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MOEDA E MERCADOS FINANCEIROS

CAPÍTULO 14
Avaliação de activos de rendimento fixo

OBJECTIVOS DE LEITURA
Após a leitura deste capítulo, conseguirá compreender:

 a noção de valor do dinheiro no tempo.

 os conceitos de valor futuro e de valor actual de um capital.

 o conceito de renda e a determinação da prestação periódica inerente a uma renda.

 o conceito de taxa interna de rendibilidade de um investimento.

 a metodologia geral de avaliação de obrigações de cupão zero.

 a metodologia geral de avaliação de obrigações clássicas.

 a relação de equivalência entre obrigações clássicas e obrigações de cupão zero.

 o conceito de yield to maturity no âmbito da avaliação de obrigações.

 a relação entre o preço de uma obrigação e o seu yield to maturity.

 a metodologia geral de avaliação de obrigações de cupão variável.

 os problemas de avaliação colocados pela incorporação de cláusulas call em


empréstimos por obrigações.

 algumas implicações ditadas por convenções de mercado na avaliação de obrigações.

4.1
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4.2 PARTE II  Taxas de juro

A sabedoria popular é pródiga em citações alusivas a dinheiro e riqueza. ‘Tempo é


dinheiro’ – eis um dos provérbios mais apropriados ao contexto da avaliação de
activos financeiros. De facto, muitas decisões envolvem a comparação de capitais
reportados a diferentes momentos do tempo. Para o cidadão comum, dispor de 1 000
euros hoje não é o mesmo que dispor dessa mesma quantia dentro de 10 anos, um mês,
ou mesmo um dia. E qualquer um também entende que pagar hoje não é o mesmo que
pagar a mesma quantia daqui a um ano: quase sempre, pagar mais cedo torna-nos mais
pobres e receber mais cedo torna-nos mais ricos.
O valor do capital está irremediavelmente exposto a custos de oportunidade,
definidos pelos usos alternativos que os indivíduos podem conferir-lhe, trate-se da
aquisição de bens de consumo corrente ou duradouro, da realização de investimentos
em activos reais ou da aquisição de activos financeiros. Consoante anunciámos no
Capítulo 1, a inflação e as taxas de juro contam-se entre os mais relevantes custos de
oportunidade do capital. É que o poder aquisitivo inerente a um dado montante de
capital modifica-se ao longo do tempo. Um mesmo capital nominal, quando reportado
a momentos diferentes, possui diferentes poderes de compra.
Este Capítulo explica a natureza e o papel das taxas de juro e enuncia meto-
dologias gerais de avaliação de activos de rendimento fixo, a cuja caracterização foi
dedicado o Capítulo 3. Como então foi visto, os emitentes de activos de rendimento
fixo prometem aos investidores fluxos financeiros reportados a momentos diferentes
do tempo. Então, a avaliação de activos de rendimento fixo requer o bom domínio das
noções fundamentais relacionadas com a aferição do valor do dinheiro no tempo: por
exemplo, se uma obrigação clássica paga durante dez anos a fio um juro anual de 50
euros, o primeiro cupão de juros de 50 euros não possuirá o mesmo poder aquisitivo
que o cupão de 50 euros a receber no final do décimo ano.
Vale desde já um alerta: o mundo real é bastante mais complexo do que os
livros sugerem. Assim, os princípios gerais de avaliação de activos de rendimento fixo
expostos neste Capítulo estão sujeitos a influências externas de variada ordem que
podem dificultar essa avaliação: a incerteza na previsão dos fluxos financeiros, as
imperfeições dos mercados, a existência de uma multiplicidade de taxas de juro – e
não de uma única taxa de juro, como comodamente se sugere em disciplinas intro-
dutórias de Microeconomia e Macroeconomia – ou a diversidade de sistemas fiscais, a
par de uma infindável série de convenções secularmente perfilhadas pelos mercados,
tornam imperativa uma aplicação criteriosa das metodologias de avaliação. De facto,
mais do que uma ciência, a avaliação de activos é uma arte.

4.1 CAPITALIZAÇÃO E ACTUALIZAÇÃO


As noções de ‘valor futuro’ e de ‘valor actual’ configuram conceitos nucleares na
aferição do valor do capital no tempo. Estes conceitos associam a si os processos de
cálculo conhecidos por, respectivamente, capitalização e actualização (ou desconto).
A ideia subjacente ao seu emprego é intuitiva: sem excepção, toda e qualquer decisão
de investimento passa pela comparação, reportada a um mesmo momento do tempo,
do valor aquisitivo referente a séries de fluxos financeiros distribuídos ao longo do
tempo e reportados a momentos diferentes. Assim, capitalização e actualização consti-
tuem processos conducentes à homogeneização temporal do valor do capital.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.3

VALOR FUTURO DE UM CAPITAL


O processo de capitalização permite determinar o valor de um capital inicial com
reporte a um momento futuro (i.e. conduz à aferição do valor futuro de um capital
inicialmente reportado a um momento anterior), em função de um prazo de investi-
mento e de uma taxa de juro previamente estabelecidos. É esse o caso, por exemplo,
de um empréstimo contraído junto de um banco, mediante um contrato que estabelece
a obrigação de, no termo do prazo acordado, o devedor restituir ao credor o capital
inicial e os juros referentes ao prazo da operação.
Capitalização por 1 período | Por exemplo, considere-se que um banco empresta
hoje 1 000 euros a um cliente, pelo prazo de um ano, a uma taxa de juro anual de 10%.
No caso, o valor futuro do capital inicialmente investido pelo banco – valor esse
devido pelo cliente na data de vencimento –, é o que resulta da aplicação da taxa de
juro de 10% sobre o capital inicial, ajustado ao prazo do empréstimo (um ano). A pra-
zo de um ano, o banco tem o direito de: (i) receber 100 euros a título de juros do em-
préstimo; e (ii) receber devolvido o capital inicialmente emprestado. Nos termos deste
contrato, o valor futuro – i.e. no termo do prazo de um ano –, de um capital inicial de
1 000 euros é igual a 1 100 euros:
1000  1000  0,1  1000  1  0,1  1100 [4.1]

Generalizando, o valor futuro ( K1 ) de um capital inicial ( K 0 ), investido por


um único período, à taxa de juro i referente ao mesmo período, é dado por:
K1  K0  1  i  [4.2]

Convirá realçar que, na expressão [4.2], a taxa de juro i se presume integral-


mente capitalizada por um único período, coincidente com o prazo total do investi-
mento. A precisão impõe-se, à conta da distinção, adiante feita, entre taxas de juro
‘nominais’, taxas de juro ‘efectivas’ e taxas de juro ‘equivalentes’.
Capitalização por 2 períodos | Naturalmente, as partes podem convencionar que
o prazo de um investimento se estenda para além de um único período. Suponhamos,
por exemplo, que o empréstimo do capital inicial de 1 000 euros é negociado pelo
prazo equivalente a dois períodos consecutivos, cada qual com a duração de um ano, à
taxa de juro de 10% por período (i.e. 10% ao ano), sendo o pagamento de capital e
juros agendado para o termo do prazo de 2 anos.
Quando decorrido precisamente um ano sobre a contracção do empréstimo, o
devedor sabe que, embora contratualmente não obrigado a liquidar juros, a sua dívida
inicial foi entretanto acrescida dos juros respeitantes ao primeiro período de capitali-
zação – vide equação [4.1]: nessa data, o capital em dívida equivale então ao capital
inicial capitalizado à taxa de juro de 10% durante um período, perfazendo já 1 100
euros. Então, durante o segundo período, os juros incidirão sobre o capital em dívida
no termo do primeiro período, i.e. sobre 1 100 euros. Dito de outro modo, os juros
referentes ao segundo período incluem a contagem de juros incidentes sobre juros
acumulados no primeiro período – i.e., incluem ‘juros de juros’.
Então, o valor futuro devido ao banco no termo do segundo período compre-
enderá quatro parcelas: (i) o capital inicial em dívida; (ii) os juros do primeiro perío-
do, incidentes sobre o capital inicial; (iii) os juros do segundo período, incidentes so-
bre o capital inicial; e (iv) os juros de juros referentes ao segundo período, incidentes
sobre os juros acumulados no primeiro período, cujo pagamento foi diferido para o
final do segundo período:

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4.4 PARTE II  Taxas de juro

1 000  1 000  0,1  1 000  0,1  1 000  0,1  0,1  1 210


[4.3]
1 000  100  100  10  1 210
Analiticamente, representando por K 2 o valor futuro do capital reportado ao
final do segundo período (i.e. do segundo ano):

K 2  K0  K0  i  K0  i  K0  i  i  K 0 1  i 
2
[4.4]

Capitalização por um qualquer número de períodos | Uma vez entendidas as


expressões [4.2] e [4.4], é fácil estabelecer a generalização do processo de capitaliza-
ção para um horizonte temporal definido por um qualquer número T de períodos de
capitalização consecutivos, admitindo que o reembolso de capital e juros acumulados
no prazo [0,T] ocorre de uma só vez, no momento final T. Assim, o valor futuro ( KT )
de um capital inicial ( K 0 ), capitalizado por T períodos sucessivos e de igual duração,
a uma taxa de juro i em cada período, é dado por:

KT  K0 1  i 
T
[4.5]

A Figura 4.1 esquematiza o processo de capitalização, conducente à


determinação do valor futuro de um capital.

Figura 4.1  Valor futuro de um capital


Representação esquemática de um processo de capitalização por T períodos consecutivos |
KT

0 1 2 T

K0

A natureza do processo de capitalização de juros | Há que clarificar alguns


aspectos a propósito da expressão geral do valor futuro de um capital, consubstanciada
na equação [4.5]. Primeiro, num processo de capitalização os juros devidos no final de
cada período de contagem de juros passam a vencer juros de juros no(s) período(s)
seguinte(s); na Matemática Financeira este processo é designado por juro composto.
Num regime do juro composto, capital em dívida e juros são conjunta e sucessiva-
mente capitalizados ao longo de todo o prazo, originando juros de juros.
O regime do juro composto contrapõe-se ao regime do juro simples. Neste
último, os juros reportados a cada período, incidentes sobre o capital inicial, são
acumulados ao capital em dívida, mas não vencem juros de juros no(s) período(s) sub-
sequente(s). Assim, no termo do prazo, o credor recebe: (i) o capital inicialmente em-
prestado, K 0 ; e (ii) o valor acumulado de T parcelas de juro periódico, cada qual de
valor constante igual a K0 i . Por exemplo, para um prazo total de 2 períodos, o valor
futuro de um capital de 1 000 euros segundo o método do juro simples seria:

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.5

1 000  1 000  0,1  1 000  0,1  1 200


1 000  100  100  1 200 [4.3’]
K2  K0  2 K0  i
A lógica do juro composto é mais poderosa que a do juro simples, já que toma
em plena consideração o valor tempo do capital: os juros reportados a cada período
que não sejam liquidados no termo desse período são adicionados ao capital em dívi-
da, vencendo juros de juros nos períodos subsequentes, até ao termo do prazo total de
investimento, composto por T períodos.
Em segundo lugar, a expressão do valor futuro de um capital assume que a
taxa de juro é fixa ao longo de todo o prazo do investimento – i.e., é constante e igual
em cada um dos T períodos que integram o prazo total do investimento. Todavia, é
possível que a taxa de juro varie ao longo do prazo do investimento – designadamente,
se for acordada a sua revisão no início de cada período de contagem de juros. Assim
sucederá, caso o contrato incorpore cláusulas que obriguem ao ajustamento da taxa de
juro no início de cada novo período de capitalização de juros. Normalmente, a revisão
da taxa de juro visa acautelar a ocorrência de subidas e descidas das taxas de juro nos
mercados financeiros, as quais consubstanciam genuínos custos de oportunidade,
tanto na óptica do credor como do devedor. Nesse caso, a equação [4.5] seria reespeci-
ficada nos seguintes termos:
KT  K 0 1  i0,1   1  i1,2   ...  1  iT 1,T 
T 1 [4.6]
KT  K 0   1  it ,t 1 
t 0

Da expressão [4.6] decorre uma importante consequência: é que, na data ‘0’,


credor e devedor conhecerão a taxa de juro i0,1 , mas não as taxas de juro subsequentes
i1,2 , i2,3 , …, iT 1,T . A taxa de juro i1,2 só será conhecida quando terminado o primeiro
período de capitalização; a taxa de juro i2,3 só será conhecida assim que terminado o
segundo período; e assim sucessivamente: se o prazo total for de dez períodos, a taxa
de juro i9,10 , relativa ao décimo período de capitalização, só será conhecida quando
terminado o nono período. Este problema é adiante retomado na Secção 4.5, a pro-
pósito da avaliação de obrigações de cupão variável. O Capítulo 6 apresentará meto-
dologias que permitem lidar com a incerteza introduzida por uma cláusula de revisão
periódica da taxa de juro contratual de um activo de rendimento fixo.
Taxas de juro nominais, efectivas, e equivalentes | Nos mercados financeiros, é
prática corrente especificar as taxas de juro em termos anuais nominais, mesmo que
os juros sejam capitalizáveis por períodos infra-anuais (p.e. mensalmente ou semes-
tralmente) ou supra-anuais (p.e. bienalmente). A razão essencial da especificação de
taxas anuais nominais prende-se com a conveniência em permitir a comparabilidade
directa entre diferentes taxas de juro.
Desde logo, é crucial distinguir entre o período de referência da taxa de juro
nominal (normalmente, o ano civil) e o período de capitalização de juros; em regra,
este último é igual ou inferior a 1 ano. Seja, por exemplo, uma taxa de juro nominal
de 12% ao ano. Se esta taxa de juro for capitalizável trimestralmente, a taxa de juro
efectiva, reportada ao período de capitalização, será de 3% ao trimestre (=12%/4); se a

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4.6 PARTE II  Taxas de juro

taxa anual nominal for capitalizável mensalmente, a taxa de juro efectiva será de 1%
ao mês1 (=12%/12); se a taxa anual nominal de 12% for capitalizável anualmente, a
taxa de juro efectiva será de 12% ao ano (=12%/1). Assim, a taxa efectiva é a taxa
ajustada ao período de capitalização de juros. Só no caso em que o período de
capitalização de juros coincide com o período de referência da taxa de juro nominal é
que a taxa de juro nominal é uma medida correcta da taxa de juro efectivamente
praticada nos termos do contrato.
Então, uma taxa de juro anual nominal de 12% não importa uma carga de
juros equivalente qualquer que seja o período de capitalização de juros. Por exemplo,
se uma taxa de juro anual nominal de 12% é capitalizável mensalmente, a taxa mensal
efectiva é de 1%. Então, no termo de um prazo de 12 meses, ocorrendo acumulação de
juros de juros em cada mês, o emprego da expressão [4.5] conduz, por unidade de
capital inicial em dívida, ao valor futuro seguinte:

K12  K0 1  12% 12   1 1  1%   1,1268


12 12
[4.7]

o que de imediato permite concluir que a taxa de juro que efectivamente onera o
devedor ao longo de um período com a duração de um ano é de 12,68% – e não 12%.
A taxa de juro de 12,68% é designada de taxa de juro anual equivalente – ou,
abreviadamente, TAE. A taxa de juro anual equivalente só coincidirá com a taxa de
juro anual nominal caso o período de capitalização de juros seja, precisamente, de 1
ano. Sempre que o período de capitalização de juros difira do período de referência da
taxa de juro nominal (o ano, em regra), a taxa de juro nominal é uma medida impre-
cisa do retorno efectivamente prometido por um investimento.
Generalizando, se designarmos a taxa de juro anual nominal por im , em que
m define o número de períodos de capitalização de juros compreendidos no período de
referência da taxa de juro nominal (i.e. num ano, caso se trate de uma taxa anual
nominal), a taxa de juro anual equivalente ie será dada pela expressão:
m
 i 
ie  1  m   1 [4.8]
 m
A conversão de taxas de juro anuais nominais em taxas de juro anuais
equivalentes é essencial para se estabelecer a comparabilidade entre taxas de juro que
pressupõem períodos de capitalização diferentes. De um modo geral, taxas equiva-
lentes devem ser usadas em todas as situações de aplicação rigorosa dos princípios
fundamentais da Matemática Financeira, salvo convenção diversa2.
Utilizando o Microsoft® Excel: função FV | Para calcular o valor futuro de um
capital com recurso ao software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula:
 FV  Rate, Nper, Pmt, Pv, Type  [4.9]

em que: ‘Rate’ é a taxa de juro efectiva reportada ao período de capitalização de juros


(p.e. 1% ao mês); ‘Nper’ é o número total de períodos de capitalização compreendidos
no prazo da operação (p.e. 120 meses num prazo de 10 anos); ‘Pmt’ é, no caso do

1 Por exemplo, num empréstimo bancário destinado ao financiamento da aquisição de habitação própria, é vulgar especificar-se um
regime de prestações mensais. Nesse caso, a taxa de juro anual nominal especificada no clausulado do empréstimo terá que ser dividida
por 12 para se encontrar a taxa de juro efectiva mensal. Por exemplo, uma taxa de juro nominal de 6% ao ano com capitalização mensal
de juros define uma taxa de juro efectiva de 0,5% ao mês.
2 Vide CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, Edições Asa, Porto, 1995.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.7

cálculo de um valor futuro, igual a zero; ‘Pv’ é o capital inicial investido, precedido do
sinal algébrico menos (sinal que sugere uma ‘saída’ de capitais ou um pagamento); e
‘Type’ é uma variável dicotómica, igual a 0 ou a 1. Por exemplo, no caso de um inves-
timento de 1 000 euros, pelo prazo de dois anos, à taxa de juro anual nominal de 10%,
com capitalização anual de juros (i.e. uma taxa equivalente de 10% ao ano)3:
 FV 10%, 2, 0, 1000, 0   1210 [4.10]

A Caixa 4.1 simula o valor futuro de um capital inicial de 1 euro para dife-
rentes prazos e taxas de juro anuais nominais, pressupondo períodos de capitalização
também anuais. Atestando as implicações ditadas pelo processo de capitalização de
juros, note-se que, sob uma taxa de juro anual de 10%, o capital inicial duplica em
pouco mais de 7 anos; e que, caso a taxa de juro aumente para 15% ao ano, serão ne-
cessários menos de 5 anos para que o capital inicial duplique.

Caixa 4.1  Factores de capitalização


Valor futuro de um investimento inicial de € 1,00 para diferentes prazos e taxas de juro |
Taxas de Juro 5
Prazo 0% 5% 10% 15%
4 15%
0 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000
1 1.0000 1.0500 1.1000 1.1500
2 1.0000 1.1025 1.2100 1.3225 3
10%
3 1.0000 1.1576 1.3310 1.5209
4 1.0000 1.2155 1.4641 1.7490 2 5%
5 1.0000 1.2763 1.6105 2.0114
6 1.0000 1.3401 1.7716 2.3131 0%
7 1.0000 1.4071 1.9487 2.6600 1

8 1.0000 1.4775 2.1436 3.0590


9 1.0000 1.5513 2.3579 3.5179 0
10 1.0000 1.6289 2.5937 4.0456 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

VALOR ACTUAL DE UM CAPITAL


A noção de valor actual de um capital equivale à actualização, para um dado momen-
to de referência, de um capital reportado a um momento futuro, conhecidos o prazo e a
taxa de juro que reflecte o seu custo de oportunidade. Dito de outro modo, a actuali-
zação conduz à aferição do valor actual de um capital inicialmente reportado a um
momento posterior. Como veremos, matematicamente o processo de actualização4 se-
gue a lógica inversa do processo de capitalização já analisado.
Actualização por 1 período | Admitamos que um banco concede hoje um em-
préstimo a um cliente, estabelecendo que este deverá reembolsar a quantia total de
1 000 euros no termo do prazo de um único período com a duração total de um ano.
Qual o montante do capital inicial emprestado? A resposta, claro está, depende da taxa
de juro contratualmente definida. Suponhamos que a taxa de juro inerente ao contrato

3 Os valores dos parâmetros a introduzir na fórmula FV() podem ser armazenados em células da folha de cálculo Excel. Assim, em
lugar de introduzir os valores directamente na expressão da fórmula, bastará endereçar os parâmetros desta às correspondentes células
da folha de cálculo. Assim, caso um ou mais parâmetros sejam modificados, o valor da função FV() será imediatamente actualizado.
4 Na Matemática Financeira, é vulgar o uso indistinto das expressões ‘actualização’ e ‘desconto’. Preferimos definitivamente a
primeira, reservando o conceito ‘desconto’ para caracterizar certos fenómenos específicos, tais como a emissão e negociação, a des-
conto do valor nominal, de certos activos de rendimento fixo sem cupões ou pagamentos intercalares de juros, tais como os Bilhetes do
Tesouro ou as obrigações de cupão zero.

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4.8 PARTE II  Taxas de juro

é de 10%, capitalizável por um único período, com a duração de um ano. O valor do


capital inicial emprestado pode ser determinado resolvendo [4.2] em ordem a K 0 :
K0 1  10%   1 000
[4.11]
K0  909,09
Então, a actualização de um capital reportado a um momento futuro simples-
mente segue o processo inverso da capitalização, sendo que o valor actual e o valor
futuro de um capital estabelecem um circuito uno entre si:
K 0 1  i   K1
K1 [4.12]
K0 
1  i 
Actualização por 2 períodos | Se o contrato de empréstimo que estabelece a
devolução da quantia de 1 000 euros fixar um prazo total de dois períodos (p.e. dois
anos), não ocorrendo liquidação de juros pelo devedor no termo do primeiro período, à
mesma taxa de juro de 10% em cada período de um ano, o valor actual desse capital
reportado a uma data futura será dado por:

K 0 1  10%   1 000
2
[4.13]
K 0  826, 45
Noutros termos, o valor actual é igual ao valor futuro do capital de 1 000
euros, deduzido de três parcelas: (i) os juros do primeiro período; (ii) os juros do se-
gundo período; e (iii) os juros incidentes sobre os juros acumulados no primeiro pe-
ríodo – i.e. ‘juros de juros’. Analiticamente:
K2
K0  [4.14]
1  i 2
Actualização por um qualquer número de períodos | Generalizando para ope-
rações com um prazo de T períodos, de igual duração, e considerando uma taxa de
juro i constante e capitalizada em cada período, o valor actual de um capital futuro KT
cujo pagamento é prometido para o momento T é dado pela expressão geral:
KT
K0  [4.15]
1  i T
A expressão 1 1  i  é conhecida por ‘factor de actualização’ de um capital
T

futuro reportado ao momento T. A Caixa 4.2 simula o valor actual de um capital


futuro com o valor nominal de 1 euro para diferentes prazos e taxas de juro anuais
nominais, pressupondo períodos de actualização também anuais. Atestando as impli-
cações ditadas pelo processo de capitalização de juros, note-se que, sob uma taxa de
juro anual de 10%, o valor actual do capital futuro cai para metade em pouco mais de
7 anos; e que, com uma taxa de juro de 15%, serão necessários menos de 5 anos para
que o valor actual do mesmo capital futuro seja reduzido a metade.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.9

Caixa 4.2  Factores de actualização


Valor actual de um capital futuro de € 1,00 para diferentes prazos e taxas de juro |
Taxas de Juro 1.25
Prazo 0% 5% 10% 15%
0%
1.00
0 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000
1 1.0000 0.9524 0.9091 0.8696
2 1.0000 0.9070 0.8264 0.7561 0.75 5%
3 1.0000 0.8638 0.7513 0.6575
4 1.0000 0.8227 0.6830 0.5718 0.50 10%
5 1.0000 0.7835 0.6209 0.4972
6 1.0000 0.7462 0.5645 0.4323
7 1.0000 0.7107 0.5132 0.3759 0.25
15%
8 1.0000 0.6768 0.4665 0.3269
9 1.0000 0.6446 0.4241 0.2843 0.00
10 1.0000 0.6139 0.3855 0.2472 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Utilizando o Microsoft® Excel: função PV | Para calcular o valor actual de um


capital com recurso ao software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula:
 PV  Rate, Nper, Pmt, Fv, Type  [4.16]

cujos parâmetros têm o significado já especificado no caso da função FV(), com


excepção de ‘Fv’, que agora identifica o valor nominal do capital reportado à data
futura e cujo valor actual é calculado através de PV(). Para o exemplo que temos vindo
a tratar, considerando um capital futuro de 1 000 euros reportado ao termo de um
prazo de 2 períodos, cada um com a duração de um ano, virá5:
 PV 10%, 2, 0, 1000, 0   826,45 [4.17]

RENDAS
As noções de valor futuro e valor actual já desenvolvidas foram aplicadas a activos
que pagam um único fluxo financeiro – pagamento na óptica do emitente, recebimento
na óptica do investidor. Mas muitos activos prometem não um só, mas vários fluxos,
distribuídos no tempo e reportados a momentos diferentes. Os casos notáveis traba-
lhados na Matemática Financeira referem-se, por norma, a fluxos financeiros regular-
mente intervalados, cujos valores seguem regras preestabelecidas quanto à consti-
tuição ou à amortização de um capital. As rendas são um desses casos notáveis.
Designa-se por renda todo o contrato que estabelece um conjunto de fluxos
financeiros (pagos pelo emitente e recebidos pelo investidor) distribuídos no tempo
com uma periodicidade certa e cujos valores – designados por prestações – seguem
um determinado regime de reforços – se tendo em vista a constituição de um capital
futuro – ou um determinado plano de amortizações – se visando a extinção de um ca-
pital inicial em dívida.6 A realização de contribuições periódicas regulares para planos

5 O valor negativo obtido em [4.17] presume que o capital reportado à data futura tem a natureza de um recebimento esperado, cuja
contrapartida é um pagamento (cujo sinal algébrico associado é negativo) efectuado no momento a que se reporta o valor actual calcu-
lado. Obviamente, tratando-se de activos financeiros, todos os pagamentos na óptica do investidor (emitente) têm por contrapartida
recebimentos na óptica do emitente (investidor), e vice-versa.
6 Esta noção de renda é adaptada de CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, Edições Asa, Porto, 1995.

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4.10 PARTE II  Taxas de juro

de pensões ou a definição de um plano de prestações destinadas à amortização de um


empréstimo para financiamento da aquisição de habitação própria são dois exemplos
de conjuntos de fluxos financeiros sob a forma de rendas.

Figura 4.2  Perfil dos fluxos financeiros associados a uma renda


Representação esquemática de fluxos financeiros inerentes a uma renda |

R1 R2 RT

0 1 2 T

Renda antecipada e renda postcipada | Uma renda pode ser antecipada ou


postcipada, respectivamente consoante a primeira prestação (paga pelo emitente e
recebida pelo investidor) ocorra no início ou no fim do primeiro período da renda.
Normalmente, a renda inerente a um empréstimo bancário destinado à aquisição de
habitação configura o regime de renda postcipada. As rendas antecipadas são habi-
tualmente praticadas em operações de concessão de crédito à aquisição de veículos au-
tomóveis em regime de leasing. Uma renda pode também ser a prazo certo ou per-
pétua, conforme o conjunto de prestações seja finito ou infinito, caso este último em
que não está predefinido um vencimento para o contrato.7
Renda constante e renda variável | Consoante a sua periodicidade, as prestações
inerentes a uma renda assumem normalmente a forma de anuidades, semestralidades,
trimestralidades ou mensalidades Uma renda pode gerar uma série de prestações
constantes ou de prestações variáveis, consoante o valor da prestação periódica seja
fixo, ou não, ao longo do tempo.
Por exemplo, na contratação de empréstimos destinados ao financiamento da
aquisição de habitação própria, a generalidade dos bancos confere ao cliente o direito
de optar por um regime de prestações de valor constante – i.e. uma renda constante –
ou de valor crescente ou decrescente ao longo do tempo – i.e. uma renda variável. Nos
três casos citados, a determinação do valor de cada prestação segue uma regra de cál-
culo regular para a amortização do capital em dívida ao longo do prazo contratado. A
opção por um dos regimes depende, nas mais das vezes, das disponibilidades de liqui-
dez do devedor. Por exemplo, no caso de famílias jovens, os empréstimos destinados à
compra de habitação própria seguem frequentemente o regime de prestações cres-
centes, procurando acompanhar o perfil esperado dos rendimentos do agregado fami-
liar ao longo do prazo do empréstimo.8
Valor futuro de uma renda constante | Consideremos o caso de um indivíduo
que, ao longo de um prazo total de 5 anos, decide aplicar, todos os anos e no termo de
cada ano, um valor constante de 1 000 euros, sendo que cada prestação anual será
contratualmente remunerada até ao termo daquele prazo à taxa de juro anual de 10%.
Esta estratégia de investimento configura uma renda postcipada e de valor constante,
esquematizada na Figura 4.3. Notar-se-á que a última prestação, reportada ao termo do
quinto ano, coincide com o termo do prazo da renda, pelo que não vencerá juros.

7 As classificações aqui empregues seguem, com ligeiras adaptações, a nomenclatura sugerida em CADILHE, Miguel, op. cit.
8 Idem, op. cit.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.11

Figura 4.3  Representação esquemática de uma renda postcipada de valor constante


Renda anual: € 1000,00 | Taxa de juro anual: 10% | Prazo da renda: 5 anos |

0 1 2 5

1000 +
L
1000 (1 + 0.1)3 +
1000 (1 + 0.1)4 +

6105.1 =

No termo do prazo de 5 anos, o valor futuro dos capitais investidos em cada um dos
períodos pode ser apurado através da sucessiva aplicação do cálculo do valor futuro,
reportado ao termo do quinto ano, a cada uma das entregas anuais no montante de
1 000 euros. Globalmente, o capital acumulado no final do quinto ano será dado pelo
somatório dos valores futuros de cada uma das 5 entregas efectuadas, sendo:
5
K5   1 000 1  0,1
5t
 6105,1 [4.18]
t 1

Genericamente, para uma renda postcipada de prestações constantes de valor


R , pagas ao longo de um prazo [0,T] composto por T períodos de igual duração,
remunerada a uma taxa de juro i capitalizada em cada um dos mesmos T períodos e
constante até ao vencimento, o valor futuro da sequência de prestações é equivalente
ao somatório de T termos de uma progressão geométrica de razão 1  i  , cuja expres-
são geral é:
T 1 T 2
KT  R 1  i   1  i   ...  1  i  
0
 
T 1 [4.19]
KT  R  1  i 
t

t 0

Alternativamente, e recordando que o somatório dos n primeiros termos de


uma progressão geométrica de razão r é igual a:


a  rn 1
   r  1 [4.20]

em que a é o primeiro termo da progressão geométrica, o valor futuro de uma renda


postcipada de valor constante e igual a R vem, para r = 1  i  :

KT  R
1  i T  1 [4.21]
i
Valor actual de uma renda constante | A determinação do valor actual de uma
renda constante não levanta problemas de maior. Com efeito, para se obter a expressão
analítica do valor actual de uma renda postcipada de valor constante contratada por
um prazo total [0,T] constituído por T períodos de igual duração e remunerada à taxa

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4.12 PARTE II  Taxas de juro

de juro i em cada um dos mesmos T períodos e constante até ao vencimento, bastará


T
multiplicar ambos os membros da equação [4.21] pelo factor de actualização 1  i  .
Então, o valor actual da renda postcipada de valor constante resulta simplesmente da
actualização do seu valor futuro. Assim, sendo:
T
K0  KT 1  i  [4.22]

substituindo em [4.22] o valor futuro KT pela expressão [4.21] e operando, vem:


T
1  1  i 
K0  R [4.23]
i
A expressão [4.23] é amiúde empregue na determinação do valor da prestação
constante (R) regularmente devida pelo devedor num empréstimo destinado ao
financiamento da aquisição de habitação própria, conhecidos de antemão os restantes
parâmetros: (i) o capital inicial em dívida, K 0 ; (ii) a taxa de juro efectiva i, reportada
ao período de referência da prestação (em regra o mês); e (iii) o prazo total do emprés-
timo, T, expresso sob a forma do número total de prestações (em regra mensais) a
efectuar até à integral amortização do empréstimo. Mais adiante, a Tabela 4.1 oferece
uma oportunidade de aplicação da expressão [4.23].
Quota de capital e quota de juros | A metodologia de cálculo do valor actual de
uma renda sugere a existência de um contrato de empréstimo cujo capital inicial em
dívida é amortizado ao longo de todo o prazo contratado. Então, o valor de cada
prestação separa-se em duas componentes: (i) uma parcela imputável à amortização do
capital em dívida, designada quota-capital, RKt ; e (ii) uma segunda parcela devida à
incidência de juros sobre o capital em dívida, denominada quota-juros, RJ t :
Rt  RKt  RJt [4.24]

A importância relativa da quota-capital e da quota-juros em cada prestação


periódica varia em função de diversas características do contrato que origina a renda,
tais como (i) o prazo de vencimento do contrato; (ii) o nível da taxa de juro contratual;
(iii) se a renda é de valor constante ou variável; ou, ainda, (iv) se a renda é antecipada
ou postcipada, conquanto esta última característica tenha em regra reduzida influência
na relação entre os valores das duas componentes da prestação.
Consideremos o caso mais simples de uma renda de prestações constantes ao
longo do tempo. Numa renda constante, a determinação da quota-juros depende da
prévia determinação do capital em dívida no início do período de contagem de juros.
Assim, a quota-juros resulta da incidência da taxa de juro sobre esse capital em dívida;
numa renda constante, a quota-capital é definida residualmente, como a diferença
entre o valor total da prestação e a quota-juros. Analiticamente, a quota-juros ( RJ t )
imputável à prestação devida no termo de um qualquer momento t tem valor igual a:
RJt  Kt 1  i [4.25]

enquanto a quota-capital ( RKt ) é igual a:


RKt  Rt  Kt 1  i [4.26]

Do mesmo modo, o capital em dívida reportado ao momento t é obtido pela


diferença entre o capital em dívida no momento t  1 e a parcela de capital amortizada
entre t-1 e t, ou seja:

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.13

Kt  Kt 1  RKt  Kt 1   Rt  Kt 1  i   Kt 1 1  i   Rt [4.27]

Para uma renda postcipada constante no valor de 1 000 euros, com


periodicidade anual, paga ao longo de um prazo de 5 anos, sob uma taxa de juro anual
de 10%, a Tabela 4.1 ilustra o desenvolvimento do capital em dívida e das quota-
capital e quota-juros. Em lugar de nos determos em detalhes explicativos, convidamos
o leitor a, pelos seus próprios meios, reproduzir os cálculos subjacentes à construção
da Tabela 4.1; as notas anexas à tabela são um precioso auxílio nesse sentido.

Tabela 4.1  Capital em dívida, quota-capital e quota-juros numa renda constante


Valor da renda postcipada constante: € 1000 | Taxa de juro anual: 10% | Prazo: 5 anos |
Tempo Renda, € Factor de Rendas Capital em Juros, € Capital, €
Actualização Actualizadas dívida, €
0 3790.8
1 1000 0.9091 909.1 3169.9 379.1 620.9
2 1000 0.8264 826.4 2486.9 317.0 683.0
3 1000 0.7513 751.3 1735.5 248.7 751.3
4 1000 0.6830 683.0 909.1 173.6 826.4
5 1000 0.6209 620.9 0.0 90.9 909.1

Valor Actual 3790.8


NOTAS: O valor do capital em dívida reportado ao momento ‘0’ é, simplesmente, o valor actual das 5 prestações anuais no valor de
1000 euros cada. A quota-juros devida no final do primeiro ano é determinada da seguinte forma: 379, 1  3790, 8  10% . A quota-
capital que é amortizada na renda reportada ao termo do primeiro ano é obtida pela diferença entre o valor da quota-juros e o valor total
da prestação: 620, 9  1000  379, 1 . O capital em dívida relevante para a incidência de juros no período seguinte resulta da diferença
entre o capital em dívida no início e o valor da amortização: 3169, 9  3790, 8  620, 9 . Este processo é repetido sucessivamente em cada
um dos 4 períodos seguintes.

Utilizando o Microsoft® Excel: funções PMT, IPMT e PPMT | O software Microsoft


Excel incorpora diversas funções aplicáveis na avaliação de activos de rendimento
fixo cujos fluxos financeiros configurem uma renda. A função PMT() permite
determinar a prestação periódica de uma renda constante, cuja especificação é:
 PMT  Rate, Nper, Pv, Fv, Type  [4.28]

em que ‘Rate’ é a taxa de juro efectiva reportada ao período de capitalização de juros,


‘Nper’ é o número de períodos (ou prestações) até ao vencimento do contrato, ‘Pv’ é o
valor inicial de um capital em dívida (p.e. num empréstimo que dá origem à renda),
‘Fv’ é o valor futuro de um capital que se pretende acumular, reportado à data de
vencimento e ‘Type’ especifica uma variável dicotómica que define se a renda é
antecipada (1) ou postcipada (0).
A função IPMT(), que permite calcular o valor da quota-juros incorporada
numa prestação constante, é especificada como:
 IPMT  Rate, Per, Nper, Pv, Fv [4.29]

em que os parâmetros têm o significado já especificado no caso da função PMT(), com


excepção de ‘Per’, que identifica o número de ordem do período para o qual se
pretende o cálculo da quota-juros, compreendido entre 1 e ‘Nper’.
Por fim, a função PPMT() permite apurar o valor da quota-capital incorporada
numa dada prestação constante de uma renda, sob a especificação:

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4.14 PARTE II  Taxas de juro

 PPMT  Rate, Per, Nper, Pv, Fv  [4.30]

e cujos parâmetros são idênticos aos da função IPMT().


A determinação do valor actual do conjunto de prestações de uma renda
constante pode obter-se por aplicação da fórmula PV() já apresentada:
 PV  Rate, Nper, Pmt, Fv, Type [4.31]

em que o parâmetro ‘Pmt’ identifica o valor da prestação e ‘Fv’ é igual a zero.

VALOR ACTUAL LÍQUIDO (VAL)


Em regra, o investimento em activos financeiros dá origem a uma sequência de fluxos
financeiros distribuídos ao longo do tempo e reportados a momentos diferentes. Cada
um desses fluxos financeiros é um pagamento e um recebimento, ora na óptica do
emitente, ora na óptica do investidor, sendo que o valor de cada fluxo não é necessa-
riamente igual. Como atrás vimos, o conceito de valor actual serve o propósito da
homogeneização temporal, reportada a uma data de referência ‘actual’, de uma série
de fluxos financeiros referenciados a diferentes momentos. Designando por CFt o
valor do fluxo financeiro (ou cash flow) reportado a um momento t, o valor actual
(VA) do conjunto de fluxos financeiros associados a um dado activo com prazo de
vencimento T, reportado a um momento actual ‘0’ é dado por:
T
CFt
VA0   [4.32]
t 1 1  i t
em que i é a taxa de actualização que reflecte o custo de oportunidade do capital,
normalmente medida pela taxa de retorno que o mercado financeiro pratica em
investimentos cujo perfil de risco, prazo e distribuição temporal dos fluxos financeiros
é similar à do activo a que se reporta o cálculo de VA.
Neste ponto intervém a relevante distinção entre preço e valor de um activo
financeiro. Num mercado perfeito, o preço por que um activo financeiro pode ser
emitido ou transaccionado coincide com o seu valor; ou, mais correctamente, com o
que os economistas apelidam de ‘justo valor’. O justo valor de um activo tem em
consideração as suas características intrínsecas e, ainda, o custo de oportunidade
associado às condições oferecidas pelo uso alternativo do capital. O Capítulo 14
debruçar-se-á sobre este tema com maior profundidade.
A correcta distinção entre preço e justo valor pode ser facilmente interiori-
zada. Quando se interroga ‘Por que preço posso investir naquele activo financeiro’, o
investidor reporta-se ao seu preço de mercado corrente. Mas todos os investidores le-
vantam sempre uma segunda questão: ‘Quanto vale o activo financeiro?’; ou, dito de
outro modo; ‘Será que o preço de mercado é ‘justo’?
Os mercados financeiros não são perfeitos. Isso abre a porta à possibilidade de
divergências entre preço e justo valor. Na prática, perante mercados imperfeitos, essa
divergência é a regra, e não uma excepção: quase sistematicamente, existem activos fi-
nanceiros subavaliados – i.e. cujo preço é inferior ao seu justo valor – e activos finan-
ceiros sobreavaliados – i.e. cujo preço excede o justo valor. Essa é a essência da arte
da avaliação dos activos financeiros.
A noção de valor actual líquido (abreviadamente VAL) procura aferir a di-
vergência entre o preço e o justo valor de um activo financeiro e, bem assim, medi-la.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.15

Assim, o VAL equivale à diferença entre o valor actual dos fluxos financeiros (VA)
libertados pelo activo e o preço de aquisição ( K 0 ) do activo financeiro:
T
CFt
VAL0    K0  VA0  K0 [4.33]
t 1 1  i t
A fórmula [4.33] explicita uma metodologia universalmente empregue no
domínio da avaliação de activos financeiros e de projectos de investimento, e permite
contemplar situações, muito frequentes, em que um investimento gera, ao longo do
tempo, fluxos financeiros positivos (recebimentos) e negativos (pagamentos). A
alternância no tempo entre fluxos de valor positivo e negativo é de resto comum em
projectos de investimento cujos ciclos de construção, produção ou comercialização
são longos. Aquela expressão pode também ser reescrita equiparando o ‘preço’ inicial
K 0 a mais um fluxo financeiro inerente ao investimento:
T
CFt
VAL0   , em que CF0   K0 [4.34]
t 0 1  i t
Em termos mais abrangentes, podemos definir o valor actual líquido de um
investimento como o resultado da actualização, a uma taxa de retorno i
apropriadamente escolhida, de todos os fluxos financeiros líquidos – i.e. recebimentos
menos pagamentos – que se espera serem gerados ao longo do horizonte [0,T].
O VAL e a decisão de investir | O VAL é um instrumento de avaliação indisso-
ciável das decisões de investimento de capital. Em termos abstractos, o investidor
decidirá arriscar capital num investimento caso essa decisão incremente a sua riqueza
actual – e, assim, contribua para aumentar o seu poder de compra e o seu nível de
despesa. Intuitivamente, isso significa que, existindo outras oportunidades de investi-
mento que possam garantir a taxa de retorno i, o investidor só investirá em activos
financeiros cujo VAL seja não nulo. Nesse caso, o justo valor atribuído ao investi-
mento é não inferior ao preço de mercado do activo financeiro.
Se o VAL é nulo, o investidor ficará numa posição de indiferença entre inves-
tir no activo em causa ou seleccionar uma oportunidade alternativa de características
idênticas e idêntico retorno esperado. Se o VAL for positivo, o justo valor excederá o
preço: a riqueza actual do investidor expandir-se-á com a consumação do investi-
mento. Se o VAL for negativo, é preferível investir em oportunidades alternativas.
Utilizando o Microsoft® Excel: função NPV | Prosseguindo a familiarização com
a folha de cálculo Excel, para calcular o VAL de um investimento com recurso ao
software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula:
 NPV  Rate, value1, value2, ..., valueT  [4.35]

em que ‘Rate’ é a taxa de actualização i apropriada e ‘value1’, … ‘valueT’ são os


valores dos fluxos financeiros líquidos reportados a cada uma das datas compreen-
didas entre 0 e T. Convém enfatizar que a fórmula NPV() só opera correctamente com
fluxos financeiros líquidos sequencial e regularmente intervalados ao longo de todo o
prazo do investimento. Em regra, será mais cómodo dispor os valores dos fluxos
financeiros em células adjacentes da folha de cálculo e seguidamente reportar a
fórmula a essas células. Por exemplo, se as células A1 a A15 em coluna contiverem os
valores de 15 fluxos financeiros periódicos (p.e. anuais, semestrais, mensais) inerentes
a um dado investimento, virá:

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4.16 PARTE II  Taxas de juro

 NPV  Rate, A1: A15 [4.36]

TAXA INTERNA DE RENDIBILIDADE (TIR)


A taxa interna rendibilidade (abreviadamente TIR) define-se como a taxa de
actualização que iguala o valor actual (VA) dos fluxos financeiros esperados e asso-
ciados a um dado investimento ao seu preço de mercado (ou custo inicial de aquisi-
ção). Dito de outro modo, a TIR é a taxa de actualização que iguala a zero o VAL de
um investimento. Designando a TIR por y, virá:
T
CFt
  0 [4.37]
t 0 1  y t
Note-se que a equação [4.37] não tem solução analítica directa. Com efeito, a obten-
ção da solução para y só pode ser alcançada mediante o uso de métodos de cálculo
iterativo. Como adiante veremos, o Microsoft Excel resolve facilmente um problema
que, de outra forma, obrigaria a um fastidioso esforço de cálculo.
O modo como a equação [4.37] é derivada torna notória a íntima relação entre
a TIR e o VAL de um investimento. Por um lado, TIR e VAL reportam-se a variáveis
diferentes: enquanto o VAL afere do incremento (ou diminuição) que um dado investi-
mento pode induzir sobre a riqueza actual do investidor, a TIR perfilha uma óptica de
rendibilidade percentual do capital, apenas (e não é pouco!) identificando a taxa de
rendibilidade que os capitais investidos podem proporcionar ao investidor.
A TIR e a decisão de investir | A TIR é normalmente interpretada como a taxa de
rendibilidade implícita (ou ‘interna’) associada a um investimento. Traduz, portanto, a
rendibilidade intrínseca de um investimento. Este aspecto é muito importante. Confor-
me enunciámos no Capítulo 1, ‘O valor de um activo financeiro depende dos preços
dos demais activos financeiros’, e não estritamente em função das suas características
intrínsecas. Isto implica que, por si só, a TIR não define qualquer critério decisório.
Antes, a TIR terá que ser comparada com as taxas de retorno geradas por investi-
mentos alternativos de características idênticas para fundamentar a decisão de investir,
ou não, num dado activo.
É então na perspectiva do seu confronto com o retorno prometido por outras
oportunidades de aplicação de capitais com características similares de risco, prazo e
perfil de fluxos financeiros que a TIR é universalmente empregue na tomada de deci-
sões de investimento. Assim, investimentos cuja TIR exceda o custo de oportunidade
implícito no melhor uso alternativo do mesmo capital devem ser concretizados; inver-
samente, investimentos cuja TIR seja inferior a esse custo de oportunidade do capital
devem ser rejeitados. Num mercado perfeito, verificar-se-ia sistematicamente a situa-
ção de indiferença em que a TIR de um investimento é exactamente coincidente com o
retorno prometido por alternativas comparáveis.
Tome-se, por exemplo, um investimento inicial de 1 500 euros, a que se segue
a sequência de fluxos financeiros positivos num horizonte de 5 períodos, representada
na segunda coluna da Tabela 4.2. As colunas seguintes identificam os factores de
actualização (FA) e o valor actualizado de cada fluxo financeiro (VA), para diferentes
níveis da taxa de actualização i. Suponhamos que a taxa de actualização periódica
escolhida é de 10%. Nesse caso, o VAL do investimento é de 779,2 euros. Se a taxa de
actualização subir para 20%, o VAL continua positivo, igual a 219,9 euros. Mas, se a
taxa de actualização for de 30%, o VAL torna-se negativo: –156,6 euros. Tal significa

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.17

que a TIR intrínseca do investimento encontrar-se-á algures entre 20% e 30%. Repe-
tindo iterativamente este método, alcançar-se-ia uma taxa de 25,38%, que iguala a
zero o VAL do investimento: então, a TIR deste investimento é igual a 25,38%.

Tabela 4.2  Relação entre VAL e TIR: exemplo de cálculo iterativo da TIR
Simulação do VAL de um investimento para diversas taxas de actualização | Valores em euros |
i= 10% i= 20% i= 25.38% i= 30% i= 35%
Tempo Renda, € FA VA FA VA FA VA FA VA FA VA

0 -1500 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0 1.000 -1500.0
1 300 0.909 272.7 0.833 250.0 0.798 239.3 0.769 230.8 0.741 222.2
2 450 0.826 371.9 0.694 312.5 0.636 286.3 0.592 266.3 0.549 246.9
3 750 0.751 563.5 0.579 434.0 0.507 380.5 0.455 341.4 0.406 304.8
4 750 0.683 512.3 0.482 361.7 0.405 303.5 0.350 262.6 0.301 225.8
5 900 0.621 558.8 0.402 361.7 0.323 290.5 0.269 242.4 0.223 200.7

VAL 1650.0 779.2 219.9 0.0 -156.6 -299.5


NOTAS: i – taxa de actualização efectiva. FA – Factor de actualização. VA – Valor actual. VAL – Valor actual líquido.

A Tabela 4.2 também ilustra a relação entre TIR e VAL de um mesmo inves-
timento. Assim, se a TIR excede as taxas de retorno directamente comparáveis, o VAL
será positivo; se a TIR se situar aquém das taxas de retorno comparáveis, o VAL será
negativo. Então, a TIR de um investimento é a taxa de actualização a partir da qual
interessará concretizar a oportunidade de investimento.
Limitações ao uso da TIR | O uso da TIR enquanto instrumento de apoio à
tomada de decisões de investimento deve obedecer a critérios prudentes e criteriosos.
Com efeito, existem diversas limitações ao uso da TIR para efeitos da avaliação do
mérito financeiro de um investimento. Em especial, a TIR pode conduzir a uma
sobreavaliação da qualidade de um investimento, na medida em que é influenciada por
factores que podem adulterar o seu rigor. Por outro lado, o uso da TIR pode não
conduzir à recomendação de investimento definida pelo emprego do VAL. Nomeada-
mente, nem sempre os investimentos geradores de taxas de internas de rendibilidade
mais elevadas são os que geram maiores VALs e que assim maximizam a riqueza
actual do investidor. É indesmentível que uma larga maioria de profissionais prefere o
sentido prático, expedito e intuitivo da TIR, em detrimento do uso do VAL. Não obs-
tante, o critério de decisão assente no VAL é o único consistente com a lógica da
maximização da riqueza actual dos investidores.
Para exemplificar, considerem-se duas alternativas (A e B) de investimento de
um montante inicial de 1 500 euros, para as quais o investidor reclama uma remune-
ração exigida de 10% ao ano. A Tabela 4.3 identifica para ambos os activos os fluxos
financeiros esperados para um prazo de investimento de 5 anos. Calculando o VAL à
taxa anual de 10%, conclui-se que ambos os investimentos são apetecíveis, porque
geradores de um VAL positivo: 796,4 euros no caso A e 779,2 no caso B. Qualquer
dos investimentos aumentará a riqueza actual do investidor, sendo que o investimento
A é mais favorável que B. Contudo, apurando a TIR de ambos os investimentos, con-
clui-se que a TIR do investimento B (25% ao ano) é superior à TIR do investimento A
(23% ao ano). Então, o dilema coloca-se: como o investidor só dispõe de 1 500 euros,
apenas poderá adquirir um dos activos financeiros. Mas… qual deles? É que os dois
critérios originam recomendações de investimento contraditórias.

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4.18 PARTE II  Taxas de juro

Tabela 4.3  VAL versus TIR: recomendações de investimento contraditórias


Escolha entre investimentos mutuamente exclusivos | Valores CF e CFA em euros |
i=10% Investimento A Investimento B
Tempo FA CF CFA CF CFA

0 1.000 -1500 -1500.0 -1500 -1500.0


1 0.909 150 136.4 300 272.7
2 0.826 300 247.9 450 371.9
3 0.751 450 338.1 750 563.5
4 0.683 600 409.8 750 512.3
5 0.621 1875 1164.2 900 558.8

VAL 796.4 779.2


TIR 23% 25%
NOTAS: i – taxa de actualização efectiva. CF – fluxo financeiro líquido. CFA – fluxo
financeiro líquido actualizado. FA – Factor de actualização. VAL – Valor actual líquido.
TIR – taxa interna de rendibilidade.

Em rigor, o cálculo da TIR é influenciado pelo facto de o investimento B li-


bertar fluxos financeiros muito mais rapidamente que o investimento A. Esta circuns-
tância leva a que a taxa de actualização que iguala o VAL a zero resulte mais elevada
no caso do investimento B. Com efeito, no investimento A, o último fluxo financeiro,
reportado ao termo do quinto ano, tem um peso considerável na estrutura de fluxos
financeiros prometidos. Contrariamente, os fluxos financeiros iniciais têm um peso
superior na estrutura do investimento B. Essa percepção pode ser confirmada compa-
rando directamente, ano a ano, a sequência de fluxos financeiros actualizados ( CFAt )
inserida na Tabela 4.3, cuja construção o leitor deve procurar replicar.
Assim, a TIR nem sempre leva a conclusões idênticas às alcançadas mediante
uso do VAL. De facto, ao actualizar todos os fluxos financeiros à mesma taxa de
retorno, só o método do VAL permite tratar de forma consistente o impacto de um
investimento na riqueza actual. Então, em casos como o da Tabela 4.3, a decisão com
base no VAL deve prevalecer sobre a informação fornecida pela TIR.
De modo a ilustrar algumas limitações inerentes ao uso da TIR, apresentam-se
de seguida seis casos em que a tomada de decisões com base na TIR é susceptível de
levar à formulação de juízos enviesados quanto ao mérito relativo de um investimento.
Caso I: Obtenção de mais do que uma TIR | Se ocorrerem alterações no sinal
algébrico dos fluxos financeiros libertados pelo investimento, a metodologia da TIR
pode conduzir à obtenção de múltiplas TIR, assim inviabilizando a aplicação da regra
de decisão segundo a qual se devem favorecer os investimentos com taxas de retorno
mais elevadas. A alternância de sinais algébricos traduz-se na circunstância de, ao
longo do tempo, recebimentos alternarem com pagamentos gerados pelo investimento.
Matematicamente, este problema decorre da denominada ‘Regra de Sinais de
Descartes’, a qual implica que, quando num polinómio uma das parcelas é afecta de
um sinal algébrico diferente, é gerada uma nova raiz para a solução do problema; o
número de raízes de um polinómio depende, assim, do número de mudanças de sinal
algébrico nas diversas parcelas que o compõem.
Dado um conjunto de fluxos financeiros, acaso o sinal mude duas vezes, é
provável que a equação [4.37] gere duas raízes para o valor de y – logo, duas TIR. Se
mudar três vezes terá, potencialmente, três raízes; e assim sucessivamente, e sem que
qualquer das raízes mereça uma leitura isenta de risco decisório.
Caso II: Violação do princípio da aditividade do valor | Suponhamos um
investidor confrontado com duas carteiras de investimentos diferentes e independentes

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.19

entre si. Caso o investidor pretenda escolher apenas um activo de cada uma das
carteiras para investir, o critério da TIR conduz a decisões diferentes consoante a
metodologia seja (i) escolher o melhor investimento de cada umas das carteiras ou (ii)
escolher os dois investimentos – um de cada carteira – que maximizam a TIR conjun-
ta: por exemplo, se existirem três investimentos em cada carteira, o investidor terá de
compor seis combinações diferentes de modo a seleccionar o par que constitui a me-
lhor alternativa de investimento. Isto equivale a forçar o investidor a ponderar deci-
sões com base na composição integral da carteira de investimentos, o que é dificil-
mente exequível num grande número de situações.
Caso III: Investimentos não comparáveis | O uso da TIR na comparação de alter-
nativas de investimento de capitais deve cingir-se a investimentos efectivamente com-
paráveis. Neste âmbito, a escolha entre investimentos cujos montantes sejam dife-
rentes, cujos prazos sejam diferentes ou que revelem perfis temporais de fluxos finan-
ceiros diferenciados não deve basear-se no uso da TIR, em virtude de configurarem
alternativas não genuinamente comparáveis. Como o próprio conceito o sugere, a
comparabilidade entre alternativas de investimento só opera no caso de investimentos
similares entre si. O exemplo da Tabela 4.3 espelha uma situação em que essa com-
parabilidade está a priori posta em causa.
Caso IV: Risco de reinvestimento | A metodologia de cálculo da TIR assenta na
suposição implícita de que os fluxos financeiros que o activo financeiro liberte ao
longo do tempo serão automaticamente reinvestidos nas datas em que são percebidos,
pelo prazo remanescente até ao vencimento total do activo financeiro, a uma taxa de
retorno igual à própria TIR. Esta suposição pode contudo ser violada por diversas
razões. Primeiro, o investidor pode soberanamente decidir dar destino diverso aos
fluxos financeiros recebidos, por exemplo afectando-os à realização de consumo ou à
aquisição de activos financeiros de características distintas. Segundo, e ainda que o
investidor intente reinvestir os fluxos financeiros recebidos ao longo do tempo, poderá
confrontar-se com a circunstância de, no mercado financeiro, as taxas de retorno
praticadas serem diferentes da TIR a que inicialmente investiu capitais na aquisição do
activo financeiro, podendo ser inferiores ou, até, superiores à mesma TIR.
Teoricamente, este problema decorre do circuito fechado que vincula entre si
os conceitos de valor actual e de valor futuro: por definição, o valor actual de um
investimento equivale ao seu valor futuro actualizado para o momento do tempo a que
se reporte aquele valor actual. Para melhor perceber a implicação deste pressuposto,
retomemos a equação [4.37], isolando o fluxo financeiro inicial (i.e. o preço investido
na aquisição do activo, CF0 , com CF0  0 ). Multiplicando ambos os membros de
[4.37] pelo factor de capitalização 1  i  , virá:
T

T
 CFt 1  y 
T t
0  CF0 1  y 
T
 [4.38]
t 1

Após rearranjo da expressão anterior:


T
 CFt 1  y 
T t

t 1 [4.39]
CF0 
1  y  T

A equação [4.39] enfatiza que o valor futuro do investimento é o que resulta


da capitalização para o momento T de todos os fluxos financeiros libertados pelo
investimento ao longo do prazo [0,T], com a capitalização efectuada à própria TIR.

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4.20 PARTE II  Taxas de juro

Então, caso se verifique a improbabilidade de reinvestir os fluxos financeiros


à própria TIR, esta não constituirá medida fidedigna da taxa de rendibilidade intrínse-
ca do investimento: se os fluxos financeiros puderem ser reinvestidos a taxas de retor-
no superiores (inferiores), a TIR efectiva resultará superior (inferior) à TIR inicial-
mente calculada. O denominado risco de reinvestimento será tanto maior quanto mais
elevada a TIR inicialmente associada ao investimento. De facto, oportunidades de in-
vestimento com altas taxas de retorno associadas são sempre escassas.
Caso V: Duração do investimento inferior ao prazo do activo | A TIR é calculada
no pressuposto de que, adquirindo o activo financeiro, o investidor o conserva em sua
posse até ao seu vencimento. Contudo, tal pode não acontecer, designadamente se o
activo for transaccionável num mercado secundário e o investidor desejar aliená-lo
antes do vencimento. Nesse caso, não estando garantido o preço a que o investidor po-
derá no futuro vender o activo, o retorno efectivamente obtido ex-post poderá divergir
da TIR inicialmente calculada.
Caso VI: Taxas de juro diferentes consoante os prazos | Como vimos, a
determinação da TIR de um investimento requer a obtenção de uma solução única
para a variável y na equação [4.37]. Todavia, se a TIR é única, tal equivale a admitir
que o custo de oportunidade do capital investido na aquisição do activo financeiro é
homogéneo e constante qualquer que seja o prazo ao longo do qual se processará a
recuperação desses capitais. Dito de outro modo, a TIR pressupõe taxas de juro de
mercado iguais para prazos diferentes.
Retomando [4.37], tal equivale a admitir que os fluxos financeiros CFt são
sempre actualizados à mesma taxa de retorno (i.e. à própria TIR), qualquer que seja o
prazo em que sejam pagos pelo emitente e recebidos pelo investidor. Conforme no
Capítulo 6 se demonstra, essa suposição equivale a admitir uma estrutura temporal de
taxas de juro perfeitamente horizontal – ou, o que é equivalente, uma curva de taxas
de juro (ou yield curve) horizontal –, o que corresponde a considerar que o mercado
não distingue os vários prazos com taxas de retorno distintas. Ora, a mera intuição
sugere que, para muitos investidores, as taxas de retorno exigidas não independem dos
prazos de imobilização de capitais. Também no Capítulo 6 se torna mais claro que esta
limitação inerente ao uso da TIR está intimamente relacionada com o risco de rein-
vestimento de fluxos financeiros referenciado no ‘Caso IV’.
TIR modificada | A noção de TIR modificada define uma tentativa de solução
para o problema do risco de reinvestimento atrás enunciado no ‘Caso IV’. A TIR
modificada de um investimento admite que a taxa de retorno a que futuramente serão
reinvestidos os fluxos financeiros libertados pelo activo é diferente da TIR. Neste
sentido, a equação [4.39] pode ser reescrita, assumindo que os fluxos financeiros têm
um custo de oportunidade i , correspondente à taxa de retorno a que possam ser rein-
vestidos (ou refinanciados) pelo prazo (T–t) que corre desde o momento t em que são
liquidados até à data de vencimento T. Formalmente, a TIR modificada corresponde à
taxa de retorno ym que actualiza o valor futuro acumulado dos cash-flows reinvestidos
até à data de vencimento T, na condição de essa actualização igualar o valor do inves-
timento inicial (K0):
∑𝑇𝑡=1 𝐶𝐹𝑡 × (1 + 𝑖)𝑇−𝑡
𝐾0 = [4.40]
(1 + 𝑦𝑚)𝑇
Contudo, o uso da TIR modificada (ym) não é isento de problemas, em espe-
cial o decorrente da especificação da taxa de retorno i a que no futuro será possível
reinvestir todos os fluxos financeiros até à data T. Na verdade, sendo o futuro imprevi-
sível, essa taxa de retorno i nunca estará assegurada. Por outro lado, a equação [4.40]

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.21

presume uma única taxa i; todavia, é possível conjecturar que as taxas de juro futuras
possam oscilar ao longo do tempo, caso em que a taxa i, já não sendo única, teria de
ser substituída por um vector de taxas de juro9.
Yield to maturity | A avaliação da generalidade dos activos de rendimento fixo
socorre-se quase sempre do uso da TIR. A figura básica das obrigações clássicas é um
bom exemplo de aplicação da metodologia da TIR. Assim, numa obrigação clássica
são conhecidos e certos os valores dos fluxos financeiros prometidos pelo emitente até
ao seu vencimento. Os cupões de juros são regularmente intervalados e de valor cons-
tante; e o capital em dívida, dado pelo valor nominal da obrigação, é amortizado, inte-
gralmente e de uma só vez. na data de vencimento T.
Assim, representando por CFt o valor do cupão de juros fixo pago em cada
data t e por B0,c T o preço de aquisição de uma obrigação clássica com um valor nomi-
nal unitário, amortizado na data T, vem:
T
1,00
B0,c T   CF 1  y  
t
[4.41]
t 1 1  y T
No caso das obrigações clássicas, a taxa de actualização y é vulgarmente
conhecida por yield to maturity – ou, simplesmente, yield – e equivale à TIR inerente
ao investimento na aquisição da obrigação na data ‘0’. Como a própria designação
sugere, o yield to maturity de uma obrigação pressupõe que o investidor deterá a
amortização ‘até à maturidade’, isto é, até ao seu vencimento integral, na data T.
Utilizando o Microsoft® Excel: funções IRR e MIRR | Para calcular a TIR de um
investimento com recurso ao software Microsoft Excel, utiliza-se a fórmula IRR():
 IRR  value1, value2, ..., valueT, guess  [4.42]

em que ‘value1’, … ‘valueT’ são os valores dos fluxos financeiros líquidos reportados
a cada uma das datas compreendidas entre 0 e T e ‘guess’ é a taxa de actualização
efectiva, definida pelo utilizador, que permite iniciar o processo de cálculo iterativo
conducente à determinação da TIR. Para minimizar o tempo de processamento de cál-
culos, convém que o valor predefinido no campo ‘guess’ seja não muito distante do
valor que se espera obter para a TIR.
A TIR modificada de um investimento pode ser calculada através da função
MIRR(), com a seguinte especificação:
 MIRR  value1, ..., valueT, Finance_rate, Reinvest_rate [4.43]

na qual as variáveis ‘Finance_rate’ e ‘Reinvest_rate’ identificam, respectivamente, as


taxas de retorno a que podem ser refinanciados ou reinvestidos – i.e. neste caso a taxa
de retorno i inscrita na equação [4.40] – os fluxos financeiros libertados pelo activo.

4.2 AVALIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE CUPÃO ZERO


O conceito de obrigação de cupão zero (ou ‘cupão zero’) foi apresentado no Capí-
tulo 3. Num cupão zero, o emitente da obrigação promete pagar ao investidor um
único fluxo financeiro, num único momento, reportado à data de vencimento (e de

9 No Capítulo 6 teremos algo mais a aprofundar sobre esta matéria, no contexto da possibilidade de derivação de taxas de juro futuras
esperadas, à luz da denominada ‘teoria das expectativas puras’.

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4.22 PARTE II  Taxas de juro

amortização integral) da obrigação. O valor desse pagamento único é o valor nominal


da obrigação. Esta Secção elucida sobre a avaliação de cupões zero.

PREÇO DE UM CUPÃO ZERO


Seja o caso de uma empresa que decide emitir cupões zero com o valor nominal
unitário de 1 euro, cujo reembolso é agendado para o termo de um prazo de 10 anos.
A empresa promete então pagar aos obrigacionistas, no vencimento, o valor nominal
de 1 euro por obrigação. A Figura 4.4 esquematiza o perfil temporal do investimento:
na data de emissão, o investidor adquire cada cupão zero por um preço unitário igual a
B0,10 ;10 no vencimento, cada obrigação é amortizada por 1 euro – i.e. B10,10  1 .
Pressupondo que o emitente consegue colocar no mercado os cupões zero a
um preço que garanta aos investidores uma taxa de rendibilidade implícita de 10% ao
ano – que estes considerarão ‘justa’ em função das alternativas de investimento nesse
instante disponíveis –, o preço que cada investidor pagará por uma obrigação é
determinável com recurso à noção de valor actual:
1,00
B0,10   0,386 [4.44]
1  10% 10
O preço de 0,386 euros por obrigação garante, nestas condições, uma taxa
interna de rendibilidade – melhor, um yield to maturity – de 10% ao ano, durante o
prazo total de 10 anos. Na linguagem do VAL este preço induziria um impacto nulo
sobre o valor da riqueza actual de cada investidor:
1,00
VAL  0   B0,10  [4.45]
1  10%10

Figura 4.4  Obrigação de cupão zero: representação esquemática do investimento


Valor nominal: € 1,00 | Prazo: 10 anos | Yield to maturity exigido: 10% / ano |

1.000

0 1 2 10

- B 0,10

Alternativamente, se o emitente se decidisse pela colocação destas obrigações


no mercado ao preço unitário de 0,350 euros, todos os investidores que ficassem
satisfeitos com um yield de 10% ao ano teriam um interesse acrescido na sua
aquisição, já que desse investimento resultaria um aumento no valor líquido da sua
riqueza actual – isto é um VAL positivo – igual a 0,036 euros por obrigação:

10 Nesta nomenclatura, o índice ’0’ reporta-se ao momento a que é referenciado o cálculo do ‘justo preço’ do cupão zero, enquanto o
índice 10 identifica o momento a que é referenciado o vencimento da obrigação de cupão zero.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.23

1,00
VAL   0,350    0,036 [4.46]
1  10% 10
Contudo, se o emitente antecipar correctamente o nível de yield que satisfaz as
preferências dos investidores, concluirá que lhe é possível aumentar o encaixe
monetário inicial resultante da colocação das obrigações de cupão zero. Comparando
[4.45] e [4.46], tal acontece se a emissão for efectuada ao preço unitário de 0,386
euros, o qual assegura um yield de 10% aos investidores – e garante, também, uma
taxa de juro de financiamento de 10% ao ano, na óptica do emitente. Num mercado
eficiente, o emitente jamais conseguirá colocar no mercado as obrigações caso intente
emiti-las por um preço unitário superior a 0,386 euros: nessa eventualidade, os
investidores seriam inapelavelmente atraídos por outras oportunidades de investimento
que lhes garantissem um yield de 10% ao ano.
Generalizando, o justo valor de um cupão zero reportado ao momento t, com
prazo [t,T], reembolsável na data T por um valor nominal unitário (i.e. 1 euro) vem:
1,00
Bt ,T  [4.47]
1  i T t
Da expressão [4,47] decorre uma importante implicação: com a passagem do
tempo, t converge para a data de vencimento T. Então, o exponente do factor de
desconto do denominador tenderá para zero, pelo que o denominador tenderá para um.
Disso reflexo, o preço do cupão zero aumenta com a mera passagem do tempo,
convergindo para o valor nominal à medida que a data T se aproxima. Na data de
vencimento, o preço de um cupão zero é, por definição, igual ao seu valor nominal.
Daqui resulta também a impossibilidade teórica de em momento algum o preço de um
cupão zero poder exceder o respectivo valor nominal. Assim, os cupões zero são
sempre emitidos e transaccionados por preços ‘a desconto’ do valor nominal – ou, na
gíria dos mercados, ‘abaixo do par’.

YIELD (TO MATURITY) DE UM CUPÃO ZERO


No exemplo anterior, para um yield exigido de 10% ao ano, o justo valor de cada
cupão zero é de 0,386 euros. Note-se que aquele yield só é garantido caso o investidor
mantenha a obrigação na sua posse até à data de vencimento T. Do mesmo modo, ao
preço de emissão de 0,350 euros, o yield aumentaria para 11,07%:
1,00
0   0,350 
1  y 10
1 [4.48]
 1,00  10
y   1  0,1107
 0,350 
O yield (to maturity) de um cupão zero pode ser reportado a qualquer
momento do tempo, desde que anterior à sua data de vencimento. Então, conhecido o
preço de mercado a que um cupão zero transacciona num dado momento t, o yield
implicitamente oferecido pelo investimento a esse preço só depende adicionalmente da
correcta contagem do prazo remanescente [t,T] até à data de vencimento. Com efeito,

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4.24 PARTE II  Taxas de juro

dado Bt ,T , resolvendo a equação [4.47] em ordem a y (considerando já y – e não i –


como a taxa de actualização apropriada), para um valor nominal unitário é:
1

 1  T t
y [4.49]
 1
 Bt ,T 

‘HOLDING PERIOD RETURN’ DE UM CUPÃO ZERO


O yield de um cupão zero só é garantido caso o investidor detenha a obrigação até à
sua data de vencimento, abstendo-se de transaccioná-la antes dessa data. Contudo,
diversas razões podem motivar o investidor a vender um cupão zero antes do seu
vencimento: por exemplo, o propósito de realizar liquidez ou de reinvestir capitais em
activos mais atractivos. Mas, se o investidor desinvestir no cupão zero, o yield (to
maturity) que inicialmente justificou a decisão de investir não mais estará garantido.
O conceito de retorno no período de investimento – holding period return,
na gíria anglo-saxónica – é, nesse caso, uma medida da taxa de retorno efectivamente
auferida pelo investidor, referenciada ao período corrido entre a data de investimento
inicial e a data de desinvestimento. O holding period return corresponde à
comparação entre o preço de aquisição e o preço de desinvestimento no cupão zero,
ajustado ao período pelo qual o investimento foi mantido.
Se admitirmos que o investidor mantém em carteira durante 5 anos o cupão
zero inicialmente adquirido por 0,386 euros, alienando a obrigação no termo deste
período pelo preço de 0,700 euros, o holding period return deste investimento,
designado por y0,5 , será dado por:

0,386  1  y0,5   0,700


5

1 [4.50]
 0,700  5
y0,5    1  12,64%
 0,386 
Note-se que o holding period return obtido, igual a 12,64% ao ano, veio a
revelar-se superior ao yield to maturity inicialmente esperado de 10% ao ano. Aliás,
para que o holding period return num prazo de 5 anos fosse igual a 10% ao ano, por
aplicação da noção de valor futuro o preço de venda do cupão zero viria:

0,386  1  10%   0,622


5
[4.51]

Porém, ao alienar de facto o cupão zero por um preço de 0,700 euros, superior
a 0,622, o yield ex-post (i.e. efectivamente obtido) vem superior ao yield ex-ante (i.e.
inicialmente esperado). Cabe porém realçar que esta comparação não é totalmente
pacífica: enquanto o yield ex-ante se reporta a um prazo de 10 anos, o yield ex-post
reporta-se a um prazo de 5 anos. Não obstante, este exemplo confirma uma das ‘boas
razões’ para o estudo da moeda e dos mercados financeiros: ‘Todos os investimentos
oferecem risco’. Na verdade, quando investiu na aquisição do cupão zero, o investidor
expôs-se ao risco de, na eventualidade de futuramente se ver obrigado a aliená-lo antes
do vencimento, poder vir a obter um yield efectivo inferior a 10%.

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.25

AVALIAÇÃO DE BILHETES DO TESOURO


O Capítulo 3 apresentou os Bilhetes do Tesouro (BT) enquanto títulos representativos
da dívida da República Portuguesa. Os BT constituem um caso especial de cupão zero,
dado tratar-se de títulos emitidos a desconto do valor nominal por prazos até um ano.
Assim, a avaliação de BT segue os princípios gerais enunciados para a avaliação de
cupões zero. Todavia, certas convenções tradicionais adoptadas pelos mercados finan-
ceiros introduzem especificidades no tratamento desta figura, aliás extensíveis a outros
instrumentos do mercado monetário emitidos e transaccionados a desconto do valor
nominal – p.e. papel comercial, certificados de depósito ou aceites bancários.
Regime de juros simples | Uma primeira convenção estabelece que as taxas de
rendibilidade implícitas num investimento em BT pressupõem a não incidência de
capitalização de juros – i.e., não incorporam a contagem de ‘juros de juros’. A conta-
gem de juros processa-se com apelo ao regime do ‘juro simples’ e não do ‘juro com-
posto’. Então, a parcela de juros implícita num BT é calculada pela simples incidência
de uma taxa de juro anual sobre o valor nominal, ajustada ao período de tempo (infe-
rior a um ano) decorrido entre a data de emissão (ou de aquisição em mercado secun-
dário) e a data de vencimento.
Contagem de dias: Actual/360 | A contagem de prazos (em dias) no caso dos BT
também obedece à padronização típica dos instrumentos do mercado monetário.
Assim, a taxa de juro praticada pelo mercado é cotada com referência a um ano
‘comercial’ de 360 dias, mas a contagem de prazos para efeitos do cálculo dos juros
considera o número de dias efectivo, ou de dias de calendário (i.e. tomando um ano de
365 ou 366 dias) entre a data de emissão e a data de reembolso. Na gíria dos mercados
financeiros, a contagem de juros segue o padrão “ACT/360” (ou ‘efectivo sobre 360’).
Preço e yield de um Bilhete do Tesouro | Conhecido o yield anual (y) exigido
pelo investidor, o preço de um BT, em percentagem do valor nominal, é dado por:
100
BTt ,T 
1 y
T  t  [4.52]
360
em que T  t  representa o número de dias de calendário decorridos entre a data de
aquisição t e a data de vencimento T. Conhecido o preço, o yield (anual) de um BT é
derivado resolvendo a equação [4.52] em ordem a y:
 100  360
y  1 [4.53]
 BTt ,T  T  t 
Notar-se-á na expressão anterior que o yield efectivo reportado ao prazo (t,T),
é corrigido para uma base anual nominal pelo factor 360 / (T – t).
Consideremos a colocação de BT efectuada pelo IGCP em 21 de Julho de
2006. vencimento a 20 de Julho de 2007, cuja taxa de juro média de colocação em lei-
lão foi de 3,438% (taxa de juro anual nominal). Atribuindo a cada BT um valor nomi-
nal teórico de 100 (de modo a exprimir o preço em percentagem do valor nominal), o
preço médio de colocação àquela taxa de juro calcula-se do seguinte modo:
100
BT0,364   96,64
364 [4.54]
1  3, 438% 
360

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4.26 PARTE II  Taxas de juro

Assim, na data de emissão (21 de Julho de 2006), a série de BT com venci-


mento a 20 de Julho de 2007 registou um preço médio de colocação equivalente a
96,64 por cento do valor nominal. Anote-se que o número efectivo de dias de calen-
dário corridos entre a data de emissão e a data de vencimento é de 364 dias, enquanto
o yield se reporta a um prazo de 360 dias.
Preço e yield estão inversamente relacionados entre si, como se infere de
[4.53] ou [4.54]. Assim, à medida que o yield exigido pelo investidor aumenta, o justo
valor do BT diminui, de forma a que o resultante maior diferencial entre preço e valor
nominal confira um acréscimo de ganho esperado suficiente para satisfazer o aumento
no custo de oportunidade do investimento. A relação inversa entre preço e yield não é,
todavia, de tipo linear. Antes, essa relação é convexa: à medida que o yield exigido au-
menta, o justo valor do BT diminui, não a uma taxa constante, mas a um ritmo decres-
cente. Para vários níveis de yield anual exigido, a Tabela 4.4 simula o justo valor de
um BT da série ‘BT 20-Jul-2007’, repor-tado à data de 21 de Julho de 2006.

Tabela 4.4  Relação entre preço e yield de um Bilhete do Tesouro


Série de BT emitida em 21-Jul-2006, com vencimento a 20-Jul-2007 | Preços em % do valor nominal |
Data emissão 21-07-2006
Data Vencimento 20-07-2007
Prazo (dias) 364 dias

yield do Bilhete do Tesouro


1.0% 1.5% 2.0% 2.5% 3.0% 3.438% 3.9% 4.4% 4.9% 5.4% 5.9%

0.9900 0.9851 0.9802 0.9753 0.9706 0.9664 0.9617 0.9571 0.9524 0.9479 0.9434
Preço do Bilhete do Tesouro

Preço e prazo de um Bilhete do Tesouro | Uma análise atenta das expressões


[4.53] ou [4.54] também permite aferir que num BT se estabelece uma relação inversa
entre preço e prazo. Assim, e à imagem de um cupão zero, também o preço de um BT
converge para o valor nominal à medida que a data de vencimento se aproxima (i.e. à
medida que t tende para T). Na data de vencimento, o justo valor é o valor nominal.

Tabela 4.5  Relação entre preço e prazo de um Bilhete do Tesouro


Evolução no tempo do preço de um BT da série ‘BT 20-Jul-2007’, para um yield constante de 3,438%
yield 3.438%

Número de dias para o vencimento


364 329 294 259 224 189 154 119 84 49 0

0.9664 0.9695 0.9727 0.9759 0.9791 0.9823 0.9855 0.9888 0.9920 0.9953 1.0000
Preço do Bilhete do Tesouro

Assim, supondo fixo e igual 3,438% o yield (anual nominal) exigido pelo
investidor qualquer que seja o prazo remanescente de um BT da série ‘BT 20-Jul-
2007’ e fazendo o número de dias de calendário até à data de vencimento convergir
para zero, a Tabela 4.5 permite comprovar que o preço do BT é tanto mais elevado (e
nunca superior ao valor nominal) quanto menor o seu prazo remanescente.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.27

4.3 AVALIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES CLÁSSICAS


O conceito de obrigação clássica foi introduzido no Capítulo 3. Genericamente, uma
obrigação clássica paga regularmente um cupão de juros, não nulo, de valor fixo e
definido à partida nas condições de emissão, sendo o seu valor nominal amortizado,
integralmente e de uma só vez, no vencimento do empréstimo; todos os fluxos finan-
ceiros pagos pelo emitente são temporalmente equidistantes entre si.
Periodicidade do cupão | Em regra, nos empréstimos por obrigações clássicas o
cupão de juros é pago com periodicidade semestral ou anual. Embora nada o impeça,
é pouco comum uma periodicidade diversa – p.e. mensal ou trimestral. A razão maior
dessa constatação resulta da incidência de encargos com o pagamento de cupões aos
investidores. Com efeito, sendo os emitentes onerados com comissões em contrapar-
tida da requisição de serviços financeiros de pagamento de juros e outros rendimentos,
a estratégia de minimização desses encargos acaba por justificar a escolha de cupões
periódicos semestrais ou anuais. Por exemplo, em regra o IGCP emite Obrigações do
Tesouro (OT) com cupão anual.
Taxa de cupão e valor do cupão | O valor do cupão de juros periódico de uma
obrigação clássica é calculado fazendo incidir a taxa de juro de cupão sobre o valor
nominal da obrigação. Também aqui, a prática do mercado é referenciar a taxa de juro
de cupão em termos anuais nominais. Então, dada a taxa de cupão anual nominal, a
taxa de cupão efectiva depende da periodicidade do cupão: se o cupão for semestral, a
taxa anual nominal é dividida por 2; se o cupão é anual, a taxa nominal coincide com a
taxa efectiva do cupão. Por exemplo, considere-se a emissão de OT com vencimento a
15 de Outubro de 2016 e taxa de juro de cupão de 4,20%. O cupão é pago uma vez por
ano. Por cada euro de valor nominal em dívida, o valor de cada cupão anual é, assim:
J  4, 20%  1,00  0,042 [4.55]

Se o cupão fosse pago semestralmente, seria:


J  4, 20%  2  1,00  0,021 [4.56]

PREÇO E JUSTO VALOR DE UMA OBRIGAÇÃO CLÁSSICA


A série de fluxos financeiros inerentes a uma obrigação clássica típica segue um
esquema com a configuração sugerida pela Figura 4.5, em que B0,c T simboliza o valor
inicial do investimento na aquisição da obrigação (i.e. o seu preço), J é o valor do
cupão de juros fixo pago no termo de cada período de contagem de juros e T é a data
de vencimento em que é pago o último cupão e reembolsado o valor nominal (o
esquema assume um valor nominal unitário). O investimento projecta-se por um prazo
de T períodos sucessivos, havendo lugar ao pagamento de T de cupões.
Seja o empréstimo da República Portuguesa ‘OT 4,2% Outubro 2016’. Esta
emissão de OT tem um cupão de 4,2%, pago anualmente no dia 15 de Outubro; o
empréstimo vence-se a 15 de Outubro de 2016, com reembolso pelo valor nominal.
Suponhamos que um investidor equaciona a possibilidade de investir nesta obrigação
no momento imediatamente subsequente ao pagamento do cupão de juros de 15 de
Outubro de 2006. Nesse caso, a obrigação terá um prazo remanescente de 10 anos.
Nestas condições, admitindo que o investidor exige um yield de 5% ao ano
para investir em ‘OT 4,2 % Outubro de 2016’, o justo valor da obrigação virá:

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4.28 PARTE II  Taxas de juro

10
0,042 1,00
c
B0,10     0,9382 [4.57]
t 1 1  5% t
1  5%10
em que o momento ‘0’ equivale à data de 15 de Outubro de 200611 e a data ‘10’
coincide com o dia 15 de Outubro de 2016. Nestas condições, o investidor estará
disposto a pagar o equivalente a 93,82% do valor nominal de cada ‘OT 4,2% Outubro
2016’ para obter um yield to maturity de 5,0% até ao seu vencimento.
Em termos gerais, o justo valor Bτc,T , reportado a um momento τ – sendo τ
instantaneamente subsequente ao pagamento de um cupão de juros12 – de uma
obrigação clássica amortizada na data T por um valor nominal unitário é:
T
ic 1,00
Bτc,T   
1  i  1  i 
t T τ  [4.58]
t  τ 1
τ ,T τ ,T

em que ic é a taxa de juro anual de cupão efectiva (igual ao valor do cupão incidente
sobre um valor nominal unitário) e i τ ,T é a taxa de retorno definida pelo custo de
oportunidade inerente à melhor alternativa de investimento disponível no mercado
com características análogas às da obrigação em causa. A expressão [4.58] pressupõe
um cupão de periodicidade anual. Caso a obrigação clássica pague m cupões de juros
por ano e o investidor exija uma taxa de retorno efectiva i (reportada à duração do
período de contagem de juros de cupão), e recordando a relação entre taxa anual
nominal e taxa anual equivalente, a equação [4.58] é reescrita como:
ic
T m
1,00
Bτc,T   m
t

T  τ  [4.59]
t  τ 1
1  i 
τ ,T
m
1  i 
τ ,T
m

Figura 4.5  Obrigação clássica: representação esquemática do investimento


Valor nominal: € 1,00 | Prazo: T períodos | Cupão de juros periódico: J |
1

J J J

0 1 2 T

B 0,c T

11 Em rigor, o dia 15 de Outubro de 2006 é um domingo. Consideraremos irrelevante esta peculiaridade na análise aqui desenvolvida.
12 Adiante é analisado o caso em que o preço se reporta a um momento intercalarmente posicionado entre duas datas de pagamento de
cupões consecutivos.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.29

‘YIELD TO MATURITY’ DE UMA OBRIGAÇÃO CLÁSSICA


Dado ou conhecido o preço Bτc,T por que é possível investir numa obrigação clássica
com valor nominal unitário, o respectivo yield to maturity pode ser calculado a partir
da equação [4.58] (ou [4.59]), com a nuance de que a taxa de retorno exigida i é então
substituída por y na respectiva expressão analítica:
T
ic 1,00
Bτc,T   
1  y  1  y 
T  τ 
t [4.60]
t  τ 1
τ ,T τ ,T

Em analogia com o problema colocado pela determinação da TIR num


investimento com vários fluxos financeiros distribuídos ao longo do tempo, a solução
para y na expressão [4.60] não é directa13, requerendo o recurso a um processo de
cálculo iterativo. Contudo, a função IRR() do software Microsoft Excel permite
resolver facilmente o problema do cálculo. Por exemplo, no caso da emissão ‘OT
4,2% Outubro 2016’, admitindo um preço de aquisição de 95% do valor nominal
reportado à data de 15 de Outubro de 2006, virá:
10
0,042 1,00
0,950   
1  y  1  y 
t 10
t 1 [4.61]
0,10 0,10

y0,10  0,048  4,80%


A Tabela 4.6 ilustra como se pode organizar recorrendo ao Microsoft Excel
uma tabela que permite calcular o yield to maturity inerente à obrigação ‘OT 4,2%
Outubro 2016’ mediante apelo à função IRR().

Tabela 4.6  Cálculo do yield to maturity de uma obrigação clássica


Obrigação: ‘OT 4,2% Outubro 2016’ | Prazo remanescente: 10 anos | Preço de aquisição: € 0,950 |
Tempo Juros (J) VN B CF
4.20% 1.000 0.95 J+VN+B

0 -0.9500 -0.9500
1 0.042 0.0420
2 0.042 0.0420
3 0.042 0.0420
4 0.042 0.0420
5 0.042 0.0420
6 0.042 0.0420
7 0.042 0.0420
8 0.042 0.0420
9 0.042 0.0420
10 0.042 1.000 1.0420

YTM 4.8%
NOTAS: J – valor do cupão de juros anual. VN – valor nominal
unitário. B – preço de aquisição, reportado ao momento ‘0’. CF –
valor dos fluxos financeiros gerados pela obrigação.

13 A equação [4.60] pode resolver-se através de uma aproximação polinomial utilizando a técnica conhecida por ‘Expansão de Taylor’,
que permite converter qualquer função contínua e diferenciável num polinómio de grau N.

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4.30 PARTE II  Taxas de juro

‘Yield to maturity’ aproximado | Caso se afigure premente ultrapassar a


impossibilidade de recurso a um software com cálculo iterativo incorporado, uma
aproximação ao real valor do yield to maturity pode ser obtida com a expressão:

yield aproximado 
1  B  c
t ,T T  t   J  T  t 
[4.62]
1  B 
c
t ,T 2

em que o preço Bτc,T é expresso em percentagem do valor nominal.


‘Yield’ aparente | Outro método expedito que permite aferir o yield (anual)
aproximado implícito no preço de uma obrigação clássica é a simples divisão do
cupão de juros anual pelo preço. Este rácio designa-se por yield aparente ( yaτ )14:
J
yaτ  [4.63]
Bτc,T

Todavia, o yield aparente constitui uma aproximação imperfeita da


rendibilidade efectiva implícita no preço de uma obrigação clássica, não substituindo
assim o cálculo do yield to maturity, já que apenas incorpora informação relativa ao
cupão de juros anual e ignora o perfil temporal da obrigação clássica e o momento do
reembolso do empréstimo. Todavia, o yield aparente é frequentemente usado pelos
analistas como uma expedita aproximação ao yield to maturity.

‘HOLDING PERIOD RETURN’ DE UMA OBRIGAÇÃO CLÁSSICA


A taxa de retorno no período de investimento (ou holding period return) é uma
medida do retorno ex-post auferido pelo investidor caso este aliene a obrigação
clássica antes da data de vencimento T.
Por exemplo, se em 15 de Outubro de 2006 o investidor adquirir a obrigação
‘OT 4,2% Outubro 2016’ por um preço equivalente a 95% do valor nominal, detiver a
obrigação em carteira até ao pagamento do cupão de juros vencível a 15 de Outubro
de 2007 e, acto contínuo e logo após o recebimento do cupão de juros, nesta mesma
data alienar a obrigação por um preço equivalente a 94% do valor nominal, o holding
period return inerente ao investimento pelo prazo de 1 ano ( y0,1 ) virá:
0,042 0,94  0,95
y0,1    3,37% [4.64]
0,95 0,95
Note-se que, no caso, o investidor obteria um retorno efectivo anual ex-post de
3,37%, inferior ao cupão anual de juros de 4,2%, dado que registaria uma menos-valia
no preço da obrigação, dada pela diferença entre o preço de venda e o preço de
aquisição inicial. Saliente-se também que o yield aparente subjacente ao preço de
venda de 0,94 seria igual a 4,47% – superior, portanto, à taxa de juro de cupão anual.

RELAÇÃO ENTRE PREÇO E ‘YIELD’ NUMA OBRIGAÇÃO CLÁSSICA


Como facilmente se infere das expressões [4.58] ou [4.60], nas obrigações clássicas
reedita-se a relação inversa entre preço e yield. Assim, quanto mais elevado o yield

14 Na expressão [4.63], se o valor nominal estiver expresso em termos unitários, o numerador J pode simplesmente ser substituído pelo
nível da taxa de juro de cupão efectiva, reportada à duração de cada período de contagem de juros.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.31

exigido pelo investidor, menor o preço que este estará disposto a pagar para investir na
obrigação; e vice-versa. A Figura 4.6 ilustra essa relação.

Figura 4.6  Relação entre preço e yield to maturity de uma obrigação clássica
Obrigação: ‘OT 4,2% Outubro 2016’ | Prazo remanescente: 10 anos | Valor nominal: € 1,00 |

1.4

1.2

1.0
Preço

0.8

0.6

0.4

0.2
0.0% 2.5% 5.0% 7.5% 10.0% 12.5% 15.0%
YTM

Na gíria usada pelos mercados, uma obrigação está cotada ‘ao par’ se o seu
preço de mercado coincide com o valor nominal. Conforme resulta de [4.58], isso
sucede sempre que o yield to maturity coincide com a taxa de juro de cupão. Todavia,
essa coincidência só por acaso ou circunstancialmente se verificará. Como se eviden-
cia na Figura 4.6, o preço de mercado pode posicionar-se acima ou abaixo do valor
nominal. Assim, sempre que a taxa de juro de cupão seja inferior ao yield to maturity
exigido pelo mercado, o preço de mercado será inferior ao valor nominal: a obrigação
clássica estará cotada ‘a desconto’ do valor nominal, ou ‘abaixo do par’. Inversa-
mente, sempre que a taxa de juro de cupão exceda o yield exigido pelo mercado, o
preço será superior ao valor nominal: a obrigação clássica estará cotada ‘a prémio’
do valor nominal, ou ‘acima do par’.
A simples olho nu, a Figura 4.6 permite ainda confirmar que a relação entre
preço e yield não é linear, mas sim convexa: à medida que o yield exigido aumenta, o
justo valor da obrigação clássica diminui, não a uma taxa constante, mas sim a uma
taxa decrescente, definida pela curvatura da linha inerente à equação [4.60]. As impli-
cações da relação convexa entre preço e yield serão discutidas no Capítulo 5.

COMPLICAÇÕES
No dia-a-dia dos mercados, a avaliação de obrigações clássicas pode tornar-se uma
missão mais trabalhosa do que a exposição até aqui desenvolvida sugere. É que,
mantendo-se plenamente válidos os princípios e definições a que fizemos alusão, na
prática é necessário tomar em linha de conta circunstâncias específicas que podem
afectar o cálculo do justo valor e do yield de uma obrigação clássica.
Basicamente, existem três aspectos que, em regra, impõem correcções às
fórmulas de avaliação expostas: (i) a incidência de impostos sobre juros; (ii) as regras
de contagem de juros de cupão corridos, caso a obrigação seja transaccionada a meio
de um período de contagem de juros de cupão; e (iii) o reconhecimento, pelo mercado,

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4.32 PARTE II  Taxas de juro

de taxas de retorno distintas consoante os prazos de investimento. Caso a caso, consi-


deremos estas três ‘complicações’ adicionais.
Impostos sobre juros de cupão: yield bruto e yield líquido | No regime fiscal
vigente em Portugal, e bem assim na maioria dos países desenvolvidos, os rendi-
mentos auferidos em resultado do recebimento de juros de cupão (pagos pelo emi-
tente) são tributados. Normalmente, o imposto a pagar ao Estado assume a modalidade
de uma taxa liberatória, obrigando à ‘retenção na fonte’ do imposto imputado ao
investidor titular do direito ao juro. Por exemplo, actualmente, a taxa de imposto libe-
ratória em sede de IRS incidente sobre juros de obrigações é de 20%. Isso significa
que, na data de pagamento de cada cupão, o investidor só recebe efectivamente o equi-
valente a 80% do valor do cupão. Os restantes 20% ficam retidos na entidade paga-
dora – i.e. o emitente –, a qual está legalmente vinculada a entregar o imposto assim
retido aos cofres do Estado.15
Por exemplo, admitindo que a taxa de imposto incidente sobre juros de cupão
das obrigações clássicas é igual a θ , com 0  θ  1 , a fórmula geral [4.58] que
relaciona justo valor e taxa de retorno exigida pelo investidor é, considerando uma
obrigação com valor nominal unitário, reformulada nos seguintes termos:
T ic 1  θ  1,00
Bτc,T   
1  i  1  i 
T  τ 
*
t [4.65]
t  τ 1 *
τ ,t τ ,t

em que iτ*,T é agora a taxa de retorno líquida de imposto. E também a expressão


[4.60] é afectada pela incidência de imposto sobre juros de cupão:
T ic 1  θ  1,00
Bτc,T   
1  y  1  y 
T  τ 
*
t [4.66]
t  τ 1 *
τ ,T τ ,T

em que yτ*,T é o yield líquido de impostos. No caso específico de obrigações cotadas


ao par, é yτ*,T  y  1  θ  , em que y é o yield bruto, ou yield antes de impostos.
Juro de cupão corrido | Aquando da especificação das expressões [4.58] e
[4.60], alertou-se para a condição de que ambas as expressões pressupunham que o
preço ou o justo valor da obrigação clássica estava reportado ao instante ( τ ) imedia-
tamente posterior ao pagamento de um cupão de juros. Esta precisão destinava-se a
garantir que o período de tempo decorrido entre a data τ e a data a que se reporta o
pagamento do primeiro cupão de juros subsequente à data τ é exactamente igual ao
intervalo de tempo constante que dista entre dois fluxos financeiros consecutivos.
Contudo, a larga maioria das transacções de obrigações no mercado secundá-
rio – e, até, em mercado primário – ocorre em momentos que distam da data do pró-
ximo cupão de juros a pagar um intervalo de tempo inferior ao intervalo regular entre
quaisquer dois fluxos financeiros consecutivos. Por exemplo, a obrigação ‘OT 4,2%
Outubro 2016’ pode também ser transaccionada no dia 15 de Abril de 2007, data posi-
cionada precisamente a meio do período de contagem dos juros de cupão que se ven-
cerão a 15 de Outubro de 2007. Esta situação coloca uma questão relevante: a quem

15 Os sistemas fiscais são complexos. Demasiado complexos, aliás, tantas são as excepções e regimes que estabelecem. Frequente-
mente, as taxas de imposto variam consoante a pessoa do investidor. Por exemplo, as sociedades não são tributadas do mesmo modo
que as famílias. Mesmo os impostos sobre pessoas colectivas não são homogéneos: bancos e empresas industriais estão sujeitos a vários
impostos em condições diversas. A própria taxa de imposto pode variar consoante o sujeito passivo do imposto.

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.33

pertence o juro do cupão que se vencerá a 15 de Outubro de 2007? Ao vendedor da


obrigação? Ou ao seu comprador?
Em definitivo, esse juro de cupão será partilhado entre vendedor e comprador.
Com efeito, se um investidor vende a obrigação na data de 15 de Abril de 2007, é
totalmente razoável que lhe caiba receber, de imediato, os juros corridos entre 15 de
Outubro de 2006 e 15 de Abril de 2007. Do mesmo modo, o comprador da obrigação
terá apenas direito ao juro que se vencer entre 15 de Abril de 2007 e 15 de Outubro de
2007. Então, a 15 de Abril de 2007, o comprador terá que pagar ao vendedor, além do
preço acordado para a transacção da obrigação, os juros corridos, que legitimamente
são propriedade do vendedor. A Figura 4.7 esquematiza o problema da contagem dos
juros corridos entre duas datas sucessivas de pagamento de juros de cupão.

Figura 4.7  Juros de cupão corridos: representação esquemática do processo de contagem


Dias de juros: d l
Juros Corridos: J D   d  l 

J J

t
Data Liquidação: t  d  l
Data Transacção: t  d

d : Número de dias desde o último cupão


l : Número de dias para liquidação financeira
D :Número de dias entre dois cupões sucessivos

Retomemos a obrigação ‘OT 4,2% Outubro 2016’, admitindo que o yield


(bruto) exigido pelo investidor é de 5,0% ao ano. Suponhamos que o investidor
adquire a obrigação em bolsa, efectuando-se essa transacção na data de 25 de
Setembro de 2006. Admitindo que o último cupão de juros terá sido pago a 15 de
Outubro de 2005, sobram 20 dias de calendário (base ‘actual’) até ao pagamento do
próximo cupão, no equivalente a 4,2% do valor nominal. Do mesmo modo, à data de
25 de Setembro correram já 345 dias de calendário (base ‘actual’) desde que se iniciou
a contagem do cupão de juros ainda em curso, a vencer a 15 de Outubro de 2016.
Com a aquisição da obrigação, o comprador terá que liquidar ao vendedor,
além do preço, os juros corridos. Na prática, contar-se-ão juros corridos não só até à
data de transacção (25 de Setembro), mas sim até ao terceiro dia útil (d+3)
subsequente à data da transacção. Portanto, sendo 25 de Setembro uma segunda-feira,
o terceiro dia útil subsequente será 28 de Setembro de 2006 (quinta-feira)16. Assim,
embora a transacção seja efectuada na data ‘d+0’, o comprador só paga o valor total de
aquisição na data ‘d+3’, sendo também nesta data que o vendedor recebe a receita da
venda das obrigações. A data ‘d+3’ é designada por ‘data de liquidação’ da
transacção, ou ‘data-valor’. Então, os juros corridos serão contados por um prazo de
348 dias. Verdadeiramente, o comprador da obrigação só tem direito ao juro
remanescente até ao pagamento do próximo cupão, num total de 17 dias.

16 O prazo ‘d+3’ é uma regra internacional na liquidação de transacções em mercados secundários organizados.

Ricardo Cruz © | 2017


4.34 PARTE II  Taxas de juro

A noção de juro diário bruto (JDB) equivale ao juro de cupão diário, por
unidade de valor nominal, imputável a cada dia entre duas datas de vencimento
consecutivas de cupões. O JDB é calculado tendo em conta as características da
obrigação – que constam da ‘ficha técnica’ da emissão – e as convenções do mercado.
De acordo com as convenções adoptadas em Portugal17, o cupão de juros a vencer a 15
de Outubro de 2006 cobre um período de 365 dias, sendo então:
0,042
JDB   0,0001151 [4.67]
365
Então, por cada 1 euro de valor nominal, o juro diário bruto referente ao cupão
anual da obrigação ‘OT 4,2% Outubro 2016’ é de 0,0001151 euros. Multiplicando este
valor pelo prazo de juros corridos até à data de liquidação ‘d+3’, obtém-se o valor de
juros corridos ( JC0 ) que o comprador tem a entregar ao vendedor:
JC0  0,0001151  348 = 0,040044 [4.68]

Qual é então o preço a que a obrigação é transaccionada na data ‘d’ de 25 de


Setembro de 2006, admitindo que comprador e vendedor acordam num preço com um
yield bruto implícito anual de 5%? Tendo em conta as convenções do mercado e as
características da obrigação, o preço que o investidor está disposto a pagar pela
aquisição de cada ‘OT 4,2% Outubro 2016’ é igual à diferença entre (i) o valor actual
do conjunto de todos os fluxos financeiros que a obrigação doravante libertará até ao
seu vencimento em 15 de Outubro de 2016 e (ii) os juros corridos pagos, sendo o
cálculo daquele valor actual reportado à data ‘d+3’ (i.e. 28 de Setembro de 2006).
Simbolizando por B0,c T o preço da obrigação e por JC0 o valor dos juros
corridos reportados à data ‘d+3’, em que o momento ‘0’ é, por razões de simplificação
da notação, coincidente com a mesma data ‘d+3’, a expressão seguinte especifica a
equação a resolver tendo em vista a obtenção de uma solução para B0,c T 18:
10
0,042
B0,c T  JC0   dayst
  0,0001151  348
t 1
1  5%  ACTt
[4.69]
B0,c T  0,9786  0,040044
B0,c T  0,9385
Embora densa, a expressão [4.69] não é ainda suficientemente complexa para
ser considerada ‘imprópria para cardíacos’. Vejamos: na mesma expressão, ACTt
representa o número de dias de calendário efectivo entre os cupões vencidos a 15 de
Outubro de 2005 e 15 de Outubro de 2006, igual a 365 dias, e dayst mede o número
de dias corridos até à data de pagamento dos fluxos financeiros (juros de cupão e
amortização do valor nominal) que a obrigação libertará a partir da data ‘d+3’ até ao
seu vencimento integral a 15 de Outubro de 2016. Então, comprador e vendedor
acordam a 25 de Setembro de 2006 um preço de transacção da obrigação equivalente a
93,85% do valor nominal, equivalente a um yield to maturity bruto anual de 5%.

17 Nas Obrigações do Tesouro da República Portuguesa, a contagem de dias para efeitos da determinação de juro diário segue a
convenção conhecida por ‘ACT/ACT’, segundo a qual o juro diário é calculado dividindo o valor bruto do cupão de juros pelo número
de dias de calendário efectivamente decorrido desde a data de pagamento do último cupão até à data de pagamento do próximo cupão.
18 Os valores considerados podem acusar o efeito de sucessivos arredondamentos introduzidos.

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.35

Contudo, o investidor paga, no acto de aquisição da obrigação um total de 97,86% do


valor nominal da obrigação, de modo a indemnizar o vendedor dos juros corridos –
sendo 97,86%  93,85% + 0,04%). A solução obtida para o preço de 93,85% requer o
uso de cálculo iterativo, podendo ser trabalhada na folha de cálculo Excel. A Tabela
4.7 explicita toda a informação necessária para esse efeito.

Tabela 4.7  Juros de cupão corridos: exemplo de cálculo do preço


Obrigação: ‘OT 4,2% Outubro 2016’ | Valor nominal: € 1,00 | Data de aquisição: 25-Set-2006 |

Data último cupão 15-10-2005 Data da transacção 25-09-2006


Data próximo cupão 15-10-2006 Data de liquidação 28-09-2006
Nº de dias 365 Nº de dias corridos 348
Factor de Juro Diário 0.0001151 Juros de cupão corridos 0.04004384

Taxa de juro de cupão 4.20% Taxa de custo de oportunidade 5.00%

Data Nº dias FA JC J VN CF CFA


5.00% 4.20% 1 JC+J+VN

28-09-2006 0 1.0000 -0.0400 -0.0400 -0.0400


15-10-2006 17 0.9977 0.0420 0.0420 0.0419
15-10-2007 382 0.9502 0.0420 0.0420 0.0399
15-10-2008 748 0.9051 0.0420 0.0420 0.0380
15-10-2009 1113 0.8618 0.0420 0.0420 0.0362
15-10-2010 1478 0.8207 0.0420 0.0420 0.0345
15-10-2011 1843 0.7816 0.0420 0.0420 0.0328
15-10-2012 2209 0.7449 0.0420 0.0420 0.0313
15-10-2013 2574 0.7089 0.0420 0.0420 0.0298
15-10-2014 2939 0.6751 0.0420 0.0420 0.0284
15-10-2015 3304 0.6430 0.0420 0.0420 0.0270
15-10-2016 3670 0.6131 0.0420 1.0000 1.0420 0.6388

Valor: 0.9786
Preço: 0.9385
NOTAS: Nº de dias – Número de dias decorrido entre a data de liquidação financeira (d+3) e cada uma das datas de
pagamento de cupões de juros, até 15-Out-2016. FA – Factor de actualização, definido pela taxa de retorno do custo
de oportunidade considerado (5% ao ano). JC – Valor dos juros corridos desde a data do último cupão até à data de
liquidação financeira (d+3) da transacção. J – Valor (bruto) do cupão periódico de juros. VN – Valor nominal da
obrigação (unitário). B – Preço da obrigação referenciado à data ‘d+3’. CF – Fluxos financeiros libertados pela
obrigação, até ao vencimento. CFA – Valor actual dos fluxos financeiros, reportado à data ‘d+3’.

Taxas de retorno diferentes para prazos de investimento diferentes | Na exacta


medida das limitações já enunciadas ao uso da TIR na tomada de decisões de inves-
timento (vide ‘Caso VI’), o custo de oportunidade do capital investido na aquisição de
uma obrigação clássica nem sempre é – aliás, só por acaso será – independente do
prazo ao longo do qual se processará a recuperação desses capitais. Dito de outro
modo, em regra os mercados financeiros praticam taxas de retorno (yields) de mercado
diferentes para prazos diferentes. Embora este tema seja aprofundado no Capítulo 6,
esta constatação induz uma relevante modificação nas expressões [4.58] e [4.60] antes
enunciadas.
Assim, se os investidores ajuizarem que o custo de oportunidade dos capitais
disponíveis para investir depende de cada prazo de investimento em concreto, assim

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4.36 PARTE II  Taxas de juro

especificando diferentes taxas de retorno i exigidas para os vários horizontes de


investimento [0,1], [0,2], …, [0,T], virá19:
T
ic 1,00
B0,c T    [4.70]
1  i0,t  1  i0,T 
t T
t 1

em que o momento ‘0’ é o instante a que se reporta o justo valor da obrigação. Do


mesmo modo, se dado B0,c T , o yield to maturity único até agora incorporado na
fórmula de cálculo dará lugar a uma equação com T yields diferentes ( y0,t ), cada um
reportado a um dado horizonte de investimento, com duração [0,1], [0,2], …, [0,T]:
T
ic 1,00
B0,c T    [4.71]
1  y0,t  1  y0,T 
t T
t 1

AVALIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES PERPÉTUAS


Conforme vimos no Capítulo 3, uma obrigação perpétua (ou perpetuidade) é uma
obrigação clássica que nunca é amortizada. Assim, o seu prazo de vencimento tende
para infinito, sem prejuízo do pagamento regular de um cupão de juros de valor fixo.
Preço de uma perpetuidade | O justo valor de uma perpetuidade é determinado
por via da actualização de uma sequência infinita de fluxos financeiros, todos com
valor igual ao cupão de juros predefinido.
Nestes termos, dada a taxa de retorno i exigida pelo investidor, o justo valor (
B0P ) de uma obrigação perpétua é definido pela soma de um número infinito de
termos de uma progressão geométrica decrescente, sendo a razão da progressão igual
1
ao valor do factor de actualização 1  i  , vindo:
 T
J J J
B0P    lim   [4.72]
t 1 1  i  t T 
t 1 1  i t
i

Yield de uma perpetuidade | O yield de uma obrigação perpétua é em cada


momento igual ao respectivo yield aparente, dado pela divisão do valor do cupão de
juros pelo preço de mercado da obrigação:
J
y0,   ya0 [4.73]
B0P

AVALIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES COM CLÁUSULA ‘CALL’


As obrigações com cláusula ‘call’ foram apresentadas no Capítulo 3. No caso, o
emitente tem o direito – mas não a obrigação – de amortizar antecipadamente o em-
préstimo, no todo ou em parte, antes da data de vencimento fixada. Integrando as con-
dições de emissão, a cláusula call estabelece as datas, períodos e demais condições em
que o emitente possa exercer o direito de amortização antecipada. Assim, uma obriga-
ção pode incorporar uma ou mais cláusulas call, reportadas a diferentes momentos do

19 Conforme se fundamentará no Capítulo 6, as taxas de juro para prazos mais longos não são necessariamente mais elevadas que as
taxas de juro aplicáveis para investimentos a prazos mais curtos.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.37

tempo ou susceptíveis de ser exercidas durante períodos de tempo predefinidos nas


condições de emissão.20 Por exemplo, uma cláusula call pode especificar que o emi-
tente goza da prerrogativa de, a qualquer momento entre o final do quinto ano e até ao
vencimento (p.e. no décimo ano), exercer a opção de amortizar antecipadamente o em-
préstimo, reembolsando as obrigações.

Figura 4.8  Obrigação com cláusula ‘call’: representação esquemática do investimento


Valor nominal: € 1,00 | Cupão de juros periódico: J | Prazo: T+n períodos | Data de exercício da opção ‘call’: T |

1
J J J

J J T T +1 T +n

1
0 1 T - 1 J

- B 0,c,Tcall T

O problema da avaliação da opção ‘call’ | A incerteza sobre o futuro exercício do


direito de amortização antecipada do empréstimo introduz uma dificuldade adicional
na avaliação de obrigações com cláusula call. O esquema da Figura 4.8 ajuda a com-
preender o problema, assumindo que existe uma única data (T) em que a opção pode
ser exercida. Assim, a obrigação é emitida pelo prazo total T  n , admitindo-se porém
que o emitente dispõe do direito de, na data T , proceder à amortização integral da
obrigação, nessa data liquidando o valor nominal conjuntamente com o pagamento do
cupão referente ao período [T-1, T]. Para simplificar, supõe-se que, independente-
mente de ser amortizada em T ou em T+n, a obrigação é sempre reembolsada ao par –
i.e. pelo valor nominal unitário de 1 euro21. Se, à data T, o emitente optar pela amorti-
zação, o vencimento ocorre em T ; se não, a obrigação continua viva até T  n .
Preço de uma obrigação com cláusula ‘call’ | Então, o preço de uma obrigação
com cláusula call depende do exercício, ou não, da opção de amortização antecipada.
Esta incerteza só será dissipada na data T, pois só então poderá o emitente avaliar em
plenitude se lhe compensa ou não exercer a opção call. Do mesmo modo, em qualquer
momento anterior a T, o investidor confrontar-se-á com dois cenários alternativos: (i)
ou o vencimento ocorre em T ou (ii) em T+n. Em termos analíticos, o justo valor da
obrigação em cada um dos cenários poderia ser descrito pelas expressões seguintes,
sendo i a taxa de retorno exigida pelo investidor:
T
J 1,00
B0,c T    [4.74]
t 1 1  i  t
1  i T

20 Na medida em que as cláusulas call estão intimamente ligadas à figura dos contratos de opção de compra, os dois tipos mencionados
adoptam as mesmas terminologias: call europeia – que pode ser exercida apenas numa data preestabelecida para o efeito – e call
americana – que pode ser exercida a qualquer momento.
21 A inclusão de um prémio de reembolso seria facilmente acomodada pelo esquema da Figura 4.8: bastaria acrescentar esse prémio ao
valor nominal unitário considerado.

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4.38 PARTE II  Taxas de juro

T n
J 1,00
B0,c T  n    [4.75]
t 1 1  i 
t
1  i T n
Todavia, a questão agora é: ‘Qual dos dois valores escolher como justo valor
da obrigação?’. A resposta depende, evidentemente, da probabilidade de ocorrência
de cada um dos cenários – i.e. da probabilidade de amortização antecipada do
empréstimo. Definindo essa probabilidade por p, o justo valor da obrigação com cláu-
sula call poderia ser aproximado pela expressão:

T n  p  B0,T  1  p  B0,T n
B0,call c c
[4.76]

Contudo, a incerteza quanto ao preço (ou ao justo valor) não fica dissipada,
dado que a probabilidade de exercício da opção call depende da comparação entre o
preço da obrigação e o valor de reembolso, ambos com reporte à data de exercício T:
(i) se o preço da obrigação na data T for superior ao valor de reembolso antecipado, o
emitente procederá à amortização antecipada; alternativamente, (ii) se o preço da
obrigação for na mesma data T inferior ao valor de reembolso antecipado, o emitente
não amortizará antecipadamente. O problema é que o preço de mercado na véspera
imediata da data T só será conhecido... na véspera da data T, não na data ‘0’!
A teoria da avaliação de activos financeiros oferece métodos matemáticos
sofisticados que permitem estimar o justo valor de uma obrigação cuja cláusula call
tem o perfil esquematizado na Figura 4.8. Contudo, porque a complexidade desses
modelos está muito para além dos objectivos deste Capítulo, proporemos uma regra
prática, que consiste em, numa base ad-hoc, estabelecer a probabilidade de amorti-
zação antecipada. Assim, se o preço de mercado corrente exceder o valor de reem-
bolso – caso em que B0call  1 – admite-se que a obrigação será amortizada antecipa-
damente – i.e. admite-se p  1 na equação [4.76]; caso contrário, a obrigação manter-
se-á em carteira até à data T  n :
 c
 B0,T se B0call  1  p  1
B0call  c [4.77]

 B0,T  n se B0call  1  p  0

‘Yield to next call’ | O cálculo do yield to maturity de uma obrigação com


cláusula call é também complicado pela possibilidade o investimento terminar
abruptamente na data T. Contudo, é vulgar calcular-se o yield to next call ( ytnc ),
equivale ao yield to maturity implícito no preço da obrigação (vide [4.74]),
pressupondo que esta será antecipadamente amortizada na data T:
T
J 1,00
0   B0call    [4.78]
t 1 1  ytnc  t
1  ytnc T
Evidentemente, os critérios de decisão sugeridos pelas expressões [4.77] e
[4.78] são expedientes práticos, cujo rigor é todavia muito discutível.

4.4 RELAÇÃO ENTRE OBRIGAÇÕES CLÁSSICAS E CUPÕES-ZERO


Nas Secções 4.2 e 4.3 foram apresentados os principais métodos de avaliação de
obrigações de cupão zero e de obrigações clássicas. Como agora se verá, as duas
figuras estão intimamente interrelacionadas. Primeiro, de um ponto de vista

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.39

conceptual um ‘cupão zero’ é uma variante de ‘obrigação clássica’, bastando para tal
especificar um cupão de juros nulo. Mas, em segundo lugar, é possível decompor uma
obrigação clássica de cupão não nulo num conjunto definido – mais apropriadamente,
numa ‘carteira’ ou, na gíria anglo-saxónica, num portfolio – de obrigações de cupão
zero. Esta segunda relação entre obrigações clássicas e cupões zero assume relevância
central na teoria da avaliação de activos financeiros de rendimento fixo e está na
origem de fenómenos de inovação financeira nas últimas décadas.

DECOMPOSIÇÃO DE UMA OBRIGAÇÃO CLÁSSICA EM CUPÕES ZERO


A Figura 4.9 apresenta um esquema elucidativo da relação sistemática que se esta-
belece entre obrigações clássicas e cupões zero. Assim, suponhamos uma obrigação
clássica com cupão periódico de valor fixo J e valor nominal unitário, com venci-
mento em T e prazo remanescente [0,T]. Em rigor, essa obrigação clássica é decompo-
nível num portfolio composto por T cupões zero, com as seguintes especificações: (i)
um número (T-1) de cupões zero, todos com valor nominal J mas todos com datas de
vencimento diferentes e sucessivamente reportadas aos momentos 1,2,…,T-1; e (ii)
um T-ésimo cupão zero, com valor nominal (1+J), igual ao último fluxo financeiro
pago pela obrigação clássica, com vencimento no momento T. Isto é:

B0,c T  B 0,1 ( J ); B0,2 ( J ); ...; B0,T 1 ( J ); B0,T (1  J )  [4.79]

em que B0,c T identifica a obrigação clássica com cupão fixo de valor J e valor nominal
 
unitário, B0,t VNt identifica cada uma das T obrigações de cupão zero com
vencimento na data t (com t=1,2,…,T), de valor nominal (VN) igual a J – para
t=1,2,…,T-1 – ou igual a (1+J) no caso t=T e o operador ‘{ }’ define o conteúdo do
portfolio de cupões zero. O portfolio constituído por T cupões zero consubstancia uma
genuína réplica da obrigação clássica B0,c T . Se emitidas pela mesma entidade, um
investidor será, numa óptica puramente financeira, indiferente em investir na obriga-
ção clássica B0,c T ou em adquirir o portfolio de T cupões zero.
Na terminologia usada na Teoria das Finanças, o mesmo portfolio tem a natu-
reza de uma obrigação clássica sintética – porque replicada mediante síntese (ou com-
binação) de T obrigações de cupão zero de características diversas. Os activos finan-
ceiros sintéticos ocupam um lugar central na Teoria das Finanças, em especial no
capítulo da avaliação de activos financeiros. Assim, se um dado activo financeiro bási-
co for susceptível de replicação por um activo sintético, por implicação da ‘Lei do
Preço Único’ os dois activos terão um mesmo e único preço de mercado e idêntico
justo valor num mercado eficiente.
A relação de equivalência [4.79] entre obrigações clássicas e respectiva sínte-
se através da combinação de cupões zero tem ainda outra importante implicação, aliás
incorporada na equação [4.70], que aqui se reproduz:
T
ic 1,00
B0,c T    [4.70’]
1  i0,t  1  i0,T 
t T
t 1

Então, a actualização dos fluxos financeiros esperados inerentes a uma obri-


gação clássica deve processar-se não considerando uma única taxa de retorno exigida
i, mas sim recorrendo a um vector de T taxas de retorno exigidas, cada uma reportada
a um dos prazos [0,t] (com t=1,2,…,T) inerentes aos T cupões zero que sintetizam a

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4.40 PARTE II  Taxas de juro

obrigação clássica. Esta implicação é explorada com maior profundidade no Capítulo


6, a propósito da noção de estrutura temporal de taxas de juro.

Figura 4.9  Obrigações clássicas e obrigações de cupão zero


Representação esquemática de fluxos financeiros |

J J J
B 0,c T
0 1 2 T

J ´ B 0,1
0 1
J

J ´ B 0,2
0 1 2

L
J
(1 + J )´ B 0,T
0 1 2 T

DESTACAMENTO DE CUPÕES (‘COUPON STRIPPING’)


A pretexto da síntese de obrigações clássicas por portfolios de cupões zero, retome-se
a obrigação ‘OT 4,2% Outubro 2016’ com um prazo remanescente de 10 anos exactos
– tal impõe que a avaliação da obrigação se reporte à data de 15 de Outubro de 2006,
imediatamente após o pagamento do cupão que se vence nessa data. Para uma taxa de
retorno anual exigida de 5%, o justo valor desta obrigação, reportado à mesma data é
igual a 93,82% do valor nominal, nos termos do resultado [4.57].
Como vimos, é possível reproduzir o perfil temporal de fluxos financeiros
pagos por esta obrigação através de um portfolio de 10 cupões zero, dos quais 9
cupões zero têm valor nominal de 0,042 euros – com vencimentos sucessivamente
reportados às datas de 15 de Outubro de 2007, 2008, … 2015 – e o décimo cupão zero
tem um valor nominal de 1,042 euros, com vencimento em 15 de Outubro de 2016.
Admitamos que este portfolio de 10 cupões zero é correntemente cotado no
mercado a 0,9750 euros. Então, existe uma oportunidade de arbitragem isenta de risco,
que consiste na aquisição de uma ‘OT 4,2% Outubro 2016’ com um valor nominal
unitário e na emissão simultânea das 10 obrigações de cupão zero que integram o
portfolio. Tratando-se de obrigações emitidas pela República Portuguesa, o IGCP po-
deria, em representação do Estado, recomprar uma ‘OT 4,2% Outubro 2016’, substi-
tuindo essa obrigação pela colocação do portfolio de cupões zero. Com a operação, o
emitente obteria um ganho de 0,0368 euros por cada euro de valor nominal inerente à
OT recomprada no mercado.
Se essa estratégia de arbitragem fosse reiteradamente executada, o ganho aufe-
rido pelo emitente poderia atingir valores muito elevados caso os preços 0,9750 e
0,9382 se mantivessem no mercado. Só que a probabilidade de isso acontecer é prati-

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.41

camente nula: à medida que se compram obrigações ‘OT 4,2% Outubro 2016’ e se
emitem novos ‘pacotes’ de cupões zero, o preço de mercado das primeiras aumentará,
enquanto a obrigação sintetizada por cupões zero será colocada no mercado a preços
cada vez menores. Em consequência, os dois preços iniciais tenderiam a convergir
para um único preço, estancando a arbitragem.
Num plano teórico, o exemplo descrito é delineável. Todavia, a sua exequi-
bilidade é duvidosa, pois envolveria elevados custos de transacção para o emitente,
que no exemplo se assumem como nulos. Mas isso não impede que um intermediário
financeiro que detenha no seu activo próprio obrigações da emissão ‘OT 4,2% Outu-
bro 2016’ possa emitir passivos com a natureza de genuínos cupões zero cuja configu-
ração replique aquelas obrigações clássicas. Em termos práticos, a estratégia envolve
dois passos: (i) o intermediário adquire para carteira própria obrigações ‘OT 4,2% Ou-
tubro 2016’ com um prazo remanescente de 10 anos e fluxos financeiros a receber no
termo dos anos 1,2,…,10; (ii) acto contínuo, o intermediário emite séries de cupões
zero com um espectro de prazos entre 1 e 10 anos, cujos valores nominais observem as
proporções exigidas pela síntese da OT (vide equação [4.79]), as quais coloca à subs-
crição dos investidores.
Desde que o valor do investimento na aquisição de obrigações ‘OT 4,2%
Outubro 2016’ seja inferior ao valor do encaixe realizado com a emissão de cupões
zero, o intermediário apropria-se da diferença entre ambos, realizando um ganho de
arbitragem isento de risco. Ulteriormente, nas datas de 15 de Outubro compreendidas
entre 2007 e 2016, o intermediário financeiro receberá os cupões de juros pagos pela
‘OT 4,2% Outubro 2016’, cujo valor afectará ao reembolso das sucessivas séries de
cupões zero que se vão vencendo. Em 15 de Outubro de 2016, o processo estará con-
cluído: o último cupão e o valor nominal então recebidos serão destinados ao reem-
bolso da última obrigação de cupão zero, com vencimento nessa mesma data.
Este esquema de arbitragem está na origem do denominado ‘destacamento de
cupões’ – coupon stripping na gíria anglo-saxónica. Durante a primeira metade da
década de 1980, este género de processo de arbitragem começou a ser intensamente
explorado por intermediários financeiros em vários países, com destaque para os
Estados Unidos.22 Alguns exemplos são apresentados seguidamente.
TIGR’s, CATS, STRIPS & Ca. | Os Treasury Investment Growth Receipts (TIGRs)
são obrigações de cupão zero originariamente lançadas em 1982 pelo banco de inves-
timento norte-americano Merril Lynch. Na sua concepção, os TIGRs tinham como
garantia especial a carteira de obrigações do Tesouro de longo prazo – designadas por
Treasury Bonds ou T-Bonds – emitidas pelo governo federal dos Estados Unidos e
detidas pelo banco. Assim, na medida em que as T-Bonds adquiridas pelo banco ope-
ravam como garantia afecta ao pagamento dos fluxos financeiros prometidos aos
investidores em TIGRs, estes certificados constituíam réplicas quase perfeitas das T-
Bonds – ou, mais afinadamente, de ‘pedaços’ de T-Bonds –, o que à partida lhes con-
feria um risco de crédito muito baixo. A rápida popularização dos TIGRs deveu-se
ainda à possibilidade de os pequenos investidores, normalmente arredados dos merca-
dos de títulos do Tesouro, poderem aplicar montantes relativamente modestos na

22 Nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 280/98, de 17 de Setembro, que fixa o regime jurídico das Obrigações do Tesouro da
República Portuguesa, as OT podem ser objecto de destaque de direitos (stripping), o qual se traduz na separação do direito ao capital e
dos direitos ao pagamento de juros de cupão, desde que essa faculdade tenha sido prevista nas condições de emissão do empréstimo.
Cada um dos direitos constitui, após a separação, um valor autonomamente transaccionável. As OT que sejam objecto de destaque de
direitos podem ainda ser reconstituídas – i.e. retomar a sua configuração originária como obrigações com cupões de juros.

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4.42 PARTE II  Taxas de juro

aquisição de TIGRs, beneficiando simultaneamente do potencial de valorização contí-


nua ao longo do tempo, típica dos cupões zero.
Com os TIGRs, o banco Merril Lynch deu início a uma dinâmica vaga de
inovação, lançando o que viria a ser um instrumento pioneiro baseado no princípio do
destacamento de cupões. Claro está, a iniciativa veio a ser imitada pelos concorrentes,
dando origem ao mercado de ‘felinos’ – em alusão a designações tão sugestivas como
‘CATS’, ‘LIONs’, ‘GATORs’, ou ‘COUGRs’. Por exemplo, com uma configuração
similar aos TIGRs, os Certificates of Accrual on Treasury Securities (CATS) surgiram
logo depois, ainda em 1982, emitidos pelo banco de investimento Salomon Brothers
em reacção à inovação do Merril Lynch. Os CATS partilhavam com os TIGRs as
características de baixo risco, emissão a desconto e garantia por genuínas T-Bonds.
Reagindo ao estrondoso sucesso do mercado de ‘felinos’, em 1986 o Tesouro norte-
americano daria início à emissão de Separate Trading of Registered Interest and
Principal Securities (STRIPS). Os STRIPS acabariam por vir a dominar o mercado de
instrumentos financeiros emitidos a desconto, superando largamente o desempenho de
TIGRs e CATS. Entre as principais vantagens dos STRIPS, o facto de serem direc-
tamente emitidos pelo Tesouro – e não por bancos privados – acabaria por conferir-
lhes uma vantagem comparativa insuperável no plano do risco de crédito. Os ‘felinos’
acabariam por sair de circulação.

4.5 AVALIAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE CUPÃO VARIÁVEL


De acordo com a caracterização estabelecida no Capítulo 3, contrariamente às obriga-
ções clássicas – em que o cupão de juros tem um valor constante e irrevogável, fixado
nas condições de emissão –, nas obrigações de cupão variável o valor dos vários
cupões de juros flutua ao longo do tempo em função da evolução das taxas de juro no
mercado financeiro. Se as taxas de juro subirem, os valores dos cupões também subi-
rão; se descerem, os cupões diminuem de valor. O Capítulo 5 revelará que o preço de
mercado – e o justo valor – de uma obrigação clássica de cupão fixo é sensível às flu-
tuações das taxas de juro de mercado. Esse risco de preço pode ser mitigado através
da emissão ou do investimento em obrigações de cupão variável23.
Muitos activos de rendimento fixo são emitidos com cláusulas de revisão pe-
riódica da taxa de juro: em Portugal, a maioria dos contratos de empréstimo – p.e. os
que dão origem a rendas periódicas – incorpora cláusulas de taxa de juro variável. A
revisão da taxa de juro tem em vista reaproximar a taxa de juro efectivamente paga
pelo emitente (e recebida pelo investidor) do nível das taxas de juro correntemente
praticadas no mercado – em regra, das taxas de curto prazo.

INDEXAÇÃO DO CUPÃO
Numa obrigação de cupão variável, o valor do cupão é normalmente revisto no ins-
tante em que se inicia cada novo período contagem de juros, tendo em conta o nível de
uma taxa de juro de referência – i.e. uma taxa benchmark – apurado num momento
(ou com referência a um período) imediatamente antecedente ao início do período de
contagem de juros. Assim, no início de cada período de contagem de juros, o cupão é
reinicializado com uma taxa de juro diferente da que vigorou no cupão anterior, salvo

23 A emissão de obrigações de cupão variável conhecidas na gíria anglo-saxónica por floating rate notes (vide Capítulo 3) vulgarizou-se
no decurso das décadas de 1970 e 1980 assinaladas por uma dinâmica conturbada dos mercados financeiros, fundamentalmente em
razão do surto inflacionário então observado na maioria dos países desenvolvidos.

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CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.43

se as condições de mercado não se tiverem alterado. O instante da reinicialização do


cupão é na gíria anglo-saxónica designado por coupon reset date – ou data de
refixação do cupão. Então, em cada coupon reset date, se a taxa benchmark tiver subi-
do (descido) em relação ao nível de referência que terá sido relevante para a fixação
do cupão anterior, o valor do novo cupão cuja contagem então se inicia é revisto em
alta (em baixa).24
Por exemplo, num empréstimo destinado ao financiamento da aquisição de
habitação própria, ou numa emissão de obrigações de cupão variável, a cláusula de
indexação de juros pode estabelecer:
«O empréstimo vencerá juros trimestrais no dia 15 de cada um dos meses de
Março, Junho, Setembro e Dezembro, sobre o capital em dívida, à taxa de
juro anual nominal EURIBOR a 3 meses publicada no penúltimo dia útil
anterior ao início de cada período de contagem de juros, acrescida de um
spread de 0,75 pontos percentuais e arredondada para o oitavo de ponto
percentual superior».
Nesta cláusula, seis parâmetros são relevantes: (i) as coupon reset dates (i.e.
os dias 15 de Março, Junho, Setembro e Dezembro); (ii) a periodicidade de paga-
mento de juros, normalmente coincidente com a periodicidade com que é revisto o
cupão de juros (i.e. trimestral); (iii) a identificação do benchmark (i.e. a EURIBOR a 3
meses); (iv) o critério de referenciação temporal do valor da taxa de juro de referência
relevante para a indexação da taxa de juro contratual (i.e. o antepenúltimo dia útil an-
terior ao início de cada período de contagem de juros); (v) o spread a adicionar à taxa
de juro de cupão, que procura reflectir o risco da operação (i.e. 0,75 pontos percen-
tuais); e (vi) a regra de arredondamento (caso exista) da taxa de juro de cupão (i.e. o
arredondamento para o oitavo de ponto percentual superior).
Então, aquando da sua emissão em mercado primário, uma obrigação de cu-
pão variável só vê definida a taxa de cupão que vigorará no primeiro período de con-
tagem de juros. Para os cupões de juros subsequentes, as condições de emissão espe-
cificam um critério objectivo de revisão periódica – ou, melhor, de indexação – da
taxa de cupão. Como o valor dos indexantes mais utilizados é regularmente publica-
do, investidores e analistas podem simular o impacto de alterações nas taxas de juro de
mercado sobre o valor de uma obrigação de cupão variável. Entre os indexantes mais
usados contam-se as taxas de juro EURIBOR e LIBOR.
EURIBOR | Com a introdução do euro em 1 de Janeiro de 1999, as taxas de juro
EURIBOR rapidamente conquistaram preponderância enquanto indexantes de refe-
rência em obrigações de cupão variável e em empréstimos denominados em euros cuja
taxa de juro é indexada. Actualmente, a EURIBOR constitui o principal indexante de
curto prazo de operações denominadas em euros.
As EURIBOR são taxas de juro médias praticadas no mercado interbancário
do euro. Para cada prazo, a correspondente taxa consiste numa média aritmética
simples de taxas de juro em empréstimos interbancários instantaneamente praticadas
por 64 bancos sedeados na União Europeia em operações denominadas em euros, por
prazos que vão de 1 semana a 1 ano. Os prazos mais usados como benchmark são de
3, 6 e 12 meses. O cálculo e a difusão da EURIBOR são patrocinados pela Federação

24 Cabe notar que é possível reportar o momento de indexação de uma taxa de juro variável à data de pagamento do próprio cupão de
juros – i.e. quando o cupão já está vencido na sua íntegra – e não à coupon reset date. Na gíria dos mercados, diz-se então que a
indexação é efectuada in arrears, e não in advance, como sucede nos exemplos que temos vindo a analisar. Porque aplica
retroactivamente a taxa de juro de cupão quando este já está vencido, a indexação in arrears apresenta características apelativas para
muitos investidores e emitentes. Contudo, a técnica da indexação in advance do cupão é mais frequente.

Ricardo Cruz © | 2017


4.44 PARTE II  Taxas de juro

Bancária Europeia. As taxas são diariamente divulgadas, todos os dias úteis de fun-
cionamento do sistema de pagamentos pan-europeu TARGET, adoptando a conven-
ção de uma base anual de 360 dias. A informação é recolhida, processada e divulgada
às 11:00 AM de Bruxelas, excluindo-se de entre as 64 observações os 15 valores ex-
tremos, de forma a expurgar o valor do fixing diário de fenómenos geradores de
volatilidade. Os valores são publicados com 3 casas decimais. A primeira coluna da
Tabela 4.8 ilustra o fixing da taxa de juro EURIBOR em 29 de Setembro de 2006.

Tabela 4.8  Taxas de juro EURIBOR e LIBOR


Fixing diário de 29 de Setembro de 2006 | Taxas anuais nominais, em %, para várias moedas [b] |
Prazos EURIBOR LIBOR

EUR EUR USD GBP JPY CHF CAD AUD DKK NZD
[a] __ 3,12531 5,37500 4,92250 0,35375 1,72000 4,36000 6,09375 2,03750 7,66250
s/n e o/n
1 semana 3,083 3,08225 5,31063 4,91125 0,36125 1,72000 4,28333 6,06500 3,28250 7,55250
2 semanas 3,191 3,19063 5,31375 4,92500 0,36375 1,72000 4,28000 6,06000 3,35750 7,52000
3 semanas 3,233 __ __ __ __ __ __ __ __ __
1 mês 3,272 3,27238 5,32188 4,95813 0,38000 1,72083 4,28000 6,04250 3,43500 7,48750
2 meses 3,332 3,32963 5,35000 5,01250 0,40000 1,75000 4,27750 6,09500 3,47250 7,51250
3 meses 3,417 3,41713 5,37000 5,07400 0,42625 1,81083 4,27750 6,13500 3,53500 7,53250
4 meses 3,479 3,48125 5,37000 5,12875 0,44750 1,83750 4,26833 6,16500 3,58750 7,56250
5 meses 3,520 3,52125 5,37000 5,16000 0,46500 1,86750 4,26417 6,18500 3,64500 7,58250
6 meses 3,567 3,56775 5,37000 5,18000 0,48625 1,91083 4,26000 6,20500 3,70750 7,59750
7 meses 3,605 3,60500 5,36000 5,20000 0,50375 1,93417 4,25167 6,22750 3,73750 7,61500
8 meses 3,636 3,63888 5,35000 5,22000 0,52125 1,97000 4,24583 6,24750 3,77250 7,63000
9 meses 3,664 3,66238 5,34000 5,23438 0,54000 2,00000 4,24000 6,26750 3,80000 7,64500
10 meses 3,681 3,67763 5,32875 5,25000 0,56000 2,03833 4,23000 6,28500 3,82000 7,65500
11 meses 3,701 3,69763 5,31125 5,26125 0,57875 2,06000 4,22333 6,29750 3,83750 7,66750
12 meses 3,716 3,71388 5,29750 5,27438 0,59750 2,08000 4,21500 6,31000 3,85650 7,68000
FONTES: http://www.euribor.org/default.htm ; http://www.bba.org.uk/bba/jsp/polopoly.jsp?d=141&a=627 .
NOTAS: [a] s/n – operações spot next. o/n – operações overnight. EUR [b] EUR – euro. USD – dólar norte-americano. GBP – libra
esterlina. JPY – iene japonês. CHF – franco suíço. CAD – dólar canadiano. AUD – dólar australiano. DKK – coroa dinamarquesa. NZD
– dólar neozelandês.

LIBOR | Nos empréstimos a taxa variável colocados em mercados internacio-


nais ou denominados noutras moedas além do euro, as taxas de juro LIBOR (acrónimo
da expressão London Interbank Offered Rate) são o benchmark de curto prazo mais
utilizado a nível mundial. As taxas LIBOR assentam numa metodologia idêntica à das
taxas EURIBOR. Assim, a LIBOR baseia-se nas taxas de juro que os bancos partici-
pantes no mercado interbancário grossista de Londres praticam entre si na concessão
de empréstimos sem garantia para os vários prazos.
As taxas LIBOR são diariamente calculadas pela British Bankers’ Association
(BBA) e divulgadas às 11:00 AM de Londres, todos os dias úteis. São difundidas para
um cabaz de 10 moedas (vide Tabela 4.8): euro, dólar, libra esterlina, iene, franco
suíço, dólar canadiano, dólar australiano, coroa dinamarquesa, dólar neozelandês e co-
roa sueca. Tal como a EURIBOR, assentam numa base anual nominal de 360 dias,
excepto a libra esterlina (GBP), cuja convenção faz uso de um ano de 365 dias (ou
base ‘actual’). As taxas LIBOR são divulgadas com 5 casas decimais.
‘Spreads’ | Quase sempre, o critério de indexação de uma taxa de juro variável
compreende, além da identificação precisa do indexante, um diferencial – ou spread -
positivo que reflecte uma margem sobre a taxa de referência. O spread traduz, em re-
gra, o prémio de risco de crédito que o mercado imputa ao emitente e às característi-
cas específicas do activo financeiro.

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.45

O spread pode ser aditivo – caso em que é adicionado à taxa de referência –


ou multiplicativo – caso em que assume a forma de um factor que é multiplicado pela
taxa de referência. Por exemplo, um spread multiplicativo de 1,1 incidente sobre um
benchmark de 5% conduz a uma taxa de juro de cupão de 5,5%. O spread pode ser
incremental, isto é, aumentar com o prazo a que se reporta cada momento de início de
contagem de juros. Por exemplo, as condições de emissão de um empréstimo a 10
anos podem especificar que a taxa de juro seja revista anualmente, fazendo incre-men-
tar o spread inicial em 0,2% em cada novo período de contagem de juros; então, par-
tindo de um spread inicial de 0,2%, o spread no segundo ano é de 0,4%; no terceiro
ano é de 0,6%, no quarto ano é de 0,8%; e no décimo ano será de 2,0%.

PREÇO DE UMA OBRIGAÇÃO DE CUPÃO VARIÁVEL


A avaliação de obrigações de cupão variável coloca o problema da estimação do valor
dos cupões de juros futuros, cujo valor só será definido no respectivo momento de
reinicialização ou coupon reset date.
Todavia, é lícito presumir que, visando eliminar o risco de preço inerente a
uma obrigação clássica de cupão fixo, a indexação conduza, em cada coupon reset
date, a um renivelamento do preço em convergência com o valor nominal. Assim, em
cada coupon reset date, e desde que não tenham ocorrido modificações substanciais
no risco de crédito oferecido pelo emitente, o justo valor de uma obrigação deverá
aproximar-se muito ou mesmo coincidir com o seu valor nominal.
Então, admitindo que na próxima coupon reset date, reportada ao momento
t+1, o preço Btcv1,T de uma obrigação de cupão variável com vencimento em T possa
ser antecipadamente determinado no momento t, no limite coincidindo com o valor
nominal (unitário), o justo valor da obrigação de cupão variável num qualquer mo-
mento τ posicionado entre duas datas consecutivas de pagamento de cupão, isto é
com t  τ  t  1 , com taxa de cupão icv virá:
icv  Btcv1,T
Bτcv,T  t 1 τ [4.80]
1  i  365

A expressão [4.80] depende porém da assunção da hipótese de que é possível


prever com razoável margem de segurança o valor de Btcv1,T , incluído no numerador.
Uma variante é considerar que, em cada coupon reset date, o preço regressa exacta-
mente ao valor nominal, o que equivale a admitir Btcv1,T  1,00 . Assim, para um valor
nominal unitário, a expressão anterior poderia ser reescrita do seguinte modo:
icv  1,00
Bτcv,T  t 1 τ [4.81]
1  i  365
Contudo, os teóricos das Finanças não apreciam este género de soluções
práticas. Uma solução para o problema – todavia imperfeita, cabe reconhecê-lo desde
já – reside na técnica da ‘cristalização do cupão’.
Cristalização do cupão | Com efeito, após o pagamento de um cupão, o preço de
uma obrigação pode não regressar, necessária ou imediatamente, ao seu valor nominal.
Essa constatação não é de ordem teórica mas, sim, empírica: os mercados mostram
que assim é. E… contra factos não há argumentos.

Ricardo Cruz © | 2017


4.46 PARTE II  Taxas de juro

Uma solução possível que dispensa o estabelecimento de previsões para o


valor de Btcv1,T consiste na aplicação do método da cristalização do cupão de juros.
Este método simplesmente assume que os valores de todos os cupões de juros subse-
quentes ao cupão em curso de contagem de juros podem ser determinados por aplica-
ção instantânea do procedimento de indexação, reportando a indexação ao momento
‘0’ da avaliação. Então, o método opera como se se simulasse, no instante ‘0’, a rein-
dexação de todos os cupões futuros de acordo com o mais recente valor disponível do
indexante e se ‘congelasse’ – i.e. cristalizasse – essa indexação até ao vencimento em
T, equiparando a obrigação a uma obrigação de cupão fixo:
T
J1 J 1,00
B0,cvT 
1  i 
   [4.82]
t 2 1  i  t
1  i T
em que J1 é o valor do cupão de juros reportado ao termo do primeiro período de
contagem de juros – conhecido e certo –, e J é o valor de cada um dos cupões de
juros futuros, já cristalizado e assumido constante (i.e. fixo) até à data de vencimento
T. Por razões de simplicidade, a expressão [4.82] só é aplicável ao cálculo do justo
valor B0,cvT reportado à coupon reset date em que é determinado o valor J1 .
Embora usada com alguma frequência, a técnica da cristalização do cupão é
teoricamente vulnerável, já que conduz a uma abusiva equiparação da obrigação de
cupão variável a uma obrigação de cupão fixo, literalmente anulando a sua especifici-
dade e o efeito visado com a indexação do valor do cupão.
Taxas de juro de cupão esperadas | Conforme no Capítulo 6 se demonstra, a
formulação de soluções correctas para o problema da avaliação de obrigações de
cupão variável passa pela correcta interiorização das implicações ditadas pela estru-
tura temporal das taxas de juro. Assim, o método da cristalização do cupão é acei-
tável se e só se os mercados não distinguirem as taxas de retorno exigidas em função
dos prazos. Nesse caso, a yield curve é horizontal, implicando que a taxa de juro exi-
gida em operações a 1 ano é igual à exigida para prazos de 5, 10 ou 50 anos.
Mas, se as taxas de juro de mercado forem crescentes ou decrescentes em fun-
ção dos prazos de investimento, a expressão [4.82] enviesará o cálculo do justo valor
da obrigação de cupão variável. O sentido do enviesamento dependerá, em última
análise, do nível das taxas de retorno i exigidas para vários prazos e, também, dos
indexantes e regras de indexação do valor do cupão, designadamente da amplitude
dos spreads e do impacto de regras de arredondamento da taxa de juro de cupão.
No Capítulo 6 é desenvolvida uma metodologia que, a partir da yield curve
observada num dado momento, permite estimar valores esperados para a taxa de juro
do indexante de referência. Antecipando desde já algo sobre o método, a incorporação
de informação respeitante à yield curve originaria a seguinte reformulação analítica da
expressão [4.82], considerando uma obrigação com valor nominal unitário:
J1 T E0  J t  1,00
B0,cvT    
1  i 
0,1 t 2 1  i 
0,t
t
1  i 
0,T
T [4.83]

em que E0   simboliza o operador estatístico ‘valor esperado’. Notar-se-á ainda que


a expressão [4.83] diverge de [4.82] num relevantíssimo pormenor: é que as taxas de
retorno exigidas i0,t (com t=1,2,…,T) são assumidas diferentes consoante os diferen-
tes prazos de investimento [0,t].

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.47

YIELD DE UMA OBRIGAÇÃO DE CUPÃO VARIÁVEL


Numa obrigação de cupão variável, desde que adoptada a técnica da cristalização do
cupão, o yield to maturity calcula-se em termos idênticos ao yield de uma obrigação
clássica. Porém, e como referimos, essa metodologia padece de limitações, designada-
mente desde que as taxas de retorno exigidas pelos investidores dependam dos prazos
de investimento. O que é quase sempre o caso. O Capítulo 6 retomará esta discussão.
A melhor solução para o problema passa, como aí se demonstrará, pelo reaproveita-
mento da equação [4.83].

SUMÁRIO DO CAPÍTULO
As noções de valor futuro e de valor actual de um investimento constituem o núcleo
de todas as metodologias de avaliação de activos financeiros, em particular de activos
de rendimento fixo. Na sua essência, os dois conceitos procuram reflectir a ideia de
que o valor do dinheiro depende do tempo. Genericamente, um mesmo capital nominal
possui diferentes valores consoante o instante em que seja pago ou recebido.
As decisões de investimento em activos financeiros são tomadas por
referência ao seu valor actual líquido (VAL). O VAL de um activo consente a
comparação entre o preço de mercado por que um activo de rendimento fixo é
transaccionado num dado momento e o seu justo valor, aferido por uma metodologia
de avaliação consistente. Como regra decisória, um investidor só aplicará capitais em
activos financeiros cujo VAL seja positivo. A taxa interna de rendibilidade (TIR) é
outro indicador de aferição da rendibilidade intrínseca de um activo financeiro. Na
avaliação de obrigações, a noção de TIR dá origem ao conceito de yield to maturity,
ou yield. Confrontando a TIR – ou o yield – com as taxas de retorno praticadas pelo
mercado e exigidas pelos investidores para investimentos com características similares
e comparáveis, um investidor só aplicará capitais num activo financeiro cujo yield seja
igual ou superior ao retorno gerado por oportunidades de investimento alternativas.
Por vezes, os critérios do VAL e da TIR conduzem a diferentes recomendações de
investimento. Em termos gerais, o critério do VAL é considerado mais fidedigno que a
TIR, pois traduz o impacto esperado que um investimento tende a induzir na riqueza
actual do investidor. A propósito, são enunciadas várias limitações da TIR como
critério subsidiário das decisões de investimento.
As convenções tradicionalmente perfilhadas pelos mercados financeiros e
outros aspectos institucionais – tais como impostos, custos de transacção, métodos de
contagem de juros, entre outros – acabam por interferir com os métodos básicos do
valor futuro, do valor actual, do VAL e da TIR, tornando a avaliação de activos
financeiros também numa arte e não apenas numa ciência.
Sem esgotar o tema, este Capítulo exemplifica diversas aplicações das
metodologias de avaliação de activos de rendimento fixo, dos mercados monetários e
dos mercados de capitais. São cobertos instrumentos como as rendas geradas por
contratos de empréstimo, os Bilhetes do Tesouro, as obrigações de cupão zero, as
obrigações clássicas – com destaque para as Obrigações do Tesouro da República
Portuguesa – ou as obrigações perpétuas. As limitações inerentes a tais metodologias
são ainda evidenciadas em casos como as obrigações com cláusula ‘call’ ou as
obrigações de cupão variável. Os Capítulos 5 e 6 aprofundarão as metodologias de
avaliação elementares aqui ensaiadas. Isto é menos difícil do que parece, mas mais
complexo do que o que vimos até este ponto.

Ricardo Cruz © | 2017


4.48 PARTE II  Taxas de juro

CONCEITOS A RETER
Activo financeiro sintético Indexação Renda
Actualização Indexante Renda antecipada
Benchmark (taxa de juro de Juro composto Renda postcipada
referência) Juro corrido Riqueza actual (do investidor)
Bilhetes do Tesouro Juro de cupão Spread
Capitalização Juro simples Stripping (destacamento de cupões)
Cláusula call Justo valor Taxa de reinvestimento
Cotação abaixo do par (ou a Obrigação clássica Taxa interna de rendibilidade (TIR)
desconto) Obrigação de cupão zero TIR modificada
Cotação acima do par (ou a prémio) Obrigação de cupão variável Taxa de juro de cupão
Cotação ao par Obrigação perpétua Taxa de juro efectiva
Coupon reset date Preço a desconto (do valor nominal) Taxa de juro equivalente (TAE)
Cristalização (da taxa de juro de Preço a prémio (do valor nominal) Taxa de juro nominal
cupão) Preço único Valor actual (VA)
Cupão (de juros) Preço ao par Valor actual líquido (VAL)
Custo de oportunidade Preço Valor futuro (VF)
Desconto (ou actualização) Prestação (de uma renda) Valor nominal
Destacamento (do cupão de juros) Quota-capital (numa renda) Yield aparente
Factor de juro diário Quota-juros (numa renda) Yield to maturity (ou yield)
Holding period return Reinicialização do cupão Yield to next call

QUESTÕES & PROBLEMAS


1. Para um capital inicial de 100 000 euros, assumindo uma taxa de juro anual equivalente de
4,5%, calcule o respectivo valor futuro acumulado no termo dos seguintes prazos:
a) 5 anos.
b) 9 meses.
c) 7 trimestres.
d) 10 anos, 4 meses e 27 dias (de calendário).
2. Seja uma obrigação de cupão zero com o valor nominal de 1 000 euros. Calcule o seu
‘justo valor’, admitindo:
a) Um prazo de 5 anos e um yield anual exigido de 4,5%.
b) Um prazo de 10 anos e um yield anual exigido de 4,5%.
c) Um prazo de 10 anos e um yield anual exigido de 5,5%.
d) Um prazo de 10 anos, 4 meses e 27 dias e um yield semestral exigido de 2,5%
3. Seja a mesma obrigação de cupão zero. Admite que compra a obrigação nas condições de
2.a) na intenção de aliená-la no termo do prazo de 2 anos.
a) Qual o preço por que esperará vender a obrigação caso pretenda obter um holding
period return anual de 6,1%?
b) Suponha que, decorridos dois anos após o investimento inicial, o cupão zero regista
no mercado secundário a cotação de 865,14 euros. Se vender a esse preço, qual o
holding period return obtido? A esse mesmo preço, qual o yield to maturity que o
novo comprador do cupão zero espera auferir até ao vencimento?

Ricardo Cruz © | 2017


CAPÍTULO 4  Avaliação de activos de rendimento fixo 4.49

4. Em http://www.igcp.pt, recolha informação sobre a emissão de Bilhetes do Tesouro da


República Portuguesa com o prazo remanescente mais próximo de 9 meses. Suponha que
condiciona um investimento nessa emissão de BT até ao seu vencimento à obtenção de um
yield de 3,65% ao ano. Qual o máximo preço (em percentagem do valor nominal), por que
estará disposta(o) a adquirir BTs dessa emissão?
5. Seja a Obrigação do Tesouro ‘OT 4,2% Outubro 2016’, com cupão de periodicidade anual
e pagamento de juros no dia 15 de Outubro de cada ano. Reporte-se à data de 15 de
Outubro de 2006, imediatamente após o pagamento do cupão que se vence nessa data.
a) A que preço estará disposta(o) a adquirir obrigações com um valor nominal total de
10 000 euros, caso pretenda obter um yield to maturity de 4,7%?
b) Suponha que a emissão cota no mercado secundário por um preço equivalente a
98,52% do valor nominal. Qual o yield to maturity intrínseco da obrigação?
c) Nas condições de b) e caso pretenda obter um retorno anual mínimo de 4,2%,
justificar-se-á investir na emissão ‘OT 4,2% Outubro 2016’? Porquê? Que critérios
subsidiam essa decisão?
d) Suponha que os juros são tributados à taxa de juro liberatória de 20%. Qual o yield
líquido auferido caso a obrigação cote por 100,75% do seu valor nominal? Suponha
que poderia investir 1 000 euros numa obrigação com risco e perfil temporal
equivalente, cujo yield líquido anual é 4,1%. Nessas condições, investiria na
obrigação ‘OT 4,2% Outubro 2016’? Porquê?
6. Suponha que planeia vender obrigações da emissão ‘OT 4,2% Outubro 2016’ no dia 15 de
Março próximo.
a) Qual o valor do juro corrido (bruto) a receber, caso na mesma data transaccione
obrigações com um valor nominal de 10 000 euros?
b) Supondo que a 15 de Março próximo a emissão estará a ser transaccionada por um
preço que garante um yield to maturity anual (bruto) de 3,99%, qual o valor total a
receber na sequência da venda de obrigações com um valor nominal de 10 000 euros?
7. Seja uma obrigação de cupão variável, semestral, cuja taxa de juro é indexada à taxa de
juro EURIBOR a 6 meses acrescida de um spread de 0,50% (numa base anual), com valor
nominal de 1 000 euros e prazo de 4 anos. Consulte em http://www.euribor.org o nível
actual da taxa EURIBOR relevante para efeitos da sua avaliação. Com base no método da
cristalização do cupão de juros, calcule o justo valor da obrigação admitindo uma taxa de
retorno anual bruta de 4,85%. Quais as limitações inerentes ao cálculo efectuado?
8. A Joana pretende contrair um empréstimo para compra de habitação própria. Está disposta
a pagar uma mensalidade postcipada de valor constante e igual a 800 euros por um
empréstimo à taxa de juro fixa de 5,4% ao ano, por um prazo de 30 anos.
a) Qual o valor máximo do empréstimo inicial que nessas condições conseguirá obter?
b) Idem, para um prazo de 40 anos?
c) A Joana consegue obter aval dos pais ao empréstimo, do que resulta a redução da taxa
de juro para 4,6% ao ano. Mantendo o prazo de 30 anos, qual o valor da prestação
mensal que origina o mesmo valor de empréstimo inicial apurado em a)?

Ricardo Cruz © | 2017


4.50 PARTE II  Taxas de juro

LEITURAS RECOMENDADAS
1. BODIE, Zvi, KANE, Alex e MARCUS, Alan J., Investments, McGraw-Hill International
Edition, 2005, 6/E.
2. CADILHE, Miguel, Matemática Financeira Aplicada, 4ª edição, revista e actualizada
com a colaboração de Rosas do Lago, Edições Asa, Porto, 1995.
3. FABOZZI, Frank J., Bond Markets: Analysis and Strategies, Pearson Prentice-Hall,
2007, 6/E.
4. FABOZZI, Frank J., Fixed Income Mathematics, McGraw Hill, 2005, 4/E.
5. MOREIRA DA CRUZ, Carlos, Obrigações: Mercado, Avaliação e Risco de Taxa de
Juro, 2.ª edição, Bolsa de Derivados do Porto, 1999.
6. VAN HORNE, James C., Financial Market Rates and Flows, Prentice Hall International
Editions, 2001, 6/E.

INTERNET
1. http://www.bba.org.uk, website da British Bankers’ Association (BBA). Divulga
diariamente as taxas de juro LIBOR e respectivas séries históricas.
2. http://www.euribor.org, website patrocinado pela European Banking Federation.
Disponibiliza diariamente as taxas EURIBOR e respectivas séries históricas.
3. http://www.ebf-fbe.eu, website da European Banking Federation (EBF), que representa
os interesses de 4500 bancos dos Estados-Membros da UE e da Islândia, Noruega e Suíça.
4. http://www.isda.org, website da International Swaps and Derivatives Association
(ISDA). Divulga diariamente as taxas de juro ISDAFIX (acrónimo de International Swaps
and Derivatives Association Fixing), o principal benchmark internacional para taxas de
juro em operações de swap de taxas de juro, comummente utilizadas como referenciais de
taxas de juro básicas de longo prazo.
5. http://www.bportugal.pt, website do Banco de Portugal. Disponibiliza estatísticas sobre
taxas várias de juro e yields de obrigações e operações bancárias activas e passivas.
6. http://www.mtsmarkets.com, website do MTS, disponibilizando informação sobre
transacções e preços de Bilhetes e Obrigações do Tesouro da República Portuguesa, entre
outros emitentes de obrigações.
7. http://www.igcp.pt, website do Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público, I.P.
(IGCP). Disponibiliza informação sobre instrumentos representativos da dívida pública da
República Portuguesa.
8. http://www.reuters.com, website do grupo REUTERS. Divulga informação sobre preços
de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas nos mercados financeiros.
9. http://www.bloomberg.com/markets/, website do grupo BLOOMBERG. Divulga
informação sobre preços de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas nos
mercados financeiros.
10. http://markets.ft.com/markets/bonds.asp, website do grupo FINANCIAL TIMES.
Divulga informação sobre preços de activos de rendimento fixo e taxas de juro praticadas
nos mercados financeiros.
11. http://www.bondsonline.com/, website com informação sobre os mercados de activos de
rendimento fixo, especialmente do segmento obrigacionista.

Ricardo Cruz © | 2017

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