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Cuiabá, UFMT, 29 de novembro de 2013

O ESTADO E O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: UMA ABORDAGEM


TEÓRICA

1
Mariana Garcia de Abreu
Miguel Buzzar2

RESUMO. O grande impasse que envolve a habitação de interesse social no país até os
dias atuais é tentar compreender como um Estado “democrático” não consegue tomar
atitudes possíveis que possam transformar este cenário critico que envolvem a
necessidade de quem não tem uma moradia própria nas classes menos favorecidas, que
tipo de moradia é oferecida a essa parcela da população, aonde são inseridos estes novos
empreendimentos habitacionais, qual é o resultado na paisagem urbana de tantas novas
construções faraônicas e a quem realmente esses programas habitacionais favorecem. As
respostas a tantos questionamentos podem pairar por diversos campos politicos-sociais,
mas segundo a concepção de Agamben a responsabilidade recai sobre o Brasil ter
instaurado uma técnica de governo denominada “Estado de exceção”, onde tudo pode
acontecer em nome da “exceção”, inclusive a constante supressão de direitos sociais,
desde que o faça como regra, ou seja, desde que transforme a normalidade em uma
eterna manutenção da exceção. Através de uma revisão, exclusivamente, bibliográfica
esse trabalho tem como o objetivo geral fazer uma abordagem teórica sobre como o
Estado produz os conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida. Já os
objetivos específicos pareiam em comentar sobre os impasses existentes na produção da
habitação de interesse social no Brasil e pensar como esse Estado em nome da exceção
produz os conjuntos habitacionais no país. Em suma, é impossível dissociar a produção
dos conjuntos habitacionais promovidos pelo programa Minha casa Minha Vida com a
influência que eles podem causar no resultante da cidade e se o Estado continuar
levantando a bandeira a favor da necessidade e a partir dela de legalizar o ilegalizavel,
tudo permanecerá como está. Em poucas palavras “em nome da pobreza e a favor do
capital tudo permanecerá como está no Brasil”.

Palavras chave: Estado de exceção, habitação de interesse social, programa minha casa
minha vida, produção habitacional.

1
Arquiteta, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de
Arquitetura e Urbanismo, USP, São Carlos/SP, E-mail: marianagdeabreu@gmail.com
2
Professor Associado do Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, USP, São Carlos/SP, E-mail: mbuzzar@sc.usp.br
2

1_INTRODUÇÃO
A partir da Constituição de 1988 e reforçado pelo Estatuto da Cidade em 2001 o Estado foi responsabilizado em
garantir a habitação de interesse social como instrumento da função social do solo urbano. Desse modo, a HIS é
definida como a habitação que necessariamente é induzida pelo poder público. Larcher (2005) elenca que além de ser
financiada pelo poder público, HIS não precisa essencialmente ser produzida pelos governos, podendo a sua produção
ser assumida por empresas, associações e outras formas instituídas de atendimento. Outra caracterização é que ela é
destinada, sobretudo a faixas de baixa renda que são objeto de ações inclusivas, notadamente as faixas até três
salários mínimos (faixa da população com maior déficit habitacional) e que embora, o interesse social da habitação se
manifeste, sobretudo em relação ao aspecto de inclusão das populações de menor renda, pode também manifestar-
se em relação a outros aspectos, como situações de risco, preservação ambiental ou cultural.
A habitação de interesse social e suas variáveis, portanto, interagem com uma série de fatores sociais, econômicos e
ambientais, e é garantida constitucionalmente como direito e condição de cidadania relata Bonduki et al. (2003).
Entretanto, Larcher (2005) questiona que para se fazerem cumprir estas garantias no Brasil, observam-se inúmeros
desafios a serem superados, sobretudo nos fatores que se impõem como obstáculos ao desenvolvimento da
sociedade como um todo. Além disso, a questão habitacional é fruto de uma cadeia de fatos históricos que
modelaram sua situação atual. Assim, o conhecimento aprofundado dos fatores socioeconômicos e históricos que
moldam as necessidades habitacionais do país permite a compreensão atual e a projeção futura da habitação.
2_JUSTIFICATIVA
A habitação é um bem de consumo de características únicas, sendo um produto potencialmente durável onde muito
frequentemente são observados tempos de vida útil superior a 50 anos (Ornstein, 1992). Por ser um produto durável
e ser significado de estabilidade financeira e de outros sinônimos como equilíbrio pessoal e/ou familiar o ser humano
tem a necessidade de adquiri-lo, mas por ser um bem caro, as classes menos privilegiadas constituem a maior
demanda imediata por moradia no Brasil segundo a Fundação João Pinheiro, (2011). A partir desse cenário é fácil
decifrar que o Brasil, um país com tanta desigualdade social, possui grandes índices de déficit habitacional. Mas a
problemática, atual, da questão habitacional no país não está instaurada apenas em índices quantitativos e sim em
uma gama multidisciplinar de fatores qualitativos e sociais.
A partir da intervenção estatal na questão habitacional, que ocorreu com Getulio Vargas, ainda na década de 1930,
onde o Estado passou a considerar o provimento da habitação como serviço de utilidade pública e os programas
habitacionais tentaram suprir os índices quantitativos de déficit. Mas, segundo Palermo et al. (2007) ,infelizmente,
limitaram-se a questão a um problema numérico: buscaram construir o maior número possível de casas, para atender
ao maior número possível de famílias. E isso sempre foi feito através da redução do valor do produto habitação, o que
refletiu diretamente na redução qualitativa do ambiente construído.
Mesmo após décadas da mediação do Estado o que se observou é a involução da qualidade das soluções propostas
para a habitação de interesse social. Acredita-se que depois dos conjuntos habitacionais dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs), elogiados sob o ponto de vista arquitetônico e urbanístico, vieram os promovidos
pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), e a partir de então, poucos foram os casos onde a qualidade habitacional e
urbana estiveram presentes.
Em nome da questão social da habitação, mas em função explicitamente de conter a crise econômica global o Estado
lançou em 2009 e está em vigor até o momento mais um dos típicos programas habitacionais - Minha Casa Minha
Vida (PMCMV), estratégia um pouco mais ambiciosa em relação a meta quantitativa a ser atingida. De todo modo, a
promessa de construir um milhão de casas e destiná-las inclusive aos mais necessitados (Quadro 1), alimentou as
esperanças dos que almejavam melhoras sociais. Ferreira (2012) relata, no entanto, que os índices contabilizados até
o momento mostram que grande parte dessa produção habitacional, infelizmente vai contra os princípios do
Programa, e abarca principalmente a faixa de renda entre três e dez salários mínimos. Além de mascarar o real
objetivo da produção desenvolvida pelo programa o Estado impulsionou fortemente a especulação imobiliária,
envolvendo importantes recursos públicos.

ABREU, M. G.; BUZZAR, M. O Estado e o Programa Minha Casa Minha


Vida: uma abordagem teórica.
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Quadro 1: Metas físicas e financeiras do PMCMV


Metas físicas e financeiras do PMCMV 1 e 2 por faixa de renda
Faixa de renda MCMV1 MCMV 2
UH %previsto UH %previsto
Até R$1.395,00 0,4 milhão 40% 1,2milhão 60%
De R$1.395,00 até R$2.790,00 0,2 milhão 20% 0,6milhão 30%
De R$2.790,00 até R$4.650,00 0,2 milhão 20% 0,2 milhão 10%’
Fonte: Ferreira, 2012.

3_PROBLEMÁTICA
Em seu livro “Produzir casas ou construir cidades” Ferreira (2012) discute o problema da produção habitacional
brasileira, e afirma que o atual boom construtivo do segmento econômico, promovido pelo programa Minha Casa
Minha Vida, não parece trazer nenhuma perspectiva promissora de mudança no contexto urbano. Dentre as críticas o
autor afirma que está acontecendo um efeito perverso, o fenômeno construtivo está alimentando a especulação
imobiliária o que está dificultando o acesso da grande parcela da população que necessita de casa própria, apesar do
dinamismo econômico. Crescer economicamente, produzindo cidades injustas e insustentáveis, é talvez o mais
impactante dos problemas ambientais. Desse modo, é urgente e imprescindível a mudança radical na lógica dessa
produção habitacional, pois ela dia após dia contribui para a construção desenfreada e irracional das cidades
brasileiras, gerando uma urbanização massiva e uma paisagem urbana sem qualidade.
[...] um ciclo de crescimento econômico nacional bastante sólido, que implica uma intensa
atividade da construção civil na área habitacional, estão sendo construídos nas nossas
cidades prédios e mais prédios, sem qualquer critério. Novos bairros crescem Brasil afora
em meio a uma espécie de euforia construtiva, mas não parece haver o cuidado
necessário com a qualidade urbana resultante, a injustiça social que nossas cidades
produzem, tampouco os impactos desse crescimento sobre o meio ambiente. (FERREIRA,
2012, p. 5)
O grande impasse que envolve a habitação de interesse social no país até os dias atuais é tentar compreender como
um Estado “democrático” não consegue tomar atitudes possíveis que possam transformar este cenário critico que
envolvem a necessidade de quem não tem uma moradia própria nas classes menos favorecidas, que tipo de moradia é
oferecida a essa parcela da população, aonde são inseridos estes novos empreendimentos habitacionais, qual é o
resultado na paisagem urbana de tantas novas construções faraônicas e a quem realmente esses programas
habitacionais favorecem. As respostas a tantos questionamentos podem pairar por diversos campos politicos-sociais,
mas segundo a concepção de Agamben a responsabilidade recai sobre o Brasil ter instaurado uma técnica de governo
denominada “Estado de exceção”, onde tudo pode acontecer em nome da “exceção”, inclusive a constante supressão
de direitos sociais, desde que o faça como regra, ou seja, desde que transforme a normalidade em uma eterna
manutenção da exceção.

4_ VARIÁVEIS DA PESQUISA
A partir da identificação de questões de várias naturezas que interferem na produção de habitação de interesse social
no país e diante da hipótese correlata que tal produção é induzida erroneamente por um Estado, que usa o artifício da
exceção para legalizar o ilegalizável através de programas habitacionais, e, que o resultado final desta produção gera a
inserção inconsequente de conjuntos habitacionais na malha urbana que afetam diretamente a qualidade de vida dos
moradores e da vizinhança.
Para responder à questão principal é necessário responder às seguintes questões secundárias:
Quais são os benefícios e as contradições do Estado ser o responsável pelas habitações de interesse social produzidas
no país? Como os programas habitacionais são articulados? Quem eles realmente favorecem?

5_OBJETIVOS
Através de uma revisão, exclusivamente, bibliográfica esse trabalho tem como o objetivo geral fazer uma abordagem
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Vida: uma abordagem teórica.
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teórica sobre como o Estado produz os conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida. Já os objetivos
específicos pareiam em comentar sobre os impasses existentes na produção da habitação de interesse social no Brasil
e pensar como esse Estado em nome da exceção produz os conjuntos habitacionais no país.

6_A DISCUSSÃO
Para iniciar o desenvolvimento do estudo, será necessário, em primeiro plano, elucidar o conceito de Estado de
exceção e as problematizações em torno do mesmo. Após as definições iniciais sobre a conexão direta entre um
Estado que em nome da exceção atua fortemente e influencia na questão habitacional, criando consequentemente, as
cidades brasileiras.

6.1_ O conceito que envolve Estado de exceção


O presente estudo parte do pressuposto schmittiano com a teoria do Estado de exceção, registrada em seu livro em
1921 - Die Diktatur, onde defini que o soberano “é quem decide sobre a exceção” e que “a normalidade não explica
nada, a exceção explica tudo”. A partir desse pensamento, se possibilita a implantação de um Estado autoritário, de
negação de direitos, dentro da ordem democrática, desde que, obviamente, nos limites da própria lei constitucional.
O estado de exceção, via de regra, é a possibilidade da norma jurídica exceder a si mesma. (SCHMITT, 2006)
A definição do Estado de exceção para Agamben incide sobre conceito schmittiano de soberania, para ele o soberano
está ao mesmo tempo dentro e fora do ordenamento jurídico. O Estado de exceção, desta forma, se configura como
uma zona cinzenta, um limite indiscernível entre o político e o jurídico, entre a norma e o vivente, onde esta dupla
natureza do direito parece lhe ser constitutiva. O Estado de exceção é a tradução de uma espécie de tendência
incorrigível do Estado moderno em fazer legal daquilo que não pode ter forma legal. (AGAMBEN, 2004)
Curiosamente, Agamben (2002) afirma que “o Estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-
revolucionária e não da tradição absolutista”, ele acredita que o estado de exceção se apresenta fortemente no
contexto da pós-modernidade, de várias formas, inclusive pela constante supressão dos direitos sociais, desde que o
faça como regra, ou seja, desde que transforme a normalidade em uma eterna manutenção da exceção. No caso
brasileiro, a regra é a pobreza, a exclusão social e a violência. Oliveira (2003a) completa exemplificando que o
subdesenvolvimento finalmente é a exceção sobre os oprimidos: o mutirão é a autoconstrução como exceção da
cidade, o trabalho informal como exceção da mercadoria, o patrimonialismo como exceção da concorrência entre
capitais, à coerção estatal como exceção da acumulação privada, keynesianismo avant la lettre. Com isso, o
subdesenvolvimento e suas características seriam a forma de exceção permanente do sistema capitalista que está
presente até os dias atuais.
Acredita-se que houve uma criação espontânea de um estado de emergência permanente, assim como acontece no
Brasil e essas práticas se tornaram, inquestionavelmente, as essências dos Estados contemporâneos, inclusive nos
chamados “democráticos”. Colocou-se em prática a teoria do Estado de exceção que usa do artifício da exceção para
articular a política capitalista e de controle social instaurada na maior parte do mundo, assim, não representando
somente o totalitarismo como alguns autores entendem.
Mais especificamente Agamben (2002) considera que na política contemporânea, o padrão de vida diante do poder
soberano é o homo sacer , é a inclusão da mera da vida nos cálculos do poder. Esta hipótese, em sua visão, reduz toda
a política a mera biopolítica. Neste sentido, é que afirma que o paradigma da política contemporânea não é a cidade,
não é a pólis, mas sim o campo. O campo é o lócus onde o poder soberano tem por referência a vida nua, e não a vida
politicamente qualificada e com a disseminação do Estado de exceção, o campo passa a figurar nas mais variadas
estratégias de poder e controle social.
Em suma, o Estado de Exceção é considerado uma técnica de Governo que busca a restauração da normalidade
através da legalização do ilegalizavel, tem como objetivo criar uma exceção legal, que se justifica pela necessidade. Já
que a necessidade é a sua própria Lei, pode ser entendido como “a necessidade não reconhece nenhuma lei” ou “a
necessidade cria a sua própria lei”. Mas do que tornar licito ou ilícito, a necessidade age como justificativa para a
transgressão de um caso especifica por meio a exceção.

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6.2_O Estado e a produção dos conjuntos habitacionais


Como visto o conceito de Estado de exceção é o manipulador dos interesses do poder soberano diante de situações
de anormalidade, sob o discurso do excepcionalismo. Agamben (2004) afirma claramente que o recurso a esta medida
excepcional de governança tem se tornado cada vez mais frequente na política contemporânea, sob esta ótica, os
tempos atuais estão sob o desempenho da excepcionalidade. Partindo desta hipótese é possível identificar a exceção
insaturada no Brasil em inúmeras ocasiões.
Para Santos (2007), apoiado nos em textos de Francisco de Oliveira, relata “o conceito de Estado de exceção como
ponto central de uma articulação “invisível” que conecta as rupturas no pensamento da política brasileira às questões
de fundo da aliança entre tecnociência e capital global”. O Estado brasileiro findou-se ao capitalismo teorizado por
Marx, assim como a maior parte do mundo, o país segue segundo Maricato (2008) “a essa dinâmica avassaladora do
capital e ultrapassa qualquer que seja a situação, submetendo-se ao fetichismo da mercadoria”. Portanto, como diz o
ditado popular “em país de cego quem tem um olho é rei” quem induz as decisões do Estado são os possuidores desse
capital, deixando explicitamente de lado os interesses das camadas sociais menos abastadas.
A financeirização das economias e principalmente dos orçamentos públicos retira
autonomia do Estado; produz-se uma autonomização do mercado, que é o outro pilar da
exceção. Mas a contradição está em que tornado supérfluo pela autonomização, o Estado
se funcionaliza como uma máquina de arrecadação para tornar o excedente disponível
para o capital. E a exceção está em que as políticas sociais não têm mais o projeto de
mudar a distribuição da renda – que foi lograda ao longo da experiência do Welfare, não
tenhamos o falso pudor de não admiti-lo, como os partidos comunistas não quiseram
reconhecer o papel do reformismo social-democrata – e se transformaram em
antipolíticas de funcionalização da pobreza. (OLIVEIRA, 2003b, p. 11)
Rizek (2012) refere-se ao pensamento benjaminiano e coloca que a população do país “está cercada e circunscritos a
um momento em que em nome da curva ascendente – da suposta democracia formal, da melhora dos padrões de
vida, dos programas sociais de todos os tipos”, e por isso deve-se abrir mão de uma reflexão crítica e se fazer avançar
um ideário que substitui reivindicações por reconhecimento participativo. A autora afirma que este contexto diz
respeito à legalidade do ilegalizavél, que por sua vez é o Estado de exceção na sua concepção original.
As políticas assistencialistas, que são na verdade políticas de funcionalização da pobreza,
são a contraparte desse movimento de verdadeira liquidação da classe em curso no
desenvolvimento brasileiro... (OLIVEIRA e RIZEK, 2007, s/p)
Partindo das reflexões de Francisco de Oliveira e Cibele Rizek é possível afirmar que os programas sociais
desenvolvidos pelo Estado, não tem como objetivo primordial mudar a situação daqueles que tem menos, são
exemplos de como gerir um pobreza instalada no país. Neste sentido, afirmam-se os pressupostos de Arendt (1981),
que nos tempos modernos a esfera política tem se reduzido em operações de gestão dos problemas relativos ao
social.
Os gestores da pobreza em seus inúmeros programas sociais usam um repertorio quase “utópico” desde a sua
fundamentação até a questão da participação popular. Embora essa participação tenha sido instituída a partir da
Constituição de 1988 o Estado não conseguiu colocar em prática os avanços constitucionais no setor da habitação de
interesse social. Isso se pode ser comprovado, como um dos exemplos, na ausência da participação no processo de
projeto arquitetônico, o envolvimento dos futuros moradores é uma das melhores maneiras de se construir um
produto habitacional compatível com as reais necessidades do morador. Mas como questiona Maricato (2008) em seu
texto “nunca fomos tão participativos” que embora o governo Lula tenha feito uma grande abertura à bandeira de
participação popular, ainda é preciso de uma sociedade civil mais organizada e em especial os movimentos populares
para que esta participação saia do campo da retórica.
Outro ponto em discussão é o abandono nos projetos sociais brasileiros, em geral, os programas habitacionais desde
sua gênese não atendem aqueles mais necessitados, mas os que, embora necessitados possuam os meios de pagar
sua moradia. Os programas, projetos e política não atendem a plenitude das populações marginalizadas, mesmo
sendo eles a justificativa para legal da exceção subsidiada pelo Estado, seguindo a filosofia de Agamben (2004) “a
necessidade age aqui como a justificativa para a transgressão em um caso especifico por meio de uma exceção”.
O Brasil apresentou no decorrer histórico uma Política Habitacional marcada pelo fracasso de programas habitacionais
isolados. Isso muitas vezes acontece devido às mudanças nas administrações do Estado, que fazem com que os
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programas sejam esquecidos ou até desprezados, principalmente quando assume o governo de oposição. Ainda mais
que esse mesmo Estado conduz a questão habitacional na cartilha estritamente capitalista, pois desde a era do BNH
até a atualidade são dois bancos – BNH e CEF (Caixa Econômica Federal) - instituições que visam meramente o lucro,
os responsáveis pelos financiamentos e pela produção direta dos conjuntos habitacionais e acabam sendo a principal
fonte administrativa da habitação de interesse social no país.
Ainda hoje são instituídos programas habitacionais através do repertorio legal a favor, exclusivamente, dos pobres.
Usar da exceção para criar um programa que beneficia, não apenas, e nem somente a essa exceção é criar uma “ilusão
de ótica”. Neste sentido, o programa Minha Casa Minha Vida vem desde 2009 reduzindo déficits habitacionais de
camadas não tão baixas, indo contra seu objetivo principal. Pior que isso, é mascar que a criação do programa não foi,
meramente e coincidentemente, em nome de conter uma crise financeira no país.
Assim como reflete Rizek (2012) acredita-se que o Estado perpetua a doutrina neoliberal e tende a consolidar-se, num
claro descaso com os problemas sociais. Tais problemas envolve diretamente a habitação popular, onde foram
transferidos o dever de gestão aos próprios necessitados, como é o caso do Minha Casa Minha Vida – entidades. É
uma estratégia de governo tirar das costas do Estado às responsabilidades de produzir moradia a quem precisa.
O combate à pobreza como negócio: ou negócio do trabalho associado, o negocio das
empreiteiras e grandes construtoras produzindo casa dentro do MCMV, grandes empresas
fazendo o trabalho social de ubanização de favelas ou de acompanhamentos de instalação
de infra estrutura, o negocio do consumo popular e do credito devidamente securitizado,
exceção e financeirização da pobreza se acoplam assim em territórios de controle
construído pela gestão e pelo governo das precariedades, pelo cerco, montando linhas de
demarcação, construindo linhas de fronteira entre assistidos, mas sobretudo enredado
operadores e público alvo no mesmo dispositivo de gestão. Pobres cuidando de pobres,
mulheres cuidando das condicionalidades de famílias pobres sob os auspícios morais do
lulismo e das teologias da prosperidade conformam novas realidades, novas demarcações,
novas “comunidades” de assistidos ou de beneficiários dos programas sociais. (RIZEK,
2012, p. 7)
O mesmo capital que mantém a estrutura habitacional pela CEF é que induz a má qualidade da habitação produzida
nos conjuntos habitacionais. O programa Minha Casa Minha Vida deu continuidade ao retrocesso construtivo e
arquitetônico visto nas soluções proposta até então, como afirma Simbo (2010). Com o intuito de rentabilizar cada vez
mais as construtoras, os pobres que tiveram a sorte de obter uma habitação, foram obrigados, quase que em
unanimidade, a habitar um produto que não atende sua necessidade mínima de habitabilidade e certamente estão
alocados no limite do perímetro urbano. Assim, a iniciativa pública reforça a estruturação da ocupação territorial ao
implantar os conjuntos habitacionais em áreas afastadas e carentes de infraestrutura, criando um ciclo vicioso de
captar mais e mais lucro em nome dessa pobreza estabelecida.
Tratava-se de procurar um padrão de uma tipologia habitacional que mais bem articulasse
a questão dos custos com um processo produtivo já consolidado, com o desejo de
consumo dos futuros compradores e com os materiais e componentes construtivos
disponíveis no mercado. Ou seja, procurava-se um desenho que juntasse os meios atuais
mais baratos para se produzir habitação, a fim de garantir a rentabilidade do negócio.
(SHIMBO, 2010, p. 330)
O desenho da paisagem que é criado a partir da implantação dos conjuntos habitacionais, embora não seja uma
prioridade deveria se transformar em verdade para política habitacional, já que são através desses faraônicos
empreendimentos que a cidade vem delimitando-se. Há, nitidamente, a necessidade de que esses projetos adquiram
um sentido ampliado, para ir além das soluções físicas e espaciais, abrangendo outras áreas do conhecimento. Logo, o
espaço urbano é complexo e merece um plano abrangente, pensando pelos vários agentes que neles vivem ou
intervém. Para isso, pressupõe-se a interação dos usuários, arquitetos, assistentes sociais, sociólogos, sanitaristas,
geógrafos, educadores e de todos aqueles que possam conceder sua contribuição, sem deixar de lado a opinião de
quem realmente vai fazer uso deste produto – os moradores.
Portanto, é visível que a chave da questão habitacional não se encontra nos números, mas requer projetos integrados
ao espaço urbano e as necessidades das famílias. É preciso que o discurso do Estado seja colocando em prática em
nome de quem realmente precisa de uma moradia digna. Criar uma exceção e destinar a ela todos os benefícios
propostos, pois a pobreza que se instalou e se reinstala a cada dia no Brasil não pode ser apenas um problema de
gestão, e sim de verdadeiras políticas públicas. Um estado que se bani de ofertar empreendimentos habitacionais de
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qualidade, acaba gerando instabilidades não somente para os moradores, mas também para todos que vivem e
utilizam a cidade como todo. A grandiosidade desses conjuntos habitacionais reflete o descaso de tal Estado para essa
tal exceção – a pobreza.

7_CONCLUSÃO
Primeiramente, cabe afirmar que o Estado brasileiro, que se declara “democrático de direito”, na prática não o é, uma
vez que o sistema econômico adotado é inversamente direcionado aos direitos estabelecidos em constituição. Sendo
assim, não há que se argumentar pelo equilíbrio entre um econômico e o social. Ausência dos dados, falta de debate
qualificado sobre os programas habitacionais, poucos estudos específicos, dificuldade de se obter informação do
poder público e a pouca investigação sobre outras influências que impactam, verdadeiramente, nas paisagens
urbanas.
A defesa institucional da política habitacional no centro permaneceu mais no plano da retórica do que da ação, assim
como a aplicação dos instrumentos urbanísticos para o cumprimento da função social da propriedade. Assim, como as
demais políticas públicas instauradas no Brasil, a política habitacional fundamenta-se no ideário da pobreza e em
nome dela cria-se a exceção que justifica o “totalitarismo” do poder de decisões deste Estado moderno.
Não há mais política: há tecnicidades e dispositivos foucaultianos que se impõem com a lei
da necessidade. Adequamos nosso discurso para reconhecer a “realidade” e em nome
dela, planejar a exceção. (OLIVEIRA, 2003b, p. 13)
Acredita-se que para a transformação deste cenário estabelecido devem-se construir cidades a partir do planejamento
habitacional, já que são eles que crescem em uma progressão aritmética desenfreada, e geram consequentemente
urbano. Deve-se agir de forma mais abrangente para enfrentar as futuras demandas habitacionais e criar uma cidade
com uma paisagem urbana que não denigra sua funcionalidade e que converse entre si. E para atingir essa tal
transformação, além da inversão dos interesses do Estado é preciso que a população saia do estado de inércia que se
encontra hoje e comece a articular melhor por seus direitos. Há uma consciência induzida no país que Maricato (2001)
garante “ambiente construído é dependente da sociedade que constrói e ocupa” e que é impossível esperar uma
sociedade desigual e arbitraria, com relações de privilégios, como a nossa, produzir cidades que não tivessem
cidadania restrita, segregada, pois sua uma mente ideológica lhe diz: aquele que tem patrimônio tem mais direitos do
que aquele que não tem.
Em suma, é impossível dissociar a produção dos conjuntos habitacionais promovidos pelo programa Minha casa
Minha vida com a influência que eles podem causar no resultante da cidade. Esse resultante é desenho urbano que
interfere diretamente na vida, de quem mora nos empreendimentos, e de quem vive a cidade. Toda a infraestrutura,
todo o fluxo dos meios de transporte, a localização dos serviços, a nova densidade populacional, a barreira
arquitetônica e visual, qualquer que seja o artifício, ele pode levar a população ao um “perfeito” caos diário. Mas, se o
Estado, continuar levantando a bandeira a favor da necessidade e a partir dela de legalizar o ilegalizavel, tudo
permanecerá como está. Em poucas palavras “em nome da pobreza e a favor do capital tudo permanecerá como está
no Brasil”.

8_REFERÊNCIAS
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