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Governança: A dimensão política do desenvolvimento urbano sustentável

CAPÍTULO 2 – GOVERNANÇA URBANA INTERFEDERATIVA:


CONCEITOS E DEFINIÇÕES GERAIS

Vimos que o pacto federativo estabelecido no Brasil a partir da CF88 propôs a


descentralização do governo, expandindo os controles institucionais e da sociedade
nas esferas federal, estadual e municipal. Avanços significativos ocorreram a partir da
Carta Magna, como o reconhecimento dos movimentos sociais e a universalização do
sistema de saúde. Porém, alguns desafios continuam a existir, sobretudo em relação a
mecanismos capazes de permitir a efetiva cooperação entre os entes federados num
país com dimensões continentais e estruturalmente desigual.

Entender a dinâmica da governança nesse contexto envolve conhecer minimamente


como se configura a rede urbana brasileira, bem como alguns conceitos e suas aplicações
em cada caso. Eles serão tratados neste capítulo de acordo com o estabelecido pelas
Regiões de Influência das Cidades (REGIC) e pelo Estatuto das Metrópoles.

2.1 A rede urbana brasileira e a


contribuição do estudo das regiões
de influência das cidades (REGIC)
De acordo com Corrêa (2006), a rede urbana é um
reflexo e uma condição para a divisão territorial do
trabalho. As vantagens de cada local se diferenciam
à medida que uma estrutura se cria com uma
especialização funcional e caracterizadora. É o que
nos leva a identificar uma cidade como industrial,
portuária etc. No caso das cidades brasileiras, foi
justamente o caráter agroexportador que fez com
que determinadas cidades se desenvolvessem mais
do que outras, já que se consolidaram como sedes do
capital comercial.

Forma-se uma rede complexa à medida que as


funções das cidades se articulam umas com as outras.
Ela viabiliza a produção industrial, a circulação e
o consumo de mercadorias. Podemos entender a
rede urbana como a maneira como as cidades estão
dispostas no território e as relações que mantêm
entre si e com seu entorno através de fluxos de
informação, de capital, de pessoas e de mercadorias.
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As cidades maiores produzem bens e atuam como pontos de


distribuição. Os bens e os serviços das grandes cidades são
distribuídos para as de tamanho médio, que por sua vez os
distribuem para as menores. Quem vive em cidades menores
precisa muitas vezes se deslocar para acessar determinados
serviços mais especializados ou para estudar, por exemplo.

Quanto mais funções uma cidade realiza, maior é a sua zona de


influência. Essa organização forma uma hierarquia. Uma série de
cidades menores dependem da cidade principal, e delas dependem
outras cidades ainda menores. Como podemos supor, as relações
de uma cidade não são sempre iguais. Elas dependem das funções
que cada cidade realiza dentro dessa rede, e essas funções são
definidas levando em consideração a demanda da população,
sua zona de influência e os recursos financeiros disponíveis para
financiar o desenvolvimento.

A pesquisa Regiões de Influência das Cidades (REGIC) foi feita


para identificar e analisar a rede urbana brasileira. Ela foi capaz
de revelar os eixos de integração no território e os padrões
de distribuição das centralidades urbanas no país e tornou-se
assim um importante instrumento para tomada de decisões e
planejamento.

De acordo com a REGIC (IBGE, 2018), a rede urbana brasileira é


estruturada em duas dimensões. A primeira considera a hierarquia
dos centros urbanos e está organizada em cinco níveis. A segunda
dimensão considera as regiões de influência e pode ser identificada
por uma ligação das cidades de menor para as de maior hierarquia.

A unidade urbana utilizada no estudo é composta por um conjunto


que agrega municípios e seus arranjos populacionais. Essa escolha
foi feita por se levar em conta que vários municípios podem ser
inseparáveis como unidade urbana. É o caso dos municípios
conurbados ou que apresentam forte movimento pendular, numa
integração que permite considerá-los como um único nó na rede
urbana.

Na REGIC, a classificação da rede urbana considera duas questões


principais:

a) O papel de comando na gestão pública somado às funções


de gestão sobre os outros municípios;

b) O alcance que esse comando possui e a atratividade do


território, que delimitam sua área de influência.
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Figura 6: Níveis de hierarquia da REGIC.


Fonte: Elaborado pela autora. Elaboração gráfica do LabHab. 2022.
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Assim se estabelece a hierarquia entre os centros urbanos com base nas funções de
gestão que as cidades exercem umas sobre as outras, considerando o alcance desse
comando. Para fins didáticos, este módulo agrupará esses municípios da seguinte forma:

Grupo 1: metrópoles, capitais regionais e centros sub-regionais;

Grupo 2: centros de zona e centros locais.

A disposição da hierarquia que acabamos de apresentar pode ser observada a seguir.

Figura 7: Rede urbana – Brasil, 2018.


Fonte: IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia, Regiões
de Influência das Cidades (2019). in Regiões de influência das cidades:
2018 / IBGE, Coordenação de Geografia. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020.
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Se observarmos que a REGIC considera


em conjunto os municípios e os arranjos
populacionais por conta das suas integrações
e influência, já podemos supor que existam
situações desafiadoras para os limites
ATIVIDADE
territoriais. Devemos ainda lembrar que PROGRAMADA
segundo a CF88 (art. 25, § 3º), os estados
A partir do conhecimento trazido
podem instituir: até aqui, identifique em qual nível
de hierarquia o seu município está
[...] regiões metropolitanas, aglomerações enquadrado e descreva como é a
urbanas e microrregiões, constituídas rede de influência com os outros
municípios.
por agrupamentos de municípios
limítrofes, para integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.

Nos deparamos então, de uma só vez com uma série de conceitos, mas o que significa
cada um deles? No próximo subcapítulo trabalharemos detalhando esses conceitos para
avançarmos sobre a complexidade que envolve a governança interfederativa, dessa vez
levando em conta o Estatuto das Metrópoles.

2.2 As funções públicas de interesse comum e o Estatuto das


Metrópoles
A população urbana brasileira passou de 56% na década de 1970 para 85% em 2015
(PNAD, 2015). Mesmo com a intensificação e o crescimento da urbanização, somente
com o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015) orientações nacionais específicas
foram estabelecidas para os instrumentos de gestão interfederativa. Um dos seus
avanços mais importantes é definir os conceitos que orientam hoje o entendimento e as
ações dos grupos acadêmicos e da administração pública.

Inicialmente, a metrópole não deve ser confundida com a aglomeração urbana. De


acordo com Estatuto da Metrópole, a definição de metrópole é:

[...] espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância
política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no
mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (art. 2º, V, Lei nº 13.089/2015).

Já as aglomerações urbanas são definidas como:

[...] unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios
limítrofes, caracterizada por complementariedade funcional e integração das dinâmicas
geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas. (art. 2º, I, Lei nº 13.089/2015).
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Sendo assim, o que diferencia a aglomeração urbana da região metropolitana vai além
da noção de aglomerações que estabelecem relações complementares entre si. A
metrópole exige um nível de influência que envolve outros territórios num nível regional
ou nacional.

À medida que pessoas circulam em busca de


bens, serviços e/ou oportunidades de trabalho,
há a conurbação entre os municípios. Esse
é um processo relativamente comum, já que
cidades diferentes podem se especializar
ou possuir atrativos diferentes. Essa
conformação orgânica demanda soluções
regionais para resolver questões como a
do transporte, e pode dar origem ao que Figura 7: Conurbação.
conhecemos por Regiões Metropolitanas. Fonte: Elaboração gráfica do LabHab. 2022.

As regiões metropolitanas já estavam previstas pela legislação brasileira desde a


Constituição Federal de 1967. Com a Lei Complementar nº 20/1974, foram instituídas
as primeiras regiões metropolitanas no Brasil: as Regiões Metropolitanas de São Paulo,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Com o Estatuto das
Metrópoles, seu conceito passou a ter contornos mais definidos.

Quando os estados passaram a ter a competência de instituir as regiões metropolitanas,


elas puderam ser estabelecidas com intencionalidades específicas. Não são mais
necessariamente fruto de um processo, como acontece no fenômeno de conurbação. Há
casos como o da RM da Grande São Luís (MA) em que as RMs foram criadas em territórios
descontínuos, onde havia baixa densidade sociodemográfica e econômica. Assim, a partir
do Estatuto da Metrópole as regiões metropolitanas são entendidas como uma unidade
regional instituída pelos estados por meio de uma lei complementar. Elas são formadas
por um agrupamento de municípios limítrofes, de modo a integrar a organização, o
planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum (art. 2º, VII, Lei nº
13.089/2015).

APROFUNDE-SE ATIVIDADE
Caso queira se aprofundar mais no assunto, acesse a Série PROGRAMADA
Governança Metropolitana no Brasil, desenvolvida pelo IPEA.
Cite exemplos de uma
MARGUTI, B. O.; COSTA, M. A.; FAVARÃO, C. B. metrópole e de três casos
(Org.). Brasil metropolitano em foco: desafios à de aglomeração urbana
implementação do Estatuto da Metrópole. Brasília: no seu estado. Como eles
Ipea, 2018. (Série Rede Ipea. Projeto Governança se diferenciam? Como
Metropolitana no Brasil, 4). Disponível em: http://
brasilmetropolitano.ipea.gov.br/#biblioteca é a governança desses
territórios?
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De acordo com Moreira e Guimarães (2015), o que fundamenta a constituição das regiões
metropolitanas é a necessidade de se atender a demandas urbanas específicas com vistas
ao planejamento, à integração e à execução das funções públicas de interesse comum
(FPICs). Isso indica o interesse de cumprir o planejamento integrado do território,
levando em conta tanto os interesses dos municípios que as compõem quanto os do
estado no qual está inserida. Ou seja, as funções públicas de interesse comum são os
interesses metropolitanos, ações de planejamento, coordenação, controle, programação,
fiscalização e execução realizados de forma integrada para incluir as necessidades de
todos os entes federados envolvidos.

A função pública de interesse comum é definida no Estatuto da Metrópole como “[...]


política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um município,
isoladamente, seja inviável ou cause impacto em municípios limítrofes” (art. 2º, II, Lei
13.089/2015). Estão relacionadas às atividades que causam impacto nos municípios e
ultrapassam seus limites territoriais, como sistema viário, saneamento básico, uso do
solo, defesa civil, preservação ambiental e recursos hídricos.

Figura 8: Funções públicas de interesse comum.


Fonte: Elaborado pela autora. Elaboração gráfica do LabHab. 2022.

Já o “[...] compartilhamento de responsabilidades entre entes da Federação em termos


de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum” (art.
2º, IV, Lei 13.089/2005) é justamente o que define a governança interfederativa.
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Figura 9: Governança interfederativa.


Fonte: Elaborado pela autora. Elaboração gráfica do LabHab. 2022.
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A governança interfederativa foi uma das inovações mais importantes do Estatuto da


Metrópole. Ela se refere à formalização das regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, integrando o planejamento, a organização e a execução
das funções públicas de interesse comum (ARAÚJO; FERNANDES, 2014). Portanto,
quando falamos de governança interfederativa, devemos considerar que todos os entes
federados de uma região metropolitana devem compartilhar as ações de planejamento,
organização e execução das funções públicas de interesse comum. Ou seja, trata-se de
uma gestão compartilhada (ARAÚJO; FERNANDES, 2014; MOREIRA; GUIMARÃES,
2015).

De acordo com Moreira e Guimarães (2015), esse instrumento é importante, porque


através dele os municípios determinam em sua articulação as diretrizes de parcelamento,
uso e ocupação do solo urbano. Nesse caso, os municípios devem adequar o Plano Diretor
com o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da unidade territorial, seja ela uma
região metropolitana ou aglomeração urbana.

O Estatuto da Metrópole é um instrumento de grande importância. Ele traz avanços


na definição e organização das responsabilidades dos entes federados, preservando
sua autonomia e fazendo com que o interesse comum prevaleça. Orienta para a gestão
democrática, para a efetividade do uso dos recursos públicos e para o desenvolvimento
sustentável através da governança interfederativa. Nos Capítulos 3 e 4 a seguir,
trataremos especificamente das experiências dos consórcios públicos e das associações
dos municípios.

AULA 2
MÓDULO 2

Aula 2 - Governança urbana:


conceitos básicos.

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