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CAPÍTULO II

AS OPERAÇÕES E OS INSTRUMENTOS DE CRÉDITO

I - NOÇÃO DE CRÉDITO

Ao crédito corresponde uma instituição jurídica, um


complexo de normas jurídicas entre si conexas,
disciplinadoras de matérias estreitamente
relacionadas - a instituição dos direitos de
crédito, também designada por direito das
obrigações. Ora, essa instituição jurídica, como,
aliás, outras, assenta num conjunto de princípios
económicos respeitantes a determinados fenómenos
característicos - os fenómenos de crédito.
Uma primeira aproximação do conceito de crédito é
dada pela ideia de troca de um bem presente por um
bem futuro, de uma operação económica de troca em
que as duas prestações não são simultâneas. Esta
troca, em que uma das prestações é diferida no
tempo, dá lugar, sobretudo para maior protecção dos
interesses daquele que já prestou e ainda não
recebeu – o credor - a múltiplos princípios e
preceitos.
Segundo a etimologia (credere), tem-se ligado a
noção de crédito à ideia de confiança. E é certo
que, muitas vezes, o crédito assenta na confiança
que o devedor merece ao credor, em razão da qual
este realiza uma prestação, cuja contrapartida é
diferida no tempo.
Mas há situações de crédito cuja origem não é
voluntária. E em relação a essas, pelo menos, o
crédito não assenta na confiança.
Tal acontece, por exemplo, com as situações de
crédito emergentes de responsabilidade civil
delitual. A vítima de um acidente de viação, por
exemplo, pode não depositar qualquer confiança no
responsável pelo acidente, que lhe deve uma
indemnização e do qual é credora. Também
relativamente aos empréstimos forçados, emitidos
pelos Governos de certos países em determinadas
circunstâncias históricas, se não dirá que assentam
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na confiança. E, no entanto, deles emergem situações


de crédito.
O crédito não pressupõe, necessariamente, a
utilização de moeda, muito embora, nas economias
modernas, o recurso à moeda facilite as operações de
crédito. Por esta razão, nas economias modernas o
crédito praticamente só existe na forma de
empréstimos expressos em moeda.
Em termos monetários, o crédito pode definir-se como
sendo um empréstimo em moeda, reembolsável em
determinada data, e passível de juros.
O recurso a um instrumento de crédito não se impõe,
necessariamente, sempre que se pretenda conceder um
empréstimo. Assim, uma empresa, por exemplo, pode
conceder um empréstimo simplesmente dando um prazo a
um seu cliente para pagar uma certa partida de
mercadorias (operação real em que as duas prestações
não são simultâneas mas em que não existe um título
de crédito).

II - OPERAÇÕES A PRONTO E OPERAÇÕES A CRÉDITO

Na economia há operações a pronto pagamento ou,


simplesmente, “a pronto”, que são aquelas em que as
trocas processam-se a pronto, isto é, as duas
prestações têm lugar ao mesmo tempo e não há, por
conseguinte, crédito.

Constituem operações a pronto, pois, aquelas em que


as duas prestações são simultâneas em relação ao
facto de que emergem os deveres a prestar. Esta
simultaneidade, porém, não é apreciada em termos
rigorosos e, assim, é norma considerarem-se também
como sendo a pronto aquelas operações em que as
prestações seguem a muito curto prazo (normalmente
até 30 dias) o contrato celebrado entre as partes.
Mas há casos em que as trocas não são simultâneas –
diz-se então que são operações a crédito (ou a
prazo).
As operações a crédito, ou operações a prazo, são
aquelas operações em que uma das prestações precede
cronologicamente a outra.

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Normalmente, quem beneficia de uma operação de troca


a crédito deve, na data do pagamento, pagar um valor
extra para compensar a outra parte que ficou à
espera do pagamento.
Assim pois, o carácter oneroso é da essência das
operações a crédito - o devedor, na data acordada
para o pagamento, está obrigado a pagar, além do
valor ou bem emprestado, mais um determinado valor
ou bem compensatório.
Tratando-se de empréstimos em moeda, o valor a mais
a pagar pelo devedor é o juro, (preço a pagar pelo
crédito) sendo o juro calculado pela aplicação de
uma taxa (taxa de juro) como visto no Cap.I, Secção
IV, ponto IV-5. Como já antes referido (Cap. I,
Secção I, ponto I-2), o juro é para compensar
aqueles que fazem poupanças, isto é, que optam por
consumir/investir menos no tempo presente.
NOTA : além do montante para compensar o facto de o credor
optar por consumir menos no tempo presente, o juro deve
ainda, em caso de existir inflação e consequentemente,
depreciação da moeda (perda de parte do seu poder de compra),
incluir um montante adicional para corrigir o valor da moeda,
a fim de garantir que o emprestador (credor) receba um
montante de moeda com um poder de compra (valor) idêntico ao
que tinha o montante que emprestou.

Também é da essência das operações a crédito o


elemento tempo, inseparável da contraposição de um
bem presente a um bem futuro.
As operações a crédito, podem ser, quanto ao prazo,
divididas em :
a) operações a curto prazo - créditos cuja
duração é igual ou inferior a um ano. Estes
créditos são geralmente concedidos às
empresas para financiar as operações
correntes - compra de matérias primas,
pagamento de salários, pequenas reparações e
manutenção de edifícios e equipamentos, etc.
Também podem ser concedidos às famílias,
geralmente para a compra de bens de consumo
duradouros.

b) operações a médio e longo prazo -


créditos cuja duração é superior a um ano,
sendo norma considerar a médio prazo os
créditos que vão até sete anos, e a longo
prazo os que vão para além dos sete anos.
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Estes créditos são concedidos às empresas


para a realização de investimentos.
NOTA : Hoje em dia é normal a concessão de
crédito a médio prazo às famílias para a
compra de bens de consumo e a muito longo
prazo (podendo chegar aos 30 e mais anos de
prazo) para a compra de habitação. De certo
modo, foi a desregulação nesta matéria que
levou à situação actual de sobre
endividamento das famílias em muitos países,
com consequências graves sobre toda a
economia.

III - ORIGEM DOS RECURSOS DE CRÉDITO

Os créditos repartidos pelas diferentes categorias


de agentes económicos podem ser financiados quer com
poupança, quer com moeda:
a) - Os créditos a curto prazo, pelo fim a que
se destinam, são financiados com recursos que têm
origem no mercado monetário, isto é, no mercado onde
os agentes económicos oferecem e procuram liquidez.
É neste mercado, pois, que é encontrado o preço
(juro) dos empréstimos a curto prazo, como resultado
do jogo da oferta e da procura de moeda, resultando
daí a taxa de juro praticada . Aqui, pois, os
agentes do sector não bancário e o sector bancário
negoceiam entre si as condições dos créditos a curto
prazo.
NOTA : Num sentido mais restrito, que estudaremos
posteriormente, o mercado monetário é o mercado no
qual as instituições financeiras podem trocar entre
si a liquidez que umas possuem em excesso e de que
outras carecem, negociando livremente a taxa de juros
de cada operação.

b) - Os créditos a médio e longo prazo, como se


destinam a investimentos, são financiados com
poupança, recursos que têm origem no mercado
financeiro (ou mercado de capitais). O mercado
financeiro tem por função facilitar a transferência
de recursos entre os agentes que detêm poupanças e
os agentes que delas necessitam para fins de
investimento. É, pois, o mercado das operações a

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médio-longo prazo, operações de que não resulta


emissão de moeda, uma vez que assenta apenas na
quase-moeda (activos não monetários, designadamente
depósitos a prazo). É neste mercado que é encontrado
o preço e fixada a taxa de juro dos empréstimos a
médio-longo prazo.
É neste mercado que são transaccionados os títulos
de crédito relativos às operações de médio e longo
prazo, principalmente as acções e as obrigações. A
este segmento do mercado financeiro chama-se mercado
de títulos mobiliários, ou, simplesmente, mercado de
títulos.
O mercado de títulos deve ser subdividido, por sua
vez, em dois mercados ou componentes :
- o mercado primário – é o mercado para as novas
emissões. Compreende, pois, os activos financeiros
que iniciam a sua circulação no mercado, através de
emissões que podem ser públicas ou privadas.

Diz-se que a emissão é privada ou particular quando


os títulos são emitidos para serem subscritos por
determinadas pessoas singulares ou colectivas em
número previamente estabelecido. Já será uma emissão
pública (oferta pública de valores) quando a
comercialização dos títulos é feita publicamente,
através da imprensa, oferecendo a possibilidade a
qualquer entidade individual ou colectiva de
subscrever títulos.

Por este facto, o lançamento de uma operação de


oferta pública de valores mobiliários depende do
registo prévio da emissão no órgão que superintenda
no mercado de valores mobiliários. O pedido de
registo tem de ser acompanhado de uma série de
elementos que permitam conhecer a entidade emissora
e a sua situação económica e financeira, de modo a
que a entidade supervisora possa proteger os
aforradores potencialmente interessados em
subscrever títulos. Em certos casos, a lei obriga
que, além do registo no órgão acima referido (em
Angola será a Comissão do Mercado de Capitais – ver
Art. 38º Lei 12/05 de 23 de Set.), a oferta pública
de valores mobiliários seja autorizada pelo governo
(por exemplo, emissões a realizar no mercado
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nacional mas em moeda estrangeira, emissões a


realizar no mercado nacional por empresas e outras
entidades não residentes no País, etc.)

- o mercado secundário – é o mercado para a


negociação entre terceiros dos valores mobiliários
já emitidos no mercado primário. Compreende activos
financeiros que já estão em circulação no mercado e
que são objecto de transacções, seja nas bolsas de
valores ou fora delas, no chamado mercado de balcão
(com a intermediação de certas instituições
autorizadas pata tal), procurando assim facilitar a
sua transmissão quando o detentor de um título
pretenda a sua transformação em liquidez.
As bolsas de valores mais não são do que mercados
estruturados e dotados de instrumentos jurídicos
adequados que permitem que se efectuem operações de
compra e venda de títulos (valores mobiliários) já
emitidos (– ver Art. 4º da Lei nº 12/05, de 23 de
Set), com transparência e relativa segurança.
Os principais objectivos das bolsas de valores são,
por conseguinte :
a)- a formação dos preços dos títulos
mobiliários no mercado;
b)- facilitar a circulação dos títulos
mobiliários, tornando menos difícil a sua
transformação em liquidez.
Tratando-se de mercados com características muito
particulares, as operações com títulos são
realizadas por intermediários especializados, os
corretores (Ver “Sociedades Corretoras”, Art. 3º,
alínea aa), da Lei 12/05)
Com o objectivo de proteger os investidores, nem
todos os títulos podem ser transaccionados nas
bolsas. A lei estipula um conjunto de regras para
que um título possa ser admitido à cotação, isto é,
para que possa ser registado e transaccionado numa
bolsa de valores.
Assim, por exemplo, para que as acções de uma
sociedade sejam admitidas à cotação, é exigido a
essa sociedade, entre outras, a prova de que :
Ø está a funcionar de acordo com a legislação
geral e especial que lhe seja aplicável;

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Ø publicou regularmente os seus relatórios de


gestão e contas anuais, respeitantes pelo
menos aos últimos três exercícios económicos
anteriores ao pedido de admissão na bolsa;
Ø se encontra numa situação económica e
financeira adequada, atestada por uma entidade
de auditoria independente.

As sociedades que sejam cotadas numa bolsa devem,


além do mais, ter o seu capital aberto ao
investimento público, estando obrigadas pela
autoridade do mercado a ter um número mínimo de
acções representativas do seu capital social
disperso pelo público. Por isso se dizem “sociedades
abertas”.
Além disso, para maior garantia dos investidores, em
todos os países onde funcionam bolsas de valores
existe uma comissão estatal com a função de
supervisionar o seu funcionamento (comissão do
mercado de valores mobiliários). Estas comissões
geralmente gozam de um estatuto de larga
independência, para poderem actuar sem pressões de
qualquer ordem, sejam de carácter político ou
económico. Pelo Decreto 9/05, DR nº33, de 18 de
Março, foi criada em Angola a Comissão do Mercado de
Capitais e aprovado o seu estatuto.
No Artigo 1º do Estatuto pode ler-se : “A Comissão
de Mercado de Capitais, CMC, é uma pessoa colectiva
de direito público, dotada de autonomia
administrativa e financeira e de património próprio,
sujeita à tutela do Ministério das Finanças”.
E no Artigo 3º está dito : “A CMC rege-se pela Lei
dos Valores Mobiliários …” – (ver Lei nº 12/05).
Já o Artigo 5º estabelece as atribuições deste
órgão, que consistem em : “a regulação, supervisão,
fiscalização e promoção do mercado de capitais e das
actividades que envolvam todos os agentes que nele
intervenham, directa ou indirectamente … “.

Em 23 de Setembro do mesmo ano foi publicada


legislação sobre os valores mobiliários (Lei nº
12/05, DR nº 114) que “visa regular os actos e
operações com valores mobiliários, promover o
desenvolvimento ordenado e a transparência do
mercado de capitais, assim como a adequada protecção
do investidor” – Art. 1º, nº 1.

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E diz o nº 2 do mesmo Art. 1º : “A presente lei é


aplicável às ofertas públicas de valores mobiliários
e seus emissores, aos valores de oferta pública, aos
agentes de intermediação, às bolsas de valores, às
instituições de compensação e liquidação e valores,
aos fundos de investimento e, em geral, aos demais
participantes no mercado de valores mobiliários”.
No Art. 7º (Controlo e Supervisão) está dito que “O
controlo e supervisão desta lei são exercidos pela
Comissão do Mercado de Capitais”, “órgão autónomo
sob tutela do Ministério das Finanças” que “goza de
personalidade jurídica, autonomia administrativa e
financeira para superintender o mercado de valores
mobiliários”.
Com estas duas leis estão pois criadas as condições
para uma maior dinamização do mercado de capitais
com a constituição de uma bolsa de valores (a
sociedade já foi criada em 2006, com a designação
BVDA - Bolsa de Valores e Derivados de Angola,
S.A.).
Fazem parte do mercado de balcão todas as operações
de compra e venda de títulos efectivada fora das
bolsas de valores, o que sucede em Angola e
continuará a suceder até a bolsa de valores iniciar
funções.
NOTA : Na verdade pode existir mercado de capitais e
operações sobre titulos (de dívida pública e privada)
sem que exista uma bolsa de valores. Mas é benéfico
para a economia que exista uma bolsa de valores, pois
ajuda a haver maior transparência e visibilidade dos
negócios com valores mobiliários, o que aumenta o
volume de transacções e, por conseguinte, a
canalização de poupança para as empresas. Mas a bolsa
não abrange todos os negócios no mercado de capitais,
designadamemente o mercado primário (mercado das
emissões, já antes analisado), pois na bolsa são
transaccionados títulos já emitidos (mercado
secundário).

IV - CRÉDITO PESSOAL E CRÉDITO REAL

Umas vezes o crédito é concedido apenas em atenção à


confiança que o devedor merece, em atenção às suas

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qualidades pessoais. Diz-se então que o crédito é


pessoal.
Assim acontece, normalmente, quando é descontada uma
letra. O conhecimento, por parte do Banco, dos
hábitos de pontual cumprimento dos intervenientes na
operação permite que realize o desconto. Note-se, no
entanto, que o crédito pessoal não é alheio a juízos
acerca do património do devedor, concedendo-se tal
crédito, com maior ou menor facilidade, tendo em
conta também o valor do património do devedor.
Quando o crédito é pessoal, porém, nenhum elemento
patrimonial fica afectado à garantia do pagamento.
Quando o crédito é real, pelo contrário, um ou
diversos elementos do património do devedor são
afectados especialmente em garantia real do
pagamento. Esta garantia real pode respeitar a bens
móveis, dados em penhor, ou a bens imóveis (ou, pelo
menos, sujeitos a registo público) sobre os quais
fique a recair uma hipoteca.
NOTA : Sobre as garantias bancárias do crédito
consultar João Calvão da Silva - Direito Bancário,
Subtítulo II.

V - OS TÍTULOS DE CRÉDITO E A CIRCULAÇÃO DO CRÉDITO

V. 1. - As situações de crédito exigem, normalmente,


que os direitos emergentes sejam documentados,
titulados, embora não se trate de uma característica
essencial de tais situações. E, num sentido amplo,
poderão entender-se por títulos de crédito todos e
quaisquer documentos dos quais constem situações de
crédito constituídas.
Num sentido restrito, porém, os títulos de crédito
circunscrevem-se a determinados instrumentos
destinados a facilitar a circulação do crédito, isto
é, a substituição de um credor por outro.
Facilitando a respectiva circulação, tais títulos
têm contribuído muito para o desenvolvimento do
crédito e, assim, também para o desenvolvimento
económico das sociedades modernas. Com efeito,
torna-se menos difícil encontrar quem esteja
disposto a assumir posições de credor desde que
essas posições sejam facilmente transmissíveis,
podendo os credores, através da sua transmissão,

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embolsar, antes do vencimento, as importâncias em


dívida.
Na actualidade, o desenvolvimento económico acha-se
largamente dependente da circulação dos títulos de
crédito, sem os quais a vida económica contemporânea
seria bem diversa. É a facilidade com que hoje se
podem aplicar as poupanças em títulos e revender
esses mesmos títulos, dada a existência das bolsas
de valores, que permite a um qualquer cidadão com
pequenas poupanças, em vez de ter depósitos em
bancos, investir em títulos, contribuindo assim mais
directamente com a sua poupança, ainda que pequena,
para a realização de investimentos.

V. 2. - Importará distinguir diversos tipos de


títulos de crédito, conforme as maiores ou menores
dificuldades de transmissão a que estão sujeitos.

V.2.1. OS TÍTULOS DE CRÉDITO NOMINATIVOS


Os títulos nominativos são aqueles em que a
titularidade dos seus possuidores resulta da
inscrição do nome do titular no livro de registos da
sociedade. É o que acontece frequentemente com as
acções (títulos representativos de uma fracção do
capital de uma sociedade anónima – ver Lei nº 1/04,
Lei das Sociedades Comerciais, Artigo 337º). Deste
modo, porque tais títulos nominativos são emitidos
em nome dos credores e registados, a sua transmissão
só produz efeitos para com a sociedade e terceiros a
partir do respectivo averbamento no livro de
registos (Ver Lei nº 1/04, Artigos 337º e 348º). O
mesmo pode suceder com as obrigações (títulos
representativos de um empréstimo) embora, quer estes
títulos quer a acções, também possam ser emitidos ao
portador, caso em que a titularidade resulta da
posse material do próprio título.
O registo tem o inconveniente de dificultar,
relativamente, a transmissão do crédito. Mas tem a
vantagem de evitar transmissões precipitadas, ou
extravios, susceptíveis de privarem os titulares dos
seus interesses.
NOTA : É a Lei que muitas vezes obriga certo tipo de
sociedades comerciais a terem o seu capital
representado por acções nominativas, por razões de
contolo da respectiva estrutura accionista. Veja-se o
caso dos bancos, em Angola – a Lei 13/05 é clara no
seu artigo 13º, alínea d), ao dizer que as

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“instituições financeiras bancárias com sede em


Angola devem … ter o capital representado por acções
nominativas”. E compreende-se a razão de ser se
tivermos presentes as disposições do artigo 14º, nº 7
e nº 8, do artigo 22º e do artigo 66º, nº 7 da mesma
Lei.

Apesar das vantagens apontadas, na actualidade é


cada vez mais raro haver títulos nominativos,
exactamente pela necessidade de a transmissão dos
títulos se fazer de uma forma rápida. Esta
necessidade, para além disso, levou à própria
desmaterialização dos títulos – nos países com um
mercado de títulos desenvolvido, a lei permite a
emissão de valores mobiliários exclusivamente na
forma escritural, isto é, títulos sem qualquer
suporte documental. Estes títulos não têm número de
ordem e são apenas materializados pela sua inscrição
em contas abertas em nome dos respectivos titulares,
através das quais se comprovam a sua natureza,
características e situação jurídica e se registam
todas as operações relativas ao exercício dos
direitos patrimoniais de que são objecto.

V.2.2. OS TÍTULOS DE CRÉDITO À ORDEM


Os títulos de crédito à ordem são transmissíveis por
simples endosso, isto é, por ordem de pagamento dada
pelo beneficiário e constante do verso do título.
Embora destes títulos conste o nome do credor
originário, ou beneficiário, não estão registados em
qualquer livro existente para o efeito. E, assim,
opera-se a respectiva transmissão pela referida
ordem de pagamento.
São títulos de crédito à ordem, entre outros de
menor relevo, a livrança, a letra, o warrant, o
conhecimento de embarque e a carta de porte aéreo.
Também o cheque é muitas vezes emitido como título à
ordem, embora possa, e muitas vezes o seja, emitido
ao portador.
A livrança é um título que contém uma promessa de
pagamento ao credor ou à sua ordem. Esta última
indicação distingue-a de outras declarações de
dívida e permite que a livrança circule nos mesmos
termos que as letras. Basta ao beneficiário, pessoa
a quem se dirige a promessa de pagamento, endossar a
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livrança para que o crédito se transmita. E o novo


beneficiário, pessoa a favor de quem o título foi
endossado, poderá transmiti-lo também, por novo
endosso. Se à data do vencimento o devedor, pessoa
que emitiu a livrança, não efectuar o pagamento ao
último beneficiário, ou tomador, que lha apresente
para o efeito, esse beneficiário poderá reclamar o
pagamento dos vários endossantes. Esta
responsabilidade dos endossantes facilita a
circulação do crédito.
Não difere substancialmente o mecanismo da letra,
que se distingue da livrança pelo facto de, em vez
de conter uma promessa de pagamento, consistir numa
ordem de pagamento. Pela letra, o sacador, que a
emite, dirige uma ordem de pagamento ao sacado, a
seu favor ou a favor de um terceiro beneficiário, ou
tomador. E assim, através do saque de uma letra é
possível realizar uma compensação de débitos:
Um comerciante A, devendo uma quantia Z ao
comerciante C mas sendo credor de um outro
comerciante B pela mesma quantia Z, pode
sacar sobre B uma letra à ordem de C.
O beneficiário C pode endossar a letra, e assim
transmitir o crédito a um novo beneficiário, que,
por sua vez, poderá de novo endossá-la, ficando
todos os endossantes responsáveis pelo pagamento.
As letras e as livranças são títulos de crédito que
facilitam o giro comercial, porque os que se
constituem credores podem receber o valor
representado por esses títulos antes do seu
vencimento, através do endosso.
Também constitui título de crédito à ordem,
endossável, o warrant, garantido por mercadorias
depositadas em regime de armazém geral,
designadamente nos armazéns das alfândegas. Os
depositários das mercadorias entregam aos
depositantes um título de propriedade e um warrant,
que pode circular como garantia de empréstimos,
porquanto as mercadorias warrantadas, depositadas em
regime de armazéns gerais, só são levantadas contra
entrega dos dois documentos. Assim, quem realizar um
empréstimo ao depositante das mercadorias garantido
por endosso do respectivo warrant sabe que o devedor
não tem possibilidade de retirar as mercadorias dos
armazéns gerais sem apresentação do warrant e do
título de propriedade. Pelo que o crédito fica
garantido através da posse do warrant endossado a
favor do credor.
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Em termos semelhantes aos warrants, podem circular


como títulos de crédito à ordem, endossáveis, os
conhecimentos de embarque e as cartas de porte aéreo
(em geral, conhecimentos de carga), que são títulos
comprovativos de que um navio ou um avião recebeu
determinado carregamento. Títulos semelhantes são
utilizados para outros meios de transporte.
Quanto ao cheque, pode ser emitido como título à
ordem, endossável, embora muitas vezes o seja ao
portador. O cheque, submetido, em larga medida, às
mesmas normas que disciplinam a circulação das
livranças e das letras, distingue-se destas por ser
sacado sobre um banco, por ser pagável à vista,
imediatamente, e por pressupor uma provisão, isto é,
um depósito suficiente, ou um crédito suficiente, do
sacador junto da entidade bancária sacada.
O cheque continua a constituir um dos instrumentos
mais utilizados para a movimentação da moeda
escritural (constituída, como sabemos, pelos saldos
existentes nos depósitos à ordem).
Cheque cruzado é um cheque atravessado por duas
barras paralelas, que o seu sacador pode traçar, e
que obriga a que, assim, só possa ser pago a um
banco. O beneficiário de um cheque cruzado terá de
remetê-lo a um estabelecimento bancário para que o
credite na sua conta, reduzindo-se os riscos de
apropriação ilegal.
Os cheques também podem ser visados, ou confirmados,
ou certificados, pelo banco sobre o qual são
emitidos, que, assim, garante a sua provisão ao
beneficiário, pois o valor correspondente fica
cativo na conta do sacador a aguardar a liquidação
do cheque.
NOTA : em Angola o cheque praticamente deixou de
circular logo após o advento da independência
nacional. Hoje em dia são muito poucas as empresas
que aceitam cheques em pagamento e quando aceitam são
cheques visados e mesmo assim só consideram bom o
pagamento depois de o banco comunicar que o cheque
foi cobrado.

V.2.3. - OS TÍTULOS DE CRÉDITO AO PORTADOR

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Além do cheque, que frequentemente é sacado ao


portador, como antes referido, apresentam particular
relevo, como títulos ao portador, as notas de banco.
Segundo a própria designação, os títulos de crédito
ao portador transmitem-se por mera tradição, pela
entrega, sem que esta seja acompanhada de qualquer
formalidade. Será credor na relação representada por
um título de crédito ao portador aquele que o
possua, excluída sempre a hipótese de detenção
ilegítima (Ver Lei nº 1/04, Artigo 349º).
De tal modo, sacado ao portador um cheque por A
sobre o banco X, esse cheque poderá ser entregue por
A a B, por B a C, por C a D, etc. - o banco X é
obrigado a pagar o cheque ao último portador que lho
apresente para pagamento.
O mesmo acontece com as notas de banco, que circulam
de mão em mão, sem qualquer formalidade. E também
outros títulos, como, por exemplo, acções e
obrigações, são, muitas vezes, emitidos ao portador
- a designação "anónima" nas sociedades por acções
resulta exactamente da possibilidade de o capital
ser propriedade de "anónimos" pelo facto de os
títulos que o representam serem ao portador.
Estes títulos ao portador oferecem a vantagem da
extrema facilidade de circulação. Apresentam, no
entanto, o inconveniente da relativa facilidade
também da sua apropriação ilegítima.

VI - OS FUTUROS FINANCEIROS
“A incerteza que os agentes económicos enfrentam
relativamente aos preços de transacções futuras
justificou a criação, desenvolvimento e utilização
de certos instrumentos : contratos a prazo,
futuros e opções. Trata-se do que também se
designa por títulos derivados, que se definem como
sendo aqueles cujo valor depende da cotação do
título principal subjacente” – ver José Martins
Barata, Moeda e Mercados Financeiros – Cap. XI.
Nos termos da Lei nº 12/05, Lei dos Valores
Mobiliários, Artigo 3º, alínea dd), “equiparam-se a
valores mobiliários os instrumentos ou activos
financeiros derivados, bem como os contratos
futuros, opções e outros derivativos”.
Os futuros constituem um instrumento com longa
tradição na economia dos Estados Unidos da América
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(a primeira bolsa de futuros foi criada em Chicago,


em 1848 – a Chicago Board of Trade), que nas últimas
décadas passou a ser utilizado também noutros países
com mercados muito desenvolvidos.
No essencial, um futuro consiste num contrato
segundo o qual duas partes (o comprador e o
vendedor) acordam num preço relativo a uma
transacção futura de um determinado produto. Por
exemplo, A – o comprador compra a B – o vendedor uma
quantidade Y de um produto determinado ao preço de
Kz 100,00 o Kg, cuja transacção (e pagamento) terá
lugar dentro de seis meses. Trata-se, portanto, da
fixação de um preço a prazo, entre duas entidades,
relativamente a uma quantidade Y de um produto
específico.

No início, o mercado de futuros circunscrevia-se aos


produtos agrícolas – era uma forma de os
agricultores fixarem antecipadamente o preço a
receber pelas suas colheitas futuras, fugindo às
flutuações de preços. Ao longo dos anos, os futuros
foram progressivamente abarcando outros sectores de
actividade e começaram a surgir cada vez mais
aqueles que utilizavam o mercado de futuros como
instrumento financeiro – se a sua perspectiva fosse
a de subida futura do preço dos produtos, iriam
comprar futuros; se a perspectiva fosse a inversa,
tomariam a posição de vendedores, tendo em vista, em
qualquer dos casos, a obtenção de ganhos com a
flutuação dos preços. Já na década de 70 do século
XX o mercado de futuros estendeu-se também aos
produtos financeiros, processo iniciado com a
criação, em 1972, de contratos de divisas na Chicago
Mercantile Exchange, a que se seguiram os contratos
de taxas de juros, etc.

Uma Bolsa de futuros (seja de produtos financeiros


ou de qualquer outro produto) só pode funcionar se o
mercado à vista dos produtos que lhe estão
subjacentes tiver dimensão suficiente e funcionar de
modo que os preços sejam formados de acordo com
mecanismos transparentes de regulação entre a oferta
e a procura. É por esta razão que não deve admirar
que o mercado de títulos de dívida pública constitua
o suporte preferencial da generalidade das Bolsas de

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16_agosto/2011 – PARTE I - CAP. II


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futuros no que respeita a futuros sobre taxas de


juro, já que aquele evidencia uma grande
continuidade de emissões, representa volumes de
títulos em circulação significativos e dispõe de
mercados secundários muito activos.

Um exemplo de utilização de um futuro sobre um


título de dívida pública : um aforrador terá
disponível dentro de três meses uma certa quantia
(suponhamos que irá receber o valor de uma dívida).
É sua intenção vir a aplicar o valor a receber em
títulos de dívida pública a curto prazo, que têm uma
boa taxa de juro. Como receia que, nesse espaço de
tempo de três meses, haja uma redução da taxa de
juro, e caso a cotação dos futuros garanta que venha
a obter uma taxa de juro idêntica à que os títulos
hoje têm, pode aplicar o valor hoje em futuros sobre
títulos de dívida como forma de garantir a taxa de
juro pretendida.

O contrato extingue-se, naturalmente, na sua data de


vencimento, altura em que o vendedor será obrigado a
entregar ao comprador (e este a adquiri-lo) o activo
financeiro subjacente ao futuro – neste xemplo, os
títulos de dívida pública -, ao preço da última
cotação. Alternativamente, qualquer comprador ou
vendedor pode liquidar a qualquer momento a sua
posição, bastando para o efeito relizar em Bolsa a
transacção inversa à inicial.

Um exemplo de utilização de um futuro sobre divisas


: as divisas podem ser vendidas e compradas à vista
e a prazo (entrega futura). Teoricamente, o preço a
prazo para uma divisa pode ser idêntico ao preço à
vista – entretanto, quase sempre o preço a prazo é
mais alto ou mais baixo que o preço à vista. As
operações a prazo com divisas podem servir, pois,
para evitar o risco de alterações na taxa ou para
simples especulação. Se uma empresa angolana importa
um equipamento do Japão que terá de pagar em ienes
daí a três meses, pode, com receio de que nesses
três meses o valor do iene se altere
substancialmente e venha a ser obrigada a pagar

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muitos mais Kz, fazer uma operação de compra a prazo


dos ienes de que irá necessitar para pagar a dívida
daí a três meses. Assim, evita o risco cambial,
tendo a certeza de que irá pagar apenas o montante
contratado.

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