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18 (2013)
Número 18
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Referência eletrônica
Daniel de Mello Sanfelici, « A financeirização do circuito imobiliário como rearranjo escalar do processo de
urbanização », Confins [En ligne], 18 | 2013, mis en ligne le 22 juillet 2013, consulté le 22 juillet 2013. URL : http://
confins.revues.org/8494 ; DOI : 10.4000/confins.8494
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investimento coletivo que investem em ativos de renda (por exemplo, shopping centers e
escritórios) e em que cada cotista recebe, mensalmente, dividendos que refletem a parte
alíquota da qual o cotista é proprietário. Por importante que sejam esses instrumentos para
entender a financeirização em sua relação com a transformação das cidades, pretendemos
focalizar aqui em outro ponto de integração entre o financeiro e o imobiliário: as grandes
incorporadoras que passaram a financiar o investimento mediante recurso ao mercado de
capitais.
9 Historicamente geridas como pequenas empresas familiares, as principais incorporadoras
brasileiras – a maior parte sediada em São Paulo – enxergaram na expansão do crédito
habitacional uma oportunidade única de expandir o investimento e ampliar suas receitas
e lucros em um curto intervalo de tempo. Mas um aumento rápido do investimento não
poderia ser financiado nem com recursos próprios, visto que poucas tinham volume de
capital significativo, nem com acesso ao financiamento bancário, uma vez que os bancos
possuem limites de concessão de crédito a um mesmo devedor. O acesso ao mercado
de capitais mediante a emissão de papéis como ações e debêntures apareceu como uma
alternativa para as empresas que precisavam, afinal, de um volume significativo de capital
para despender com a compra de terrenos.
10 O volume de capital levantado por incorporadoras e construtoras no biênio 2006/7
mediante a emissão de ações e debêntures foi surpreendente: mais de R$ 15 bilhões
em ações e quase R$ 2 bilhões em debêntures, a maior parte (em torno de 70%
segundo entrevistas e matérias de jornais) adquirida por grandes investidores institucionais
estrangeiros3. O uso desses recursos se materializou nos dados de unidades lançadas
e valor geral de vendas (VGV)4 lançado entre 2005 e 2010, período que corresponde
às transformações de maior profundidade no setor. A Tabela 1, abaixo, sintetiza
esses resultados com base no desempenho operacional e financeiro de sete grandes
incorporadoras de capital aberto.
Tabela 1- Número de unidades lançadas e VGV lançado por sete incorporadoras brasileiras
– 2005-2010.
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ontológicos da ação social. Nesse sentido, é preciso ter consciência desses limites de
representação, porque uma tabela nunca dá conta de representar de modo satisfatório
a complexidade dos elos, articulações e tensões entre as escalas discernidas. Ela serve
apenas como ponto de referência analítico. A segunda advertência remete ao fato de que
nem sempre certos agentes e processos podem ser nitidamente circunscritos em termos
de um determinado nível escalar. Para citar um exemplo, alguns dos bancos nacionais
que desempenham um papel primordial em financiar a aquisição da casa própria no
cenário atual extravasam as fronteiras nacionais, de modo que poderiam, possivelmente,
ser entendidos como agentes globais. O mesmo vale, por exemplo, para proprietários
de terrenos na escala local: alguns deles podem ser, na verdade, empresas que possuem
interesses que vão muito além da escala local. Feitas essas ressalvas, contudo, parece
interessante identificar esses agentes e seus níveis escalares como um passo inicial para
entender a complexa articulação de escalas produzida pela financeirização.
19 No que segue, identificaremos e discutiremos algumas articulações entre esses níveis e as
tensões que emergiram tendo como base em pesquisa de campo realizada em São Paulo e
em Porto Alegre entre 2011 e 2012. Os levantamentos de campo consistiram em entrevistas
realizadas com analistas de mercado, empresários do setor imobiliário e dirigentes de
entidades de classe entre Setembro de 2011 e Abril de 2012, bem como em levantamentos
de dados coligidos por institutos de pesquisa e entidades do setor imobiliário e publicações
setoriais8.
Tabela 4 – Dimensões escalares da financeirização do espaço urbano
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visualizar algumas tensões que podem ser lidas em termos de relações interescalares10.
Como Kevin Gotham (2006; 2009) ressalta, o setor imobiliário é particularmente propenso
a toda sorte de opacidades que dificultam sobremaneira sua conversão em um “ativo
financeiro” dotado de liquidez. Particularmente relevante é seu enraizamento profundo
em condições regionais e locais muito específicas, referentes à dinâmica de localização
particular que cada mercado regional possui e à inserção que determinada empresa possui
em uma teia densa de relações composta por diferentes agentes atuando nesses mercados
locais. Diferentemente de um produto industrial homogêneo como um automóvel, no caso
da moradia um indicador como volume de produção não fornece uma informação confiável
sobre as receitas e a lucratividade de uma empresa. Duas empresas com o mesmo volume de
produção e mesmos custos de construção podem ter resultados completamente diferentes
dependendo da qualidade dos negócios que se envolveram nas diferentes regiões em que
atuam. Essas circunstâncias geram uma incerteza, da parte do investidor financeiro, quanto
aos critérios corretos a serem adotados para avaliar uma empresa e seu desempenho. Essa
incerteza se exprimiu, no Brasil, em uma volatilidade dos critérios dos investidores para
avaliar o setor, induzindo as empresas a erros de avaliação, decisões precipitadas e posturas
especulativas. Em uma entrevista com uma analista do mercado imobiliário do Secovi/SP,
Ana Maria Castelo, a entrevistada observa esse desencontro:
uma parte aí do impacto dos mercados [nas] grandes cidades [veio com] essa necessidade de
gerar resultados. Os investidores não sabiam muito para onde olhar. Existia já um histórico de
acompanhar a empresa, empresas da indústria, empresas de serviços, mas o setor da construção
[...] era um setor novo dentro do mercado de capitais. Então, que parâmetro usar? E aí nessa
incerteza, um dos parâmetros que eles começaram a usar foi o banco de terrenos. Ah, você tem um
banco de terrenos bom significa que vai lançar, e aí as empresas começaram a correr pra formar
esse banco de terrenos, já com o início aí da subida do preço dos terrenos11.
24 De forma semelhante, um dos diretores de incorporação da Brookfield S.A., José de
Albuquerque, afirma que:
as empresas do setor imobiliário eram empresas mais familiares e quando teve a moda dos IPOs
[Initial Public Offering, a abertura de capital em bolsa] aí nos anos 2006, 2008, vinte empresas
correram para abrir capital, viraram capital aberto, Novo Mercado [Bovespa]. Só que aí Novo
Mercado é aquela história, tem regras que o setor imobiliário não estava acostumado e [que] o
mercado não estava acostumado. Então a primeira história pra situação subir, o resultado trimestral
era quanto de VGV [Valor Geral de Vendas] você vai lançar, “guidance12 do ano”, “guidance do
ano”. [...] Depois começaram: “o que você tem de landbank [banco de terrenos]”, “o que você
tem de landbank”, “quem tem o melhor landbank é o melhor do mundo” e tal. Quer dizer, nem
os mercados financeiros entendiam as companhias e muito menos as companhias entendiam o
mercado financeiro13.
25 A necessidade de satisfazer as demandas dos investidores respondendo às suas expectativas
levou muitas empresas a se precipitarem em uma compra desenfreada de terrenos quando
os investidores olhavam com especial apreço para o volume do banco de terrenos de
cada empresa como indicador de rentabilidade futura. Isso ocorreu principalmente nos dois
primeiros anos após a abertura de capital na bolsa (entre 2007 e 2009). Algumas empresas
foram particularmente prejudicadas por essa postura: quando a crise financeira de 2008 se
traduziu em uma escassez temporária de financiamento externo via mercado de capitais, essas
empresas tinham muito capital imobilizado na forma de terrenos, o que tornou particularmente
difícil continuar financiando as atividades. Daí que muitas delas foram forçadas a diminuir
drasticamente o volume de lançamentos e mesmo liquidar parte de seu banco de terrenos, a
fim obter recursos líquidos para honrar seus pagamentos – é o que explica a queda rápida
dos lançamentos da Gafisa em 2009 (Ver Tabela 1). Outras ainda foram adquiridas por
empresas maiores em situação financeira melhor. A diretora de relações com investidor da
Even, Ana Paula Barizon, demonstra, também, uma percepção de que o mercado financeiro
dita parâmetros que muitas vezes são inadequados à realidade do setor, mas faz questão de
colocar a sua empresa como uma das que não se dobraram ao poder acionista:
a gente até brinca que tem as modas do mercado financeiro, então lá na época do IPOs [abertura de
capital], o mercado financeiro queria que todo mundo fosse pra tudo quanto é lugar, diversificasse
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a atuação em mil estados, lançasse pra caramba, e a Even sempre teve um perfil mais conservador.
A gente até acredita que a ação da Even sempre teve um leve desconto aí, por conta da postura
mais conservadora do nosso management e da nossa estratégia. […] O mercado financeiro […] é
mais de modismo, então lá em 2007 [...] a moda era lançar, lançar, lançar. Então quanto maior o
guidance que as empresas davam, mais o mercado gostava e acabava achando que aquela empresa
ia dar grande retorno […] E agora o que a gente vê do mercado é que a grande menina dos olhos é
geração de caixa. [...] Quanto mais cedo uma empresa puder se tornar caixa positivo, é o que eles
estão olhando agora. [...] [A] Even é muito focada na sua estratégia interna e o mercado financeiro
tem os modismos14.
26 A vinculação entre a escala global, representada aqui pelos grandes fundos de aplicação
empenhados em compor uma carteira diversificada de ativos, e a escala nacional,
onde predominantemente atuam, desde a abertura de capital em 2006/7, as grandes
incorporadoras brasileiras, depende, portanto, de condições políticas, econômicas e
institucionais que fazem dos papéis emitidos pelo setor imobiliário ativos atraentes (ou
seja, líquidos, seguros e rentáveis) para os grandes fundos globais. O que está em jogo é
a necessidade de uma sintonização entre as expectativas e temporalidades que definem a
gestão financeira dos grandes fundos de aplicação e a natureza particular do setor no qual
investem – no caso do imobiliário, um setor com uma lógica espaço-temporal bastante
particular. Mas esse empenho por sintonização, por exprimir na maior parte vezes o poder
assimétrico existente entre os investidores e as empresas, resulta em contradições que
podem emergir de inúmeras formas e que podem colocar em xeque as relações forjadas
entre esses agentes e processos predominantes em escalas diferentes. Como ilustramos
aqui brevemente, no caso brasileiro houve desacertos e desencontros entre as expectativas
e prioridades dos investidores e aquelas das incorporadoras/construtoras, acarretando em
problemas para algumas empresas em particular, decorrentes de saltos especulativos, e/ou
desvalorizações dos papéis das incorporadoras que não seguiram à risca as injunções dos
novos acionistas.
27 Um segundo aspecto do processo de financeirização do imobiliário no Brasil refere-se
à criação de relações econômicas entre as empresas nacionais e empresas associadas/
parceiras, a maioria das quais atuam na escala urbana/local15. O que se colocou após
a abertura de capital para as grandes incorporadoras foi, como vimos, uma pressão
por expandir rapidamente o volume de lançamentos a fim de satisfazer as expectativas
de crescimento dos novos acionistas. Essa necessidade logo revelou a insuficiência do
mercado de São Paulo – mercado de origem para a maior parte das incorporadoras – para
contemplar as metas visadas, o que impeliu as empresas a se dispersarem regionalmente,
seja por meio da aquisição de empresas menores, seja por meio de parcerias com
incorporadoras locais ou, finalmente, mediante a abertura de escritórios regionais. Essa
expansão, contudo, trouxe à tona o fato de que existe uma série de riscos atrelados à
tentativa de coordenação de investimentos pulverizados por todo o território nacional.
28 Uma dessas dificuldades refere-se à práticas administrativas e capacidades técnico-
operacionais dos parceiros com os quais as grandes incorporadoras contaram para se
irradiar pelo território nacional. Muitos desses parceiros, convencionalmente pequenas
empresas familiares, simplesmente careciam das condições técnicas e econômicas exigidas
para construir empreendimentos na quantidade e qualidade requerida pelas grandes
empresas. Também faltavam a essas empresas o rigor das práticas de contabilidade e
administração que eram exigidas, pelos investidores financeiros, das empresas de capital
aberto. Isso resultou, em inúmeros casos, em extravasamento dos custos previstos e queda
na rentabilidade dos empreendimentos nas regiões distantes. O analista de investimentos
do Banco do Brasil, Wesley Pereira, observa, no contexto da expansão regional, que
[…] as incorporadoras [são] baseadas em três grandes segmentos: incorporação, construção e
vendas. A incorporação entra na parte do projeto, na parte do terreno e tal. A construção é a
engenharia, propriamente dita e vendas é a parte de corretagem. Então [as construtoras] viram que
na parte de incorporação elas tinham estrutura suficiente para prospectar um terreno e fazer um
projeto. Só que para construir, elas optaram por construir via parcerias. Então em um ambiente
aquecido de mão de obra, essas parcerias foram se encarecendo, mais do que o previsto nos
contratos.
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Considerações finais
34 A financeirização do circuito imobiliário teve como requerimento básico a construção e/
ou aprimoramento de canais por intermédio dos quais os grandes investidores financeiros
internacionais puderam, de forma cada vez mais eficaz e sistemática, se apoderar dos
rendimentos produzidos pela reestruturação do espaço urbano e regional no Brasil.
A criação desses canais pressupõe uma complexa arquitetura econômica e político-
institucional, sugerindo que a presença do Estado é aqui indispensável. Além disso,
para que os grandes investidores financeiros – notadamente, os grandes fundos coletivos
de aplicação e os assim chamados investidores institucionais – pudessem se interessar
pelo mercado imobiliário urbano, foi necessário criar mecanismos para flexibilizar a
propriedade imobiliária urbana, metamorfoseando essa última em papéis (recebíveis
imobiliários, cotas de fundos de investimento imobiliário, ações de incorporadoras etc)
negociáveis em mercados secundários regulados e supervisionados pelo Estado.
35 O que pretendemos demonstrar nesse artigo é que a financeirização dos negócios
imobiliários dependeu, também, para seu êxito, de um rearranjo escalar do processo de
urbanização. Em outras palavras, a financeirização envolveu a criação e/ou redefinição
das relações travadas entre as escalas global, nacional e local, um processo que
é necessariamente contraditório. Procuramos colocar em foco, aqui, algumas das
contradições que permeiam essa articulação entre as escalas no processo de financeirização
do circuito imobiliário, centrando a análise em dois momentos: no nível dos vínculos entre
o global e o nacional, em que destacamos as tensões que decorreram da inconstância e
incongruência dos critérios mediante os quais os investidores financeiros internacionais
têm avaliado o desempenho das grandes incorporadoras brasileiras; e no nível dos vínculos
entre o nacional e o local, em que observamos os obstáculos enfrentados pelas grandes
incorporadoras, no âmbito de sua política dispersão territorial, que decorreram de sua
associação com empresas familiares locais com pouca experiência ou capacitação para
conduzir negócios no volume e na qualidade requerida pelas parceiras maiores. Trata-se,
portanto, de uma configuração escalar que é altamente instável porque contém diversas
fissuras, embora essa instabilidade não tenha atingido um ponto de ruptura.
36 Convém lembrar, finalmente, que os processos sociais de produção e rearranjo de vínculos
escalares medeiam, e ao mesmo tempo são mediados, por relações de poder, de tal
forma que a reconfiguração de hierarquias escalares produz “geografias e coreografias
de inclusão/exclusão e dominação/subordinação que conferem poder a certos atores,
alianças e organizações em detrimento de outras” (BRENNER, 2009, p. 73). Além disso,
as “hierarquias escalares podem operar não apenas como arenas para lutas por poder
social, mas também como objetivos [dessas lutas] na medida em que essas hierarquias
escalares são desafiadas e perturbadas no curso das lutas e conflitos sociopolíticos por
posicionalidade” (BRENNER, 2009, p. 73). Logo, é preciso ver o arranjo escalar aqui
discutido como uma configuração que exprime, em última análise, o poder adquirido pelos
grandes investidores institucionais e fundos de aplicação financeira de ditar os rumos do
desenvolvimento da economia capitalista e, cada vez mais, também da urbanização nas
últimas décadas. Uma vez que se deseje confrontar as condições econômicas e sociais que
reduzem as metrópoles brasileiras a extensos campos para valorização de capitais na esfera
financeira, acentuando processos de segregação e fragmentação socioespacial, é necessário
colocar em pauta a construção de arranjos escalares fundamentalmente diferentes, mais
afinados com o que Henri Lefebvre (2001) entendia por direito à cidade.
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Notes
1 Para um estudo mais pormenorizado dessas mudanças, ver Royer (2009). Botelho (2007) e Fix (2011)
também oferecem uma descrição e análise dessas transformações.
2 A securitização diz respeito à transformação de um contrato de dívida em um papel negociável
em mercados secundários. Os CRIs são títulos que possuem rendimento derivado do pagamento das
prestações (principal mais juros) das famílias que contraem empréstimos habitacionais.
3 ESTRANGEIRO leva 72,5% das ações vendidas pela Rossi. O Globo, Rio de Janeiro, 15/10/2009.
4 VGV é uma forma utilizada pelas incorporadoras para contabilizar seu produto. Refere-se a soma do
valor potencial de todos os empreendimentos lançados.
5 Vale frisar que em alguns casos não houve perda de participação relativa da região metropolitana de
São Paulo, e sim uma dispersão do restante dos lançamentos da empresa por um número maior de
estados da federação.
6 O estado de São Paulo é o único que se encontra segmentado em dois: a região metropolitana e o
interior.
7 Esse termo, vale frisar, não é empregado por todos esses autores, mas os sentidos das mudanças em
curso estão, de uma forma ou de outra, ilustrados nessas diferentes pesquisas.
8 O trabalho de campo beneficiou-se de uma parceria com dois colegas de Doutorado do Laboratório de
Geografia Urbana da USP: César Simoni dos Santos e Sávio Augusto Miele. A cooperação envolveu
a realização de entrevistas, coleta de dados e, principalmente, um debate contínuo sobre a natureza
do processo de produção do espaço das metrópoles atuais, que contribuiu muito para algumas das
reflexões desse artigo.
9 Cf. http://www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_novo-mercado.asp.
10 Utilizaremos, aqui, as entrevistas mencionadas apenas como fonte de informação. Evidentemente
que as percepções dos entrevistados estão imbuídas de representações que são a tradução subjetiva
do domínio prático que esses agentes possuem da estrutura social na qual se encontram imersos. Por
isso, sua visão de mundo tende, inevitavelmente, a naturalizar as relações sociais que conformam sua
prática cotidiana e a ignorar manifestações que expressam as contradições que essas relações encerram.
Depreende-se, daí, que deve ser mantido um distanciamento crítico dessas representações, que não
podem, absolutamente, nortear a argumentação. Vale lembrar, além disso, que a discussão levada a
cabo, aqui, também dependeu de extensa pesquisa em fontes como publicações setoriais e periódicos
econômicos.
11 Entrevista realizada em 24/10/2011 em São Paulo.
12 Guidance é uma espécie de planejamento anual no qual as empresas indicam sua intenção em termos
de lançamentos, vendas, etc.
13 Entrevista realizada em 06/10/2011, em São Paulo.
14 Entrevista realizada em 27/10/2011, em São Paulo.
15 Aqui convém uma ressalva: nem todas as empresas que dispersaram seus investimentos pelo país
o fizeram mediante o estabelecimento de parcerias com empresas locais, algumas optando, ao invés
disso, por abrir sucursais ou escritórios regionais responsáveis por gerir os negócios em diferentes
mercados. Isso não significa, contudo, que não esteja em questão aqui um processo de articulação
entre níveis escalares distintos: toda incorporadora que deseje expandir territorialmente seus negócios
acabará por defrontar-se com a necessidade de lidar com uma miríade de circunstâncias econômicas
e sociais que diferenciam enormemente os mercados onde atua. Seu êxito ou fracasso no processo de
expansão regional repousa, fundamentalmente, sobre sua capacidade de ser suficientemente flexível
para enfrentar essas circunstâncias diferenciadas encontradas na escala local.
16 Entrevista realizada em 21/10/2011, em São Paulo.
17 Entrevista realizada em 27/10/2011, em São Paulo.
Référence électronique
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@apropos
Daniel de Mello Sanfelici
Doutorando em Geografia Humana, Universidade de São Paulo (USP), danielsanfelici@gmail.com
Droits d'auteur
© Confins
Résumés
Nos últimos cinco a dez anos, o setor imobiliário residencial no Brasil registrou uma expansão
extraordinária em termos de lançamentos e vendas. Essa expansão, que vem transformando
rapidamente as metrópoles brasileiras, foi impelida por um entrelaçamento sem precedentes do
sistema financeiro com o circuito de produção e consumo do ambiente construído urbano no
país. Na esteira desse fenômeno, muitos autores vêm tentando interpretar essas transformações
à luz do movimento de financeirização da economia, como uma expressão do poder redobrado
dos investidores financeiros em obter rendimentos com a transformação do espaço urbano.
Esse trabalho pretende contribuir para esse debate em curso argumentando que o processo
de financeirização, que nos últimos anos atingiu os negócios imobiliários no Brasil, produziu
um reordenamento dos vínculos entre as escalas geográficas. A primeira parte do trabalho
dedica-se, assim, a proporcionar uma visão panorâmica das transformações ocorridas nos
negócios imobiliários como fruto da articulação com o sistema financeiro. Na segunda parte,
apoiando-nos em uma gama de entrevistas realizadas entre 2011 e 2012 e em levantamentos
de dados sobre o setor em questão, procuramos colocar em destaque as formas de articulação
entre agentes situados em diferentes escalas socioespaciais. Nesse movimento, a articulação
entre a escala global e a escala nacional é ilustrada pela necessidade das incorporadoras de
tornarem suas atividades mais “transparentes” a fim de que seus papéis possam ser agregados
ao portfólio de grandes investidores institucionais estrangeiros. Os vínculos entre a escala
nacional e a local, por sua vez, são examinados como fruto do estabelecimento de parcerias
entre as grandes incorporadoras financeirizadas e construtoras/incorporadoras pequenas e
médias regionais. Em ambos os casos, procuramos colocar em evidência os desencontros e
as tensões que resultam da aproximação de agentes expressivos de lógicas espaço-temporais
díspares, demonstrando que a escala geográfica, longe de ser uma dimensão estanque do
processo social, é produzida e transformada socialmente e, enquanto tal, internaliza tensões
e contradições sociais. O trabalho realça, em sua conclusão, a importância da construção de
nexos escalares para a reprodução do poder das finanças na atualidade.
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spatiales. La première partie de l’étude propose une vision panoramique des transformations
des transactions immobilières issues de l’articulation avec le système financier. La deuxième
partie se base sur une série d’entretiens réalisés entre 2011 et 2012 et sur des relevés de données
relatives au secteur en question, pour distinguer les types de rapports entre agents de différentes
échelles socio-spatiales. Dans ce mouvement, l’articulation entre échelle mondiale et échelle
nationale est illustrée par le besoin des promoteurs à faire preuve de plus de « transparence »
au niveau de leurs activités afin de pouvoir intégrer le portefeuille des grands investisseurs
institutionnels étrangers. Quant aux liens entre échelle nationale et échelle locale, ils sont
envisagés comme le fruit de partenariats établis entre les grands promoteurs immobiliers
financiarisés et les petits et moyens constructeurs/promoteurs régionaux. Dans les deux cas,
l’objectif est de souligner les mises à distance et les tensions résultant du rapprochement
d’agents expressifs de logiques spatio-temporelles dissemblables. Partant de là, l’échelle
géographique n’est pas vue comme une dimension étanche du processus social ; au contraire,
elle est produite et transformée socialement et, en tant que telle, intériorise des tensions et des
contradictions sociales. Finalement, l’accent est mis sur l’importance de la construction de
liens scalaires pour la reproduction du pouvoir des finances dans l’actualité.
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Confins, 18 | 2013