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A regulação do mercado imobiliário

e política habitacional no Rio de Janeiro


Real estate market regulation
and housing policy in Rio de Janeiro

Thêmis Amorim Aragão [I]

Resumo
O problema habitacional no Brasil, nas últimas
duas­décadas, tem aumentado. O déficit habitacio- Abstract
nal absoluto no País passou de 5,657 milhões, em The housing problem in Brazil increased in the
2016, para 5,877 milhões em 2019. A pesquisa aqui last two decades. The absolute housing deficit
apresentada tenta problematizar o papel do Estado rose from 5,657 million in 2016 to 5,877 million
não somente como promotor de habitação de inte- in 2019. The research presented here attempts to
resse social, mas também como agente regulador problematize the role of the State not only as a
do mercado imobiliário que envolve tanto o setor promoter of social housing, but also as a regulator
de vendas quanto o setor de aluguéis. Este artigo of the real estate market, including both rental
visa colocar em pauta que, sem o controle do Esta- and sales markets. The article aims to point out
do sob mecanismos de acesso ao mercado formal that, without State control through mechanisms
de imóveis, a produção de novas unidades habita- of access to the formal real estate market, the
cionais para baixa renda é apenas uma medida mi- production of new low-income housing units is
tigadora para as restrições que o mercado impõe only a mitigating measure for the restrictions that
aos trabalhadores. the market imposes on workers.
Palavras-chave: déficit habitacional; mercado imo- Keywords: housing deficit; real estate; affordability;
biliário; affordabilidade, necessidades habitacio- housing needs; housing demand.
nais; demanda habitacional.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 Artigo publicado em Open Acess
http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5414 Creative Commons Atribution
Thêmis Amorim Aragão

No Brasil, a maior parte dos diagnósticos destacando o papel mais amplo do Estado na
sobre políticas habitacionais busca analisar os condução de ações que ultrapassam as da
dados o déficit habitacional em comparação produção pública de moradia. Considerando
com a produção habitacional pública, dando a complexidade do campo habitacional, que-
enfoque aos aspectos quantitativos da política. remos ressaltar que o poder público tem pre-
Russo (2014) argumenta que, apesar dos estu- ponderante responsabilidade na regulação do
dos desenvolvidos pela Fundação João Pinheiro mercado imobiliário e do uso do solo, assim
realizarem uma abordagem mais complexa do como essas estratégias podem ser até mais
problema, levantando dimensões qualitativas relevantes do que os tradicionais programas
da habitação e dos aspectos demográficos, de provisão de Habitação de Interesse Social –
existe uma tendência generalizada­por parte do HIS. Nesse sentido, para mostrar os efeitos ne-
poder público e dos meios de comunicação em gativos da pouca regulação do mercado imobi-
dar enfoque primordial ao aspecto­quantitativo liário e a limitada eficácia dos instrumentos de
da política, o que impede uma compreen­são ordenamento do solo na promoção de justiça
mais ampla das questões habitacionais. social, tomaremos o comportamento das com-
Gilbert (2001), analisando o contexto lati- ponentes do déficit habitacional para demons-
no-americano, aponta três questões relevantes trar lacunas da ação do Estado em eixos rele-
ao se considerar o indicador do déficit habita- vantes da política. Somado a isto, propomos
cional como parâmetro de avaliação de políti- enfatizar a importância da desconstrução da
cas públicas habitacionais, especialmente quan- ideia de que cabe ao Estado somente prestar
do se observa apenas o critério quantitativo: assistência à população pobre ou, recobrando
a ideologia difundida mais recentemente, de
Primeiramente, déficits habitacionais que cabe ao poder público “dar condições” pa-
são baseados em um método de análise
ra o mercado resolver o problema habitacional
altamente dúbio do problema habitacio-
nal. Para definir o déficit habitacional, através do aumento da demanda obtida pela
é necessário classificar todas as mora- política de crédito.
dias tanto as satisfatórias como as não O artigo está dividido em três partes. Na
satisfatórias, usualmente com base em primeira parte será apresentado um panorama
critérios físicos [...]. Em segundo lugar,
dos fundamentos microeconômicos sobre o
os cálculos do déficit habitacional ten-
dem a negligenciar se a população, ou bom funcionamento dos mercados, argumen-
mesmo o governo, pode pagar pelas so- tos amplamente difundidos para a consolida-
luções aparentemente­melhores [...]. Em ção de uma lógica, como vamos argumentar,
terceiro, os cálculos do déficit sempre incompatível com a realidade da dinâmica ur-
produzem metas que poucos governos
bana. Com isto, buscamos estabelecer as dis-
nacionais podem atingir. (Ibid., pp. 21-
22; tradução nossa) tinções conceituais necessárias entre a racio-
nalidade microeconômica, os aspectos-chave
Embora grande parte dos estudos sobre das políticas habitacionais e a ação do Estado
o déficit habitacional seja voltada às interven- no setor. Assim, consideramos dispor de uma
ções do Estado, o debate proposto neste arti- melhor leitura dos processos que influenciam
go busca dar enfoque ao mercado imobiliário, no déficit habitacional.

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

A segunda seção discorre sobre a pro- apenas autorregulados, mas também são me-
dução capitalista da habitação e apresenta canismos de otimização de recursos por exce-
a hipótese de que a predominância da pro- lência. O arcabouço clássico da economia que
priedade da casa não se dá somente por uma defende essa perspectiva afirma que os pro-
hegemonia da ideologia da casa própria, mas cessos baseados no mercado se colocam como
também por condicionantes do mercado. Para padrão eficiente para alocação de recursos.
embasar a argumentação, apresentamos pes- Essa noção é reforçada pela Lei de Say1 que
quisa sobre o acesso aos mercados de aluguel anuncia que a oferta cria sua própria deman-
e de vendas na cidade do Rio de Janeiro. da, assim como os interesses econômicos dos
Por fim, a conclusão, que se coloca mais agentes constituem fator determinante para
como provocação a outros debates, sugere manutenção do equilíbrio dos mercados.
uma conexão entre a baixa regulação do mer- De acordo com a perspectiva econômi-
cado imobiliário e a existência e tolerância aos ca clássica, os processos de mercado pressu-
espaços informais como uma condição neces- põem uma perfeita competição entre agentes
sária para a manutenção dos patamares de econômicos quando se observa a existência
preço das habitações formais. Assim, apresen- de certas condições. Para que haja uma verda-
taremos os desafios de desconstrução ideológi- deira competição nas trocas, seria necessário:
ca do papel restrito do Estado ao atendimento (1) a ausência de externalidades; (2) a con-
daqueles que não conseguem sua reprodução sideração de que cada agente é um tomador
social através da esfera do consumo e ressalta- de preços; e (3) que exista isonomia dos ato-
remos a importância de tratar da complexidade res, tanto produtores como consumidores, no
da moradia como um problema amplo que en- acesso à informação. Sob essas circunstâncias,
volve não somente a provisão de habitação so- o ambiente econômico conduz os participan-
cial, o estabelecimento de crédito e a constru- tes, que, por sua vez, são orientados por um
ção da cidade, mas também, e principalmente, interesse próprio, a corrigir eventuais “erros”
a regulação do mercado imobiliário a partir de que ocorram na troca, regulando o comporta-
uma política de publicização de dados do mer- mento entre a oferta e a demanda através da
cado imobiliário, modernização do sistema de precificação. Como consequência das ações
cálculo do IPTU e de controle dos valores e ní- conjuntas dos agentes num ambiente propício
veis de crédito indexado à massa salarial local. à competição, o mercado gera um ótimo de
Pareto2 na alocação dos recursos, promovendo
o bem-estar econômico.
Bases para debate sobre O modelo do equilíbrio geral, como nor-
mativa para a análise econômica, tem sido
o mercado imobiliário associado, a partir da década de 1970, a uma
e a habitação social economia com pouca regulação, flexível e
sem obstáculos impostos pelo Estado. Alguns
O desenvolvimento do capitalismo avançado preceitos econômicos têm assumido que o
(globalizado e financeirizado) no mundo ge- interesse público já é eficientemente repre-
neralizou a ideia de que os mercados não são sentado pelos mecanismos de mercado e que

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a interferência­de qualquer outra instituição de controle­de engenharia (Dixit, 1996). O pen-


contribui para a falsa percepção do sistema de samento normativo coloca-se como um esque-
preços, comprometendo a eficiência do mer- ma simplificado que costuma prescindir de ins-
cado. De acordo com essa perspectiva, o livre- tituições políticas. Adeptos dessa abordagem
-mercado é considerado a perfeita representa- acreditam que políticas produzem bons re-
ção do interesse público. sultados se implementadas de acordo com os
Outro arcabouço teórico que reforça a preceitos econômicos por eles estabelecidos
difusão dos pressupostos do modelo do equi- e sem modificações realizadas por processos
líbrio geral é a corrente teórica walrasiana que políticos. Essa corrente é alinhada à teoria dos
estabelece a necessária relação entre o equilí- interesses públicos que defende que a regula-
brio e a situação social ótima de mercado. Ela ção deve ser estabelecida para proteger o in-
assume que a Lei de Walras3 converge para o teresse público contra as perdas do bem-estar
ótimo de Pareto de forma a dar suporte aos associadas estritamente às falhas de mercado.
fundamentais teoremas da economia do bem- Por outro lado, há a abordagem positiva,
-estar que afirma que, quando a competição é que considera elementos da ciência política de
imperfeita, falhas de mercado acontecem e o forma a avaliar a aplicabilidade limitada das so-
governo deve corrigir essas falhas por meio de luções normativas (McCubbins e Thies, 1996).
regulações. Daí em diante, o mainstream eco- Essa abordagem aponta para as chamadas­
nômico tem desenvolvido e adaptado a teoria “falhas de governo”. Tais falhas representam a
do equilíbrio às mudanças ocorridas na eco- forma passiva das ações do governo que evi-
nomia e às demandas teóricas do capitalismo tam a implantação de políticas que devem ser
contemporâneo, apesar de outras abordagens estabelecidas – sob um ângulo normativo – de
mais heterodoxas chamarem a atenção para forma a resolver as falhas de mercado. Em
os limites da teoria do equilíbrio (Buchanan, nossa perspectiva, tanto falhas de mercado
1975; Nozick, 1974). quanto de governo correspondem a leituras do
Infelizmente, o contexto que permite a mesmo fenômeno, mas que continuam a valo-
competição perfeita é dificilmente encontra- rizar e a preservar o dogmatismo econômico
do no mundo real, no qual observamos uma da abordagem do mainstream econômico.
miríade de mercados ineficientes. Essas inefi- É importante ter em mente que, do
ciências, na maior parte do dos casos, são rela- ponto de vista tanto normativo quanto posi-
cionadas a restrições tecnológicas, ausência de tivista, a análise é limitada. Em geral, essas
informações e barreiras estabelecidas contra visões desconsideram que o Estado tem res-
agentes econômicos. ponsabilidade sobre um leque maior de atri-
Na literatura, existem duas principais buições governamentais. Para a perspectiva
correntes de pensamento que tratam do pa- microeco­nômica, medidas de redução das de-
pel do Estado sob a perspectiva microeconô- sigualdades na distribuição de riquezas ou pa-
mica. Por um lado, encontramos a abordagem ra assegurar a estabilidade econômica não são
normativa, que considera a construção e o consideradas­atividades que justifiquem a re-
desenvolvimento de políticas como um pro- gulação econômica. Considera-se que a dimi-
blema técnico, ou mesmo como uma questão nuição da desigualdade diz respeito a políticas­

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sociais, e a estabilidade­econômica refere-se mercadológica. Isto, por si só, já estabelece


à macroeconomia. No entanto, o campo das contradições profundas no seio de qualquer
ciên­cias sociais aplicadas, como é o caso da política social que já tem sido constituída como
gestão pública,­do planejamento urbano e re- sendo aquela direcionada para o contingente­
gional e até mesmo da macroeconomia, envol- populacional excluído da esfera do consumo.
ve uma base teórica distinta da microecono- Apesar da grande produção acadêmica
mia (Mueller,­2001). no campo habitacional no Brasil, existe pouca
Considerando a força das crises cíclicas literatura que dê conta de sistematizar fun-
que tem impactado a economia mundial ao damentos conceituais sobre os propósitos, o
longo da história, em especial a partir da se- público-alvo e as metas de uma política habi-
gunda metade do século XX, os pressupostos tacional e sua relação com o mercado imobiliá­
da Teoria do Equilíbrio têm sido questionados rio. Uma das razões para essa lacuna está na
por algumas correntes de pensamento marxis- própria dinâmica e na definição do que seja
tas, neokeynesianas e até mesmo neo-schum- política social e na contínua redefinição do que
peterianas. Essas correntes defendem que a venha a ser “bem-estar” no campo das políti-
análise econômica deve considerar elementos cas públicas. Outra razão repousa no fato de
que não estão incluídos na racionalidade estri- que há uma variedade de interpretações sobre
ta do mercado (Granovetter, 2007). o papel do Estado, uma vez que aspectos rela-
No desenvolvimento dessas críticas, cionados a diversas correntes de pensamentos,
chamamos a atenção para o debate da Esco- valores éticos e a própria filosofia permeiam o
la Francesa da Regulação que coloca a Teoria debate. Lembramos, ainda, que todos esses
do Equilíbrio como questão central. Para os aspectos são historicamente dinâmicos,­o que
pensadores dessa corrente, é necessário intro- torna o conteúdo, muitas vezes, ambíguo.
duzir, na análise econômica, o “sujeito” – sua Kemeny (1995) afirma que existem di-
representação e estratégias –, assim como ferentes modelos de regimes de bem-estar –
considerar seus mecanismos sociais de repro- consequentemente regimes de políticas habi-
dução (Boyer, 1990; Lipietz, 1988) Nesse sen- tacionais – e que há uma lista de aspectos que
tido, preocupa-se em elaborar uma economia precisam ser considerados. Tendo em vista as
histórica e institucional de onde deriva o modo transformações nas concepções sobre o Esta-
de regulação, caracterizado pelo o arcabouço do ao longo do tempo, a questão aqui aborda-
institucional que garante a viabilidade de um da exige que estabeleçamos a distinção entre
determinado padrão de crescimento (um regi- dois conceitos fundamentais que balizarão
me de acumulação) em um espaço específico e nossa análise: necessidade habitacional e de-
por um determinado período de tempo. manda habitacional.
No caso da moradia, bem que não só se Definimos necessidade habitacional co-
constitui como fator essencial para reprodução mo o conjunto de características indispensá-
social, mas que tem adquirido grande impor- veis à moradia para que esta seja considerada
tância como mercadoria e ativo financeiro, uma habitação adequada à população. Esta-
o modo de regulação tem levado às políticas belecemos, ainda, como aspecto da necessi-
sociais um predomínio de uma racionalidade dade habitacional, o volume de moradias para

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também­contemplar o atendimento à popula- Considerando que a moradia é um bem


ção futura. Para integrar essa definição, con- que também é sujeito à lógica de mercado,
ceituamos habitação adequada como sendo devemos distinguir a categoria denominada
os padrões mínimos de qualidade dos domicí- demanda habitacional. Nesse sentido, enten-
lios, que sejam apropriados às necessidades da demos que a demanda habitacional é caracte-
família em determinada sociedade. rizada pela quantidade de famílias que buscam
Nessa perspectiva, a casa não somente comprar ou alugar uma habitação no mercado
precisa ser servida de infraestrutura básica, imobiliário formal. O pressuposto para que um
estar perto de serviços de transporte e equi- indivíduo ou família seja considerado deman-
pamentos sociais, mas também deve com- da é possuir capital necessário para se integrar
preender a segurança da posse, promover a um mercado. Como consequência, todos que
estabilidade­ para os moradores e conforto não se enquadrarem nesse parâmetro deixam
no dia a dia, além de possuir traços identi- de ser demanda, apesar de continuar possuin-
tários. Assim, o déficit habitacional, mais do do necessidades habitacionais.
que um número­que indica a falta de estoque Para qualificar melhor a reflexão que
imobiliário,­coloca-se como um indicador que estamos propondo fazer no nosso estudo,
captura processos que influenciam nas neces- buscamos também dialogar com o conceito
sidades habitacionais. de housing­ stress ou estresse habitacional,
De acordo com a literatura brasileira que ainda não é tão abordado nos estudos
(Azevedo, 2000; Russo, 2014), as necessidades habitacionais brasileiros, mas que compõe fa-
habitacionais podem ser compreendidas em tor relevante na análise das políticas públicas
dois aspectos: o qualitativo e o quantitativo. do setor.
De um lado, para suprir a necessidade qualita- Estresse habitacional é entendido como
tiva, a política habitacional deve prover servi- o potencial que leva uma família a ficar de-
ços básicos para os cidadãos, como: coleta de sabrigada. Os principais fatores que levam à
lixo, drenagem, abastecimento de água e es- condição de desabrigo são a incapacidade de
goto, eletricidade e pavimentação nas vias. Na pagamento do aluguel, das prestações do imó-
escala da edificação, os aspectos construtivos vel ou a insegurança da posse. Burke e Ralston
devem ser regulados de forma a assegurar a (2003) ressaltam que o aumento dos gastos
existência de banheiros, ventilação e ilumina- com habitação pode colocar os moradores em
ção que proporcione salubridade aos ambien- risco de não conseguirem se sustentar no mer-
tes, assim como metragens adequadas aos cô- cado habitacional formal, criando um poten-
modos. De outro lado, o aspecto quantitativo cial perigo de despejo. Os autores argumen-
das necessidades habitacionais relaciona-se tam que existe uma diferença entre o estresse
com a exigência de novas unidades para suprir gerado pelo desemprego (ou imprevistos na
o crescimento populacional e a reposição de vida econômica da família) e o estresse gerado
estoques imobiliários degradados ou atender pelas oscilações do preço da habitação em re-
famílias em situação de coabitação. lação à renda da família. Enquanto o primeiro­

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é considerado momentâneo e friccional, o se- o acesso ao mercado imobiliário, ao mesmo


gundo gera reflexos mais estruturais que po- tempo que este provê moradia àqueles que fi-
dem levar a disjunções sociais. No momento cam fora do mercado.
em que o recurso gasto com a habitação come- É importante notar que a necessidade
ça a comprometer a sobrevivência da família, habitacional expressa pelo déficit habitacio-
ela está sujeita deixar de ser demanda para vi- nal não pode ser tomada como sinônimo de
rar grupo a ser assistido pelo Estado. demanda habitacional, apesar de o grupo que
A Figura 1 sistematiza os diversos as- compõe a demanda fazer parte da população
pectos e processos que consideram o estresse que possui necessidades habitacionais. O im-
habitacional para o dimensionamento das ne- portante é compreender que, seja através de
cessidades habitacionais. Este quadro ilustra moradias formais ou de habitações construí-
os principais fatores que incidem nas formas das em áreas sujeitas a risco ambiental ou sem
de moradia e que ajudam a entender que o propriedade da terra, é sobre a totalidade da
poder público tem papel central na gerência cidade que devemos nos debruçar para cons-
de contextos macroeconômicos que permitam truir a política habitacional.

Figura 1 – Componentes das necessidades habitacionais

Fonte: elaborado pelo autor.

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A produção capitalista da casa, capital,­observa-se que poucos compradores


possuem condições de desembolsar tal volu-
a affordabilidade e o mercado me de recursos­para pagar a totalidade do va-
restrito do Rio de Janeiro lor do produto no mercado. Para superar esses
obstáculos, o setor necessitará da existência
Na contemporaneidade, o acesso à moradia de um capital de circulação independente, que
encontra-se submetido à estrutura de uma financie, de um lado, o processo de produção
sociedade capitalista na qual o capital tende e, de outro, o processo de circulação, ou seja,
a penetrar em todos os seus ramos, estabe- o consumo. Com o estabelecimento de um sis-
lecendo limites econômicos ao acesso a bens tema de crédito a ambos os agentes, reduzir-
para os diversos setores que compõem a so- -se-ia o período de rotação do capital compro-
ciedade. Embora percebamos a generalização metido no processo de produção e circulação
e imersão da lógica econômica em diversas do produto imobiliário (ibid., 1982).
dimensões das relações sociais (Granovetter, Para além dos obstáculos à indústria da
2007), no que tange a produção da moradia, construção civil enunciados acima, a produção
a indústria da construção civil apresenta uma capitalista da casa e da cidade envolverá a ar-
série de peculiaridades que torna difícil a ins- ticulação de um maior leque de agentes. Além
tauração, em seu seio, de relações capitalistas da atuação do Estado e de instituições bancá-
plenamente desenvolvidas (Jaramillo, 1982). rias na disponibilização do capital de circulação
Dentro do processo de construção de necessário, também devemos incluir na análi-
um imóvel, o período de rotação do capital é se o proprietário da terra.
excepcionalmente longo. A produção de uma O produto imobiliário, para ser cons-
edificação acarreta investimento de grande so- truído, necessita de um terreno. No entanto,
ma de capital para a manutenção da força de não é qualquer terreno que irá responder às
trabalho necessária ao processo produtivo e necessidades do consumidor e garantir a rea­
para a compra de insumos. Além disso, o pe- lização do lucro por parte do promotor do em-
ríodo em que o produto permanecerá inacaba- preendimento. A terra “urbana” necessária à
do afeta diretamente a taxa de lucro, e o tem- produção deve também estar associada aos
po em que o capital permanece imobilizado no modos de consumo (o uso daquela edificação
ciclo produtivo faz com que investidores ten- em relação a outros usos no interior da cida-
dam a aplicar seu capital em outras atividades de). Destaca-se, assim, que as condições que
econômicas que garantam retornos rápidos e fazem “urbana” a terra necessária à moradia
que se encaixem no curtaprazismo dos merca- e outras funções que compõem a estrutura da
dos financeiros. cidade (inter-relação espacial de funções e da
Externamente ao processo de constru- distribuição da população no território) não
ção, a produção imobiliária, em especial a da são reproduzidas autonomamente pelos ca-
categoria da moradia, enfrenta outro constran- pitais individuais. A terra urbana é síntese do
gimento: o período de circulação configura- acréscimo de infraestrutura urbana, serviços
-se igualmente prolongado. Compreendendo públicos e de usos dados ao solo pelos pro-
que a moradia incorpora grande quantia de prietários. Sendo assim, o espaço geográfico

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coloca-se como uma resultante de processos habitacionais ou ao permitir o zoneamento


sociais, econômicos e políticos que permeiam exclusivo para população de baixa renda nas
a construção das cidades. imediações de setores ocupados predominan-
Ribeiro (1997) chama a atenção para o temente por classes de maior poder aquisitivo.
papel de outro ator que irá exercer a função Dentre a miríade de interesses que or-
de coordenar o processo produtivo e assumir questram a ação social dos agentes envolvidos
as responsabilidades pela comercialização: o na produção do espaço urbano, o papel do
incorporador. O incorporador será definido consumidor se limita a avaliar, dentro de seus
como “o agente que, comprando o terreno e limites e aspirações, qual opção habitacional
detendo o financiamento para a construção e mais adequada, considerando suas disposições
comercialização, decide o processo de produ- econômicas e seu sistema de valores simbó-
ção, no que diz respeito às características ar- licos. Esses limites e aspirações influencia-
quitetônicas, econômico-financeiras e locacio- rão na construção do espaço social da cidade
nais” (ibid.). Os incorporadores serão aqueles (Bourdieu,­ 2011).
que irão articular o setor produtivo, controlar Recobrando o debate do mainstream
seu ritmo e suas características, fazendo com econômico que afirma que o interesse público
que o recurso para a produção tome forma de já é eficientemente representado pelos me-
capital financeiro através de bancos, fundos canismos de mercado e que o interesse dos
públicos ou particulares. Eles vão atuar como agentes ajusta os “erros” que possam estar
promotores do empreendimento, definindo acontecendo numa dinâmica de oferta e pro-
padrão de construção, localização, público- cura, é importante destacar que o mercado
-alvo, etc. De uma forma geral, analisando o imobiliário é um mercado artificial por exce-
campo econômico do mercado de moradia, lência. Tanto a produção como o consumo são
as construtoras terão sua força de intervenção pautados por uma política de crédito. Assim,
reduzida à condição de prestador de serviços embora princípios econômicos operem na
dentro do processo de produção do espaço ar- análise dos mercados imobiliários, não pode-
ticulado pelos incorporadores. mos considerar a Teoria do Equilíbrio ou ou-
No campo da disputa política, os agentes tro arcabouço que atribua forças invisíveis de
imobiliários influenciam no preço da terra, dis- ajuste de mercado como alicerce de análise do
putando espaços com melhores localizações e setor imobiliário, pois esse campo será neces-
pressionando o Estado por maiores financia- sariamente pautado por dinâmicas políticas.
mentos. Em contrapartida, a depender de ca- Nesses termos, propomos discutir habi-
da contexto, o Estado limita o avanço do setor tação sob a perspectiva da integração das famí-
através de seus regulamentos, favorecendo lias no mercado habitacional, a partir dos mo-
(dentro de uma arena política de negociação dos de regulação estabelecidos (Boyer, 1990),
entre diversos atores sociais) investimentos problematizando a renda familiar e a formação
em determinados eixos da cidade de interes- dos preços dos imóveis. Assim, defende-se que
se do mercado ou, ainda, contribuindo para o mercado imobiliário deve ser estudado sob
maior ou menor segregação residencial na de- uma perspectiva essencialmente do consumo,
terminação da localização de seus conjuntos dado que é a capacidade de compra ou de

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pagamento do aluguel que vai construir a de- prover o melhor uso dos recursos. Por outro
manda habitacional. O Estado deve promover lado, sociólogos geralmente têm a preocupa-
políticas públicas necessárias tanto para gerar ção voltada à desigualdade social e às reais
produção e consumo no setor da construção razões para o estresse habitacional (Stone,
civil, materializada na política de crédito, como 1993). Nesse sentido, affordabilidade não é
prestar assistência à parcela excluída da esfera uma mera questão de compra ou aluguel de
do consumo, expressa em programas de habi- uma moradia. Para sobreviver, o habitante pre-
tação social. cisa manter uma renda residual para a compra
Considerando a tendência de deslo- de bens de consumo corrente e também para
camento do debate acerca da formação do manutenção do imóvel ao longo do tempo.
preço e dos termos de entrada do consumi- Tomando a perspectiva das políticas urbanas,
dor no mercado formal para a discussão tri- Maclennan e Williams (1990, p. 9) trazem uma
vial e pouco problematizada da ampliação importante definição de affordabilidade:
do sistema de crédito e financiamento habi-
Affordabilidade preocupa-se com a ga-
tacional, propomos maior reflexão sobre os rantia de um determinado padrão de
níveis de affordability­da população. O ter- habitação (ou padrões diferentes) a um
mo affordability,­ ou affordabilidade no nosso preço ou aluguel que não imponha, aos
neologismo, tem sido utilizado amplamente olhos de terceiros (geralmente o gover-
no), uma carga excessiva sobre a renda
nos países do norte global desde a década de
familiar. (p. 9; tradução nossa)
1970. Seu uso pode ser associado à difusão
das formas neoliberais de política sociais que As diferenças na forma como o termo
preconizam “maior resiliência no mercado pri- tem sido conceitualizado e acionado na lite-
vado e nas organizações não governamentais ratura estão ligadas à natureza do sistema
para prover e gerenciar habitações de baixo habitacional em cada nação (Kemeny, 2006).
custo, e menor resiliência em subsídios para Freeman, Kiddle e Whitehead (2000) destacam
provisão de habitações públicas” (Yates et al., que a onipresença da noção de affordabilidade
2005; tradução nossa). Essas mudanças têm no discurso político indica o sucesso de lobis-
trazido algumas confusões sobre o significado tas representes dos interesses do setor priva-
de habitação social, uma vez que muitos es- do em colocar os debates políticos de fora das
tudos começaram a usar o termo habitação decisões sobre os investimentos habitacionais.
acessível (affordable house) como sinônimo de Esses autores também enfatizam que a noção
habitação social. de affordabilidade é sintomática de uma mu-
No debate internacional, o significado de dança da política social que vai de uma solução
affordabilidade é constantemente discutido. coletiva dos problemas, a partir da promoção
A natureza contestada desse conceito reflete de programas sociais de habitação de interes-
o confronto dos pontos de vista de diferentes se social, para a responsabilidade individual
perspectivas teóricas. Por um lado, autores na contração de linhas de crédito imobiliário
como Quigley e Raphael (2004) focam numa e busca da moradia no mercado. Para eles, o
perspectiva econômica, já apontada acima, debate de affordabilidade é consequência ime-
que privilegia a objetividade do mercado em diata da difusão de políticas sociais que tem

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

como fundamento a promoção do consumo Tendo em vista as massas salariais, os custos


como solução dos problemas sociais, como é em terra e em parte dos insumos necessários
o caso do Brasil em relação a políticas recentes à produção da moradia, além do próprio esta-
de habitação baseadas no crédito. belecimento do que seja adequação, os merca-
A base teórica desenvolvida por Yates et dos imobiliários são constituídos localmente, e
al. (2005, p. 4) reforça a noção de que “affor- o rebatimento na norma federal na realidade
dabilidade significa a capacidade individual de local ou leva à incompatibilidade das políti-
exercer escolha no mercado enquanto habi- cas às peculiaridades locais, ou abre caminho
tação social se refere ao estoque habitacional para arbitrariedades sobre matérias que a lei
construído para indivíduos que não possuem ou programas não versam. Em nossa recente
poder aquisitivo para comprar uma habitação experiência, temos como exemplo o estabele-
e, por isso, estão fora do mercado” (tradução cimento do Programa Minha Casa Minha Vida,
nossa). Nesse sentido, affordabilidade não po- que, por não ter considerado o perfil dos mer-
de ser entendida como uma variável estática. cados imobiliários locais, estabeleceu valores
Ela muda dependendo do contexto econômi- nacionais de crédito ao consumo, o que deve
co, da relação entre preço e renda, assim como ter resultado em mudanças estruturais dos
do arcabouço institucional. preços dos imóveis em áreas sem grande dinâ-
Além disso, habitação social compreen- mica econômica, possivelmente aumentando
de não somente a utilização de um sistema de os problemas de moradia.
subsídios, o engajamento de iniciativas coope- De forma a exemplificar os argumentos
rativadas e a provisão direta de habitações pe- acima, apresentamos, a seguir, a análise do
lo Estado, mas também incorpora as políticas setor habitacional do município do Rio de Ja-
de uso do solo para facilitar a boa localização neiro, com intuito de mostrar os meios pelos
de habitações de baixo custo e a inclusão de quais, em um cenário de baixa regulação do
populações desassistidas ao sistema de opor- setor, o próprio mercado promove a exclusão
tunidades econômicas e sociais oferecidas pe- social. Esperamos que o exposto jogue luz so-
los espaços que propiciam postos de trabalhos, bre as formas institucionalizadas de exclusão e
serviços públicos e diversidade de usos. Nesta aspectos que não estão sendo estudados nem
última concepção, a moradia é dada como um regulados pelo Estado.
direito que envolve fazer parte da cidade.
A política habitacional depende do de-
sempenho do mercado em consonância com O mercado de aluguéis
as massas salariais locais e da performance do do Rio de Janeiro
Estado em garantir o direito à moradia univer-
sal a partir de seus programas e regulações. Uma das principais características do mercado
No caso brasileiro, as políticas habitacio- residencial no Brasil é que o estoque é quase
nais são pautadas principalmente por políticas completamente privado. Considerando os da-
federais. A falta de mediação das políticas lo- dos da Pesquisa Nacional por Amostragem de
cais às normativas federais pode estabelecer Domicílios Contínua – PNADC de 2019, a forma
distorções no alcance dos objetivos da norma. de moradia pelo aluguel representava 18,34%

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Thêmis Amorim Aragão

do estoque habitacional. No caso do Rio de foi realizada pesquisa junto às imobiliárias


Janeiro, esse percentual alcançou 22,17% do afiliadas­à Associação dos Dirigentes do Mer-
estoque imobiliário residencial. cado Imobiliário do Rio de Janeiro – Ademi-RJ
O estreito mercado de aluguéis no Brasil e ao Sindicato das Construção Civil do Rio de
é atribuído por vários autores (Bonduki, 1998; Janeiro – Secovi-RJ. Foi encaminhado e-mail
Maricato, 1982; Gilbert, 2001) à generalização para 63 imobiliárias que atuam no município
da ideologia da casa própria. Contudo, como do Rio de Janeiro, consultando quais exigên-
queremos apresentar neste estudo, esse cená- cias o inquilino deveria cumprir para alugar um
rio também pode ser decorrente do estreita- imóvel na cidade.4 A pesquisa buscou associar
mento do mercado pela influência de barreiras o perfil social da população do município com
legais e extralegais estabelecidas contra a de- as ofertas de imóveis para alugar a partir da
manda. Essas barreiras não são limitadas a res- base de dados do Grupo ZAP Imóveis.
trições econômicas, mas englobam condições De acordo com a Lei do Inquilinato
arbitrárias estabelecidas pela corretagem de (lei n. 8.245/1991), para acessar o mercado
imóveis aos possíveis inquilinos para garantir formal de aluguel, o candidato a inquilino
rendas extraordinárias aos proprietários. precisa preencher alguns requisitos. Estes
A pesquisa descrita a seguir foi realizada incluem uma avaliação da renda e a submis-
no ano de 2014, mas devido à descontinuida- são de garantias para o proprietário, dado o
de de dados, como o do cálculo do déficit habi- risco de inadimplência. Na legislação vigente,
tacional e o da pesquisa censitária, não houve não existe o estabelecimento de percentual­
oportunidade de atualização das informações máximo de comprometimento da renda
utilizadas. Contudo, dado que não houve mu- com habitação.­ Normalmente, os padrões
dança no marco legal referente ao setor de de renda são definidos pela corretagem,
aluguéis e as regras de contração de crédito usando critérios aclamados pelo debate da
também não sofreram grandes alterações, os affordabilidade.­Muitas instituições adotam o
resultados alcançados ainda são válidos e po- percentual de trinta por cento da renda como
dem jogar luz sobre gargalos habitacionais ain- limite de comprometimento.­
da não muito abordados no campo os estudos Buscando verificar a relação entre o pre-
habitacionais no Brasil. ço dos imóveis e perfil econômico do inquili-
Optamos por iniciar a análise pelo mer- no, o formulário perguntou às empresas qual
cado de aluguéis por ser este o setor que in- o parâmetro de renda de uma família para o
dica de maneira mais imediata os efeitos do aluguel de um imóvel. Nesse sentido, todas as
estresse habitacional que as famílias sofrem empresas responderam que eles requerem a
com o aumento dos valores de locação. É este comprovação de renda de, no mínimo, três ve-
o setor que reflete os potenciais de aumento zes o valor do imóvel, acrescido de eventuais
do déficit habitacional. taxas de condomínio e parcela do IPTU.
Buscando, primeiramente, identificar Aqui vale a pena abrir um parêntese
quais as condições definidas pelo setor priva- para destacar o aspecto relacionado à com-
do para acesso ao mercado formal residencial, provação de renda. A Pnad Contínua de 2020

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

apresentou­ uma taxa de informalidade no do mesmo percentual para uma família com
mercado de trabalho5 de 40,6% para o País, renda de 20 salários-mínimos.
percentual este que já indica o grau de estrei- Outro aspecto que temos que conside-
tamento do mercado formal habitacional. rar no mercado residencial de aluguéis é que, à
Dentro de uma perspectiva de estabe- medida que há o crescimento da renda, há uma
lecimento de limites de comprometimento da diminuição da procura por imóveis para alugar,
renda, que, ao fim e ao cabo, é um parâmetro dado que essas famílias tendem a migrar para
de affordabilidade; considerando que as dife- o mercado de vendas, aí sim considerando a
renças de preços no mercado devem ser sen- ideologia da casa própria. Dessa forma, supõe-
síveis à variação nos preços dos insumos e do -se que os preços dos aluguéis tendam a manter
valor marginal da mercadoria; e, ainda, tendo um limite que estabelece níveis mais competi-
em vista que as cestas de consumo também di- tivos de preços para a modalidade de aluguel,
ferem entre os diversos estratos da sociedade, “democratizando” o acesso.
o percentual de comprometimento com habi- De forma a analisar as necessidades
tação não pode ser aplicado linearmente para habitacionais perante os anúncios de imóveis
todas as faixas de renda. Um terço de uma ren- ofertados e as condições de renda estabele-
da familiar que totaliza um salário-mínimo tem cidas para o inquilino pelo mercado para alu-
o efeito bem diferente do comprometimento guéis, apresentamos o Quadro 1.

Quadro 1 – Perfil das necessidades habitacionais e da oferta de imóveis


no Rio de Janeiro entre 2010 e 2013

Limite de Participação Participação Número de Percentual


Renda em Renda Participação
preço do na estrutura no déficit anúncios de de anúncios
salário- líquida no total de
aluguel de renda no habitacional imóveis de 2 por faixa de
-mínimo1 R$ anúncios – %
R$ Brasil2 – % da RMRJ3 – % quartos4 renda – %

Até 1 SM Até 622,00 Até 205,26 19,16 10 0,03

Faixa 1 De 1 a 2 SM 1.244,00 410,52 21,46 68,09 91 0,25 0,97

De 2 a 3 SM 1.726,05 569,60 15,71 250 0,69

De 3 a 4 SM 2.301,40 759,46 827 2,29


18,56
Faixa 2 De 4 a 5 SM 2.643,50 872,36 12,16 471 1,30 4,73

De 5 a 6 SM 2.892,30 954,46 412 1,14


15,37
Faixa 3 De 6 a 10 SM 4.509,50 1.488,14 12,25 2.880 7,96 7,93

A partir de A partir de
Mercado Acima de 10 SM
4.509,50 1.488,14
9,74 7,50 31.230 86,34 86,34

Fonte: IBGE (2011), Fipezap (2012), FJP (2010).


(1) Salário mínimo vigente em 2012; (2) Censo IBGE, 2010; (3) O Déficit Habitacional não é desagregado por município.
Optamos por manter o dado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro para oferecer uma noção da problemática
habitacional na região; (4) Fipezap (2012).
Nota: como o objetivo de proporcionar uma análise desagregada, levando em consideração as frações que possuem
atendimento diferenciado pelas políticas públicas, adotou-se a decomposição dos dados pelas faixas salariais dispos-
tas no quadro acima.

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Thêmis Amorim Aragão

O Quadro 1 mostra que as famílias que um imóvel no mercado formal o candidato


possuem renda até três salários-mínimos, limi- também tem que dispor de garantias para o
te historicamente utilizado pelas políticas públi- proprietário em caso de inadimplência. Nes-
cas para beneficiar o estrato de menor renda, se sentido, a Lei de Inquilinato prevê algumas
encontram no mercado menos de 1 % do total possibilidades: a submissão de um fiador; o
de ofertas de imóveis para aluguel, mesmo re- depósito calção ou a aquisição de uma apólice
presentando 56,33% da população do municí- de seguro.
pio e 68,09% do déficit habitacional da Região Por definição, o fiador deve ser um pro-
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ).6 prietário de imóvel que aceita assumir a dívida
Além disso, as famílias que se inserem do inquilino em caso de inadimplência do con-
no intervalo de renda entre 4 e 10 salários-mí- trato de aluguel. A propriedade imobiliária do
nimos, consideradas como estrato do “nicho fiador pode se tornar objeto de disputa, caso
econômico” (Shimbo, 2010), obtiveram apenas o contrato entre em litígio. Em termos legais,
12,66% do total de anúncios de imóveis para não existe nenhuma menção na legislação vi-
aluguel, mesmo representando 33,93% da po- gente referente a um limite necessário de ren-
pulação e 24,41% do déficit habitacional da da que o fiador deve possuir ou o valor máxi-
RMRJ. Por fim, vemos que 86,34% dos anún- mo que se pode exigir para o estabelecimento
cios de imóveis para o aluguel estão direcio- de garantias por seguro ou calção. Na falta de
nados para famílias que recebem mais de 10 regulação quanto ao estabelecimento desses
salários-mínimos e que já são consideradas es- valores, os limites de renda do fiador e dos
trato de entrada do mercado de vendas. mecanismos de garantia do contrato têm sido
Percebe-se que o mercado de aluguel definidos por agente imobiliários.
segue uma suposta irracionalidade se tivermos Para além das restrições de renda que
que considerar a Lei de Say e a Teoria do Equi- são colocadas ao locatário, baseadas em no-
líbrio. Estudos recentes sobre favelas no Rio de ções de affordabilidade, os agentes imobiliá-
Janeiro mostram que o descolamento entre os rios têm sistematicamente estreitado o acesso
preços do mercado formal de aluguéis e a mas- de consumidores ao mercado de aluguéis, a
sa salarial leva grande parte da população a partir de restrições que se dão na definição de
acessar o mercado informal de aluguel em as- regras referentes às garantias contratuais. De
sentamentos ilegais (Abramo, 2002; Baltrusis,­ forma a explicitar a arbitrariedade dessas bar-
2000; Fernandes, 2008). Como exemplo, hoje, reiras, a pesquisa realizada junto a imobiliárias
já se observa o surgimento de um mercado buscou delinear quais são os requisitos predo-
imobiliário robusto, promovido pela milícia ca- minantes exigidos pelos agentes imobiliários
rioca, cujo objetivo pode ser a lavagem de di- para o estabelecimento do contrato.
nheiro através da atividade imobiliária. No en- De acordo com a pesquisa realizada, to-
tanto, estudos mais detalhados (Araujo e Cor- dos os agentes que responderam ao questio-
tado, 2020) ainda estão sendo desenvolvidos. nário afirmaram que o fiador precisa a com-
Para além das restrições estabelecidas provação de ter pelo menos o mesmo perfil
pelos limites de comprometimento da ren- do candidato a locatário. Porém, em relação
da com os gastos de habitação, para alugar ao caráter do imóvel do fiador, os agentes

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

imobiliários exigiram outras condições para danificado pelo locatário, o proprietário pode
estabelecer o contrato. De acordo com os re- reter esse valor parcial ou totalmente para rea-
sultados, 84,21% das imobiliárias rejeitam fia- lizar os devidos reparos.
dores que não possuem imóveis localizados no O aspecto positivo desse tipo de garantia
município do Rio de Janeiro. Em alguns casos, para o locatário é que o depósito caução ofe-
os constrangimentos contratuais são até maio- rece maior autonomia para o inquilino exercer
res, quando agentes imobiliários solicitam que escolha no mercado imobiliário. A cada finali-
o fiador comprove a propriedade de dois imó- zação de contrato, se o inquilino quiser optar
veis inseridos no território do município do Rio por melhores ofertas, o depósito caução serve
de Janeiro. Dentre todas as respostas, apenas como recurso para cobrir gastos com pinturas,
5,26% dos agentes imobiliários não impuse- mudança ou, até mesmo, servir como valor pa-
ram restrições para além daquelas previstas na ra garantir o novo contrato.
Lei do Inquilinato. É necessário notar que a mobilidade ter-
É importante observar as consequências ritorial é essencial para o acesso a oportunida-
econômicas e sociais desse tipo de compor- des de trabalho. O processo migratório é basi-
tamento do mercado. Implicitamente se es- camente fundamentado na dinâmica do merca-
tabelece um nível de exclusão socioterritorial do de trabalho, assim como, na escala urbana,
à medida que o mercado de aluguéis selecio- a escolha da localização da moradia pelo indiví-
na, na maioria dos casos, famílias que pos- duo leva em consideração o trade-off­ feito en-
suem vínculos­com moradores proprietários tre os custos com habitação e com transporte.
formais do município, rejeitando, inclusive, Consequentemente, podemos inferir que as
consumidores­da RMRJ dispostos a morar no barreiras impostas no mercado de aluguéis se
município-polo.­ constituem, também, como obstáculos coloca-
Para aqueles possíveis consumidores dos ao acesso ao mercado de trabalho.
que possuem poder aquisitivo para pagar em Para apresentar o quão difícil é ocupar
segurança os valores cobrados para aluguel, no o território formal do município do Rio de Ja-
município do Rio de Janeiro, mas que não pos- neiro pelo mercado de aluguéis, o questiona-
suem tal vínculo com a elite proprietária local, mento sobre o depósito caução desvendou
os agentes imobiliários sugerem a adoção de outros impedimentos colocados pelos agentes
alternativas ao fiador. A natural opção tomada imobiliários. Dentre todas as empresas que
pelos candidatos a inquilinos pela Lei do Inqui- participaram da pesquisa, 68,42% afirmaram
linato diz respeito ao depósito caução. que não consideram a opção de depósito cau-
O depósito caução é caracterizado pelo ção válida para o estabelecimento de contrato
depósito de determinado valor no momento de aluguel. Além disso, para aquelas que con-
da assinatura do contrato de aluguel. O pro- sideram o depósito caução uma opção, são es-
prietário deve investir esse valor em uma con- tabelecidos valores muito acima do total refe-
ta e devolvê-lo acrescido de possíveis rentabili- rente a três meses de aluguel, como é aceito
dades, ao final do contrato, caso não tenha ha- tradicionalmente. Em nossa pesquisa, 10,53%
vido inadimplência. Caso o imóvel tenha sido das empresas cobravam depósitos no valor de

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12 vezes o aluguel, acrescido de taxas condo- com parcerias exclusivas. Na pesquisa, 60,53%
miniais e impostos, e outros 10,53% colocam das empresas afirmaram que aceitariam so-
a opção para que o proprietário decida se irá mente as apólices da financeira Porto Seguros
aceitar ou não o depósito. como válidas para os contratos.
Considerando todas as dificuldades que Os dados encontrados a partir da pes-
o candidato a inquilino encontra para estabe- quisa indicam que a propriedade imobiliária
lecer um contrato de aluguel no município do tem sido utilizada para gerar renda não so-
Rio de Janeiro, a última “alternativa” colocada mente aos proprietários, mas também para os
seria a aquisição de um título de seguro fiança. agentes imobiliários que fazem a intermedia-
Esse título é uma apólice que substitui a figura ção dos contratos de aluguel. O imóvel entra
do fiador no contrato e custa, ao inquilino, três como meio de ampliar o mercado de seguros
a quatro vezes o valor do aluguel, acrescido de fiança, a partir das arbitrárias barreiras in-
das taxas condominiais e dos impostos. Esse terpostas pelos agentes imobiliários aos con-
valor é cobrado anualmente e não é reembol- sumidores. Em contrapartida, a corretagem
sável ao final do contrato, nem mesmo se o in- passa a receber comissões pelas vendas de
quilino cumprir com todas as suas obrigações. apólices, aproveitando-se do estoque imobiliá­
No caso de atraso no pagamento do aluguel, rio de pequenos proprietários para gerar de-
o seguro paga os meses em débito. Contudo, manda aos seus produtos financeiros e estran-
a depender do desempenho financeiro do in- gulando a demanda por moradia no mercado
quilino no contrato, o agente financeiro pode de aluguéis.
optar por não renovar a apólice, ficando o mo- Importante lembrar que a década de
rador sujeito a despejo por falta de garantias 2000 foi marcada por um período de cresci-
de contrato. mento econômico sustentado. As desigual-
Analisando esse tipo de “solução” para dades sociais caíram sensivelmente. O Índice
o estabelecimento do contrato de aluguel, te- de Gini,7 que em 2001 foi de 0,596, caiu para
mos que ressaltar que o seguro fiança restrin- 0,531, em 2011, e para 0,518 em 2014 (Ipea-
ge o mercado de aluguéis, ao se colocar como -data). Nesse sentido, a expectativa seria de
um custo a mais para o morador. Ao equivaler que a moradia se tornasse mais acessível no
anualmente aos custos de três a quatro meses mercado de aluguel, devido ao aumento da
em moradia, a capacidade de pagamento do renda da população. Contudo, embora a pro-
indivíduo diminui, pois compromete grande dução de largo estoque imobiliário no sub-
parte da renda com a manutenção da apólice. mercado de vendas promovido pelo Programa
Nesse sentido, a própria garantia pode se co- Minha Casa Minha Vida tenha absorvido parte
locar como um fator de estresse habitacional. das famílias que estavam morando de aluguel
Durante a pesquisa, um importante vín- ou em coabitação, os preços dos aluguéis não
culo entre os agentes imobiliários e o setor fi- se mantiveram estáveis. Mesmo havendo um
nanceiro foi observado. Quando questionados movimento de perda de demanda para o mer-
se o candidato a inquilino poderia escolher, no cado de vendas e uma possível compensação
mercado de seguros, a apólice de sua preferên- desta pela entrada na esfera da locação formal
cia, muitas empresas alegaram que trabalham­ de um contingente que conseguiu aumento

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

de renda, os preços dos aluguéis passaram a affordabilidade no mercado de aluguéis. Como


seguir o ritmo de aumento de preços do mer- podemos ver no Gráfico 2, dentre os quatro
cado de vendas. O Gráfico 1 mostra como os componentes do déficit habitacional, apenas o
aumentos nos valores se desvincularam da ri- ônus excessivo com o aluguel não apresentou
queza real expressa pela produção. queda. A alta dos aluguéis que veio a reboque
Dado que não há qualquer regulação da alta dos preços de compra de imóveis colo-
quanto aos valores praticados pelo mercado, cou uma parcela importante da população em
o aumento de renda da população não refle- estresse habitacional, mesmo num cenário de
tiu numa redução de déficit ou uma melhor aumento real de renda.

Gráfico 1 – Variação do aluguel, venda e PIB no Rio de Janeiro 2010-2013

Preços de venda do Rio de


Janeiro (Anunciado), Valores
nominais, agosto 2010 = 100

Preços do Aluguel do Rio de


Janeiro (Anunciado), Valores
nominais, agosto 2010 = 100

PIB per capita, Valores


nominais, 2010 = 100

Fonte: Fipezap (2012), IBGE (2011).

Gráfico 2 – Comportamento dos componentes do déficit no Brasil 2007-2012

Fonte: Fundação João Pinheiro (2010).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 781
Thêmis Amorim Aragão

O mercado de vendas município na rede de cidades e da participa-


ção das áreas residenciais na economia local.
no Rio de Janeiro Por fim, destacamos que os preços também
reagem às perspectivas de ganhos dos proprie-
Como já abordado anteriormente, grande par- tários, especialmente em um cenário de cres-
te do estoque imobiliário no Brasil é privado. cimento econômico sustentado e com disponi-
No País, uma população de aproximadamente bilidade de crédito. Os ganhos esperados pelo
209 milhões e meio de habitantes ocupa 72,4 proprietário tornam-se sensíveis a narrativas
milhões de domicílios (IBGE, 2020). A Pnad que circulam na mídia e pelos agentes imobi-
Contínua de 2019 mostra que cerca de 72,5% liários. O teor especulativo dessas narrativas
do estoque imobiliário do País é considerado está relacionado à associação do produto imo-
próprio, já quitado ou em processo de quita- biliário ao mercado de terras, que, por essên-
ção. No caso do Rio de Janeiro, os imóveis con- cia, é um mercado especulativo e que imputa,
siderados próprios, quitados ou não, alcançam no preço dos imóveis, expectativas e possibi-
o percentual de 70,3% dos domicílios. Contu- lidades de transformações no espaço urbano
do, é importante observar que parte consi- circundante, mesmo que estas não venham a
derável desses imóveis se encontra em áreas se concretizar.
informais com grande precariedade de infraes- Em 2003, iniciou-se um período cujos
trutura urbana. Na pesquisa censitária, o dado índices econômicos remeteram para o cres-
válido aquele da resposta do entrevistado, e, cimento do setor residencial de imóveis. A
em comunidades, a “propriedade” da moradia queda na taxa de juros, a diminuição do de-
é atestada pelo morador, mesmo não havendo semprego, os aumentos reais na renda do tra-
regularidade fundiária. balhador e o controle da inflação fizeram com
O grande contingente de informalidade que a demanda por moradia aumentasse, sina-
da moradia nos grandes centros urbanos do lizando o início do boom imobiliário brasileiro
País é o indicador da porção da população que da década de 2000.
não conseguiu se inserir no consumo formal É importante considerar que à medida
de moradias, por meio do aluguel ou da com- que há um crescimento econômico sustenta-
pra. Sob uma perspectiva econômica, os pre- do, o mercado imobiliário ajusta sua produção,
ços no mercado imobiliário deveriam ser pre- considerando o ritmo da demanda medido
dominantemente determinados pelos custos pela Velocidade Geral de Vendas – VGV. Man-
de construção, renda per capita, taxa de juros tendo os parâmetros de crescimento, o merca-
e crescimento populacional (Mankiw e Weil, do consegue regular o ritmo da produção e o
1989). Além disso, diferenças regionais e mu- estoque disponibilizado para se aproximar do
danças no contexto econômico local também crescimento da demanda derivado das trans-
podem exercer papel importante no mercado formações mais estruturais da economia.
imobiliário em nível mais desagregado. Estudos como de Royer (2014) e Shimbo
Dust e Maennig (2007) acrescentam que (2010) descrevem como a crise do subprime
os preços também dependem da densidade americano impactou na captura de recursos no
dos aglomerados, da função econômica do mercado de capitais pelas principais empresas­

782 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

de construção civil do País. Nesse sentido, O No município do Rio de Janeiro, o boom


Programa Minha Casa Minha Vida, lançado imobiliário foi sentido a partir do volume
em março de 2009, serviu não somente para de imóveis produzidos no período de 2003 e
garantir a compra de um estoque habitacional 2007, sofrendo impacto nos anos de 2008 e
existente, acenando positivamente aos investi- 2009. Porém, com a manutenção do programa
dores internacionais, mas também se prestou de crédito em sua segunda edição, em 2011,
a suprir parte do capital necessário para con- a produção residencial manteve seu ritmo até
cluir os empreendimentos que estavam em 2015, quando do golpe de estado que deses-
plena produção no período da crise. truturou economicamente o País.

Gráfico 3 – Número de unidades residenciais licenciadas no Rio de Janeiro-RJ

Fonte: Ademi-RJ (2019).

Gráfico 4 – Indicadores econômicos e do mercado imobiliário no município do Rio de Janeiro

Fonte: Fipezap (2012), IBGE (2019), FGV (2019).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 783
Thêmis Amorim Aragão

A experiência recente com o Programa entre renda e preço do imóvel. Considerando


Minha Casa Minha Vida pode ter impacta- que a compra é mediada pelo crédito, a análi-
do profundamente o cenário dos mercados se deve contemplar também a relação entre a
imobiliários em todo o País. No caso do Rio renda e o valor da prestação do financiamen-
de Janeiro, o comportamento dos preços de to imobiliário. O valor da prestação é a real
imóveis residenciais novos que vinha manten- variável considerada pelo comprador. Nesse
do relação com a inflação e os custos da cons- sentido, aspectos como a taxa de juros e o pe-
trução civil passaram a manter associação com ríodo total para quitação do imóvel também
a renda, a partir de 2010, coincidindo com a se colocam­como relevantes na avaliação dos
ampliação do crédito, provocada com o lança- níveis de affordabilidade de determinado mer-
mento do Programa Minha Casa Minha Vida 2. cado imobiliário.
Uma conclusão que podemos tirar dessa De forma a medir o grau de affordabi-
experiência é que, caso haja a decisão políti- lidade, proponho a adoção de um índice de
ca de se estabelecer um programa de crédito, affordabilidade. Levando em consideração que
este deve regular a circulação de recursos de o programa Minha Casa Minha Vida adotou
forma adequada para cada território, avalian- parâmetros de crédito diferenciados para fai-
do a estrutura de mercado e controlando o flu- xas de renda distintas, o índice de affordabili-
xo de crédito de acordo com a capacidade de dade construído nesta pesquisa é definido pela
produção imobiliária do setor da construção fórmula a seguir:
civil local.
Minsky (1974) reforça o ponto de vista Renda i
IAi =
de que a excessiva ampliação do crédito é ca- Preço da Casa i X Juros i
paz de alimentar uma euforia especulativa que
pode lentamente levar a uma crise econômica. onde Renda i é o índice da renda per capita
Kindleberger (1978) destaca que a irracionali- nominal, a taxa de juros é a taxa de juros no-
dade de certas expectativas otimistas frequen- minal anual praticada para cada faixa de ren-
temente emerge entre investidores nos está- da definida pelo programa Minha Casa Minha
gios avançados do boom econômico e leva as Vida e o Preço da Casa é o índice do preço do
empresas a um superinvestimento. metro quadrado dos imóveis no Rio de Janeiro.
Dando enfoque ao mercado residencial e O índice de renda per capita foi aproximado do
considerando que o mercado imobiliário brasi- índice do salário-mínimo para a faixa de renda
leiro sofre de graves falhas de mercado (exter- mais baixa (de 0 a 3 salários-mínimos) e do ín-
nalidades e ausência de isonomia de informa- dice nominal do Produto Interno bruto para as
ções), a liberação de grande volume de crédito outras faixas de renda.
contribui para quadros especulativos das cor- O cálculo do Índice de Affordabilidade
retagens e pode gerar profecias autorrealizá- para o período de 2009 a 2012 mostra que o
veis que contribuem para uma crise futura. preço do imóvel em escala ascendente afetou
Diferentemente do mercado de aluguéis, os níveis de affordabilidade que decresceram
o debate acerca da affordabilidade no merca- continuamente durante esses anos. Porém,
do de vendas não se restringe à relação direta em 2011, o lançamento do Programa Minha

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

Quadro 2 – Índice de Affordabilidade

Índice de affordabilidade 2009 2010 2011 2012


Brasil
Affordabilidade entre 0-3 SM 9.37146627 6.20307416 3.98689644 17.70511
Affordabilidade entre 3-6 SM 7.9965435 5.29299801 3.40196399 14.6863682
Affordabilidade entre 6-10 SM 6.82367523 4.51666391 2.90299145 12.2411872
Affordabilidade acima de 10 SM 6.051055729 4.00522598 2.57429713 10.6915693
Rio de Janeiro
Affordabilidade entre 0-3 SM 8.81177312 3.63921053 3.00632146 16.1267094
Affordabilidade entre 3-6 SM 7.51896503 3.10528838 2.56525283 13.3770867
Affordabilidade entre 6-10 SM 6.4161441 2.64982982 2.18900231 11.1498923
Affordabilidade acima de 10 SM 5.68966931 2.34979999 1.94115018 9.73842187

Fonte: calculado a partir de dados do Banco Mundial (2009 a 2012) e IBGE (2009 a 2012).

Casa Minha Vida 2 alterou as taxas de juros, por si sós já estabelecem outro patamar de
impactando diretamente na affordabilidade do acesso ao mercado residencial que, associado
mercado de vendas, mesmo que este não te- às diversas restrições adotadas pelos­agentes
nha alterado a tendência de alta do preço dos imobiliários, aumentam o grau de exclusão.
imóveis como mostra o Gráfico 4.
De uma forma geral, o Programa Minha
Casa Minha Vida, ao liberar crédito sem infor-
mações sobre o estoque disponível em cada
Considerações finais
cidade, sobre as projeções de novas unidades, ou regulando os preços
sobre a massa salarial, a base econômica dos e a terra como mecanismos
municípios e até mesmo as necessidades habi- de distribuição de riqueza
tacionais baseadas nos componentes de cresci-
mento demográfico, coabitação e reposição de
social, ou, ainda, equidade
estoque, levou a dois tipos de impactos nega- para o direito à cidade
tivos para as políticas habitacionais. Por um la-
do, a liberação de crédito sem monitoramento Em termos gerais, habitação tem impactado
do estoque gerou uma procura repentina por fortemente o orçamento dos brasileiros. O
unidades habitacionais, influenciando no pro- déficit habitacional entre os anos 2009 e 2015
gressivo aumento do valor das habitações. Por apresentou aumento mesmo em se tratando
outro lado, o aumento do preço no mercado de um período em que houve uma ampla pro-
de venda levou a reboque a elevação de pre- dução imobiliária e que atingiu particularmen-
ços do mercado de aluguel. Esses dois fatores­ te as famílias de menor renda.

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Ao observar os componentes do déficit tradicionais­de exploração do trabalho, mais


de maneira desagregada, percebemos que a especificamente ao empobrecimento abso-
única variável que apresentou crescimento luto e relativo devido à regressividade dos
e que foi capaz de manter o ritmo de cresci- salários. O segundo processo é definido pela
mento do déficit habitacional foi a do ônus espoliação urbana que é consequência do pri-
excessivo com aluguel. Em termos de políti- meiro processo. A espoliação urbana só pode
cas públicas, essa componente demonstra o ser entendida quando analisada sob o contra-
nível de estresse habitacional a que a popu- ditório movimento da acumulação do capital.
lação foi submetida pela alta generalizada do Ela é definida como a soma das extorsões
valor dos imóveis. operadas pela ausência ou pelo precário aces-
No jargão econômico, o otimismo gover- so aos bens públicos em razão da dilapidação
na as margens de lucro dos empresários até o das relações de trabalho e da residualização
ponto em que o consumidor rejeita o patamar das políticas sociais.
de preços praticados e há a redução da deman- Se, por um lado, a manutenção de baixos
da, seguida pela queda dos preços. Contudo, níveis salariais proporciona vantagens compa-
em algumas circunstâncias, como é o caso do rativas no mercado para os empresários. Por
mercado imobiliário, em especial o mercado outro lado, a classe trabalhadora, ao se tornar
brasileiro, a queda da demanda não represen- incapaz de acessar o mercado formal e os ser-
ta necessariamente a redução dos preços dos viços urbanos básicos devido a restrições da
imóveis, e sim o crescimento do déficit devido renda, assegura por si, através da constituição
ao empobrecimento relativo. de favelas e das práticas de autoconstrução da
Considerando que morar é uma con- moradia e da infraestrutura urbana, sua repro-
dição da existência humana e direito social, dução social. Essas práticas representam um
supõe-se que a exclusão de grande parcela da trabalho extra que supre as necessidades que
sociedade do mercado residencial deveria ge- o salário não remunera.
rar alguma reação do Estado, coibindo práti- Para Baltrusis (2005, p. 81), a incapaci-
cas especulativas e incentivando a inserção de dade de o mercado imobiliário formal oferecer
uma demanda solvável no mercado formal a produtos condizentes para essa população,
partir do crédito. Porém, como estamos falan- aliada aos ineficazes programas de provisão
do de mercado, sempre haverá os que estarão habitacional, que efetivamente não atendem
“de fora” da esfera de consumo e que serão o às famílias de baixa renda, estimulou a criação
público no qual as políticas de provisão habita- de um mercado informal de moradia. Dentro
cional desmercantilizada irão incidir. de uma perspectiva institucional, a tolerância
O debate sobre o estreitamento do mer- do Estado aos assentamentos informais é fun-
cado imobiliário brasileiro vai ao encontro das cional à manutenção dos preços dos imóveis
reflexões de Kowarick (1993) que apontam em patamares que não se relacionam com a
que a complementaridade dos mercados resi- realidade da massa salarial. Para quem não
denciais formal e informal pode ser entendida consegue morar formalmente, a favela aca-
a partir de dois processos interconectados. ba sendo a solução. Solução esta que não é
O primeiro processo diz respeito às formas combatida de forma mais radical pelo Estado

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

porque,­ no que diz respeito à habitação, ele amplo acesso à informação pelos comprado-
não tem capacidade para lidar com a magnitu- res mitiga os efeitos da especulação imobiliá-
de do problema. ria e evita que um consumidor, ao questionar,
Mas quais seriam, de fato, as ações re- ao corretor, o preço de um imóvel, ser arguido
gulatórias que o Estado deveria manter para sobre o valor da renda.
disciplinar o mercado imobiliário? A princípio, A regulação de um banco de dados refe-
o Estado deve estabelecer limites às arbitra- rente ao estoque imobiliário, identificando da-
riedades praticadas pelos agentes imobiliá- ta de construção, data da última venda, valor
rios que induzem os inquilinos a se inserir no da venda, unidades vagas, período de vacân-
mercado de seguros e pressionar os gastos cia, unidade com dívida de IPTU e outras infor-
com habitação. mações relevantes, poderia auxiliar o planeja-
O acesso à informação também se co- mento das políticas de crédito, na localização
loca como ponto crucial na correção dos er- das áreas para aplicação dos instrumentos do
ros do mercado imobiliário. É primordial a Estatuto das Cidades, além de subsidiar estu-
construção de uma base geográfica de dados dos urbanos por parte da comunidade acadê-
públicos indicando, mensalmente, o valor de mica. Nesse sentido, regulação do mercado
venda real dos imóveis, de forma a orientar, imobiliário não se trata de controle de preços
ao comprador, o valor do metro quadrado em dos imóveis, mas de estabelecimento de limi-
cada região da cidade. Outra atitude poderia tes para que a oferta e a procura participem de
ser de obrigar as placas de “vende-se” ou “alu- um mercado justo.
ga-se” nos edifícios a expor o valor do imóvel A estratégia de criar bases de dados pú-
no anúncio, assim como o código do consumi- blicas e com atualizações rápidas tanto ajuda
dor exige que os produtos sejam precificados no funcionamento do mercado quanto facilita
nas vitrines das lojas de variedades. O livre e a construção de políticas públicas urbanas.

https://orcid.org/0000-0002-7691-5894
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Urbanismo. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
themisaragao@gmail.com

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Notas
(1) A Lei de Say defende que não existem as chamadas crises de "superprodução geral". Essa
perspectiva afirma que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um
bem é determinada pela oferta de outros bens. É sintetizada pela expressão "a oferta cria sua
própria demanda".

(2) O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente
possível. Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá
necessariamente piorar as condições de outro indivíduo. No entanto, ao ser eficiente não
necessariamente significa que gere igualdade.

(3) A lei de Walras é uma teoria econômica segundo a qual a existência de excesso de oferta em
um mercado deve ser igualada pelo excesso de demanda em outro mercado para que ele se
equilibre. Essa lei afirma que um mercado examinado deve estar em equilíbrio se todos os
outros mercados estiverem em equilíbrio.

(4) Apenas 32 responderam o formulário.

(5) Referente aos trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores
domésticos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta
própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família).

(6) Faço ressalva ao uso do dado de déficit habitacional da RMRJ, uma vez que esse dado não é
desagregado por município, e a análise que estamos fazendo recorta apenas o município do Rio
de Janeiro. Contudo, consideramos que, pelo peso demográfico do município-polo, esse dado
serve como referência para comparar o nível de exclusão do mercado imobiliário.

(7) O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado
grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa
a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no
extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.

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Texto recebido em 26/mar/2021


Texto aprovado em 1º/jul/2021

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