – CEG e Riogás – e
também chegou a dizer que tinha interesse na Coelce, no Ceará, mas dela desistiu (LIGHT...,
15/01/1998, p. C5) porque seu foco principal após o Rio de Janeiro foi o Estado de São Paulo,
no qual cobiçava a disputa, por exemplo, da Companhia Energética de São Paulo (CESP)
(LIGHT..., 10/11/1997, p. B6).
Os serviços de energia do Rio começaram a ter aumentos mais significativos de
tarifas de energia. “Os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização [garantiriam]
lucros aos novos donos. E houve aumentos até de última hora, como o reajuste de 58% para as
contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão da Light” (BIONDI, 2014, p. 27),
De acordo com Biondi (2014), enquanto o discurso a favor das privatizações era de
que as tarifas seriam reduzidas para beneficiar o consumidor, o governo já havia concordado
em reajustar, após os leilões, todos os anos as tarifas pelo IGP-DI, portanto, indexando a tarifa
de energia à inflação. “Prazo previsto para essa indexação durar: cinco anos. Prazo anunciado
364
Que chegou a ser considerada a “semi-jóia da coroa”, pelo então consultor do Banco BBA e um dos mentores
do Plano Real, Edmar Bacha (FALTAM..., 07, 08 e 09/06/1996, p. 5).
231
por Elena Landau365: oito anos. Mais três anos de reajuste automático” (BIONDI, 2014, p. 83).
Segundo Biondi, à época da privatização as empresas distribuidoras compravam energia
gerada por estatais a R$ 30 o megawatt-hora e o vendiam a R$ 84.
Em grande parte, após a privatização, a Light realizava seus investimentos com
auxílio do BNDES. Em novembro de 1998, por exemplo, negociava um empréstimo de R$
325 milhões com o banco. Isso representava a segunda vez somente naquele ano que
recorreria ao banco. A primeira operação havia sido de R$ 105 milhões (LIGHT...,
09/11/1998, p. C5). Mesmo demandando dinheiro público em seu financiamento, era dada
liberdade de escolha para a tecnologia que seria utilizada pela empresa nos investimentos,
podendo trazer equipamentos das matrizes de seus sócios. “Essa concessão trouxe a
consequência previsível: as empresas „privatizadas‟ passaram a importar maciçamente
equipamentos, peças, componentes. „Quebraram‟ a indústria nacional. E „torraram‟ dólares,
contribuindo para a crise futura do real” (BIONDI, 2014, p. 83, grifos do autor).
Do mesmo modo como ocorreu com outras empresas desestatizadas, a privatização
da Light, ao contrário do que era defendido pelo governo, não resultou em melhoria dos
serviços prestados366. Poucos anos depois de vendida, a Light já seria multada pela má
prestação de serviços. Em fevereiro de 1998, a Aneel determinou uma multa de R$ 2 milhões
para a Light (LIGHT..., 12/02/1998)367.
Depois da Light, a maior privatização de 1996 foi a da RFFSA. Ela foi dividida em 6
malhas regionais para facilitar sua privatização, que ocorreu especialmente no transporte de
cargas. As malhas se dividiram em: Oeste368, Centro-Leste369, Sudeste370, Tereza Cristina371,
365
Diretora de desestatização do BNDES.
366
Para se ter uma ideia da piora dos serviços prestados pela Light após a privatização, basta constatar que os
índices de duração de interrupção (DEC) da Light em 1992 foi de 14,82 e o de frequência (FEC) 14,64, contudo,
o contrato de privatização autorizava que os mesmos pudessem ser aumentados para 19,30 e 16,38
respectivamente, diminuindo a qualidade do serviço prestado. Para uma comparação, em São Paulo o DEC das
estaduais estava na faixa de 10 e o das concessionárias privadas entre 28 e 32 (LIGHT..., 14/6/1996, p. 2).
367
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc12029802.htm.
368
“Malha Oeste, composta pela antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ligando Bauru (SP) a Corumbá e
Ponta Porã (MS), correspondendo à Superintendência Regional de Bauru (SR10)” (PROGRAMA..., 1997, p.
22).
369
“Malha Centro-Leste, englobando as regiões atendidas pelas Superintendências Regionais de Belo Horizonte
(SR2), Salvador (SR7) e Campos (SR8), com conexão com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, da CVRD”
(PROGRAMA..., 1997, p. 22).
370
“Malha Sudeste, formada pelas linhas ferroviárias de bitola larga, que servem aos Estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais, sob a jurisdição das Superintendências Regionais Juiz de Fora (SR3) e São Paulo
(SR4)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).
371
“Malha Tereza Cristina, localizada no Estado de Santa Catarina, isolada das demais linhas da RFFSA, ligando
a região produtora de carvão de Criciúma à Usina Termelétrica Jorge Lacerda (Eletrosul) e ao Porto de Imbituba,
correspondente à regional de Tubarão (SR9)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).
232
Sul372 e Nordeste373. A mais importante em valor foi a malha Sudeste, que atingiu US$ 888,9
milhões. Ela tinha uma abrangência de 1.674 km. A única malha ferroviária que não foi
privatizada em 1996 foi a Nordeste, cujo leilão foi adiado para o ano seguinte.
Permitiu-se no processo de desestatização da RFFA de maneira geral uma carência
de 2 anos e um prazo total de 30 anos para o pagamento das ações dessas empresas, mesmo
período da concessão. A Malha Oeste tinha 1.621 km de extensão e foi vendida por US$
62,36 milhões; a Malha Centro-Leste possuía 7.080 km de abrangência e leiloada por US$
316,9 milhões; a Malha Tereza Cristina percorria 164 km de extensão e foi privatizada por
US$ 18,51 milhões; a Malha Sul, com 6.586 km de abrangência, foi vendida por US$ 216,6
milhões. Os compradores dessas malhas foram os seguintes grupos (quadro 1):
Quadro 1
Compradores da RFFSA em 1996
Malhas Grupos adquirentes
privatizadas
Noel Group Inc. (20%); Brasil Rail Partners (20%); Western Rail Investors, LLC (20%);
Malha Oeste Chemical LatinAmerica Equity Assoc. (20%); Bankamerica Interm. Invest. Corp. (18%);e DK
Partners (2%)
Malha Mineração Tucumã (12,5%); Interférrea S.A. Serv. Intermodais (12,5%); CSN (12,5%);
Centro-Leste Tupinambarana S.A. (12,5%); Railtex Int. Holding Inc. (12,5); Varbra S.A. (12,5%); Ralph
Partners I (12,5%); e Judori Adm., Empre. e Part. Ltda. (12,5%)
CSN (20%); Minerações Brasileiras Reunidas S.A. (MBR) (20%); Usiminas (20%);
Malha Ferteco Mineração S.A. (16,8%); Ultrafértil S.A. (8,9%); Cia. Siderúrgica da Guanabara
Sudeste (Cosigua) (5,3%); ABS - Empreend. Imob. Part. Serv. S.A. (4,7%); e
Celato Integração Multimodal S.A. (4,3%)
Malha Tereza Santa Lúcia Agro-indústria e Comércio S.A. (33,33%); Banco Interfinance S.A. (33,3%); e
Cristina Gemon - Geral de Engenharia e Montagens (33,3%)
Varbra S.A. (17,5%); Judori Adm., Empreend. e Part. (17,5%); Interférrea S.A. Serv.
Malha Sul Ferrov. e Intermodais (17,5%); Ralph Partners (17,5%); Railtex International Holding (15%);
Brazil Private Equity (11,3%); Brazilian Equity Invest. III (2,9%); e Brazilian Equities (0,8%)
Fonte: PROGRAMA... (1997). Elaboração própria.
372
“Malha Sul, incorporando as Superintendências Regionais de Curitiba (SR5) e Porto Alegre (SR6), com
grande potencial de atendimento ao Mercosul” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).
373
“Malha Nordeste, formada pela junção das regiões atendidas pelas Superintendências Regionais de Recife
(SR1), Fortaleza (SR11) e São Paulo (SR12)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).
233
também fizeram parte dos compradores como o Brazil Private Equity, que adquiriu 11,3% da
Malha Sul.
Em 1996 o Estado também se desfez da Polibrasil S.A. Indústria e Comércio. Ela
tinha uma participação minoritária da Petroquisa (25,70%) e da Shell (Poliolefinas) (25,70%)
e uma participação muito pequena da Ipiranga (1,13%). A maior acionista era a Polipropileno
(47,47%). Com o leilão de US$ 99,4 milhões, o “Consórcio Mega, composto por Hipart
Participações Ltda., Ipiranga Químicas S.A. e Polipropileno S.A., adquiriu 100% das ações
ofertadas” (PROGRAMA..., 1997, p. 34).
Outra privatização ocorrida em 1996 foi a da Polipropileno S.A., sediada em
Camaçari (BA), sendo a sexta maior venda daquele ano. Ela era responsável pela
industrialização de resina de polipropileno. A Polipropileno tinha como principal acionista a
Petroquisa (34,19% do total – divididas em 42,85% de ações ordinárias e 17,20% de ações
preferenciais), seguida pela Suzano (34,09% do total – 29,99% ações ordinárias e 42,13%
ações preferenciais) e Cevekol (29,50% do total – 27,15% ações ordinárias e 34,09% ações
preferenciais), além de uma pequena participação da Iretama (0,04% do total – 0,13% ações
preferenciais) e “diversos” (2,18% do total – 6,45% ações preferenciais). A Suzano Resinas
Petroquímica Ltda. arrematou todas as ações da Petroquisa por US$ 81,2 milhões, passando a
controlar 72,9% do capital votante da Polipropileno (PROGRAMA..., 1997).
Também foi vendida em 1996 a Estireno do Nordeste S.A. (EDN), instalada no Polo
Petroquímico de Camaçari (BA), produtora de estireno e de poliestireno. A distribuição das
ações da EDN antes de sua alienação era: Petroquisa (26,74% do total – 33,33% ações
ordinárias e 33,33% ações preferenciais “b”), Dow Química (26,74% do total – 33,33% ações
ordinárias e 33,33% ações preferenciais “b”), massa falida Cevekol (13,15% do total –
51,03% ações preferenciais “a” e 33,33% ações preferenciais “b”), novos acionistas (23,68%
do total – 33,33% ações ordinárias) e “outros” (9,69% do total – 0,01% ações ordinárias,
48,97% ações preferenciais “a” e 0,01% ações preferenciais “b”). As ações da Petroquisa
foram compradas por US$ 16,6 milhões em sua totalidade pela Dow Química S.A., que
passou a ser acionista majoritária da EDN (PROGRAMA..., 1997).
Outra venda de 1996 foi a da Deten Química S.A., localizada em Camaçari (BA) e
integrante do Polo Petroquímico de Camaçari, que era responsável pela “produção de
matérias-primas para a fabricação de tensoativos, detergentes biodegradáveis, produtos
intermediários e derivados e outros produtos químicos em geral” (PROGRAMA..., 1997, p.
32). Antes do leilão, as ações ordinárias da Deten eram de propriedade da Petroquisa
234
374
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9491-9-setembro-1997-365396-
publicacaooriginal-1-pl.html.
375
“Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização - PND tem como objetivos fundamentais:
I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades
indevidamente exploradas pelo setor público;
II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da
redução da dívida pública líquida;
III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa
privada;
IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-
estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial
nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;
V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado
seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores
mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa” (LEI
9.491, 1997).
235
que dizia respeito às empresas que poderiam ser privatizadas, o II PND incluiu dois tipos de
empresas em seu artigo 2º que não faziam parte do I PND: “III - serviços públicos objeto de
concessão, permissão ou autorização; e IV - instituições financeiras públicas estaduais que
tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-lei nº 2.321,
de 25 de fevereiro de 1987”376. Foi permitida a utilização de recursos do FGTS no II PND por
meio de cotas de Fundos Mútuos e por intermédio de Clubes de Investimentos377, permissão
que foi regulamentada pelo Decreto 2.430, de 17 de dezembro de 1997378.
Outra lei, a de no 9.472, de 16 de julho de 1997379, estabeleceu a organização dos
serviços de telecomunicações e a criação da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel)380 como órgão regulador e com o objetivo de promover a privatização do Sistema
Telebrás381 e as concessões para o setor privado. Também foi criada no mesmo ano, em 6 de
376
Os outros dois que se mantinham eram: “I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou
indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo; e II - empresas criadas pelo setor
privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União” (LEI 9.491, 1997).
377
“Art. 1º O Fundo Mútuo de Privatização de que trata o inciso XII do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de
1990, com a redação dada pelo art. 31 da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997 - FMP-FGTS, será constituído
sob a forma de condomínio aberto, de que participem exclusivamente pessoas físicas detentoras de contas
vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, individualmente ou por intermédio de Clubes de
Investimento - CI, a ser regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, e terá por objeto, nas
condições aprovadas pelo Conselho Nacional de Desestatização - CND, a aquisição de valores mobiliários no
âmbito do Programa Nacional de Desestatização e programas estaduais de desestatização. Art. 2º O Clube de
Investimento - CI-FGTS a que se refere o art. 1º terá por finalidade reunir pessoas físicas detentoras de contas
vinculadas do FGTS para constituir ou participar de FMP-FGTS, e será, necessariamente, administrado por
instituição autorizada pela CVM, sujeitando-se às normas que vierem a ser estabelecidas por aquela Autarquia”
(DECRETO 2.430, 1997).
378
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9491-9-setembro-1997-365396-
publicacaooriginal-1-pl.html.
379
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9472-16-julho-1997-367735-
publicacaooriginal-1-pl.html.
380
“Art. 8º. Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública
Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a
função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades
regionais” (LEI 9472, 1997).
381
“Art. 187. Fica o Poder Executivo autorizado a promover a reestruturação e a desestatização das seguintes
empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, e supervisionadas pelo Ministério das Comunicações:
I - Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS; II - Empresa Brasileira de Telecomunicações -
EMBRATEL; III - Telecomunicações do Maranhão S.A. - TELMA; IV - Telecomunicações do Piauí S.A. -
TELEPISA; V - Telecomunicações do Ceará - TELECEARÁ; VI - Telecomunicações do Rio Grande do Norte
S.A. - TELERN; VII - Telecomunicações da Paraíba S.A. - TELPA; VIII - Telecomunicações de Pernambuco
S.A. - TELPE; IX - Telecomunicações de Alagoas S.A. - TELASA; X - Telecomunicações de Sergipe S.A. -
TELERGIPE; XI - Telecomunicações da Bahia S.A. - TELEBAHIA; XII - Telecomunicações de Mato Grosso
do Sul S.A. - TELEMS; XIII - Telecomunicações de Mato Grosso S.A. - TELEMAT; XIV - Telecomunicações
de Goiás S.A. - TELEGOIÁS; XV - Telecomunicações de Brasília S.A. - TELEBRASÍLIA; XVI -
Telecomunicações de Rondônia S.A. - TELERON; XVII - Telecomunicações do Acre S.A. - TELEACRE;
XVIII - Telecomunicações de Roraima S.A. - TELAIMA; XIX - Telecomunicações do Amapá S.A. -
TELEAMAPÁ; XX - Telecomunicações do Amazonas S.A. - TELAMAZON; XXI - Telecomunicações do Pará
S.A. - TELEPARÁ; XXII - Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. - TELERJ; XXIII - Telecomunicações de
Minas Gerais S.A. - TELEMIG; XXIV - Telecomunicações do Espírito Santo S.A. - TELEST; XXV -
Telecomunicações de São Paulo S.A. - TELESP; XXVI - Companhia Telefônica da Borda do Campo - CTBC;
236
outubro, a Aneel, por meio do Decreto 2.335382, “com a finalidade de regular e fiscalizar a
produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, desempenhando
papel fundamental na desestatização e na operação das atividades do Sistema Telebrás”
(PROGRAMA..., 1998, p. 7). Como desdobramento, em 1997 quatro empresas foram
desestatizadas (tabela 48):
Tabela 48
Privatizações em 1997 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
CVRD 3.298,90
Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp - Tecon 1) 251,1
Banco Meridional do Brasil 240,1
Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Nordeste 15,8
Total 3.805,90
Fonte: PROGRAMA... (1998). Elaboração própria.
De acordo com a tabela 48, o ano de 1997 teve um valor total de privatizações de
US$ 3,8 bilhões, apenas um pouco inferior ao ano de 1996. A principal venda de empresa
estatal neste período foi a da CVRD, por aproximadamente US$ 3,3 bilhões.
Com sede em Itabira (MG), a CVRD era a “maior empresa produtora e exportadora
de minério de ferro do mundo e a maior produtora de ouro da América Latina”
(PROGRAMA..., 1998, p. 22). A composição acionária da CVRD antes de sua desestatização
tinha a União como detentora de 75,97% das ações ordinárias e 6,31% das preferenciais e os
acionistas denominados “outros” com 24,03% das ações ordinárias e 93,69% das
preferenciais. A venda da CVRD foi realizada em três etapas. Na primeira etapa deveria
ocorrer a oferta de um lote entre 40% e 45% das ações ordinárias; a segunda etapa venderia
10% da participação da União, ou seja, 5,1% do capital total da CVRD aos empregados da
empresa; e a terceira etapa seria uma oferta pública do restante das ações, entre 17% e 23%,
no Brasil e no exterior. Foi incluída na privatização da CVRD a outorga por 30 anos da
Estrada de Ferro de Vitória a Minas Gerais e da Estrada de Ferro Carajás (PROGRAMA...,
1998). Após leilão, a composição acionária da CVRD ficou assim dividida (gráfico 22).
XXVII - Telecomunicações do Paraná S.A. - TELEPAR; XXVIII - Telecomunicações de Santa Catarina S.A. -
TELESC; XXIX - Companhia Telefônica Melhoramento e Resistência – CTMR” (LEI 9.472, 1997).
382
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1997/decreto-2335-6-outubro-1997-437247-
publicacaooriginal-1-pe.html.
238
Vasconcelos, reafirmou que tanto CVRD quanto Petrobrás Distribuidora (BR) não estariam
inclusas no programa de privatização (CONSELHO..., 02/09/1993, p. 23). Era difícil para o
governo achar uma explicação convincente para que o leilão da companhia fosse realizado,
como ineficiência de gestão, prejuízos acumulados, defasagem tecnológica, entre outras
justificativas que foram utilizadas para o leilão de várias outras empresas estatais. Em março
de 1995, contudo, um mês após a estatal anunciar que havia batido o recorde histórico nas
vendas de minério de ferro e pelotas – atingiu 100,9 milhões de toneladas em 1994, alta de
11,9% sobre 1993 – o governo do então presidente FHC autorizou o BNDES a fazer um
estudo sobre a privatização da CVRD (VALE..., 17/02/1995, p. 25). Em maio de 1995, o
CND decidiu recomendar que a CVRD fosse incluída oficialmente, por meio de decreto
presidencial, no PND (ONDE..., 19, 20 e 21/05/1995, p. C1). O leilão da Vale era esperado
pelo governo em 1997 como única alternativa para amenizar o déficit no balanço de
pagamentos e a perda de reservas internacionais.
Houve um grande número de liminares que tentaram suspender o leilão da CVRD,
algumas até conseguiram adiá-lo por alguns dias (STF..., 23/04/1997, p. B1; BNDES...,
23/04/1997, p. B1), mas o governo derrubou todas elas para garantir a sua privatização em
1997. Na noite anterior ao dia do leilão, em 5 de maio, o STJ acolheu o pedido do governo de
cassação de 23 liminares contrárias à sua venda (BNDES..., 06/05/1997, p. A1, B6 e B7).
Várias denúncias de irregularidades também não foram levadas em consideração. Em março
de 1997, por exemplo, a comissão externa da Câmara que acompanhava a privatização
encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU) um relatório que afirmava que a Merrill
Lynch, uma das empresas que participaram da modelagem da venda, seria proprietária de uma
corretora que operava com um dos fortes candidatos à compra, a mineradora sul-africana
Anglo American (RELATÓRIO..., 07, 08 e 09/03/1997, p. B1).
O empenho do governo para manter a data da privatização também envolveu o
BNDES e uma negociação com fundos de pensão. O BNDES iria formar uma empresa em
parceria com a CVRD que assumiria o direito de pesquisar e explorar as jazidas que fossem
encontradas em Carajás e Serra Leste (PA)384. A nova empresa teria participações
384
A Docegeo, sua subsidiária para a área de pesquisas geológicas, sempre esteve à frente das mais importantes
descobertas de minérios da empresa. Em 1993, esta subsidiária investiu US$ 30 milhões em pesquisas minerais,
sendo que 70% deste total foram destinados a descobertas de novas reservas de ouro. Em 21 anos essa
subsidiaria chegou a investir US$ 320 milhões, sendo responsável por descobertas de cobre, bauxita, cassiterita e
metais básicos da controladora (DOCEGEO..., 04/05/1993, p. 16). Poucos meses antes de ser privatizada, esse
tipo de pesquisa deu um resultado muito importante: em janeiro de 1997 a CVRD encontrou em Carajás (PA)
reservas de ouro e cobre que foram consideradas uma das mais importantes descobertas geológicas da história.
Segundo o Estado de São Paulo (VALE..., 14/01/1997, p. B1). Segundo o Estado de São Paulo (14/1/1997, p.
239
equivalentes do BNDES e da CVRD. Era uma espécie de contrato de risco pelo qual BNDES
e CVRD dividiriam em partes iguais os riscos passados e futuros da pesquisa geológica em
Carajás e Serra Leste (VALE..., 06/02/1997, p. B1). De acordo com Biondi (2014), essa
solução não era aceitável uma vez que o governo participaria dos lucros da produção do
minério, mas não do aumento do valor do patrimônio da CVRD e consequente valorização de
suas ações resultante das novas descobertas. Também ficou estabelecido que após o leilão a
BNDESPar prepararia uma troca de ações ON da CVRD por papeis que faziam parte de sua
carteira – ações PN da Petrobrás e ON da Eletrobrás. Com a permuta, o BNDES cumpria um
"acordo de cavalheiros" feito com fundos de pensão (Sistel e Centrus), isto é, “um estranho
acerto” para que os fundos não entrassem no leilão, de forma que fossem recompensados a
partir do BNDES, garantindo assim uma troca das ações aos perdedores (BNDESPAR...,
23/06/1997, p. B5).
O valor pago pela CVRD na desestatização, de US$ 3,3 bilhões, correspondia a
quase um terço do seu patrimônio líquido registrado em 1997385, de R$ 9,4 bilhões, e era
menor do que a empresa teria naquele mesmo ano de 1997 de receita bruta, que chegaria a R$
5,4 bilhões. A grande potência adquirida, portanto, a preços módicos, apenas para
comparação, atingiria um impressionante lucro líquido de R$ 30,1 bilhões em 2010386.
O então ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco (O CAPITAL...,
02/02/2000) “parecia” não ter ciência dos negócios importantes que estavam sendo colocados
à venda. Justificou que o governo vendia “empresas estatais caindo aos pedaços”.
Contrariando-o, no próprio ano da sua privatização a CVRD mostrava o quanto estava em
boas condições e em nada lembrava uma sucata. Estavam previstos R$ 600 milhões em 1997,
22,7% a mais que os R$ 489 milhões investidos em 1996. A empresa mostrava sua
preocupação com atualização tecnológica, com recursos para reposição e melhoria de peças e
equipamentos, aumento da capacidade de produção de minério de ferro, ouro, estradas de
ferro, portos e para aporte em coligadas e controladas (VALE..., 04/03/1997, p. C3).
Corroborando o que os dados da empresa mostravam, antes da privatização, ainda em
fevereiro de 1997, o geólogo Francisco F. A. da Costa, ex-presidente da Docegeo, chegou a
publicar no Diário do Pará que a desestatização da Vale tinha relação com a perspectiva de
B1), eram comparáveis com as do início do século XX no Canadá e na África do Sul. Com toda a importância
que essa exploração possuía, não houve suspensão do seu leilão, que foi mantido para meses depois, e nem
tampouco incluída essa descoberta no preço mínimo fixado para sua desestatização (BIONDI, 2014).
385
De acordo com Biondi (2014), o governo brasileiro ainda deixou no caixa da empresa para os compradores
R$ 700 milhões.
386
Disponível em: www.bovespa.com.br.
240
aumento muito elevado de seus lucros em um futuro próximo devido à liquidação da dívida de
Carajás e abertura de novas e lucrativas minas de ouro. Isso seria resultante, segundo ele, de
uma administração competente sob regime estatal e que seria enganoso o argumento de que
tão logo privatizada ela registraria grandes lucros em função da gestão privada da empresa
(PRIVATIZAÇÃO..., 23/02/2006)387.
Após a CVRD, a segunda maior privatização em 1997, no valor de US$ 251,1
milhões, foi a da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), concessionária do
Porto de Santos (Tecon – 1), que representou a primeira privatização do setor portuário no
Brasil. O arrendatário por 25 anos para a exploração comercial portuária foi o Consórcio
Santos Brasil, “constituído pelas Instituições Opportunity Leste (40%), 525 Participações
(15%), Multiterminais Alfândegados do Brasil Ltda. (10%), Caixa Previdenciária dos
Funcionários do Banco do Brasil – Previ (20%) e Fundação Sistel de Seguridade Social
(15%)” (PROGRAMA..., 1998, p. 31).
A terceira maior privatização daquele ano foi a do Banco Meridional do Brasil S.A.,
que também representaria a primeira privatização do setor financeiro. O banco abrangia o Sul
do Brasil, “operando carteiras comercial, de crédito ao consumidor, de crédito imobiliário, de
investimento e de câmbio” (PROGRAMA..., 1998, p. 27) e atuava também como “uma
seguradora, uma corretora de valores mobiliários e câmbio, uma empresa de artes gráficas e
outra de informática, além de uma empresa de leasing e uma de comércio internacional”
(PROGRAMA..., 1998, p. 27). O Banco Meridional era uma instituição de porte, pois em
1996 apresentou “um patrimônio líquido de R$ 326,2 milhões e ativo total de R$ 2.433,2
milhões” (PROGRAMA..., 1998, p. 28). Suas ações eram divididas entre a União (82,36% do
total – 100% das ações ordinárias e 51,40% das ações preferenciais) e “outros” (17,64% do
total – 48,60% das ações preferenciais). O Banco Bozano, Simonsen comprou 75,6% do
capital total e os empregados adquiriram 3,8% do capital social do Meridional em um leilão
no valor total de US$ 240,1 milhões (PROGRAMA..., 1998).
Em 1997 também foi finalizado o processo de privatização do transporte ferroviário
com a venda por US$ 15,8 milhões da Malha Nordeste, que abrangia 193 km de extensão e
uma população de 31 milhões de pessoas. O comprador da Malha foi o consórcio Manor, com
a seguinte composição acionária do capital votante: Taquari Participações (40%), CSN (20%),
CVRD (20%) e ABS Empreendimentos, Participações e Serviços (20%) (PROGRAMA...,
1998).
387
Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Privatizacao-da-Vale-do-Rio-Doce-insania-ou-
negociata/21588.
241
Tabela 49
Privatizações em 1998 (em US$ milhões)
Empresa privatizada Valor da venda
Sistema Telebrás 22.000
Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul) 879,48
Porto de Sepetiba 92,96
Terminal Roll-On Roll-off do Porto de Rio de Janeiro 31,56
Cais de Capuaba 29,99
Malha Paulista (antiga Fepasa) 15,8
Cais de Paul 15,8
Porto de Angra dos Reis 9,36
Total 23.075,0
Fonte: PROGRAMA... (1999). Elaboração própria.
*Não inclui a venda da Banda B de telefonia celular por R$ 3,3 bilhões.
388
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2594-15-maio-1998-400871-
publicacaooriginal-1-pe.html.
389
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2655-2-julho-1998-361411-
publicacaooriginal-1-pe.html.
390
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2534-2-abril-1998-437364-
publicacaooriginal-1-pe.html.
391
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2546-14-abril-1998-400716-
publicacaooriginal-1-pe.html.
392
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2592-15-maio-1998-400867-
publicacaooriginal-1-pe.html.
242
393
Para Prado (1994, p. 106), “a Telebrás [...] uma vez liberada de restrições constitucionais, se torna uma das
mais atrativas „mercadorias‟ ofertadas pelo processo. As experiências latino-americanas evidenciam o elevado
interesse dos grupos internacionais por empresas nacionais de comunicações operando em mercados com
demanda potencial elevada”.
394
De acordo com Aloysio Biondi (2001, p. 35), “em 1996, o governo duplicou os investimentos nas teles,
alcançando 7,5 bilhões de reais, chegou aos 8,5 bilhões de reais em 1997 e investiu mais 5 bilhões de reais no
primeiro semestre de 1998, totalizando, portanto, 21 bilhões de reais de investimento em dois anos e meio”. Com
esse investimento, já “no primeiro semestre de 1997, a Telebrás ainda era uma empresa estatal. Mas seu lucro
deu um salto de 250%, passa para 1,8 bilhão de reais [...]. Não houve „milagre‟ algum, pura e simplesmente o
governo havia, finalmente, começado a eliminar o congelamento das tarifas dos serviços das estatais
atualizando-as. Bastou dar início aos reajustes negados durante anos, enquanto a inflação continuava a aumentar
os custos das estatais, para a situação se inverter e os lucros dispararem. Sem privatização” (BIONDI, 2001, p.
45). Mesmo assim, o governo privatizou o sistema Telebrás. Segundo Biondi (2001, p. 33), “[...] quando as teles
afinal foram vendidas por 22,2 bilhões de reais, os meios de comunicação trombetearam o tempo todo que o
governo usara aquela „dinheirama‟ para reduzir a dívida ... Continuavam a esconder que na verdade o governo só
recebera 40% desse valor – 8,8 bilhões de reais. (De fato, receberia menos ainda, considerando que o governo
financiaria, por meio do BNDES, 50% da entrada)”.
395
Para mais informações sobre os meandros das privatizações no governo FHC, ver: Ribeiro Jr. (2011).
396
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc24119803.htm.
397
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/acervo-lembrancas-do-governo-fhc-8756.html.
398
O ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros admitiu em depoimento no Senado que tinha preferência pelo
consórcio liderado pelo Banco Opportunity no leilão da Tele Norte Leste (MENDONÇA..., 20/11/1998, p. 5).
Um dos diretores do banco era Pérsio Arida, seu amigo pessoal, um dos formuladores do plano real, ex-ministro
do governo FHC, casado com Elena Landau, que foi diretora de desestatização do BNDES entre 1993 e 1996.
243
meses antes do leilão, em julho de 1997 (TELEBRÁS..., 23/07/1997, p. B1). No entanto, esse
número foi desconsiderado logo depois e o sistema foi avaliado com o preço mínimo de
apenas R$ 13,5 bilhões, contemplando o valor aferido pelo mercado, que era de R$ 13 bilhões
(TELECOM..., 10 e 11/06/1998, p. B1; FUNDAÇÕES..., 11/06/1998, p. B1). As cifras se
distanciavam daquilo que havia sido avaliado até mesmo por um banco alemão, o Deutsche
Morgan Grenfell, que citava US$ 63,7 bilhões o valor da Telebrás, sem incluir a Banda B.
Auro Rozenbaum, analista do banco, chegou a afirmar que isso seria o “preço justo para todo
o Sistema” (SISTEMA..., 14/01/1998, p. A1 e B1).
Além de um baixo valor, a Telebrás foi ofertada com um mecanismo de redutor de
preço para compensar o ingresso de competidores nas áreas das subsidiárias leiloadas. O
redutor foi em média de 20% (PREÇO..., 09/06/1998, p. B5). As ofertas generosas por parte
do governo ocorriam apesar de um grande volume de interessados: havia em novembro de
1997, poucos meses antes do leilão, 73 empresas interessadas na privatização do setor de
telecomunicações brasileiro (DISPUTA..., 26/11/1997, p. A1 e B2).
Dos R$ 22 bilhões pagos pela Telebrás, a maior parte foi proveniente de capital
estrangeiro:
O capital estrangeiro foi bem tratado pelo governo. Antes do leilão, FHC chegou a
viajar para a Europa e fazer propaganda das desestatizações. Dizia convidar as empresas
europeias “ao sucesso” e não “ao sacrifício”, e as chamava para participar do que ele
denominou “projeto de transformação definitiva da economia brasileira em uma economia
madura” (FHC..., 19/09/1995, p. A1).
A privatização do sistema público de telefonia do país efetivou-se após investimentos
significativos feitos pelo governo. Enquanto ainda estatal, por exemplo, a Telebrás investiu
US$ 4,3 bilhões em 1993, US$ 4,4 bilhões em 1994, US$ 4,5 bilhões em 1995 e US$ 6,5
399
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc30079802.htm.
244
400
Disponível em: http://www.telebras.com.br/inst/wp-content/uploads/2011/03/RA1996.pdf.
401
Os investimentos antes da privatização eram acertados de forma que a empresa realizasse os aportes,
sobretudo, em encomendas de tecnologia no mercado nacional. Em março de 1994, por exemplo, ela informava
que mais de 45% das compras do Sistema Telebrás davam preferência aos produtos fabricados no país e com
tecnologia nacional (MAIS..., 07/03/1994, p. 10). A Telebrás mantinha um centro de pesquisas em Campinas
para o desenvolvimento tecnológico do setor.
402
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi240110.htm.
245
Tabela 50
Lucratividade do Sistema Telebrás em 1997 (em R$ mi)
Empresa Lucro
Telesp 1.140
Embratel 508,1
Telemig 381,4
Telerj 254,8
Telesc 175,9
Telepar 162,8
Telpe 154,6
Telebrasília 146,2
Telebahia 141,0
Teleceará 139,4
Telegoiás 88,2
Telest 86,0
CTBC 74,0
Telemat 71,7
Telepará 54,8
Telems 47,5
Telern 33,3
Telemazon 27,5
Telma 26,8
Telpa 24,1
Telergipe 19,1
Telepisa 16,8
CTMR 15,8
Telasa 8,0
Teleamapá 5,9
Teleron 4,5
Telaima 4,3
Teleacre 3,3
Total 3.815,80
Fonte: Gazeta Mercantil (22/1/1998). Elaboração própria.
Entre essas 28 empresas, a Telesp despontava com lucro superior a R$ 1,1 bilhão.
Segundo Biondi (2014), o governo também deixou em caixa na Telesp para os compradores
R$ 1 bilhão.
Enquanto ainda estatal, a Telebrás fechava parcerias com empresas como a Portugal
Telecom e a British Telecom e tinha acesso a financiamentos no mercado externo, com
emissão de títulos como eurobônus e bônus em iene.
Previamente à privatização, como parte do processo do governo de “preparar” o
Sistema Telebrás para a sua venda, devem ser destacados os vários aumentos de tarifas que
246
403
Entre os trechos grampeados destacam-se as reproduções abaixo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_sp_67.htm:
“Em conversa com FHC, André Lara Resende (BNDES) critica a composição do consórcio Telemar, que
disputava a Tele Norte Leste. FHC concorda:
André Lara Resende - Em princípio, isso não tem nada de mais. Agora, a conversa quanto mais nós vemos aqui
é, acho que é um pouco, é uma, uma aliança da assim corporativa, do corporativismo das próprias empresas
telefônicas...
FHC - ...Com aventurismo.
Lara Resende - Com a Sistel. Exatamente. Com o pior do aventurismo.
FHC - Com o pior. Exatamente. Comprometedor...
Lara Resende - Inclusive, é o seguinte. É uma coisa muito ruim ir para a frente. É um risco enorme.
FHC - Eu acho também...
Mendonça de Barros e Lara Resende criticam em outro telefonema Pedro Malan e Pedro Parente, ambos do
Ministério da Fazenda, ministro e secretário-executivo, respectivamente.
Mendonça de Barros - Pega o Malan e o Pedro Parente, que são dois babacas, faz aquele discurso privatista e
monta uma mutreta. Depois, o que aconteceu? O Tribunal de Contas está enchendo o saco deles, tá? Então, o que
ele falou é o seguinte: „Nós não... Se o BNDES disser que não dá dinheiro porque é uma empresa pública é um
argumento para o Tribunal de Contas‟.
Lara Resende - É, mas nós dissemos isso tudo.
Mendonça - Agora, o duro é ver o nosso ministro da Fazenda, babaca, dizendo...
Lara Resende - Não sabe nem o que está se passando. Eu vou te dizer...
Mendonça de Barros fala com o então vice-presidente do BNDES, Pio Borges, hoje presidente, sobre
interessados na composição acionária da Telemar.
Mendonça de Barros - E a ratada, aí?
Pio Borges - A ratada está lá em cima. Eu estou aqui e depois eu vou subir já. O Lara Resende está lá.
- O principal diálogo
No diálogo mais importante das fitas gravadas por meio de escutas clandestinas, André Lara Resende, então
presidente do BNDES, diz ao presidente Fernando Henrique Cardoso que é necessário forçar o fundo de pensão
estatal Previ, do Banco do Brasil, a entrar no consórcio do Banco Opportunity e do grupo italiano Stet, que iria
participar do leilão da Telebrás. O presidente concorda e, depois disso, Lara Resende pede explicitamente para
usar o nome de FHC como forma de pressão sobre a Previ, que também negociava com o consórcio Telemar, de
Carlos Jereissati. Eis o trecho da conversa entre os dois:
André Lara Resende - Então, o que nós precisaríamos é o seguinte: com o grupo do Opportunity, nós até
poderíamos turbiná-lo, via BNDESPar. Mas o ideal é que a Previ entre com eles lá.
Fernando Henrique Cardoso - Com o Opportunity?
247
liberar recursos não só para o financiamento do pagamento das empresas adquirentes (que
inclusive podiam parcelar os valores a serem pagos em três vezes), como também o de prover
recursos para investimentos, após concluído o processo de privatização. Em agosto de 1998, o
banco informava que além de destinar R$ 1,2 bilhão ao financiamento da venda do Sistema
Telebrás, preparava a generosidade de uma linha especial de crédito para as empresas que
foram privatizadas, que envolvia até US$ 15 bilhões nos então próximos cinco anos – 30%
dos investimentos de US$ 50 bilhões que estavam previstos para o setor neste mesmo período
(BNDES..., 20/8/1998, p. 8).
A venda do sistema de telecomunicações recebeu críticas sobre a rapidez com que o
procedimento de tamanho vulto foi realizado. Para Biondi (2014, p. 64), a pressa tinha como
motivo o fato de que “desde maio de 1998, os banqueiros e investidores internacionais já
estavam fugindo, cortando o crédito, do Brasil, e o real caminhava para a desvalorização”.
Segundo ele, os leilões da Telebrás permitiriam captar dólares e reais e manter “a ilusão do
real até a reeleição”. Deve-se ressaltar que o déficit em transações correntes em novembro de
1998 atingia 4,4% do PIB, o maior patamar desde a crise da dívida externa (DÉFICIT...,
28/11/1998, p. 8).
O presidente da Telebrás em 1998, Fernando Xavier, chegou a justificar a
privatização dizendo que não havia diferença entre trocar um monopólio estatal por um
monopólio privado, quando questionado por membros da OAB sobre os problemas no
processo. Segundo ele, não havia riscos de trocar um pelo outro. Alegava uma certa boa
negociação à época, uma vez que nos próximos três anos as concessionárias seriam obrigadas
a contribuir para a manutenção do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás
(CPqD), como se isso fosse muito significativo. Em 1997, o CPqD recebeu investimentos de
R$ 120 milhões. Era uma moeda de troca pífia dada a magnitude do negócio que foi vendido.
Para o então presidente do Conselho Federal da OAB, Reginaldo de Castro, era preciso uma
reflexão mais profunda porque a Telebrás era o maior patrimônio público alienado pelo
Estado brasileiro e estava sendo privatizada na antevéspera de eleição presidencial
(PRESIDENTE..., 02/07/1998, p. B1).
Essa reflexão jamais ocorreu. Em texto de homenagem ao ex-ministro das
Comunicações Sérgio Motta, um dos grandes articuladores da privatização do Sistema
Telebrás, o ex-ministro Mendonça de Barros trazia o seu entendimento sobre a conclusão do
leilão, afirmando que tinha sido um sucesso pela popularização da telefonia no Brasil: “A luta
agora é para dar renda aos brasileiros a fim de que possam utilizar os telefones disponíveis
quase gratuitamente. Serjão, onde você estiver, nós vencemos!” (QUATRO..., 19/04/2002, p.
2). De fato, alguns foram os vencedores do processo. Mas a maioria da sociedade foi
perdedora. Em 2016, uma das notícias que mostravam o quão desastrosa foi a privatização se
referia à recuperação judicial da empresa Oi, que adquiriu a empresa Brasil Telecom. O plano
de recuperação judicial da Oi, o maior do país, envolvia uma dívida de R$ 65,4 bilhões e um
pedido de pagamento de credores – entre eles o BNDES – em 10 anos (COM DÍVIDA...,
06/09/2016, p. A22).
Depois do Sistema Telebrás, a segunda mais importante venda de empresa estatal em
1998 foi a da Gerasul, fruto da reestruturação da Eletrosul, por US$ 879,48 milhões404. A
Gerasul era a maior geradora de energia elétrica do Sistema Sul, com área de cobertura de
928.271 Km2, ou seja, 11% do território brasileiro, 7% da energia gerada no Brasil e o
atendimento de 25,8 milhões de pessoas. Abrangia os Estados do Rio Grande do Sul, de Santa
Catarina, do Paraná e do Mato Grosso do Sul. A composição acionária da Gerasul antes do
leilão era: União (49,03% ações ordinárias e 3,26% ações preferenciais “b”), “outros”
(30,63% ações ordinárias, 0,02% ações preferenciais “a” e 12,49% ações preferenciais “b”) e
FND (4,57% ações preferenciais). A empresa Tractebel Sul S.A. adquiriu os lotes de ações de
controle da Gerasul e a oferta para os empregados foi adiada para 1999 (PROGRAMA...,
1999).
Dando continuidade às privatizações no setor portuário, em 1998 a Companhia
Docas do Rio de Janeiro (CDRJ) arrendou por 25 anos o Terminal de Contêineres no 1 –
Tecon 1 do Porto de Sepetiba, o Terminal Roll-on Roll-off do Porto do Rio de Janeiro e o
Porto de Angra dos Reis. O Porto de Sepetiba foi adquirido por US$ 92,96 milhões pelo
consórcio Tecon 1, sendo a terceira maior privatização de 1998. Esse consórcio era formado
pela “Companhia Siderúrgica Nacional e por sua subsidiária integral, a CSN Aceros, com
sede no Paraná” (PROGRAMA..., 1999, p. 26). O Terminal Roll-on Roll-off – quarto maior
leilão de 1998 – foi vendido por US$ 31,56 milhões em leilão pelo consórcio Rio Veículos,
composto por: “Multiterminais Alfandegados do Brasil – 50%; Multivale Terminais e
Serviços Ltda. – 35%; e Fundo Mútuo de Inv. em Ações Carteira Livre – 15%”
(PROGRAMA..., 1999, p. 27). O Porto de Angra dos Reis foi arrematado por US$ 9,36
404
“O lucro operacional da Gerasul, em 31 de julho de 1998, era de R$ 53,7 milhões. O lucro líquido acumulado
nos sete primeiros meses de 1998 foi de R$ 57,5 milhões. O Ativo Total ficou em R$ 3,855 bilhões e o
Patrimônio Líquido em R$ 2,192 bilhões” (PROGRAMA..., 1999, p. 18).
249
Quadro 2
Síntese das Privatizações
Ano Privatização* PIB** Privatização/PIB Setores
Collor
1991 1.265,20 405.679,23 0,31 Bens de Capital; Fertilizantes;
1992 2.400,40 387.294,94 0,62 Petroquímico e Siderurgia
Média anual 0,47
Itamar
1993 2.581,50 429.685,27 0,60 Aeronáutico; Fertilizantes;
1994 619,63 543.086,59 0,11 Mineração; Petroquímico e
Média anual 0,36 Siderurgia
FHC
1995 1.039,90 770.733,14 0,13 Bancos; Energia; Mineração;
1996 4.072,60 851.019,12 0,48 Petroquímico; Portos;
1997 3.805,90 883.281,56 0,43 Telecomunicações e
1998 23.075,00 863.872,29 2,67 Transportes
Média anual 0,93
Fonte: Relatórios do BNDES (vários anos) e Ipeadata. Elaboração própria.
*Em US$ milhões
** Em US$ milhões (dólar médio anual)
FHC foi o governo mais “privatista”. A média anual do seu primeiro mandato foi a
de uma arrecadação de 0,93% do PIB com vendas de empresas estatais. No governo Itamar,
como comparação, a média foi de 0,36%, e no governo Collor, de 0,47%. Observa-se,
portanto, que FHC privatizou quase o triplo do governo Itamar e mais do que o dobro do
volume do governo Collor (quadro 2).
Ainda conforme o quadro 2, observa-se que as privatizações se iniciaram pelos
setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, como ocorreu no governo Collor, e se
diversificaram no Itamar, quando este também incluiu o setor aeronáutico, privatizando a
Embraer, e iniciou a desmontagem do setor de mineração, com a venda da Caraíba. No FHC,
as privatizações mostraram uma diversificação ainda maior ao chegar aos setores de serviços,
como transportes (vendeu a RFFSA); portuário (vendeu Codesa e Codesp); energia (vendeu a
Escelsa e a Light) e telecomunicações (vendeu o Sistema Telebrás). Durante seu mandato,
FHC deu ainda continuidade à venda do setor petroquímico e de mineração, sendo um marco
do seu governo a polêmica venda da CVRD.
4. Conclusão
Com o avanço da internacionalização financeira, os interesses das empresas
multinacionais em sua forma de acumulação de capital em países periféricos como o Brasil
sofreram alterações. Ancoradas nos ganhos rápidos abertos pela financeirização exacerbada,
251
Considerações Finais
O imperialismo constituiu-se como a principal forma de dominação sobre os países
periféricos especialmente. Entre o fim do século XIX e durante o século XX, a atuação do
imperialismo se alterou de acordo com os diferentes momentos históricos de transformação
do capitalismo, entretanto, sempre com o mesmo desiderato: auferir as maiores vantagens
possíveis nessas regiões.
A partir da exportação de capitais, o imperialismo “moldou o desenvolvimento” dos
países subdesenvolvidos. No pós-Segunda Guerra Mundial, na fase da internacionalização
produtiva, cujo eixo da sua exportação de capitais foi a expansão de empresas multinacionais
para os países periféricos, com a instalação localmente de suas filiais, o imperialismo
conseguiu um maior controle sobre esses países e ampliou a dificuldade destes para se
direcionarem a um desenvolvimento nacional com autonomia. Em seguida, no período da
internacionalização financeira, o imperialismo voltou suas forças para exigir dos países
periféricos ajustes que operacionalizassem a acumulação financeira das empresas
multinacionais. Tratou-se de uma mudança qualitativa do imperialismo, que também
modificou seus interesses sobre os espaços nacionais de acumulação, tendo como exemplos
maiores a deslocalização produtiva e os ganhos financeiros sobre os países da América
Latina, como o Brasil.
As burguesias brasileiras reagiram da segunda metade da década de 1950 até 1998
promovendo as mudanças exigidas pelo imperialismo, de modo a controlar o ritmo e a
intensidade. Como exemplo, na fase da internacionalização produtiva, propiciaram a
instalação das empresas multinacionais no Brasil com mudanças nos marcos institucionais e
legais, como a Instrução 113, e com o golpe civil-militar, que possibilitou as reformas do
PAEG, realizaram a alteração da Lei de Remessas de Lucros e as reformas financeiras que
conectavam o país ao circuito financeiro mundial. Essas transformações permitiram a
expansão das empresas multinacionais com fácil acesso ao mercado internacional.
Posteriormente, com a internacionalização financeira, as burguesias realizaram mudanças em
benefício dos ganhos com investimentos financeiros, com elevadas rentabilidades. Dentre
estas estiveram a abertura produtiva, comercial e financeira.
O total controle do Estado brasileiro, de maneira autocrática, foi imprescindível para
atingir os objetivos a que se propunham as burguesias brasileiras. Revelando seu caráter
dependente e subordinado ao capital internacional, elas se mostravam fracas para fora e fortes
254
para dentro. Alçavam o povo brasileiro a seu principal inimigo e tornavam o Estado agente de
seus exclusivos interesses e das empresas multinacionais.
Nesta tese, constatou-se que as empresas estatais, por meio das políticas econômicas
adotadas, foram instrumentalizadas para proporcionar uma organização interna que fosse ao
encontro dos anseios do imperialismo no capitalismo dependente brasileiro. Em todo o
período analisado (1956-1998), em comum, esteve o fato de que as empresas estatais
potencializaram os ganhos das empresas multinacionais no país, desde o momento em que se
fortaleceram até quando foram privatizadas. Isso não significou que não houvesse diferenças
em sua atuação em cada fase histórica.
Durante a internacionalização produtiva, as empresas estatais foram fortalecidas para
que pavimentassem o caminho para a chegada das empresas multinacionais, atuando em áreas
que não eram do foco do setor privado e subsidiando a vinda dessas empresas com a oferta de
bens e serviços a preços baixos. Já depois dos anos 1970, na fase da transição para a
internacionalização financeira, essas empresas estatais sofreram uma precarização de seu
parque produtivo, um sobreendividamento e uma descapitalização, ao intensificar sua ajuda
aos superávits da balança comercial. Como resultado, no início da década de 1980, o Estado
realizou ajustes no SPE, por meio da SEST. Os relatórios da SEST revelaram que esses
ajustes significavam a implantação de políticas neoliberais no Brasil antes das recomendações
do FMI.
No período da internacionalização financeira, a situação das empresas estatais mudou
ao longo década de 1990 com as privatizações, entendidas pelo governo como “solução” para
os problemas das contas nacionais. Isso porque as empresas estatais eram vistas como grandes
causadoras do processo inflacionário e do déficit público. Os documentos do BNDES e as
notícias da época em jornais mostraram justamente o acirramento do neoliberalismo na
década de 1990 com o saneamento financeiro e a posterior privatização dessas empresas
estatais. A desnacionalização e a financeirização ampliaram, ao contrário do que era
defendido pelo governo, a dependência externa e o desenvolvimento interno desigual porque
levou ao paroxismo a perda de autonomia relativa do Estado brasileiro.
Em síntese, de 1956 a 1973, o fortalecimento das empresas estatais teve o objetivo de
atender os anseios de valorização do capital produtivo das empresas multinacionais, na sua
necessidade de instalação na periferia, a partir dos IDEs. Apesar de os IDEs promoverem um
salto no padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro e estabelecerem uma forma de
acumulação dentro do espaço nacional a partir da industrialização voltada ao mercado interno,
255
os IDEs também levaram a um acirramento da dependência externa, uma vez que as decisões
passaram a se dar de acordo com os interesses de valorização do capital estabelecidos pelas
matrizes das filiais instaladas no país. Quando essas empresas multinacionais efetuaram sua
reestruturação produtiva e se direcionaram para a financeirização, no período compreendido
entre 1974 e 1985, houve o enfraquecimento da industrialização pesada no Brasil, assim como
na maneira de atuação das empresas estatais. Portanto, na década de 1980 as empresas estatais
agiram de forma a subvencionar os saldos comerciais para o pagamento dos juros da dívida
externa. Na década seguinte, o aumento da pressão para que elas fossem privatizadas se
tornou um dos principais elementos do desmantelamento do SPE. Nesta fase, as empresas
estatais interessavam ao capital privado por sua área estratégica de atuação, no momento de
uma nova divisão internacional do trabalho, e pelo seu alto potencial de rentabilidade.
A partir de uma análise desde o período JK até o primeiro governo FHC conclui-se a
dependência externa enquanto uma característica intrínseca do capitalismo brasileiro, pela
forma de atuação de suas burguesias ante as demandas do imperialismo, a despeito das
especificidades desta dependência em cada momento histórico. Mesmo na industrialização
pesada, isso foi um fator preponderante, apesar das interpretações contrárias. Esta fase
histórica inclusive apresentou as impossibilidades do desenvolvimento com dependência,
servindo de base nesta tese para mostrar que o neoliberalismo começou no início dos anos
1980 no Brasil, em uma contraposição às ideias correntes de que isso só ocorreria
tardiamente, nos anos 1990.
Se tardio fosse o neoliberalismo no Brasil, as burguesias brasileiras teriam criado
resistência ao imperialismo entre os anos 1970 e 1980, o que não foi constatado. Do mesmo
modo, se as empresas estatais não foram privatizadas no início da década de 1980 atendendo
aos preceitos do neoliberalismo, isso não ocorreu porque as burguesias brasileiras resistiram a
esse processo. Mas porque naquele momento as empresas multinacionais ganhavam muito
mais com as empresas estatais facilitando sua acumulação privada com o repasse de bens e
serviços a preços módicos do que se fossem desestatizadas. Caso passassem para as mãos
privadas, sua lógica seguiria a da busca dos lucros com elevação de preços, o que prejudicaria
os ganhos capitalistas das empresas privadas que utilizavam matérias-primas, energia elétrica,
telecomunicações, transportes, entre outros bens e serviços fornecidos pelas empresas estatais.
Desta forma, as privatizações apenas entraram na ordem do dia de maneira mais contundente
quando as multinacionais se financeirizaram e tiveram como meta no Brasil a entrada em
atividades do setor primário e de serviços, além de elevados ganhos financeiros.
256
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OZIRES Silva anuncia retomada do processo de privatização da Embraer. Gazeta Mercantil.
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PACTUAL negocia ações da Iven. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C3, 25 nov. 1997.
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VENDAS do EMB-145 não evitam corte de pessoal na Embraer. Gazeta Mercantil.
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