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CAPÍTULO 14
Avaliação de activos de rendimento fixo
OBJECTIVOS DE LEITURA
Após a leitura deste capítulo, conseguirá compreender:
4.1
Ricardo Cruz © | 2017 | todos os direitos reservados
4.2 PARTE II Taxas de juro
K 2 K0 K0 i K0 i K0 i i K 0 1 i
2
[4.4]
KT K0 1 i
T
[4.5]
0 1 2 T
K0
taxa anual nominal for capitalizável mensalmente, a taxa de juro efectiva será de 1%
ao mês1 (=12%/12); se a taxa anual nominal de 12% for capitalizável anualmente, a
taxa de juro efectiva será de 12% ao ano (=12%/1). Assim, a taxa efectiva é a taxa
ajustada ao período de capitalização de juros. Só no caso em que o período de
capitalização de juros coincide com o período de referência da taxa de juro nominal é
que a taxa de juro nominal é uma medida correcta da taxa de juro efectivamente
praticada nos termos do contrato.
Então, uma taxa de juro anual nominal de 12% não importa uma carga de
juros equivalente qualquer que seja o período de capitalização de juros. Por exemplo,
se uma taxa de juro anual nominal de 12% é capitalizável mensalmente, a taxa mensal
efectiva é de 1%. Então, no termo de um prazo de 12 meses, ocorrendo acumulação de
juros de juros em cada mês, o emprego da expressão [4.5] conduz, por unidade de
capital inicial em dívida, ao valor futuro seguinte:
o que de imediato permite concluir que a taxa de juro que efectivamente onera o
devedor ao longo de um período com a duração de um ano é de 12,68% – e não 12%.
A taxa de juro de 12,68% é designada de taxa de juro anual equivalente – ou,
abreviadamente, TAE. A taxa de juro anual equivalente só coincidirá com a taxa de
juro anual nominal caso o período de capitalização de juros seja, precisamente, de 1
ano. Sempre que o período de capitalização de juros difira do período de referência da
taxa de juro nominal (o ano, em regra), a taxa de juro nominal é uma medida impre-
cisa do retorno efectivamente prometido por um investimento.
Generalizando, se designarmos a taxa de juro anual nominal por im , em que
m define o número de períodos de capitalização de juros compreendidos no período de
referência da taxa de juro nominal (i.e. num ano, caso se trate de uma taxa anual
nominal), a taxa de juro anual equivalente ie será dada pela expressão:
m
i
ie 1 m 1 [4.8]
m
A conversão de taxas de juro anuais nominais em taxas de juro anuais
equivalentes é essencial para se estabelecer a comparabilidade entre taxas de juro que
pressupõem períodos de capitalização diferentes. De um modo geral, taxas equiva-
lentes devem ser usadas em todas as situações de aplicação rigorosa dos princípios
fundamentais da Matemática Financeira, salvo convenção diversa2.
Utilizando o Microsoft® Excel: função FV | Para calcular o valor futuro de um
capital com recurso ao software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula:
FV Rate, Nper, Pmt, Pv, Type [4.9]
1 Por exemplo, num empréstimo bancário destinado ao financiamento da aquisição de habitação própria, é vulgar especificar-se um
regime de prestações mensais. Nesse caso, a taxa de juro anual nominal especificada no clausulado do empréstimo terá que ser dividida
por 12 para se encontrar a taxa de juro efectiva mensal. Por exemplo, uma taxa de juro nominal de 6% ao ano com capitalização mensal
de juros define uma taxa de juro efectiva de 0,5% ao mês.
2 Vide CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, Edições Asa, Porto, 1995.
cálculo de um valor futuro, igual a zero; ‘Pv’ é o capital inicial investido, precedido do
sinal algébrico menos (sinal que sugere uma ‘saída’ de capitais ou um pagamento); e
‘Type’ é uma variável dicotómica, igual a 0 ou a 1. Por exemplo, no caso de um inves-
timento de 1 000 euros, pelo prazo de dois anos, à taxa de juro anual nominal de 10%,
com capitalização anual de juros (i.e. uma taxa equivalente de 10% ao ano)3:
FV 10%, 2, 0, 1000, 0 1210 [4.10]
A Caixa 4.1 simula o valor futuro de um capital inicial de 1 euro para dife-
rentes prazos e taxas de juro anuais nominais, pressupondo períodos de capitalização
também anuais. Atestando as implicações ditadas pelo processo de capitalização de
juros, note-se que, sob uma taxa de juro anual de 10%, o capital inicial duplica em
pouco mais de 7 anos; e que, caso a taxa de juro aumente para 15% ao ano, serão ne-
cessários menos de 5 anos para que o capital inicial duplique.
3 Os valores dos parâmetros a introduzir na fórmula FV() podem ser armazenados em células da folha de cálculo Excel. Assim, em
lugar de introduzir os valores directamente na expressão da fórmula, bastará endereçar os parâmetros desta às correspondentes células
da folha de cálculo. Assim, caso um ou mais parâmetros sejam modificados, o valor da função FV() será imediatamente actualizado.
4 Na Matemática Financeira, é vulgar o uso indistinto das expressões ‘actualização’ e ‘desconto’. Preferimos definitivamente a
primeira, reservando o conceito ‘desconto’ para caracterizar certos fenómenos específicos, tais como a emissão e negociação, a des-
conto do valor nominal, de certos activos de rendimento fixo sem cupões ou pagamentos intercalares de juros, tais como os Bilhetes do
Tesouro ou as obrigações de cupão zero.
K 0 1 10% 1 000
2
[4.13]
K 0 826, 45
Noutros termos, o valor actual é igual ao valor futuro do capital de 1 000
euros, deduzido de três parcelas: (i) os juros do primeiro período; (ii) os juros do se-
gundo período; e (iii) os juros incidentes sobre os juros acumulados no primeiro pe-
ríodo – i.e. ‘juros de juros’. Analiticamente:
K2
K0 [4.14]
1 i 2
Actualização por um qualquer número de períodos | Generalizando para ope-
rações com um prazo de T períodos, de igual duração, e considerando uma taxa de
juro i constante e capitalizada em cada período, o valor actual de um capital futuro KT
cujo pagamento é prometido para o momento T é dado pela expressão geral:
KT
K0 [4.15]
1 i T
A expressão 1 1 i é conhecida por ‘factor de actualização’ de um capital
T
RENDAS
As noções de valor futuro e valor actual já desenvolvidas foram aplicadas a activos
que pagam um único fluxo financeiro – pagamento na óptica do emitente, recebimento
na óptica do investidor. Mas muitos activos prometem não um só, mas vários fluxos,
distribuídos no tempo e reportados a momentos diferentes. Os casos notáveis traba-
lhados na Matemática Financeira referem-se, por norma, a fluxos financeiros regular-
mente intervalados, cujos valores seguem regras preestabelecidas quanto à consti-
tuição ou à amortização de um capital. As rendas são um desses casos notáveis.
Designa-se por renda todo o contrato que estabelece um conjunto de fluxos
financeiros (pagos pelo emitente e recebidos pelo investidor) distribuídos no tempo
com uma periodicidade certa e cujos valores – designados por prestações – seguem
um determinado regime de reforços – se tendo em vista a constituição de um capital
futuro – ou um determinado plano de amortizações – se visando a extinção de um ca-
pital inicial em dívida.6 A realização de contribuições periódicas regulares para planos
5 O valor negativo obtido em [4.17] presume que o capital reportado à data futura tem a natureza de um recebimento esperado, cuja
contrapartida é um pagamento (cujo sinal algébrico associado é negativo) efectuado no momento a que se reporta o valor actual calcu-
lado. Obviamente, tratando-se de activos financeiros, todos os pagamentos na óptica do investidor (emitente) têm por contrapartida
recebimentos na óptica do emitente (investidor), e vice-versa.
6 Esta noção de renda é adaptada de CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, Edições Asa, Porto, 1995.
R1 R2 RT
0 1 2 T
7 As classificações aqui empregues seguem, com ligeiras adaptações, a nomenclatura sugerida em CADILHE, Miguel, op. cit.
8 Idem, op. cit.
0 1 2 5
1000 +
L
1000 (1 + 0.1)3 +
1000 (1 + 0.1)4 +
6105.1 =
No termo do prazo de 5 anos, o valor futuro dos capitais investidos em cada um dos
períodos pode ser apurado através da sucessiva aplicação do cálculo do valor futuro,
reportado ao termo do quinto ano, a cada uma das entregas anuais no montante de
1 000 euros. Globalmente, o capital acumulado no final do quinto ano será dado pelo
somatório dos valores futuros de cada uma das 5 entregas efectuadas, sendo:
5
K5 1 000 1 0,1
5t
6105,1 [4.18]
t 1
t 0
a rn 1
r 1 [4.20]
KT R
1 i T 1 [4.21]
i
Valor actual de uma renda constante | A determinação do valor actual de uma
renda constante não levanta problemas de maior. Com efeito, para se obter a expressão
analítica do valor actual de uma renda postcipada de valor constante contratada por
um prazo total [0,T] constituído por T períodos de igual duração e remunerada à taxa
Kt Kt 1 RKt Kt 1 Rt Kt 1 i Kt 1 1 i Rt [4.27]
Assim, o VAL equivale à diferença entre o valor actual dos fluxos financeiros (VA)
libertados pelo activo e o preço de aquisição ( K 0 ) do activo financeiro:
T
CFt
VAL0 K0 VA0 K0 [4.33]
t 1 1 i t
A fórmula [4.33] explicita uma metodologia universalmente empregue no
domínio da avaliação de activos financeiros e de projectos de investimento, e permite
contemplar situações, muito frequentes, em que um investimento gera, ao longo do
tempo, fluxos financeiros positivos (recebimentos) e negativos (pagamentos). A
alternância no tempo entre fluxos de valor positivo e negativo é de resto comum em
projectos de investimento cujos ciclos de construção, produção ou comercialização
são longos. Aquela expressão pode também ser reescrita equiparando o ‘preço’ inicial
K 0 a mais um fluxo financeiro inerente ao investimento:
T
CFt
VAL0 , em que CF0 K0 [4.34]
t 0 1 i t
Em termos mais abrangentes, podemos definir o valor actual líquido de um
investimento como o resultado da actualização, a uma taxa de retorno i
apropriadamente escolhida, de todos os fluxos financeiros líquidos – i.e. recebimentos
menos pagamentos – que se espera serem gerados ao longo do horizonte [0,T].
O VAL e a decisão de investir | O VAL é um instrumento de avaliação indisso-
ciável das decisões de investimento de capital. Em termos abstractos, o investidor
decidirá arriscar capital num investimento caso essa decisão incremente a sua riqueza
actual – e, assim, contribua para aumentar o seu poder de compra e o seu nível de
despesa. Intuitivamente, isso significa que, existindo outras oportunidades de investi-
mento que possam garantir a taxa de retorno i, o investidor só investirá em activos
financeiros cujo VAL seja não nulo. Nesse caso, o justo valor atribuído ao investi-
mento é não inferior ao preço de mercado do activo financeiro.
Se o VAL é nulo, o investidor ficará numa posição de indiferença entre inves-
tir no activo em causa ou seleccionar uma oportunidade alternativa de características
idênticas e idêntico retorno esperado. Se o VAL for positivo, o justo valor excederá o
preço: a riqueza actual do investidor expandir-se-á com a consumação do investi-
mento. Se o VAL for negativo, é preferível investir em oportunidades alternativas.
Utilizando o Microsoft® Excel: função NPV | Prosseguindo a familiarização com
a folha de cálculo Excel, para calcular o VAL de um investimento com recurso ao
software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula:
NPV Rate, value1, value2, ..., valueT [4.35]
que a TIR intrínseca do investimento encontrar-se-á algures entre 20% e 30%. Repe-
tindo iterativamente este método, alcançar-se-ia uma taxa de 25,38%, que iguala a
zero o VAL do investimento: então, a TIR deste investimento é igual a 25,38%.
Tabela 4.2 Relação entre VAL e TIR: exemplo de cálculo iterativo da TIR
Simulação do VAL de um investimento para diversas taxas de actualização | Valores em euros |
i= 10% i= 20% i= 25.38% i= 30% i= 35%
Tempo Renda, € FA VA FA VA FA VA FA VA FA VA
0 -1500 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0
1 300 0.909 272.7 0.833 250.0 0.798 239.3 0.769 230.8 0.741 222.2
2 450 0.826 371.9 0.694 312.5 0.636 286.3 0.592 266.3 0.549 246.9
3 750 0.751 563.5 0.579 434.0 0.507 380.5 0.455 341.4 0.406 304.8
4 750 0.683 512.3 0.482 361.7 0.405 303.5 0.350 262.6 0.301 225.8
5 900 0.621 558.8 0.402 361.7 0.323 290.5 0.269 242.4 0.223 200.7
A Tabela 4.2 também ilustra a relação entre TIR e VAL de um mesmo inves-
timento. Assim, se a TIR excede as taxas de retorno directamente comparáveis, o VAL
será positivo; se a TIR se situar aquém das taxas de retorno comparáveis, o VAL será
negativo. Então, a TIR de um investimento é a taxa de actualização a partir da qual
interessará concretizar a oportunidade de investimento.
Limitações ao uso da TIR | O uso da TIR enquanto instrumento de apoio à
tomada de decisões de investimento deve obedecer a critérios prudentes e criteriosos.
Com efeito, existem diversas limitações ao uso da TIR para efeitos da avaliação do
mérito financeiro de um investimento. Em especial, a TIR pode conduzir a uma
sobreavaliação da qualidade de um investimento, na medida em que é influenciada por
factores que podem adulterar o seu rigor. Por outro lado, o uso da TIR pode não
conduzir à recomendação de investimento definida pelo emprego do VAL. Nomeada-
mente, nem sempre os investimentos geradores de taxas de internas de rendibilidade
mais elevadas são os que geram maiores VALs e que assim maximizam a riqueza
actual do investidor. É indesmentível que uma larga maioria de profissionais prefere o
sentido prático, expedito e intuitivo da TIR, em detrimento do uso do VAL. Não obs-
tante, o critério de decisão assente no VAL é o único consistente com a lógica da
maximização da riqueza actual dos investidores.
Para exemplificar, considerem-se duas alternativas (A e B) de investimento de
um montante inicial de 1 500 euros, para as quais o investidor reclama uma remune-
ração exigida de 10% ao ano. A Tabela 4.3 identifica para ambos os activos os fluxos
financeiros esperados para um prazo de investimento de 5 anos. Calculando o VAL à
taxa anual de 10%, conclui-se que ambos os investimentos são apetecíveis, porque
geradores de um VAL positivo: 796,4 euros no caso A e 779,2 no caso B. Qualquer
dos investimentos aumentará a riqueza actual do investidor, sendo que o investimento
A é mais favorável que B. Contudo, apurando a TIR de ambos os investimentos, con-
clui-se que a TIR do investimento B (25% ao ano) é superior à TIR do investimento A
(23% ao ano). Então, o dilema coloca-se: como o investidor só dispõe de 1 500 euros,
apenas poderá adquirir um dos activos financeiros. Mas… qual deles? É que os dois
critérios originam recomendações de investimento contraditórias.
entre si. Caso o investidor pretenda escolher apenas um activo de cada uma das
carteiras para investir, o critério da TIR conduz a decisões diferentes consoante a
metodologia seja (i) escolher o melhor investimento de cada umas das carteiras ou (ii)
escolher os dois investimentos – um de cada carteira – que maximizam a TIR conjun-
ta: por exemplo, se existirem três investimentos em cada carteira, o investidor terá de
compor seis combinações diferentes de modo a seleccionar o par que constitui a me-
lhor alternativa de investimento. Isto equivale a forçar o investidor a ponderar deci-
sões com base na composição integral da carteira de investimentos, o que é dificil-
mente exequível num grande número de situações.
Caso III: Investimentos não comparáveis | O uso da TIR na comparação de alter-
nativas de investimento de capitais deve cingir-se a investimentos efectivamente com-
paráveis. Neste âmbito, a escolha entre investimentos cujos montantes sejam dife-
rentes, cujos prazos sejam diferentes ou que revelem perfis temporais de fluxos finan-
ceiros diferenciados não deve basear-se no uso da TIR, em virtude de configurarem
alternativas não genuinamente comparáveis. Como o próprio conceito o sugere, a
comparabilidade entre alternativas de investimento só opera no caso de investimentos
similares entre si. O exemplo da Tabela 4.3 espelha uma situação em que essa com-
parabilidade está a priori posta em causa.
Caso IV: Risco de reinvestimento | A metodologia de cálculo da TIR assenta na
suposição implícita de que os fluxos financeiros que o activo financeiro liberte ao
longo do tempo serão automaticamente reinvestidos nas datas em que são percebidos,
pelo prazo remanescente até ao vencimento total do activo financeiro, a uma taxa de
retorno igual à própria TIR. Esta suposição pode contudo ser violada por diversas
razões. Primeiro, o investidor pode soberanamente decidir dar destino diverso aos
fluxos financeiros recebidos, por exemplo afectando-os à realização de consumo ou à
aquisição de activos financeiros de características distintas. Segundo, e ainda que o
investidor intente reinvestir os fluxos financeiros recebidos ao longo do tempo, poderá
confrontar-se com a circunstância de, no mercado financeiro, as taxas de retorno
praticadas serem diferentes da TIR a que inicialmente investiu capitais na aquisição do
activo financeiro, podendo ser inferiores ou, até, superiores à mesma TIR.
Teoricamente, este problema decorre do circuito fechado que vincula entre si
os conceitos de valor actual e de valor futuro: por definição, o valor actual de um
investimento equivale ao seu valor futuro actualizado para o momento do tempo a que
se reporte aquele valor actual. Para melhor perceber a implicação deste pressuposto,
retomemos a equação [4.37], isolando o fluxo financeiro inicial (i.e. o preço investido
na aquisição do activo, CF0 , com CF0 0 ). Multiplicando ambos os membros de
[4.37] pelo factor de capitalização 1 i , virá:
T
T
CFt 1 y
T t
0 CF0 1 y
T
[4.38]
t 1
t 1 [4.39]
CF0
1 y T
presume uma única taxa i; todavia, é possível conjecturar que as taxas de juro futuras
possam oscilar ao longo do tempo, caso em que a taxa i, já não sendo única, teria de
ser substituída por um vector de taxas de juro9.
Yield to maturity | A avaliação da generalidade dos activos de rendimento fixo
socorre-se quase sempre do uso da TIR. A figura básica das obrigações clássicas é um
bom exemplo de aplicação da metodologia da TIR. Assim, numa obrigação clássica
são conhecidos e certos os valores dos fluxos financeiros prometidos pelo emitente até
ao seu vencimento. Os cupões de juros são regularmente intervalados e de valor cons-
tante; e o capital em dívida, dado pelo valor nominal da obrigação, é amortizado, inte-
gralmente e de uma só vez. na data de vencimento T.
Assim, representando por CFt o valor do cupão de juros fixo pago em cada
data t e por B0,c T o preço de aquisição de uma obrigação clássica com um valor nomi-
nal unitário, amortizado na data T, vem:
T
1,00
B0,c T CF 1 y
t
[4.41]
t 1 1 y T
No caso das obrigações clássicas, a taxa de actualização y é vulgarmente
conhecida por yield to maturity – ou, simplesmente, yield – e equivale à TIR inerente
ao investimento na aquisição da obrigação na data ‘0’. Como a própria designação
sugere, o yield to maturity de uma obrigação pressupõe que o investidor deterá a
amortização ‘até à maturidade’, isto é, até ao seu vencimento integral, na data T.
Utilizando o Microsoft® Excel: funções IRR e MIRR | Para calcular a TIR de um
investimento com recurso ao software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula IRR():
IRR value1, value2, ..., valueT, guess [4.42]
em que ‘value1’, … ‘valueT’ são os valores dos fluxos financeiros líquidos reportados
a cada uma das datas compreendidas entre 0 e T e ‘guess’ é a taxa de actualização
efectiva, definida pelo utilizador, que permite iniciar o processo de cálculo iterativo
conducente à determinação da TIR. Para minimizar o tempo de processamento de cál-
culos, convém que o valor predefinido no campo ‘guess’ seja não muito distante do
valor que se espera obter para a TIR.
A TIR modificada de um investimento pode ser calculada através da função
MIRR(), com a seguinte especificação:
MIRR value1, ..., valueT, Finance_rate, Reinvest_rate [4.43]
9 No Capítulo 6 teremos algo mais a aprofundar sobre esta matéria, no contexto da possibilidade de derivação de taxas de juro futuras
esperadas, à luz da denominada ‘teoria das expectativas puras’.
1.000
0 1 2 10
- B 0,10
10 Nesta nomenclatura, o índice ’0’ reporta-se ao momento a que é referenciado o cálculo do ‘justo preço’ do cupão zero, enquanto o
índice 10 identifica o momento a que é referenciado o vencimento da obrigação de cupão zero.
1,00
VAL 0,350 0,036 [4.46]
1 10% 10
Contudo, se o emitente antecipar correctamente o nível de yield que satisfaz as
preferências dos investidores, concluirá que lhe é possível aumentar o encaixe
monetário inicial resultante da colocação das obrigações de cupão zero. Comparando
[4.45] e [4.46], tal acontece se a emissão for efectuada ao preço unitário de 0,386
euros, o qual assegura um yield de 10% aos investidores – e garante, também, uma
taxa de juro de financiamento de 10% ao ano, na óptica do emitente. Num mercado
eficiente, o emitente jamais conseguirá colocar no mercado as obrigações caso intente
emiti-las por um preço unitário superior a 0,386 euros: nessa eventualidade, os
investidores seriam inapelavelmente atraídos por outras oportunidades de investimento
que lhes garantissem um yield de 10% ao ano.
Generalizando, o justo valor de um cupão zero reportado ao momento t, com
prazo [t,T], reembolsável na data T por um valor nominal unitário (i.e. 1 euro) vem:
1,00
Bt ,T [4.47]
1 i T t
Da expressão [4,47] decorre uma importante implicação: com a passagem do
tempo, t converge para a data de vencimento T. Então, o exponente do factor de
desconto do denominador tenderá para zero, pelo que o denominador tenderá para um.
Disso reflexo, o preço do cupão zero aumenta com a mera passagem do tempo,
convergindo para o valor nominal à medida que a data T se aproxima. Na data de
vencimento, o preço de um cupão zero é, por definição, igual ao seu valor nominal.
Daqui resulta também a impossibilidade teórica de em momento algum o preço de um
cupão zero poder exceder o respectivo valor nominal. Assim, os cupões zero são
sempre emitidos e transaccionados por preços ‘a desconto’ do valor nominal – ou, na
gíria dos mercados, ‘abaixo do par’.
1 T t
y [4.49]
1
Bt ,T
1 [4.50]
0,700 5
y0,5 1 12,64%
0,386
Note-se que o holding period return obtido, igual a 12,64% ao ano, veio a
revelar-se superior ao yield to maturity inicialmente esperado de 10% ao ano. Aliás,
para que o holding period return num prazo de 5 anos fosse igual a 10% ao ano, por
aplicação da noção de valor futuro o preço de venda do cupão zero viria:
Porém, ao alienar de facto o cupão zero por um preço de 0,700 euros, superior
a 0,622, o yield ex-post (i.e. efectivamente obtido) vem superior ao yield ex-ante (i.e.
inicialmente esperado). Cabe porém realçar que esta comparação não é totalmente
pacífica: enquanto o yield ex-ante se reporta a um prazo de 10 anos, o yield ex-post
reporta-se a um prazo de 5 anos. Não obstante, este exemplo confirma uma das ‘boas
razões’ para o estudo da moeda e dos mercados financeiros: ‘Todos os investimentos
oferecem risco’. Na verdade, quando investiu na aquisição do cupão zero, o investidor
expôs-se ao risco de, na eventualidade de futuramente se ver obrigado a aliená-lo antes
do vencimento, poder vir a obter um yield efectivo inferior a 10%.
0.9900 0.9851 0.9802 0.9753 0.9706 0.9664 0.9617 0.9571 0.9524 0.9479 0.9434
Preço do Bilhete do Tesouro
0.9664 0.9695 0.9727 0.9759 0.9791 0.9823 0.9855 0.9888 0.9920 0.9953 1.0000
Preço do Bilhete do Tesouro
Assim, supondo fixo e igual 3,438% o yield (anual nominal) exigido pelo
investidor qualquer que seja o prazo remanescente de um BT da série ‘BT 20-Jul-
2007’ e fazendo o número de dias de calendário até à data de vencimento convergir
para zero, a Tabela 4.5 permite comprovar que o preço do BT é tanto mais elevado (e
nunca superior ao valor nominal) quanto menor o seu prazo remanescente.
10
0,042 1,00
c
B0,10 0,9382 [4.57]
t 1 1 5% t
1 5%10
em que o momento ‘0’ equivale à data de 15 de Outubro de 200611 e a data ‘10’
coincide com o dia 15 de Outubro de 2016. Nestas condições, o investidor estará
disposto a pagar o equivalente a 93,82% do valor nominal de cada ‘OT 4,2% Outubro
2016’ para obter um yield to maturity de 5,0% até ao seu vencimento.
Em termos gerais, o justo valor Bτc,T , reportado a um momento τ – sendo τ
instantaneamente subsequente ao pagamento de um cupão de juros12 – de uma
obrigação clássica amortizada na data T por um valor nominal unitário é:
T
ic 1,00
Bτc,T
1 i 1 i
t T τ [4.58]
t τ 1
τ ,T τ ,T
em que ic é a taxa de juro anual de cupão efectiva (igual ao valor do cupão incidente
sobre um valor nominal unitário) e i τ ,T é a taxa de retorno definida pelo custo de
oportunidade inerente à melhor alternativa de investimento disponível no mercado
com características análogas às da obrigação em causa. A expressão [4.58] pressupõe
um cupão de periodicidade anual. Caso a obrigação clássica pague m cupões de juros
por ano e o investidor exija uma taxa de retorno efectiva i (reportada à duração do
período de contagem de juros de cupão), e recordando a relação entre taxa anual
nominal e taxa anual equivalente, a equação [4.58] é reescrita como:
ic
T m
1,00
Bτc,T m
t
T τ [4.59]
t τ 1
1 i
τ ,T
m
1 i
τ ,T
m
J J J
0 1 2 T
B 0,c T
11 Em rigor, o dia 15 de Outubro de 2006 é um domingo. Consideraremos irrelevante esta peculiaridade na análise aqui desenvolvida.
12 Adiante é analisado o caso em que o preço se reporta a um momento intercalarmente posicionado entre duas datas de pagamento de
cupões consecutivos.
0 -0.9500 -0.9500
1 0.042 0.0420
2 0.042 0.0420
3 0.042 0.0420
4 0.042 0.0420
5 0.042 0.0420
6 0.042 0.0420
7 0.042 0.0420
8 0.042 0.0420
9 0.042 0.0420
10 0.042 1.000 1.0420
YTM 4.8%
NOTAS: J – valor do cupão de juros anual. VN – valor nominal
unitário. B – preço de aquisição, reportado ao momento ‘0’. CF –
valor dos fluxos financeiros gerados pela obrigação.
13 A equação [4.60] pode resolver-se através de uma aproximação polinomial utilizando a técnica conhecida por ‘Expansão de Taylor’,
que permite converter qualquer função contínua e diferenciável num polinómio de grau N.
yield aproximado
1 B c
t ,T T t J T t
[4.62]
1 B
c
t ,T 2
14 Na expressão [4.63], se o valor nominal estiver expresso em termos unitários, o numerador J pode simplesmente ser substituído pelo
nível da taxa de juro de cupão efectiva, reportada à duração de cada período de contagem de juros.
exigido pelo investidor, menor o preço que este estará disposto a pagar para investir na
obrigação; e vice-versa. A Figura 4.6 ilustra essa relação.
Figura 4.6 Relação entre preço e yield to maturity de uma obrigação clássica
Obrigação: ‘OT 4,2% Outubro 2016’ | Prazo remanescente: 10 anos | Valor nominal: € 1,00 |
1.4
1.2
1.0
Preço
0.8
0.6
0.4
0.2
0.0% 2.5% 5.0% 7.5% 10.0% 12.5% 15.0%
YTM
Na gíria usada pelos mercados, uma obrigação está cotada ‘ao par’ se o seu
preço de mercado coincide com o valor nominal. Conforme resulta de [4.58], isso
sucede sempre que o yield to maturity coincide com a taxa de juro de cupão. Todavia,
essa coincidência só por acaso ou circunstancialmente se verificará. Como se eviden-
cia na Figura 4.6, o preço de mercado pode posicionar-se acima ou abaixo do valor
nominal. Assim, sempre que a taxa de juro de cupão seja inferior ao yield to maturity
exigido pelo mercado, o preço de mercado será inferior ao valor nominal: a obrigação
clássica estará cotada ‘a desconto’ do valor nominal, ou ‘abaixo do par’. Inversa-
mente, sempre que a taxa de juro de cupão exceda o yield exigido pelo mercado, o
preço será superior ao valor nominal: a obrigação clássica estará cotada ‘a prémio’
do valor nominal, ou ‘acima do par’.
A simples olho nu, a Figura 4.6 permite ainda confirmar que a relação entre
preço e yield não é linear, mas sim convexa: à medida que o yield exigido aumenta, o
justo valor da obrigação clássica diminui, não a uma taxa constante, mas sim a uma
taxa decrescente, definida pela curvatura da linha inerente à equação [4.60]. As impli-
cações da relação convexa entre preço e yield serão discutidas no Capítulo 5.
COMPLICAÇÕES
No dia-a-dia dos mercados, a avaliação de obrigações clássicas pode tornar-se uma
missão mais trabalhosa do que a exposição até aqui desenvolvida sugere. É que,
mantendo-se plenamente válidos os princípios e definições a que fizemos alusão, na
prática é necessário tomar em linha de conta circunstâncias específicas que podem
afectar o cálculo do justo valor e do yield de uma obrigação clássica.
Basicamente, existem três aspectos que, em regra, impõem correcções às
fórmulas de avaliação expostas: (i) a incidência de impostos sobre juros; (ii) as regras
de contagem de juros de cupão corridos, caso a obrigação seja transaccionada a meio
de um período de contagem de juros de cupão; e (iii) o reconhecimento, pelo mercado,
15 Os sistemas fiscais são complexos. Demasiado complexos, aliás, tantas são as excepções e regimes que estabelecem. Frequente-
mente, as taxas de imposto variam consoante a pessoa do investidor. Por exemplo, as sociedades não são tributadas do mesmo modo
que as famílias. Mesmo os impostos sobre pessoas colectivas não são homogéneos: bancos e empresas industriais estão sujeitos a vários
impostos em condições diversas. A própria taxa de imposto pode variar consoante o sujeito passivo do imposto.
J J
t
Data Liquidação: t d l
Data Transacção: t d
16 O prazo ‘d+3’ é uma regra internacional na liquidação de transacções em mercados secundários organizados.
A noção de juro diário bruto (JDB) equivale ao juro de cupão diário, por
unidade de valor nominal, imputável a cada dia entre duas datas de vencimento
consecutivas de cupões. O JDB é calculado tendo em conta as características da
obrigação – que constam da ‘ficha técnica’ da emissão – e as convenções do mercado.
De acordo com as convenções adoptadas em Portugal17, o cupão de juros a vencer a 15
de Outubro de 2006 cobre um período de 365 dias, sendo então:
0,042
JDB 0,0001151 [4.67]
365
Então, por cada 1 euro de valor nominal, o juro diário bruto referente ao cupão
anual da obrigação ‘OT 4,2% Outubro 2016’ é de 0,0001151 euros. Multiplicando este
valor pelo prazo de juros corridos até à data de liquidação ‘d+3’, obtém-se o valor de
juros corridos ( JC0 ) que o comprador tem a entregar ao vendedor:
JC0 0,0001151 348 = 0,040044 [4.68]
17 Nas Obrigações do Tesouro da República Portuguesa, a contagem de dias para efeitos da determinação de juro diário segue a
convenção conhecida por ‘ACT/ACT’, segundo a qual o juro diário é calculado dividindo o valor bruto do cupão de juros pelo número
de dias de calendário efectivamente decorrido desde a data de pagamento do último cupão até à data de pagamento do próximo cupão.
18 Os valores considerados podem acusar o efeito de sucessivos arredondamentos introduzidos.
Valor: 0.9786
Preço: 0.9385
NOTAS: Nº de dias – Número de dias decorrido entre a data de liquidação financeira (d+3) e cada uma das datas de
pagamento de cupões de juros, até 15-Out-2016. FA – Factor de actualização, definido pela taxa de retorno do custo
de oportunidade considerado (5% ao ano). JC – Valor dos juros corridos desde a data do último cupão até à data de
liquidação financeira (d+3) da transacção. J – Valor (bruto) do cupão periódico de juros. VN – Valor nominal da
obrigação (unitário). B – Preço da obrigação referenciado à data ‘d+3’. CF – Fluxos financeiros libertados pela
obrigação, até ao vencimento. CFA – Valor actual dos fluxos financeiros, reportado à data ‘d+3’.
19 Conforme se fundamentará no Capítulo 6, as taxas de juro para prazos mais longos não são necessariamente mais elevadas que as
taxas de juro aplicáveis para investimentos a prazos mais curtos.
1
J J J
J J T T +1 T +n
1
0 1 T - 1 J
- B 0,c,Tcall T
20 Na medida em que as cláusulas call estão intimamente ligadas à figura dos contratos de opção de compra, os dois tipos mencionados
adoptam as mesmas terminologias: call europeia – que pode ser exercida apenas numa data preestabelecida para o efeito – e call
americana – que pode ser exercida a qualquer momento.
21 A inclusão de um prémio de reembolso seria facilmente acomodada pelo esquema da Figura 4.8: bastaria acrescentar esse prémio ao
valor nominal unitário considerado.
T n
J 1,00
B0,c T n [4.75]
t 1 1 i
t
1 i T n
Todavia, a questão agora é: ‘Qual dos dois valores escolher como justo valor
da obrigação?’. A resposta depende, evidentemente, da probabilidade de ocorrência
de cada um dos cenários – i.e. da probabilidade de amortização antecipada do
empréstimo. Definindo essa probabilidade por p, o justo valor da obrigação com cláu-
sula call poderia ser aproximado pela expressão:
T n p B0,T 1 p B0,T n
B0,call c c
[4.76]
Contudo, a incerteza quanto ao preço (ou ao justo valor) não fica dissipada,
dado que a probabilidade de exercício da opção call depende da comparação entre o
preço da obrigação e o valor de reembolso, ambos com reporte à data de exercício T:
(i) se o preço da obrigação na data T for superior ao valor de reembolso antecipado, o
emitente procederá à amortização antecipada; alternativamente, (ii) se o preço da
obrigação for na mesma data T inferior ao valor de reembolso antecipado, o emitente
não amortizará antecipadamente. O problema é que o preço de mercado na véspera
imediata da data T só será conhecido... na véspera da data T, não na data ‘0’!
A teoria da avaliação de activos financeiros oferece métodos matemáticos
sofisticados que permitem estimar o justo valor de uma obrigação cuja cláusula call
tem o perfil esquematizado na Figura 4.8. Contudo, porque a complexidade desses
modelos está muito para além dos objectivos deste Capítulo, proporemos uma regra
prática, que consiste em, numa base ad-hoc, estabelecer a probabilidade de amorti-
zação antecipada. Assim, se o preço de mercado corrente exceder o valor de reem-
bolso – caso em que B0call 1 – admite-se que a obrigação será amortizada antecipa-
damente – i.e. admite-se p 1 na equação [4.76]; caso contrário, a obrigação manter-
se-á em carteira até à data T n :
c
B0,T se B0call 1 p 1
B0call c [4.77]
B0,T n se B0call 1 p 0
conceptual um ‘cupão zero’ é uma variante de ‘obrigação clássica’, bastando para tal
especificar um cupão de juros nulo. Mas, em segundo lugar, é possível decompor uma
obrigação clássica de cupão não nulo num conjunto definido – mais apropriadamente,
numa ‘carteira’ ou, na gíria anglo-saxónica, num portfolio – de obrigações de cupão
zero. Esta segunda relação entre obrigações clássicas e cupões zero assume relevância
central na teoria da avaliação de activos financeiros de rendimento fixo e está na
origem de fenómenos de inovação financeira nas últimas décadas.
em que B0,c T identifica a obrigação clássica com cupão fixo de valor J e valor nominal
unitário, B0,t VNt identifica cada uma das T obrigações de cupão zero com
vencimento na data t (com t=1,2,…,T), de valor nominal (VN) igual a J – para
t=1,2,…,T-1 – ou igual a (1+J) no caso t=T e o operador ‘{ }’ define o conteúdo do
portfolio de cupões zero. O portfolio constituído por T cupões zero consubstancia uma
genuína réplica da obrigação clássica B0,c T . Se emitidas pela mesma entidade, um
investidor será, numa óptica puramente financeira, indiferente em investir na obriga-
ção clássica B0,c T ou em adquirir o portfolio de T cupões zero.
Na terminologia usada na Teoria das Finanças, o mesmo portfolio tem a natu-
reza de uma obrigação clássica sintética – porque replicada mediante síntese (ou com-
binação) de T obrigações de cupão zero de características diversas. Os activos finan-
ceiros sintéticos ocupam um lugar central na Teoria das Finanças, em especial no
capítulo da avaliação de activos financeiros. Assim, se um dado activo financeiro bási-
co for susceptível de replicação por um activo sintético, por implicação da ‘Lei do
Preço Único’ os dois activos terão um mesmo e único preço de mercado e idêntico
justo valor num mercado eficiente.
A relação de equivalência [4.79] entre obrigações clássicas e respectiva sínte-
se através da combinação de cupões zero tem ainda outra importante implicação, aliás
incorporada na equação [4.70], que aqui se reproduz:
T
ic 1,00
B0,c T [4.70’]
1 i0,t 1 i0,T
t T
t 1
J J J
B 0,c T
0 1 2 T
J ´ B 0,1
0 1
J
J ´ B 0,2
0 1 2
L
J
(1 + J )´ B 0,T
0 1 2 T
camente nula: à medida que se compram obrigações ‘OT 4,2% Outubro 2016’ e se
emitem novos ‘pacotes’ de cupões zero, o preço de mercado das primeiras aumentará,
enquanto a obrigação sintetizada por cupões zero será colocada no mercado a preços
cada vez menores. Em consequência, os dois preços iniciais tenderiam a convergir
para um único preço, estancando a arbitragem.
Num plano teórico, o exemplo descrito é delineável. Todavia, a sua exequi-
bilidade é duvidosa, pois envolveria elevados custos de transacção para o emitente,
que no exemplo se assumem como nulos. Mas isso não impede que um intermediário
financeiro que detenha no seu activo próprio obrigações da emissão ‘OT 4,2% Outu-
bro 2016’ possa emitir passivos com a natureza de genuínos cupões zero cuja configu-
ração replique aquelas obrigações clássicas. Em termos práticos, a estratégia envolve
dois passos: (i) o intermediário adquire para carteira própria obrigações ‘OT 4,2% Ou-
tubro 2016’ com um prazo remanescente de 10 anos e fluxos financeiros a receber no
termo dos anos 1,2,…,10; (ii) acto contínuo, o intermediário emite séries de cupões
zero com um espectro de prazos entre 1 e 10 anos, cujos valores nominais observem as
proporções exigidas pela síntese da OT (vide equação [4.79]), as quais coloca à subs-
crição dos investidores.
Desde que o valor do investimento na aquisição de obrigações ‘OT 4,2%
Outubro 2016’ seja inferior ao valor do encaixe realizado com a emissão de cupões
zero, o intermediário apropria-se da diferença entre ambos, realizando um ganho de
arbitragem isento de risco. Ulteriormente, nas datas de 15 de Outubro compreendidas
entre 2007 e 2016, o intermediário financeiro receberá os cupões de juros pagos pela
‘OT 4,2% Outubro 2016’, cujo valor afectará ao reembolso das sucessivas séries de
cupões zero que se vão vencendo. Em 15 de Outubro de 2016, o processo estará con-
cluído: o último cupão e o valor nominal então recebidos serão destinados ao reem-
bolso da última obrigação de cupão zero, com vencimento nessa mesma data.
Este esquema de arbitragem está na origem do denominado ‘destacamento de
cupões’ – coupon stripping na gíria anglo-saxónica. Durante a primeira metade da
década de 1980, este género de processo de arbitragem começou a ser intensamente
explorado por intermediários financeiros em vários países, com destaque para os
Estados Unidos.22 Alguns exemplos são apresentados seguidamente.
TIGR’s, CATS, STRIPS & Ca. | Os Treasury Investment Growth Receipts (TIGRs)
são obrigações de cupão zero originariamente lançadas em 1982 pelo banco de inves-
timento norte-americano Merril Lynch. Na sua concepção, os TIGRs tinham como
garantia especial a carteira de obrigações do Tesouro de longo prazo – designadas por
Treasury Bonds ou T-Bonds – emitidas pelo governo federal dos Estados Unidos e
detidas pelo banco. Assim, na medida em que as T-Bonds adquiridas pelo banco ope-
ravam como garantia afecta ao pagamento dos fluxos financeiros prometidos aos
investidores em TIGRs, estes certificados constituíam réplicas quase perfeitas das T-
Bonds – ou, mais afinadamente, de ‘pedaços’ de T-Bonds –, o que à partida lhes con-
feria um risco de crédito muito baixo. A rápida popularização dos TIGRs deveu-se
ainda à possibilidade de os pequenos investidores, normalmente arredados dos merca-
dos de títulos do Tesouro, poderem aplicar montantes relativamente modestos na
22 Nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 280/98, de 17 de Setembro, que fixa o regime jurídico das Obrigações do Tesouro da
República Portuguesa, as OT podem ser objecto de destaque de direitos (stripping), o qual se traduz na separação do direito ao capital e
dos direitos ao pagamento de juros de cupão, desde que essa faculdade tenha sido prevista nas condições de emissão do empréstimo.
Cada um dos direitos constitui, após a separação, um valor autonomamente transaccionável. As OT que sejam objecto de destaque de
direitos podem ainda ser reconstituídas – i.e. retomar a sua configuração originária como obrigações com cupões de juros.
INDEXAÇÃO DO CUPÃO
Numa obrigação de cupão variável, o valor do cupão é normalmente revisto no ins-
tante em que se inicia cada novo período contagem de juros, tendo em conta o nível de
uma taxa de juro de referência – i.e. uma taxa benchmark – apurado num momento
(ou com referência a um período) imediatamente antecedente ao início do período de
contagem de juros. Assim, no início de cada período de contagem de juros, o cupão é
reinicializado com uma taxa de juro diferente da que vigorou no cupão anterior, salvo
23 A emissão de obrigações de cupão variável conhecidas na gíria anglo-saxónica por floating rate notes (vide Capítulo 3) vulgarizou-se
no decurso das décadas de 1970 e 1980 assinaladas por uma dinâmica conturbada dos mercados financeiros, fundamentalmente em
razão do surto inflacionário então observado na maioria dos países desenvolvidos.
24 Cabe notar que é possível reportar o momento de indexação de uma taxa de juro variável à data de pagamento do próprio cupão de
juros – i.e. quando o cupão já está vencido na sua íntegra – e não à coupon reset date. Na gíria dos mercados, diz-se então que a
indexação é efectuada in arrears, e não in advance, como sucede nos exemplos que temos vindo a analisar. Porque aplica
retroactivamente a taxa de juro de cupão quando este já está vencido, a indexação in arrears apresenta características apelativas para
muitos investidores e emitentes. Contudo, a técnica da indexação in advance do cupão é mais frequente.
Bancária Europeia. As taxas são diariamente divulgadas, todos os dias úteis de fun-
cionamento do sistema de pagamentos pan-europeu TARGET, adoptando a conven-
ção de uma base anual de 360 dias. A informação é recolhida, processada e divulgada
às 11:00 AM de Bruxelas, excluindo-se de entre as 64 observações os 15 valores ex-
tremos, de forma a expurgar o valor do fixing diário de fenómenos geradores de
volatilidade. Os valores são publicados com 3 casas decimais. A primeira coluna da
Tabela 4.8 ilustra o fixing da taxa de juro EURIBOR em 29 de Setembro de 2006.
EUR EUR USD GBP JPY CHF CAD AUD DKK NZD
[a] __ 3,12531 5,37500 4,92250 0,35375 1,72000 4,36000 6,09375 2,03750 7,66250
s/n e o/n
1 semana 3,083 3,08225 5,31063 4,91125 0,36125 1,72000 4,28333 6,06500 3,28250 7,55250
2 semanas 3,191 3,19063 5,31375 4,92500 0,36375 1,72000 4,28000 6,06000 3,35750 7,52000
3 semanas 3,233 __ __ __ __ __ __ __ __ __
1 mês 3,272 3,27238 5,32188 4,95813 0,38000 1,72083 4,28000 6,04250 3,43500 7,48750
2 meses 3,332 3,32963 5,35000 5,01250 0,40000 1,75000 4,27750 6,09500 3,47250 7,51250
3 meses 3,417 3,41713 5,37000 5,07400 0,42625 1,81083 4,27750 6,13500 3,53500 7,53250
4 meses 3,479 3,48125 5,37000 5,12875 0,44750 1,83750 4,26833 6,16500 3,58750 7,56250
5 meses 3,520 3,52125 5,37000 5,16000 0,46500 1,86750 4,26417 6,18500 3,64500 7,58250
6 meses 3,567 3,56775 5,37000 5,18000 0,48625 1,91083 4,26000 6,20500 3,70750 7,59750
7 meses 3,605 3,60500 5,36000 5,20000 0,50375 1,93417 4,25167 6,22750 3,73750 7,61500
8 meses 3,636 3,63888 5,35000 5,22000 0,52125 1,97000 4,24583 6,24750 3,77250 7,63000
9 meses 3,664 3,66238 5,34000 5,23438 0,54000 2,00000 4,24000 6,26750 3,80000 7,64500
10 meses 3,681 3,67763 5,32875 5,25000 0,56000 2,03833 4,23000 6,28500 3,82000 7,65500
11 meses 3,701 3,69763 5,31125 5,26125 0,57875 2,06000 4,22333 6,29750 3,83750 7,66750
12 meses 3,716 3,71388 5,29750 5,27438 0,59750 2,08000 4,21500 6,31000 3,85650 7,68000
FONTES: http://www.euribor.org/default.htm ; http://www.bba.org.uk/bba/jsp/polopoly.jsp?d=141&a=627 .
NOTAS: [a] s/n – operações spot next. o/n – operações overnight. EUR [b] EUR – euro. USD – dólar norte-americano. GBP – libra
esterlina. JPY – iene japonês. CHF – franco suíço. CAD – dólar canadiano. AUD – dólar australiano. DKK – coroa dinamarquesa. NZD
– dólar neozelandês.
SUMÁRIO DO CAPÍTULO
As noções de valor futuro e de valor actual de um investimento constituem o núcleo
de todas as metodologias de avaliação de activos financeiros, em particular de activos
de rendimento fixo. Na sua essência, os dois conceitos procuram reflectir a ideia de
que o valor do dinheiro depende do tempo. Genericamente, um mesmo capital nominal
possui diferentes valores consoante o instante em que seja pago ou recebido.
As decisões de investimento em activos financeiros são tomadas por
referência ao seu valor actual líquido (VAL). O VAL de um activo consente a
comparação entre o preço de mercado por que um activo de rendimento fixo é
transaccionado num dado momento e o seu justo valor, aferido por uma metodologia
de avaliação consistente. Como regra decisória, um investidor só aplicará capitais em
activos financeiros cujo VAL seja positivo. A taxa interna de rendibilidade (TIR) é
outro indicador de aferição da rendibilidade intrínseca de um activo financeiro. Na
avaliação de obrigações, a noção de TIR dá origem ao conceito de yield to maturity,
ou yield. Confrontando a TIR – ou o yield – com as taxas de retorno praticadas pelo
mercado e exigidas pelos investidores para investimentos com características similares
e comparáveis, um investidor só aplicará capitais num activo financeiro cujo yield seja
igual ou superior ao retorno gerado por oportunidades de investimento alternativas.
Por vezes, os critérios do VAL e da TIR conduzem a diferentes recomendações de
investimento. Em termos gerais, o critério do VAL é considerado mais fidedigno que a
TIR, pois traduz o impacto esperado que um investimento tende a induzir na riqueza
actual do investidor. A propósito, são enunciadas várias limitações da TIR como
critério subsidiário das decisões de investimento.
As convenções tradicionalmente perfilhadas pelos mercados financeiros e
outros aspectos institucionais – tais como impostos, custos de transacção, métodos de
contagem de juros, entre outros – acabam por interferir com os métodos básicos do
valor futuro, do valor actual, do VAL e da TIR, tornando a avaliação de activos
financeiros também numa arte e não apenas numa ciência.
Sem esgotar o tema, este Capítulo exemplifica diversas aplicações das
metodologias de avaliação de activos de rendimento fixo, dos mercados monetários e
dos mercados de capitais. São cobertos instrumentos como as rendas geradas por
contratos de empréstimo, os Bilhetes do Tesouro, as obrigações de cupão zero, as
obrigações clássicas – com destaque para as Obrigações do Tesouro da República
Portuguesa – ou as obrigações perpétuas. As limitações inerentes a tais metodologias
são ainda evidenciadas em casos como as obrigações com cláusula ‘call’ ou as
obrigações de cupão variável. Os Capítulos 5 e 6 aprofundarão as metodologias de
avaliação elementares aqui ensaiadas. Isto é menos difícil do que parece, mas mais
complexo do que o que vimos até este ponto.
CONCEITOS A RETER
Activo financeiro sintético Indexação Renda
Actualização Indexante Renda antecipada
Benchmark (taxa de juro de Juro composto Renda postcipada
referência) Juro corrido Riqueza actual (do investidor)
Bilhetes do Tesouro Juro de cupão Spread
Capitalização Juro simples Stripping (destacamento de cupões)
Cláusula call Justo valor Taxa de reinvestimento
Cotação abaixo do par (ou a Obrigação clássica Taxa interna de rendibilidade (TIR)
desconto) Obrigação de cupão zero TIR modificada
Cotação acima do par (ou a prémio) Obrigação de cupão variável Taxa de juro de cupão
Cotação ao par Obrigação perpétua Taxa de juro efectiva
Coupon reset date Preço a desconto (do valor nominal) Taxa de juro equivalente (TAE)
Cristalização (da taxa de juro de Preço a prémio (do valor nominal) Taxa de juro nominal
cupão) Preço único Valor actual (VA)
Cupão (de juros) Preço ao par Valor actual líquido (VAL)
Custo de oportunidade Preço Valor futuro (VF)
Desconto (ou actualização) Prestação (de uma renda) Valor nominal
Destacamento (do cupão de juros) Quota-capital (numa renda) Yield aparente
Factor de juro diário Quota-juros (numa renda) Yield to maturity (ou yield)
Holding period return Reinicialização do cupão Yield to next call
LEITURAS RECOMENDADAS
1. BODIE, Zvi, KANE, Alex e MARCUS, Alan J., Investments, McGraw-Hill International
Edition, 2005, 6/E.
2. CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, revista e actualizada
com a colaboração de Rosas do Lago, Edições Asa, Porto, 1995.
3. FABOZZI, Frank J., Bond Markets: Analysis and Strategies, Pearson Prentice-Hall,
2007, 6/E.
4. FABOZZI, Frank J., Fixed Income Mathematics, McGraw Hill, 2005, 4/E.
5. MOREIRA DA CRUZ, Carlos, Obrigações: Mercado, Avaliação e Risco de Taxa de
Juro, 2.ª edição, Bolsa de Derivados do Porto, 1999.
6. VAN HORNE, James C., Financial Market Rates and Flows, Prentice Hall International
Editions, 2001, 6/E.
INTERNET
1. http://www.bba.org.uk, website da British Bankers’ Association (BBA). Divulga
diariamente as taxas de juro LIBOR e respectivas séries históricas.
2. http://www.euribor.org, website patrocinado pela European Banking Federation.
Disponibiliza diariamente as taxas EURIBOR e respectivas séries históricas.
3. http://www.ebf-fbe.eu, website da European Banking Federation (EBF), que representa
os interesses de 4500 bancos dos Estados-Membros da UE e da Islândia, Noruega e Suíça.
4. http://www.isda.org, website da International Swaps and Derivatives Association
(ISDA). Divulga diariamente as taxas de juro ISDAFIX (acrónimo de International Swaps
and Derivatives Association Fixing), o principal benchmark internacional para taxas de
juro em operações de swap de taxas de juro, comummente utilizadas como referenciais de
taxas de juro básicas de longo prazo.
5. http://www.bportugal.pt, website do Banco de Portugal. Disponibiliza estatísticas sobre
taxas várias de juro e yields de obrigações e operações bancárias activas e passivas.
6. http://www.mtsmarkets.com, website do MTS, disponibilizando informação sobre
transacções e preços de Bilhetes e Obrigações do Tesouro da República Portuguesa, entre
outros emitentes de obrigações.
7. http://www.igcp.pt, website do Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público, I.P.
(IGCP). Disponibiliza informação sobre instrumentos representativos da dívida pública da
República Portuguesa.
8. http://www.reuters.com, website do grupo REUTERS. Divulga informação sobre preços
de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas nos mercados financeiros.
9. http://www.bloomberg.com/markets/, website do grupo BLOOMBERG. Divulga
informação sobre preços de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas nos
mercados financeiros.
10. http://markets.ft.com/markets/bonds.asp, website do grupo FINANCIAL TIMES.
Divulga informação sobre preços de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas
nos mercados financeiros.
11. http://www.bondsonline.com/, website com informação sobre os mercados de activos de
rendimento fixo, especialmente do segmento obrigacionista.