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HABITAÇÃO:

um olhar
para o futuro
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Vice-Presidência de Habitação

Setor Bancário Sul – Quadra 04, Lotes 3 e 4, 21º Andar – CEP 70.092-900

Brasília /DF

vihab@caixa.gov.br

Presidência

Nelson Antonio de Souza

Vice-Presidência de Habitação

Paulo Antunes de Siqueira

Equipe Responsável

Anna Paula Cunha (coordenação)


Paulo Antunes de Siqueira (coordenação)

Bianca Junqueira Franco Caleffi


Evandro de Souza Silva
Gustavo Lima Leite
Henrique Aguiar Lara
Jaime Daniel da Silva
João Victor Oliveira Gomes
Luciana dos Anjos Versiani
Luiz Alberto Nozaki Sugahara
Maria Carmem Amorim Madoz
Patricia de Senna Britto
Paulo Jose Galli
Rogerio Toresani
Rosemary Silva Duarte
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

HABITAÇÃO:
um olhar
para o futuro

Julho de 2018
Sumário

APRESENTAÇÃO7

CAPÍTULO 1: CONTEXTO BRASILEIRO 9

1.2. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO 15

1.3. HABITAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XXI 16

CAPÍTULO 2: NECESSIDADES HABITACIONAIS 21

2.1 DÉFICIT HABITACIONAL 21

DEFINIÇÕES E METODOLOGIAS ACERCA DO DÉFICIT HABITACIONAL 21

PRINCIPAIS DEBATES ACERCA DO DÉFICIT HABITACIONAL 24

2.2 INADEQUAÇÃO DE DOMICÍLIOS URBANOS 28

DIAGNÓSTICO29

2.3 IMÓVEIS VAGOS 32

CAPÍTULO 3: DESAFIOS E PROPOSTAS 35

3.1 DIMENSÕES PARA INTERVENÇÃO 35

3.2 DISPONIBILIDADE DE RECURSOS E SUBSÍDIOS 35

3.3 PROVISÃO HABITACIONAL 41

DIRETRIZES PARA PROVISÃO HABITACIONAL 41

DIRETRIZES PARA HABITAÇÃO SOCIAL 42

HABITAÇÃO E RENOVAÇÃO URBANA 44


ÁREAS CENTRAIS 46

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 47

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS HABITACIONAIS 48

PROGRAMA PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA (PSR) 48

PROGRAMA DE LOCAÇÃO SOCIAL 49

PROGRAMA DE COOPERATIVAS HABITACIONAIS 51

3.4 ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL 51

ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES DOS ENTES FEDERADOS 51

TRANSPARÊNCIA51

3.5 AMBIENTE DE NEGÓCIOS 52

SUPERAÇÃO DE GARGALOS 52

SEGURANÇA JURÍDICA E PREVISIBILIDADE 53

DIRETRIZES PARA MAIOR EFICIÊNCIA E INDUSTRIALIZAÇÃO DO SETOR 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS 54
APRESENTAÇÃO

Habitação: Um olhar para o futuro é um trabalho A Caixa se propõe a ser “parceira estratégica
que tem como propósito buscar reflexões sobre a do estado brasileiro” e possui diretrizes objetivas
habitação em nosso país a partir de um diagnóstico para concretizar esse direcionamento no escopo
realizado sobre os principais resultados obtidos de atuação da sua Vice Presidência de Habitação:
na última década, em termos quantitativos e
qualitativos, sob a perspectiva da Instituição » Ser o Banco para o brasileiro morar bem;
que teve o privilégio de conduzir os principais
programas e ações do governo brasileiro para a » Ser mais que um banco para os movimentos
solução de moradia em nosso país. sociais (que atuam em prol da moradia no
país);
Se partirmos da premissa que o futuro pode ser
um presente do passado, estudar os principais » Ser o banco da construção civil -habitação;
indicadores de desempenhos e resultados obtidos
na década passada, a melhor em toda história da » Ser o parceiro prioritário do governo em
habitação em nosso país, pode nos proporcionar habitação;
compreensões mais apuradas sobre os diversos
esforços e iniciativas dos governos ao longo desse É com esse ímpeto que este trabalho foi realizado.
período.
Nas próximas páginas estão relacionadas de
Fica patente que iniciativas empreendidas nos forma prática e objetiva propostas que podem
períodos tentaram dar respostas às demandas e devem ser melhor analisadas por todos os
sociais relacionadas à habitação com os recursos envolvidos na busca de soluções de moradias para
orçamentários, tecnológicos e de conhecimento as famílias brasileiras que fazem parte do déficit,
da dinâmica social disponíveis nos respectivos da demanda ou das inadequações habitacionais.
momentos.
Muitas perguntas surgiram durante o trabalho e
O nível de conhecimento sobre o setor de com certeza outras precisam surgir daqui para
habitação evolui constantemente e já é possível, frente.
atualmente, realizar análises mais detalhadas
sobre os diversos itens que compõem as Uma certeza que encontramos até o momento
necessidades habitacionais, customizando é que o diálogo sobre o tema precisa ser
propostas, programas e ações que resultem na permanente.
obtenção do melhor resultado com a aplicação
dos escassos e disputados recursos disponíveis.

PAULO ANTUNES DE SIQUEIRA

Vice-Presidente de Habitação
Caixa Econômica Federal

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 7


MAIS QUE UM CHÃO
MAIS QUE UM TETO
um lugar
para viver bem.
CAPÍTULO 1: CONTEXTO BRASILEIRO

Capítulo 1 CONTEXTO BRASILEIRO

1.1. HABITAÇÃO NO BRASIL

U m dos grandes problemas urbanos atuais brasileiros é a questão da moradia,


que nasce do confronto entre a produção da cidade, que estimula a escassez da
habitação regular e a demanda real e permanente por essas habitações. Apresenta
muitas dimensões, envolvendo o financiamento e a circulação do capital investido na
cidade, a paisagem urbana, a segregação territorial e a violência, a mobilização e a
participação populares, a violência, a saúde e o acesso da população a informação
e a tecnologia. Enfim, retrata muitas das relações econômicas, sociais e políticas que
constroem a cidade brasileira.

Considerando que as necessidades habitacionais resolvem-se também pela


construção de moradias e de infraestrutura, mas não apenas por essas ações, para
melhor entendimento da condição presente e para qualificar proposições para
o futuro, é essencial compreender a evolução das políticas e ações voltadas ao
tratamento dessa questão ao longo dos anos.

Ainda no final do século XIX, as maiores cidades brasileiras sofreram o impacto de


novas tecnologias. Nesta época foram introduzidos nas habitações a água, o gás e
a energia elétrica, pelo investimento do capital estrangeiro.

A verticalização ganhou novo impulso com os primeiros elevadores. Muitos industriais


investiram em vilas operárias para seus funcionários. Pequenos empreendedores,
especialmente imigrantes, investiram na construção de pequenas casas para alugar.

No governo de Getúlio Vargas (1930-1945), o Estado reconhece a ineficiência do


mercado em resolver a escassez de habitações. Aceitando que era preciso prover
moradia para os grupos da população que não conseguiam acessar o mercado
formal, foi criado o conceito de déficit habitacional, ou seja, a diferença entre a
oferta de moradias e a demanda existente. Baseado nesta ideia de déficit, surgem
os programas de construção de grandes conjuntos habitacionais padronizados,
especialmente nas periferias das cidades. Foi a época da difusão do apartamento
como opção de moradia e dos conjuntos dos IAPs – Instituto de Aposentadorias e
Pensões, projetados segundo os conceitos modernistas – habitar, circular, trabalhar
e recrear. Também foram implantados os Parques Proletários para a transferência
de favelados.

A Lei do Inquilinato (1942)1 , ao impor restrições contundentes ao mercado rentista,


que supria até então a demanda por moradia, na forma de vilas de muitas casas
para aluguel, intensificou o processo de periferização na forma de loteamentos
clandestinos, onde o preço do lote era baixo e a infraestrutura inexistente. O
loteamento clandestino articulou-se com a autoconstrução e com a facilidade de
circulação representada pelo ônibus, que passou a substituir os bondes e os trens,
trazendo nova dinâmica às cidades brasileiras.

1Decreto Lei n. 4.598/42 de 20 de agosto de 1942, que “dispõe sobre aluguéis de residências e dá outras
providências”.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 9


A partir de Vargas, a produção direta e o financiamento de moradias ficam mais
acessíveis. O poder público passou a intervir num setor que até então era produzido
e comercializado pela iniciativa privada, com restrições apenas de ordem sanitária.

O período posterior, conhecido como o desenvolvimentismo (1945-1964), viu a


consolidação e a ampliação da classe média. Os conceitos modernistas difundiram-
se por todo o país, especialmente pelas leis de zoneamento e planos diretores. O
principal exemplo dessa época é Brasília, a cidade construída para o automóvel
circular. Este foi o período de grandes reformas urbanas de adequação de sistemas
viários aos automóveis e da consolidação da ideologia da “casa própria”.

O regime militar (1964-1985) trouxe a criação do Sistema Financeiro da Habitação


(SFH-BNH2). Com isso, a produção de moradias intensificou-se. Os empreendimentos
populares eram gigantescos, com projetos subordinados aos interesses das
empreiteiras, com resultado arquitetônico e urbanístico pobre, visualmente repetitivo
e monótono. (Fernandes, 1995).

Neste período, a ação regulatória foi intensificada. As limitações impostas pelo


Código Florestal (1965)3, criaram dentro das áreas de expansão das cidades
regiões que não mais interessavam ao mercado imobiliário formal, abrindo espaço
para ocupações ilegais. Na região metropolitana de São Paulo, a Lei Estadual de
Proteção de Mananciais (1975)4 provocou efeitos semelhantes.

A Lei Lehman (1979)5, instituída para disciplinar o parcelamento do solo e coibir


o aparecimento de loteamentos clandestinos, impôs novas obrigações aos agentes
imobiliários, o que implicou na redução drástica de novos empreendimentos,
encarecendo a terra urbanizada na maioria das cidades brasileiras. A dificuldade
de financiamento dos mais pobres fez então crescer as favelas.

Em 1986, o SFH-BNH foi extinto e substituído apenas institucionalmente pela Caixa


Econômica Federal, desarticulando o sistema de financiamento de habitações
populares. A crise econômica provocada, dentre outras causas, pelas dificuldades de
autofinanciamento do Estado brasileiro, em suas três esferas, diminuiu sensivelmente
os recursos disponíveis para moradias populares. Os programas habitacionais
passaram a ser desenvolvidos por estados e municípios, concentrando na esfera
federal apenas os instrumentos de financiamento desse programas.

A partir dos anos 80, o modelo de conjuntos habitacionais enormes, inspirados no


urbanismo modernista, é contraposto a um novo modelo de “habitat evolutivo e
autoconstruído”. Principalmente pela ação dos movimentos sociais contra a remoção
das favelas nos grandes centros urbanos, o conceito de déficit habitacional passou
a ser encarado com desconfiança e substituído pela perspectiva de adequação e
urbanização das ocupações existentes.

As ações nos anos 90 foram direcionadas para crédito ao beneficiário final e


para captação de recursos no mercado. Merece destaque a instituição do Sistema
Financeiro da Habitação – SFI e da alienação fiduciária. Na produção de moradia
social, as inovações no período são a introdução da modalidade arrendamento

2 Sistema Financeiro da Habitação - Banco Nacional de Habitação


3 O Código Florestal foi instituído pela Lei Federal n. 4.771 de 15 de setembro de 1965
4 A Lei de Proteção de Mananciais da Região Metropolitana da Grande São Paulo foi instituída pela Lei
Estadual n. 898/75.
5 Lei Federal n. 6.766/79.

10 Caixa Econômica Federal


residencial por meio do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR e a parceira com
organismos multilaterais, especialmente o Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID, que gerou o Programa Habitar Brasil BID.

Na primeira década do Século XXI, foi criado o Ministério das Cidades, que
coordenou a elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU)
e do Plano Nacional de Habitação – PlanHAB6. Com fundamento no Estatuto da
Cidade , foram mobilizados Estados e Municípios para elaboração de instrumentos
de planejamento local, como Planos Diretores e Planos Locais de Habitação de
Interesse Social, com indicação da realização de Conferências das Cidades e
constituição de Conselhos e Fundos Municipais voltados para a moradia social.

Nesse mesmo período, houve expansão dos negócios imobiliários com recursos de
mercado, com ampliação da atuação dos bancos privados e abertura de capital em
bolsa de valores de várias empresas do setor de incorporações imobiliárias.

Ações de urbanização de assentamentos precários também foram iniciadas em


todo o território nacional no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento -
PAC, com intervenções em grandes complexos de favela nas principais metrópoles
brasileiras. A despeito do grande volume de recursos investidos e de muitos
resultados relevantes, várias intervenções não foram concluídas em razão das
muitas dificuldades inerentes à execução de obras em áreas ocupadas.

Uma das maiores dificuldades relatadas na conclusão dos projetos de urbanização


foi a regularização fundiária, questão que ganhou novo impulso com a Lei de
Regularização Fundiária7 sancionada em 2017.

A partir de 2009, como ação anticíclica voltada à mitigação dos efeitos da crise
internacional, bem como em resposta à demanda por moradia social, com apoio
importante do setor da construção civil, as ações governamentais de habitação
no âmbito federal foram direcionadas e concentradas gradualmente no Programa
Minha Casa Minha Vida - MCMV.

Com inegável efetividade na aplicação dos recursos e na operação junto ao setor


imobiliário, o MCMV já contratou mais de 5 milhões de unidades habitacionais
em suas diversas modalidades até 2018, das quais um pouco mais de 3,9 milhões
já concluídas e entregues. Desde 2009, ano de sua criação, o MCMV totalizou
aproximadamente 55% da produção imobiliária executada por meio de crédito e/
ou repasses realizados por instituições financeiras brasileiras.

O Quadro 1 a seguir resume as políticas habitacionais brasileiras até 2018.

6 Lei Federal 10.257/2001


7 Lei Federal 13.465/2017

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 11


Quadro 1 - Políticas Habitacionais Brasileiras

Momento Políticas
Período Quadro Habitacional e Urbano
Histórico Habitacionais

Códigos de Posturas e
31% da população escrava Edifícios
Regência Proibição da construção
1831-1889 Senzalas
II Império de cortiços no centro
Cortiços no Rio de Janeiro urbano do Rio de Janeiro
(1876)
Remodelação urbanística.
Migração Internacional (7% da população
brasileiro é de imigrantes entre 1890 e 1900) Demolição dos cortiços
insalubres
Emergência da classe operária
Legislação urbanística
Idéias anarquistas
Política oficial de
1890-1930 República Velha Estado liberal “guardião da ordem” construção de casas de
Cortiços (25% da população do Rio de Janeiro) aluguel (1920)

Habitação de aluguel (78% dos domicílios de São Carteiras imobiliárias das


Paulo) caixas de aposentadorias
e pensões (1930)

IAPs
República Nova Industrialização
Erradicação de favelas
e Estado empreendedor (Rio de Janeiro) e
1930-1945 mocambos (Pernambuco)
Estado Novo Expansão da mancha urbana nas grandes cidades
Lei do Inquilinato (1942)

Desenvolvimento da economia urbano-industrial


Implantação das indústrias de transformação
Populismo
Construção de Brasília Fundação da Casa
Dutra
Popular (1946)
Expansão das periferias urbanas
1945-1964 Vargas
Desfavelamento
Casa própria – loteamento irregular –
J.K.
autoconstrução COHAB
Jango
Crescimento das favelas

12 Caixa Econômica Federal


Momento Políticas
Período Quadro Habitacional e Urbano
Histórico Habitacionais

Metropolização e urbanização crescentes SFH – Sistema Financeiro


da Habitação
Concentração de renda
BNH – Banco Nacional
Expansão da infraestrutura de Habitação
1964-1985 Período Militar Expansão da fronteira agrícola Mudanças na Lei do
Inquilinato
Ampliação e ocupação das periferias urbanas
Ideologia da casa
Aumento da favelização própria
Invasões organizadas

Diminuição da taxa de crescimento populacional


Queda da fecundidade Política compensatória e
incrementalista
Emigração (1,5 milhões de brasileiros fora do Brasil
em 1995) Ações pontuais

Diminuição da metropolização Discrepância entre


Nova República discurso e prática
Sarney Re-alocação de plantas industriais
Falência do BNH (1986)
1985-1994 Collor Inflação alta – Desemprego e sua incorporação a CEF
Itamar Achatamento salarial Coexistência de um SFH
pouco ativo e programas
Queda no PIB
alternativos
Intervenções macroeconômicas desastrosas
Descentralização das
Abertura política ações de intervenção em
habitação – ações locais
Violência urbana (estados e municípios)
Aumento das favelas e dos sem-teto

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 13


Momento Políticas
Período Quadro Habitacional e Urbano
Histórico Habitacionais

Montagem do SFI –
Sistema Financeiro
Imobiliário
Alienação Fiduciária
Captação de recursos no
mercado
Controle da inflação – Juros altos
Parcerias com
Abertura da economia – descentralização industrial Organismos Multilaterais
Modernização tecnológica Crédito ao usuário final
1995 - 2001 FHC Desemprego – Aumento da informalidade Separação entre crédito
Estancamento e pauperização das metrópoles para renda baixa e
outras faixas de renda
Violência urbana
Descentralização de
decisões
Programas alternativos
(estados e municípios)
Estatuto da Cidade
(2001)

Estatuto da Cidade
(2001)
Ministério das Cidades
Patrimônio de Afetação
Maior regulação jurídica
Ciclo de crescimento investimentos públicos dos contratos – alienação
Lula fiduciária e patrimônio de
Aumento do PIB afetação
2002 - 2014 Dilma
Crise econômica 2008 Planos Diretores e Planos
Locais de Habitação de
Interesse Social
Criação do PAC
Criação do MCMV
Criação do PLANHAB

Aprofundamento da crise econômica


MCMV – Fase 3;
Instabilidade da SELIC Limitações
Crise política Dificuldades no PAC;
2015-2018 Temer
Ajuste Fiscal Lei Federal 13.465/2017
– Regularização Fundiária
Reforma trabalhista
Limitações no SBPE

Fonte : Adaptado de Taschner, 1997:p.72

14 Caixa Econômica Federal


1.2. SISTEMA FINANCEIRO DA convivam de maneira frutífera em alguns níveis.

HABITAÇÃO Em meio a grande instabilidade econômica, o BNH foi


extinto em 1986. A Caixa Econômica Federal passou a
Em 1964, com a Lei nº 4.380/1964, foi criado o Sistema ser o principal agente do Sistema Brasileiro de Poupança
Financeiro de Habitação (SFH), destinado a “facilitar e e Empréstimo (SBPE) e do Fundo de Garantia por Tempo
promover a construção e a aquisição da casa própria ou de Serviço (FGTS). As iniciativas governamentais de
moradia, especialmente pelas classes de menor renda da abrandamento da crise habitacional, entretanto, não
população” e o Banco Nacional de Habitação (BNH), eram o bastante. Prosseguiu a lógica de financiamento
órgão central do SFH. Com isso, teve início esforço mais predominante para o segmento com renda média
direcionado à aquisição de imóveis, e o foco da política superior, enquanto as unidades produzidas para a
habitacional passou a contemplar produção de novas população de baixa renda apresentavam elevados
unidades. Ao longo de seus 22 anos de existência, o índices de inadimplência9. O Gráfico abaixo apresenta
BNH financiou 4,5 milhões de unidades8. Apenas 33,6% o histórico de contratações do SFH entre 1964 e 2000,
delas, porém, foram destinadas aos setores populares, abrangendo um primeiro momento de crescimento, a
mostrando que, nesse modelo, os interesses do mercado crise hiperinflacionária e posterior retomada após o
podem se sobrepujar às necessidades sociais, ainda que Plano Real.

8 Informação disponível pela Caixa Econômica Federal


9 Cabe ressaltar que, entre 1950 e 2000, a população do Brasil mais que triplicou, e passou de majoritariamente rural a quase inteiramente urbana,
conforme publicações do Censo Demográfico elaborado pelo IBGE. A pressão por novas moradias era intensa, e a entrega não atendia a essa demanda.

Gráfico 1 – Histórico de contratações no SFH entre 1964 e 2000, total de unidades

Fonte: Caixa Econômica Federal e ABECIP, elaborado pela CAIXA

A estabilidade econômica, que ensaiaria os primeiros passos após o Plano Real em 1994, deu frutos durante a primeira
década do novo século, quando foi possível realizar investimentos massivos em infraestrutura e habitação. Antes disso,
porém, ocorreram importantes marcos institucionais para a questão urbana, como a II Conferência das Nações Unidas
sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano (ONU-Habitat II), de 1996, com posterior desencadeamento no Estatuto
da Cidade em 2001, a criação do Ministério das Cidades em 2003 e a instituição da Política Nacional de Habitação
(PNH) em 2004, cuja principal meta é garantir à população, especialmente a de baixa renda, o acesso à habitação
digna, tratando como essencial a integração entre a política habitacional e a política nacional de desenvolvimento
urbano.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 15


1.3. HABITAÇÃO NO BRASIL NO Gráfico 2 – Déficit habitacional por Faixa de Renda

SÉCULO XXI

O Século XXI tem como marcos iniciais a instituição do


Estatuto da Cidade em 2001, a criação do Ministério
das Cidades em 2003 e a instituição da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano – PNDU e da Política Nacional de
Habitação – PNH em 2004. A principal meta estabelecida
na PNH foi “garantir à população, especialmente a de
baixa renda, o acesso à habitação digna, tratando como
essencial a integração entre a política habitacional e a
política nacional de desenvolvimento urbano”. Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela CAIXA

Cumpre observar que o número destinado a essa faixa


Os investimentos massivos acima mencionados tomaram
não é pequeno, tratando-se de 1.844.878 unidades
forma nas figuras do Programa de Aceleração ao
contratadas e 1.338.211 já entregues até Maio de 2018.
Crescimento - PAC, que contou com direcionamentos
Não se pode desprezar também que, financeiramente,
específicos a transporte urbano e saneamento, além do
a política pública auxiliou as famílias beneficiadas e
Programa Minha Casa Minha Vida - MCMV, destinado à
melhorou suas condições de habitação. Além disso, é
habitação social.
do MCMV o mérito de ter disponibilizado uma linha de
financiamento mais adequada à classe média e média-
Com o objetivo primordial de produzir novas unidades
baixa, criando um mercado necessário para essa parcela
habitacionais para superar o déficit habitacional, o MCMV
da população. Observados os extratos de renda da
se consolidou como o maior programa habitacional da
população, de acordo com a Pesquisa Nacional por
história do Brasil, tendo alcançado em 2017 a marca de
Amostra de Domicílios (PNAD 2015), o PMCMV atende
cinco milhões de unidades habitacionais contratadas,
a 89,9% dos domicílios, conforme Quadro 2.
centralizando até o momento os esforços do Governo
Quadro 2 – Faixas de Rendimento dos Domicílios Brasileiros, 2015
Federal para lidar com a questão habitacional.

Em que pese a magnitude do MCMV, importa observar


que o Programa repete, em parte, o modelo de produção
habitacional instituído pelo BNH: de acordo com balanço
do programa, apenas 35,0% das unidades contratadas
no âmbito do MCMV são destinadas à Faixa 1 (renda
mensal familiar de até R$ 1.800), embora essa faixa
represente o maior contingente do déficit habitacional,
conforme gráfico abaixo. É importante lembrar que os
níveis de subsídio na produção de unidades destinadas
à Faixa 1 são muito superiores aos subsídios destinados
às outras Faixas, e correspondem a mais de 60% do total
aplicado desde 2009.

Fonte: PNAD IBGE 2015, elaborado pela CAIXA

16 Caixa Econômica Federal


Dada a abrangência e volume de recursos do Programa, é marcante seu impacto
sobre o mercado financeiro e da construção civil nos últimos anos. Tomando-se por
base a quantidade de financiamento utilizando o SFH, mais da metade de todo o
histórico do Sistema, desde 1964, ocorreu entre 2006 e 2017, cabendo ao MCMV
a maior parte desse incremento, conforme se observa no Gráfico 3 abaixo.

Gráfico 3 – Histórico de contratações no SFH entre 1964 e 2017

Fonte: Caixa Econômica Federal e ABECIP, elaborado pela CAIXA

É evidente então que o programa superou os entraves políticos e econômicos


existentes no passado e enfrentou a questão habitacional no país com maior
eficiência do que qualquer outro programa. Ainda assim, o PMCMV não está
isento de críticas e até mesmo reflexões sobre sua reformulação. Em 2015, foi
publicado pelo IPEA10 o Texto para Discussão 1044 com estudo sobre o Programa
no qual se apurou que a maior parcela dos empreendimentos destinados à Faixa
1 (Recursos FAR) até então se localizavam em municípios periféricos das grandes
capitais brasileiras ou na periferia dessas capitais. A razão é bastante conhecida:
por obedecer ao imperativo da limitação orçamentária, nesse programa o preço
dos terrenos é decisivo para localizar os empreendimentos, tornando-os por vezes
bairros-dormitórios dos grandes centros e potencializando problemas de mobilidade
urbana, com restrição no acesso a equipamentos e serviços essenciais.

Essa e outras publicações feitas pelo Ipea11 levantam a hipótese de que a produção
habitacional, foco do Programa, acabasse por sobrepujar um possível e necessário
projeto de cidade. A atuação do PMCMV concentrada em fornecer imóveis novos
nos mostra uma continuidade na ideia de propriedade como solução para o
problema público da habitação, ao menos desde a criação do SFH – e mesmo
antes, se retomarmos o contexto histórico de apropriação territorial no Brasil. É
razoável o pressuposto: a própria noção de déficit, como se verá a seguir, é acerca
da necessidade de novas moradias; historicamente, a produção foi essencial, e até
hoje prossegue como aspecto importante. Entretanto, a complexidade da questão
exige redirecionar o olhar, ir além de novas unidades em localizações que muitas
vezes não levam em conta a cidade já consolidada.

10 Material disponível em http://www.IPEA.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_2044b.pdf,


acessado em 30/06/2018
11 Materiais disponíveis em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2693/1/TD_1853.pdf e
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5282/1/td_2116.pdf, acessados em 30/06/2018

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 17


A iniciativa de pensar o futuro da habitação é então cabível à CAIXA enquanto
agente financeiro principal parceiro do governo na execução de políticas públicas.
O cenário de retomada dos investimentos produtivos nas cidades proporcionou
à instituição um papel destacado, aplicando mais de R$ 800 bilhões em crédito
imobiliário nos últimos 10 anos, consolidando-se como líder absoluta no setor, com
69% do total da carteira do mercado, totalizando R$ 431,7 bilhões em Dezembro
de 2017.

Esse valor contribuiu ainda para que a CAIXA se tornasse detentora da maior
carteira de crédito do país12, com mais de 20% de vantagem sobre a principal
concorrente, situação muito diferente da observada 10 anos antes, quando a Caixa
detinha apenas a sexta maior carteira de crédito, com menos da metade do valor
da instituição que liderava.

Ocorre que essa liderança proporcionada sobretudo pela aplicação no PMCMV não
pode levar a CAIXA à situação de miopia, sendo indispensável olhar para o futuro,
levando em consideração novos fatores demográficos e dinâmicas econômicas,
revisando as linhas de crédito que o próprio banco oferece, na parceria que tem
com o Estado brasileiro para execução de políticas públicas e reforçando o diálogo
com o setor produtivo para alinhar expectativas e visões estratégicas.

Nesse sentido, ainda que a carteira de crédito imobiliário tenha apresentado


expressivo crescimento relativo ao do Produto Interno Bruto — PIB na última
década, variando de 1,8% em 2007 para 9,5% em 2017, não se deve esperar igual
movimento nas décadas seguintes, uma vez que o boom demográfico brasileiro
ocorreu em décadas anteriores e o vertiginoso aumento do crédito imobiliário, que
se fundou no modelo de financiamento de novas unidades habitacionais, chega a
um provável esgotamento a partir do momento em que o déficit, numa visão bem
restrita sobre esse conceito, é superado.

Entre 1960, no início do SFH, e 2010, a população brasileira cresceu 175,3%,

12 Consulta disponível em https://www3.bcb.gov.br/ifdata/#!, acessado em 30/06/2018

Gráfico 4 – Crescimento Demográfico do Brasil – 1960 a 2060

Fonte: IBGE, elaborado pela CAIXA

18 Caixa Econômica Federal


enquanto em igual período entre 2010 e 2060 a projeção é de que a população
cresça apenas 11,6%, com decréscimo populacional a partir da década de 2040,
conforme gráfico 4.

Segundo a PNAD/IBGE 2015, os imóveis próprios já quitados representam 68,2%


do total de imóveis no Brasil. Contribui para esse resultado o fato de que quase a
totalidade dos contratos firmados nas décadas de 1960 e 1970, momento inicial
do financiamento imobiliário em escala, já foram liquidados junto aos agentes
financeiros.

Há, contudo, uma série de oportunidades econômicas para os agentes financeiros


e setor produtivo, que atuando em conjunto com o Estado poderão implementar
políticas públicas mais eficazes, tanto do ponto de vista de utilização de recursos
quanto de atendimento à população.

Nesse sentido, o Planejamento Estratégico da CAIXA incluiu pela primeira vez em


seu Mapa Estratégico como um de seus objetivos empresariais “ser o banco para o
brasileiro morar bem”. É esse olhar para a necessidade de habitar que permite à
CAIXA buscar soluções de vanguarda e aplica-las em prol de todos os brasileiros.
NAS METRÓPOLES,
NAS CIDADES
E NO CAMPO,
todos
precisam morar.
CAPÍTULO 2: NECESSIDADES HABITACIONAIS

Capítulo 2 NECESSIDADES HABITACIONAIS

2.1 DÉFICIT HABITACIONAL

T raçado o contexto histórico de urbanização e distribuição das propriedades


no Brasil, passa-se a caracterizar o cenário atual de composição do déficit
habitacional. Sobre esse aspecto, deve-se apontar a metodologia oficial de medição
do indicador, elaborada pela Fundação João Pinheiro - FJP e utilizada pelo Ministério
das Cidades na gestão da política habitacional brasileira.

DEFINIÇÕES E METODOLOGIAS ACERCA DO DÉFICIT HABITACIONAL

Em consulta ao documento Déficit Habitacional no Brasil 201513 , volume mais


recente disponibilizado pela FJP em 2018, consta histórico de 12 publicações de
déficit habitacional do Brasil, com primeira edição em 1995, adotando desde então
metodologias aprimoradas anualmente.

Antes de discorrer sobre a publicação da FJP, cumpre observar que o déficit por ela
mensurado não considera as pessoas em situação de rua, uma vez que esse universo
de aproximadamente 101 mil pessoas, de acordo com publicação realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA14 não é mensurada pelas fontes
primárias de dados utilizados pela publicação, que são os levantamentos realizados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE para a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio – PNAD, além do Censo Demográfico, realizado a cada
dez anos.

Tendo em vista as fontes primárias de dados e alterações específicas na coleta de


dados pelo IBGE e seu impacto sobre a forma como o déficit é mensurado, deve-se,
a cada edição da publicação realizada pela FJP, observar as notas metodológicas
para verificar o registro de alterações.

Outra observação importante refere-se ao universo amostral. No Censo que ocorre


a cada dez anos toda a população é abrangida, de forma que se obtém um retrato
muito fiel da situação naquele ano, mas que se encontra defasado tendo em vista
nos aproximarmos do final da década corrente. Como alternativa é realizada
anualmente a PNAD, com amostras da população, havendo portanto margens de
erro estatístico a ser aplicado ao resultado final obtido a fim de identificar o intervalo
de valores que melhor representaria a coleta de dados de determinado ano.

As observações elencadas acima reforçam o fato de que a mensuração de déficit


habitacional é uma atividade complexa e que deve ser lida criticamente para que
se compreenda as reais dimensões das informações apresentadas. Além desses
fatores deve-se ainda observar os pressupostos metodológicos e conceituais básicos
utilizados pela FJP para definir o tipo de déficit.

13 Material disponível em http://fjp.mg.gov.br/index.php/docman/direi-2018/estatistica-e-


informacoes/797-6-serie-estatistica-e-informacoes-deficit-habitacional-no-brasil-2015, acessado em
26/06/2018
14 Material disponível em http://www.IPEA.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/26102016td_2246.
pdf, acessado em 26/06/2018

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 21


Segundo a publicação que tem como referência o PNAD 2015, o primeiro pressuposto
adotado é de que estamos numa sociedade profundamente hierarquizada e
desigual, onde não se deve padronizar as necessidades de moradia para todos
os extratos de renda. Nesse sentido, o relatório completa que as necessidades do
habitat não se limitam a um objeto material, mas sim à vontade coletiva, condições
culturais, aspectos individuais e familiares.

O segundo pressuposto apresentado é que existe forte interface entre a habitação


e questões complementares, citando-se a regularização fundiária e a urbanização
de assentamentos precários como instrumentos de políticas públicas frequentemente
utilizados ao tratar da questão da habitação popular, evidenciando um conjunto de
fatores que compõem o déficit habitacional, mas que não configuram necessidade
de construção de novas unidades habitacionais.

Partindo desses pressupostos, a FJP define dois segmentos distintos, quais sejam,
o déficit propriamente dito e a inadequação de moradias, havendo necessidade
de novas unidades apenas para o déficit propriamente dito. O Quadro 3 a seguir
apresenta os componentes da necessidade habitacional conforme definição
utilizada pela FJP.

Quadro 3 – Componentes da Necessidade Habitacional

Por sua vez, a metodologia para caracterização da inadequação da moradia considera


os seguintes requisitos:

Quadro 4 – Caracterização da Inadequação Habitacional

22 Caixa Econômica Federal


Diante dos quadros apresentados, observam-se itens pessoas por dormitório.
menos questionáveis com relação ao déficit e necessidade
de construção de novas unidades habitacionais, como a Sobre o adensamento excessivo é importante destacar
habitação precária, enquanto outros elementos levam ao que somente é considerado déficit se o imóvel for alugado,
questionamento sobre necessidade de construção de nova pois sendo imóvel próprio considera-se que pode ser
unidade ou apenas utilização de mecanismos que tornem vendido para adquirir um maior, configurando-se assim
mais eficiente a utilização dos recursos já disponíveis. como inadequação.

A coabitação familiar, por exemplo, pode decorrer de De fato são situações de grande vulnerabilidade, mas,
opção de pessoas que preferem dividir a moradia, muitas principalmente para aqueles domicílios classificados na
vezes com grande nível de conforto, não cabendo nesse categoria ônus excessivo e que moram em um imóvel
caso se falar em construção de nova moradia. De fato, adequado, a adoção do critério de déficit resultando na
a FJP informa que desde 2007 busca utilizar dados necessidade de construção de novo domicílio configura-
primários ou médias de períodos nos quais foram obtidos se como um contrassenso quanto à melhor utilização dos
dados primários sobre a vontade das famílias conviventes, recursos disponíveis, sobretudo quando o novo imóvel
retirando da estatística aqueles que manifestaram não ter ocupa uma área de subúrbio, com carência de serviços
interesse em constituir novo domicílio. Dados da PNAD públicos.
revelaram que aproximadamente 40% das famílias
conviventes declararam não ter essa intenção. Como glossário geral para simplificar os conceitos
e alinhar interpretações, a FJP apresenta então o
Outro aspecto é quanto aos domicílios alugados, quadro reproduzido abaixo com principais conceitos e
havendo duas categorias de déficit vinculadas a esse indicadores da metodologia de cálculo das necessidades
tipo de moradia, o ônus excessivo com aluguel, quando habitacionais, conforme reproduzido abaixo:
mais de 30% da renda domiciliar de famílias com até 3
salários mínimos é utilizado para pagar o aluguel, e o
adensamento excessivo, quando constam mais de três

Quadro 5 - Principais Conceitos e Indicadores da Metodologia de Cálculo

Fonte: Fundação João Pinheiro, 2015, p.28

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 23


Uma noção final antes de se entrar nos números do déficit propriamente ditos é que
a FJP não realiza dupla contagem, ou seja, um domicílio já enquadrado no déficit
por um critério não será considerado na mensuração do déficit pelo fator seguinte,
utilizando-se a sequência abaixo, devendo o domicílio não configurar déficit em
nenhum critério para ser desconsiderado da contagem, ou, caso seja considerado
em algum critério, deixe de contar para os seguintes.

PRINCIPAIS DEBATES ACERCA DO DÉFICIT HABITACIONAL

Diante dessas observações preliminares, parte-se então para uma análise sobre
os valores do déficit segundo a metodologia da FJP, não cabendo aqui esgotar o
conteúdo da publicação, mas tão somente apontar alguns destaques.

A primeira informação apresentada aqui é quanto ao total de 6.355.743 unidades


que compõem o déficit em 2015, com maior concentração do déficit no ambiente
urbano, o que reflete o intenso processo de urbanização do Brasil. Atualmente as
áreas urbanas representam 84,5% da população, mas apenas 0,63% do território,
segundo levantamento realizado pela Embrapa em 201815.

O gráfico a seguir apresenta o universo do déficit, conforme publicação da FJP,


agrupando o total por localidade urbana ou rural:

Gráfico 5 – Composição do Déficit por localidade

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela CAIXA

Esse universo de 6.355.743 domicílios caracterizados como déficit é ainda um


número muito amplo, sendo necessário entender melhor como se arranjam os
componentes do déficit em cada localidade, urbana e rural:

Gráfico 6 – Componentes do Déficit, por localidade

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela CAIXA

15 Publicação disponível em http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/176016/1/20170522-


COT-4.pdf, acessado em 30/06/2018

24 Caixa Econômica Federal


O que se observa no gráfico é que no meio rural De fato, observando-se apenas as comunidades
prevalece o déficit por imóveis precários, enquanto quilombolas conforme lista disponível na Fundação
na área urbana esse componente tem peso pequeno, Palmares16, 57,8% do total dessas comunidades no
havendo predominância do déficit por ônus excessivo Brasil se localizam nesses mesmos estados, com
com aluguel. De fato, apesar de o déficit rural constituir especial concentração na Bahia e Maranhão, que
um volume pequeno no todo, quando observada apenas juntos representam 47,8% do total do país. Quanto às
a habitação precária o meio rural passa a representar comunidades indígenas, o Censo Demográfico de 201017
54,9% do déficit, conforme gráfico abaixo: indica haverem 99.631 domicílios em terras indígenas,
68,2% dos quais nas regiões norte e nordeste do Brasil,
Gráfico 7 – Déficit por Habitação Precária, não havendo especificação por estado. São informações
agrupado por localidade que colaboram com a hipótese, mas para que a afirmação
seja válida é necessário maior trabalho investigativo.

Ainda com relação ao déficit no meio rural, os demais


RURAL URBANA
componentes não apresentam grandes particularidades
Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela CAIXA
quando comparados ao total do déficit. É importante
destacar aqui que os tipos de déficit relacionados ao
Uma primeira conclusão que se pode chegar é que a aluguel tem maior participação em ambiente urbano,
correlação entre o componente habitação precária e sendo que o déficit por ônus excessivo com aluguel é
localidade rural é muito forte. Complementarmente a considerado apenas em meio urbano.
esse fator deve-se ressaltar a concentração na distribuição
geográfica do déficit, com 72,3% do total do déficit Realizado um panorama sobre as particularidades do
rural por habitação precária em apenas quatro estados, déficit rural, apresentaremos aqui o histórico de evolução
Maranhão (37,5%), Pará (12,8%), Ceará (11,5%) e do déficit total, observando-se elevação do volume entre
Bahia (10,4). A publicação da FJP não apresenta fatores 2011 e 2015, com aumento considerável da participação
para essa concentração, mas pode estar relacionada à do componente ônus excessivo com aluguel, conforme
presença de comunidades tradicionais que se utilizam de gráfico abaixo:
métodos mais rústicos para construção.

Gráfico 8 – Evolução do Déficit por Tipo

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela CAIXA.

16 Lista disponível em http://www.palmares.gov.br/quilombo/uploads/2015/07/crqs-26-04-2018.xlsx, acessada em 30/06/2018


17 Consulta disponível em https://sidra.ibge.gov.br/tabela/3472#resultado, acessada em 30/06/2018

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 25


É importante destacar que três dos quatro componentes com renda familiar de até 3 Salários Mínimos consomem
do déficit reduziram em números absolutos e percentuais mais de 30% de seus rendimentos mensais com o
entre 2011 e 2015, enquanto o déficit por ônus excessivo pagamento de aluguel urbano. É uma composição ampla
isoladamente foi suficiente para elevação do déficit total. de fatores, mas que devido ao peso no total do déficit
merece especial atenção, sobretudo quando, como visto
Outra observação é que há uma concentração cada acima, é uma categoria altamente suscetível a fatores
vez maior sobre as categorias de déficit relacionadas macroeconômicos.
ao aluguel, enquanto há redução considerável na
participação dos imóveis classificados como precários e Primeiramente, retomando à hierarquia do cálculo do
que configuram o déficit mais evidente, já tendo sido feita déficit conforme Figura 1, o ônus excessivo somente é
consideração anterior quanto à participação desse tipo caracterizado quando já foram descartados os déficit
de déficit no meio rural. por habitação precária e em partes descartado o déficit
por coabitação, considerado aí o componente “cômodo”
Especificamente a categoria do ônus excessivo com conforme definição presente no quadro 1, ou seja,
aluguel, que em 2015 representava 50% do déficit total, são domicílios utilizados para locação e que do ponto
é agravada por fatores como inflação elevada sem de vista estrutural estão adequados para a moradia.
correspondente aumento da renda, conforme se observa Chega-se assim a uma situação incômoda, uma vez
no gráfico abaixo e, a depender de mudanças na que a principal política habitacional do país se utiliza
estrutura macroeconômica e social, deixariam de compor do levantamento da FJP para direcionar seus recursos
déficit sem a necessidade de novas moradias. escassos, contudo, como demonstrado, o componente
com maior participação no déficit tem grande volatilidade
Reforçamos aqui a definição utilizada pela FJP com a fatores macroeconômicos e em larga escala já conta
relação à categoria ônus excessivo com aluguel urbano, com imóveis prontos e adequados para moradia.
considerando-se déficit apenas os casos em que famílias

Figura 1 – Hierarquia do Cálculo do Déficit Habitacional

Fonte: Fundação João Pinheiro

A própria publicação da FJP apresenta esses valores, havendo em 2015 um total


de 7.906.767 domicílios vagos, quantitativo 24,4% superior ao déficit apurado pela
mesma publicação.

As soluções para resposta ao problema do déficit e inadequação devem contemplar


as diversas situações, ou seja, a solução deve adotar estratégia ações variadas que
sejam eficientes para cada problema e que tenham impacto complementar.

26 Caixa Econômica Federal


Do volume total de domicílios vagos, 1.556.757, ou 19,7% do total, estão localizados
no meio rural e podem ser resquícios da migração entre o campo e a cidade pela
qual o Brasil passou, sobretudo após a década de 1980, conforme quadro a seguir:

Quadro 6 – Componentes da Necessidade Habitacional

Há nas cidades, por sua vez, 6.350.010 domicílios vagos, desconsiderando-se


dessa conta aqueles domicílios classificados pelo IBGE como “uso ocasional”, ou
seja, domicílios localizados em locais turísticos, como praias, e para os quais não há
demanda de ocupação permanente. O volume de domicílios vagos informado pela
FJP considera, dessa forma, aqueles em condição imediata de uso, além daqueles
em construção ou reforma, sendo que estes representam 12,8% do total de imóveis
vagos.

Quadro 7 – Evolução da relação população rural x população urbana no Brasil

Fonte: Censo Demográfico IBGE, elaborado pela CAIXA

A grande questão é então como viabilizar a utilização de parte desses imóveis


vagos para reduzir a carência por habitação ou, até mesmo entender como num
cenário em que há grande ociosidade os valores para aquisição ou locação de
moradias permanece num patamar inviável para boa parte da população brasileira.

São questões complicadas e que vão além das informações fornecidas pela
publicação da FJP, mas deve-se reconhecer aqui a importância de uma publicação
constante e com metodologia bem definida, possibilitando assim uma melhor
caracterização da questão da moradia no Brasil.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 27


2.2 INADEQUAÇÃO DE DOMICÍLIOS URBANOS

D omicílios considerados inadequados são aqueles que não proporcionam


condições desejáveis de habitação (Fundação João Pinheiro, 2016). Por se tratar
de edificações que podem ser recuperadas não são contabilizadas como déficit
habitacional.

Os componentes de inadequações habitacionais considerados no levantamento


da Fundação João Pinheiro são: (i) inadequação fundiária, (ii) domicílio sem
banheiro, (iii) carência de infraestrutura, (iv) adensamento excessivo e (v) cobertura
inadequada. O Quadro 7 abaixo contém a descrição de cada componente.

Quadro 7 - Componentes de Inadequação

COMPONENTE DE
DESCRIÇÃO
INADEQUAÇÃO

Situação onde pelo menos um dos


moradores do domicílio declara ter a
propriedade da moradia, mas informa
Inadequação Fundiária Urbana não possuir a propriedade, total ou
parcial, do terreno ou a fração ideal de
terreno (no caso de apartamento) em
que ela se localiza.

Domicílio que não dispõe de banheiro


Domicílio sem banheiro
ou sanitário de uso exclusivo.

Domicílios que não dispõem de ao


menos um dos seguintes serviços
básicos: iluminação elétrica, rede
Carência de Serviços de Infraestrutura geral de abastecimento de água com
canalização interna, rede geral de
esgotamento sanitário ou fossa séptica
e coleta de lixo.

Densidade Excessiva de Moradores por Quando o domicílio apresenta um


número médio de moradores superior a
Dormitório três por dormitório.

Domicílios com paredes de alvenaria


ou madeira aparelhada e cobertura
de zinco, palha, sapê, madeira
Cobertura Inadequada
aproveitada ou outro material que não
seja telha, laje de concreto ou madeira
aparelhada.

Fonte: - CFundação João Pinheiro, 2018

O levantamento do déficit habitacional considera um mesmo domicílio apenas em


um componente de déficit mesmo que esse domicílio possa ser enquadrado em
diversos componentes. Como as inadequações dos domicílios podem ser corrigidas,
a forma como a Fundação João Pinheiro faz a contagem municia o poder público
de forma a se planejar em relação a cada inadequação. Já a metodologia de
contagem do déficit municia, em tese, o poder público com a quantidade de
unidades habitacionais à construir.

28 Caixa Econômica Federal


DIAGNÓSTICO

O diagnóstico foi realizado com base nos dados da PNAD/IBGE compilados pela
Fundação João Pinheiro desde 2000.

Gráfico 9 – Inadequação Fundiária

Inadequação Fundiária

2.500.000

2.000.000
Brasil
Norte
1.500.000
Nordeste
Sudeste
1.000.000
Sul
Centro-Oeste
500.000

0
2000 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela Caixa

A inadequação fundiária manteve-se em patamares imobiliários como o objetivo de concluir/melhorar sua


estáveis desde 2000 com exceção do levantamento moradia ou mesmo venda para aquisição de outro imóvel.
de 2008 que demonstrou uma pequena diminuição.
Se considerados os números de 2012 a 2015 percebe- Verificou-se uma queda acentuada na quantidade de
se também uma discreta tendência de diminuição. A imóveis sem banheiro entre os levantamentos de 2000 e
inadequação fundiária é um problema que geralmente 2007. A tendência de queda se manteve e entre 2010
não pode ser resolvido somente com a participação dos e 2011 houve nova queda expressiva na quantidade de
moradores do domicílio, pois depende de vários atores imóveis com essa inadequação. No levantamento de 2015
como Prefeituras, cartórios de registros de imóveis e apenas cerca de 213 mil domicílios em todo o Brasil eram
poder judiciário. Nos últimos anos não foram executados inadequados em relação à ausência de banheiro. Nesse
relevantes programas de regularização fundiária no contexto é relevante destacar que em 2000 existiam
Brasil, o que talvez explique a estabilidade da quantidade cerca de 3,2 milhões de moradias nessa condição, o que
de imóveis inadequados quanto a questão fundiária. representa redução de mais de 15 vezes.

Estima-se que o custo de cada regularização fundiária A hipótese para tamanha redução pode estar no fato de
para o poder público seja, em média, de R$1.500,00, a quantidade de empregos e a renda terem aumentado
o que totaliza cerca de R$ 3,1 bilhões para solução da no período. Com mais disponibilidade financeira as
questão em aproximadamente 2 milhões de domicílios.A famílias tiveram condições de melhorar suas casas e,
regularização fundiária leva ao cidadão diversas novas nesse contexto, o banheiro se constitui em cômodo de
possibilidades de utilidade para o imóvel, como por prioridade.
exemplo a dação em garantia para financiamentos

Gráfico 10 – Domicílios sem Banheiro

Domicilio sem banheiro

3.500.000

3.000.000

2.500.000 Brasil
Norte
2.000.000 Nordeste

1.500.000 Sudeste
Sul
1.000.000 Centro-Oeste
500.000

0
2000 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela Caixa

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 29


O problema da ausência de banheiros é relevante em relação ao potencial impacto
de melhoria sanitária para as famílias, porém devido à baixa quantidade de imóveis
nessa situação, não carece de programa especial e prioritário.

Gráfico 11 – Carência de Infraestrutura

Carência de Infraestrutura

14.000.000

12.000.000

10.000.000 Brasil
Norte
8.000.000 Nordeste

6.000.000 Sudeste
Sul
4.000.000 Centro-Oeste
2.000.000

0
2000 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela Caixa

A carência de infraestrutura é a inadequação com maior relevância em números


absolutos desde o levantamento de 2000, mantendo-se estável entre 10 e 12
milhões até 2014 e registrando uma acentuada queda para cerca de 7 milhões de
domicílios em 2015.

No período considerado na pesquisa foram postos em prática importante programas


de infraestrutura como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que
não foi suficiente para combater de forma consistência essa inadequação. Nesse
contexto, é importante ressaltar que, mesmo não sendo a região mais populosa, o
Nordeste se destaca com quantidade absoluta bem acima das demais regiões.

Estima-se que o custo para solução dessa inadequação seja de cerca de R$30.000,00
por domicílio, o que constitui necessidade de um total de cerca de 215 bilhões de
reais.

Gráfico 12 – Adensamento Excessivo

Adensamento Excessivo

3.000.000

2.500.000
Brasil
2.000.000
Norte
Nordeste
1.500.000
Sudeste
1.000.000 Sul
Centro-Oeste
500.000

0
2000 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela Caixa

O adensamento excessivo apresentou forte queda entre 2000 e 2007 e também


entre 2010 e 2011, caindo de cerca de 2,8 milhões de domicílios em 2000 para
o patamar de cerca de 1 milhão de domicílios em 2015, quem vem se mantendo

30 Caixa Econômica Federal


desde 2011. Assim como a questão da ausência de banheiros, o adensamento
também não foi alvo de programas governamentais relevantes e a hipótese da
redução dessa inadequação também pode estar atrelada a melhoria nas condições
de emprego e renda.

Outra hipótese à considerar é que essa inadequação tenha relevante interseção


com a inadequação fundiária. Se a hipótese se confirmar, a regularização fundiária
também pode contribuir para redução dessa inadequação pois propiciará acesso
ao mercado imobiliário.

Gráfico 13 – Cobertura Inadequada

Cobertura Inadequada

1.000.000
900.000
800.000
Brasil
700.000
Norte
600.000
Nordeste
500.000
Sudeste
400.000
Sul
300.000
Centro-Oeste
200.000
100.000
0
2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015

Fonte: Fundação João Pinheiro, elaborado pela Caixa

A existência de cobertura inadequada não foi objeto do levantamento de 2000.


Entre 2007 e 2009 manteve-se constante quando então apresentou forte alta,
passando de cerca de 600 mil para 900 mil unidades habitacionais, patamar que se
mantém até 2015. A pesquisa demonstra ainda uma tendência de alta na região Sul
e estabilidade ou diminuição nas demais regiões. Dentro dos números específicos
da Região Sul percebeu-se que o Estado de Santa Catarina tem apresentado forte
tendência de alta para essa inadequação.

O levantamento considera inadequados materiais para cobertura como zinco,


madeira aproveitada e palha, entre outros. A hipótese é de que essa inadequação
pode estar relacionada a questões de cultura construtiva de algumas regiões. De
qualquer forma, ter um teto seguro é questão relevante e que merece atenção
devido à quantidade de domicílios nessa situação.
2.3 IMÓVEIS VAGOS

A utilização de imóveis ociosos para reduzir o déficit habitacional, não somente


residenciais mas até mesmo comerciais, está prevista no Estatuto da Cidade
com a instituição de IPTU progressivo e desapropriação sob o argumento de função
social da propriedade, mas politicamente são instrumentos de difícil execução, já
que existem interesses nos imóveis ociosos em áreas centrais e dificuldade do poder
público em dar alguma destinação aos imóveis desapropriados.

Observando-se a questão mais a fundo, sobre a localização e perfis desses imóveis,


entende-se melhor o que é possível realizar em termos de política pública visando
otimizar a utilização de recursos. Nesse sentido, o CENSO 2010 nos informa haver
grande volume de imóveis vagos nas principais metrópoles brasileiras, conforme
quadro a seguir

Quadro 7 – Domicílios Vagos em Metrópoles Brasileiras, 2010

Fonte –CENSO 2010 IBGE, elaborado pela CAIXA

A primeira observação com relação ao quadro acima é de que as metrópoles


retratadas acima tinham em 2010 entre 7,3% e 9,4% de seus domicílios desocupados
e em condição de uso, uma vez que foram desconsiderados dos valores acima
aqueles imóveis em reforma ou em construção. Verifica-se ainda não haver grande
disparidade entre o percentual de domicílios vagos na sede da metrópole ou nos
municípios vizinhos, sendo que no caso das três maiores regiões metropolitanas
do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, respectivamente, o município
principal detém maior percentual de domicílios vagos do que a média da região
metropolitana.

Tecidas tais considerações gerais, utiliza-se então o caso da maior metrópole


brasileira para entender como está distribuído o estoque de unidades vagas. Como
o CENSO 2010 permite a análise de dados do universo da população agrupada

32 Caixa Econômica Federal


por setores censitários é possível comparar os bairros da cidade de São Paulo e
identificar aqueles com maior percentual de domicílios vagos, conforme quadro
abaixo:

Quadro 7 – Distritos da cidade de São Paulo com maior proporção de domicílios vagos, 2010

Fonte –CENSO 2010 IBGE, elaborado pela CAIXA

O CENSO 2010 indicou dessa forma que bairros do centro antigo de São Paulo
e proximidades, como Belém, Brás, Mooca, Sé e República, a partir de onde a
cidade se desenvolveu e que conta com ampla infraestrutura e disponibilidade de
serviços, são também bairros que concentram maior proporção de imóveis vagos.
Uma reflexão imediata é que essa região está envelhecida e deteriorada, sendo
alvo imediato de ações de revitalização. Todavia, a utilização do Estatuto das
Cidades não tem sido suficiente, sendo necessária a elaboração de uma política
mais abrangente, de renovação urbana.

Há uma ressalva importante a se fazer quando se analisa a vacância de imóveis:


existe uma taxa que é natural e necessária ao funcionamento eficiente do mercado
imobiliário. A disponibilidade de parcela dos imóveis regula preços de aluguel e
de oferta para compra e venda, o que a torna essencial para evitar anomalias
indesejadas no setor. Dessa maneira, é válido o argumento de que parte do déficit,
qual seja, aquele originado no ônus excessivo por aluguel, pode ser reduzido por
intervenções que aumentem a oferta de imóveis em determinada região (“choque
de oferta”) e, por consequência, induzam a redução dos preços de aluguel na
mesma região.

Reforma e reabilitação de imóveis vagos certamente podem contribuir no atendimento


às necessidades habitacionais e para maior eficiência e qualidade das cidades
brasileiras, especialmente de suas áreas centrais, mas dificilmente solucionarão por
si o déficit existente. Esse desafio exige ações integradas e variadas, articuladas nos
territórios e entre os diversos agentes envolvidos.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 33


HABITAÇÃO:
direito social e
motor do
desenvolvimento.
CAPÍTULO 3: DESAFIOS E PROPOSTAS

Capítulo 3 DESAFIOS E PROPOSTAS

3.1 DIMENSÕES PARA INTERVENÇÃO

A fim de melhor organizar as intervenções, são apresentados quatro dimensões


para programas e ações em habitação, conforme Figura 2 abaixo

Figura 2 – Dimensões de Ações e Programas Habitacionais

3.2 DISPONIBILIDADE DE RECURSOS E


SUBSÍDIOS

A té a criação do SFH, em 1964, a fonte de recursos para a construção de novas


moradias era quase que exclusivamente privado, tendo ocorrido isenções fiscais
por parte do poder público como forma de incentivar o setor produtivo. Após o SFH,
no entanto, os recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passaram a também financiar a
habitação e constituem até a atualidade suas principais fontes financeiras.

Ocorre que, conforme já visto no presente trabalho, o volume financiado na última


década foi bastante expressivo, havendo crescimento da carteira imobiliária
superior à capacidade de ampliação do SBPE e do FGTS, conforme diagrama a
seguir, havendo uma pressão crescente por novos recursos.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 35


Figura 3 – Evolução dos Saldos FGTS e SBPE e da Carteira Imobiliária

Fonte – Banco Central, Caixa Econômica Federal e ABECIP, elaborado pela CAIXA

A Figura 3 apresenta a evolução do saldo total disponível Atualmente o saldo total de recursos disponíveis no
das contas do FGTS e SPBE e também a evolução total da SBPE é da ordem de R$570 Bi e considerando um
carteira de crédito imobiliário. direcionamento normativo de 65%, o saldo da carteira
deste funding deveria estar em valores próximos de
Da disponibilidade total de recursos SBPE, parte destes são R$370 Bi. Descontando o volume já investido pela Caixa,
normativamente destinados ao financiamento imobiliário, que, por sua especialização no crédito imobiliário,
atualmente 65% do total, havendo ainda percentual encontra-se superaplicada, um valor da ordem de R$25 Bi
destinado a depósitos compulsórios e o restante podendo ainda deveriam estar investidos no setor. Um bom desafio
ser aplicado livremente, o que oportuniza às instituições é buscar soluções para estimular os demais agentes do
financeiras utilizar o recursos para aplicações com maior mercado a aplicarem os recursos até o limite mínimo
retorno financeiro do que o financiamento imobiliário. previsto de 65%.

Gráfico 15 – % aplicado e volume de recursos disponíveis SBPE

Fonte – ABECIP e CAIXA

36 Caixa Econômica Federal


O gráfico abaixo apresenta os saldos de poupança do mercado, incluindo a Caixa,
com elevação e o percentual do volume aplicado diminuindo.

Mesmo que a totalidade dos recursos da poupança (65% do saldo) sejam aplicados,
o que se observa é uma tendência à forte concorrência de outros produtos de

Figura 4 – Distribuição da Disponibilidade de Capital no Brasil

Distribuição da disponibilidade de capital brasileira, em 2018, é aproximadamente R$5,7 Trilhões

captação, com destaque para os Fundos de Investimentos Financeiros (FIF), que


apresentam gradual crescimento na sua participação de mercado.

O desafio de manutenção e aumento da captação de recursos com custos


compatíveis com os prazos do crédito imobiliário aumentam com o atual cenário
macroeconômico de taxas elevada dívida pública brasileira e Selic da ordem de
8,75% para os próximos anos (Fonte Caixa/Supla/Gecen - jul/2018).

Neste cenário, nem mesmo novos instrumentos de captação com taxas de mercado,
tais como a LIG (Letra Imobiliária Garantida) são viáveis nas operações de longo
prazo para o mercado de habitação popular, o que aumenta o desafio na busca
de alternativas.

Quanto ao FGTS, pode ser destinado a habitação, saneamento ou infra-estrutura,


tendo sido fundamental no momento de estabilização econômico-inflacionária no
qual os investimentos em urbanização voltaram a ocorrer. A aplicação do FGTS,
por sua vez, segue o modelo de gestão orçamentária da União, compondo,
dessa forma, o Plano Plurianual (PPA) e demais leis orçamentárias, constando na
atualidade os valores abaixo descritos para o quadriênio 2018-2021:

Quadro 9 – Plano Plurianual do FGTS, 2018-2021

Fonte – Resolução CCFGTS 865/2017, elaborado pela CBIC

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 37


O quadro revela priorização do FGTS com relação à habitação, sobretudo
a habitação de interesse social, capitaneada pelo PMCMV. Há todavia o
investimento em saneamento básico e infraestrutura urbana e, por fim um montante
proporcionalmente reduzido destinado às operações urbanas consociadas.

No período apresentado no gráfico abaixo, de 2009 a 2017, constata-se que, com


exceção do ano de 2014, o volume de recursos aplicado em Habitação Popular tem
superado o orçamento inicial, sendo usual a reprogramação orçamentária para
aumento da participação deste setor na distribuição de recursos do FGTS.

Gráfico 16 – Orçamentos FGTS de Habitação Inicial, Final e Realizado

Fonte – CAIXA, 2018

Da análise do gráfico (jun/2018) abaixo, observa-se que o setor de saneamento


ambiental, importante inclusive na diminuição das inadequações habitacionais,
vem aplicando recursos inferiores ao orçamento inicialmente previsto, com exceção
do ano de 2014, ou seja, não é um setor que, até o momento, concorreu com a
habitação popular na aplicação de recursos do FGTS.

Gráfico 17 – Orçamentos FGTS de Saneamento Inicial, Final e Realizado

Fonte – CAIXA, 2018

38 Caixa Econômica Federal


Também o setor de Infraestrutura Urbana, como pode se observar no gráfico
abaixo, não concorreu com a Habitação Popular na aplicação de recursos do FGTS
nos últimos anos, mas nada garante que esta situação vai se manter nos próximos
anos.

Gráfico 18 – Orçamentos FGTS de Infraestrutura Inicial, Final e Realizado

Fonte – CAIXA, 2018

Além dos recursos retornáveis, o Plano Plurianual vigente prevê a concessão de


descontos com valores previstos de R$9 bilhões.

Caso o superávit do FGTS seja direcionado para outras finalidades, inclusive a


distribuição para os cotistas do fundo, a manutenção do atual nível de atividade de
produção de UH nas faixas 1,5 e 2, dependerá de outras fontes de recursos, como
por exemplo, o OGU.

O elevado custo do funding no Brasil, mesmo quando utilizado o FGTS, torna


restritiva o acesso ao mercado de crédito, sobretudo ao mutuário final, motivo pelo
qual o PMCMV conta com sistemas de subsídios e, no caso do Faixa 1, onde se
encontra a maior carência por moradia, o que ocorre é o repasse de recursos.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 39


Mantida a estrutura socioeconômica atual, o acesso a moradia digna permanecerá
a depender de recursos específicos aplicados a fundo perdido, a exemplo do Fundo
Nacional da Habitação de Interesse Social – FNHIS, instituído pela Lei 11.124/05 e
que contempla fontes diversas, como o próprio FGTS, além de FAT e OGU.

Gráfico 19 – Subsídios Totais FGTS para Habitação Popular

Fonte – CAIXA, 2018

O gráfico acima apresenta o histórico dos valores totais de subsídios do FGTS


destinados às faixas 1,5 e 2 do MCMV que, até o momento, viabilizaram o
financiamento de cerca de 2,6 milhões de UH.

Se somarmos ao subsídio oriundo do FGTS aos recursos do OGU, temos a seguinte


distribuição ao logo dos anos, desde 2009, conforme gráfico a seguir:

Gráfico 20 – Subsídios Totais para Habitação Popular

Fonte – CAIXA, 2018

40 Caixa Econômica Federal


O volume de recursos varia muito conforme a disponibilidade de recursos do OGU
e constata-se uma razoável estabilidade na disponibilidade de recursos de subsídios
do FGTS, que o torna uma boa solução de garantia de previsibilidade para o
mercado.

A aplicação de critérios mercadológicos para definir a disponibilidade ou custo


do crédito em determinada localidade leva também à maior eficiência sobre a
alocação de recursos escassos e reduz o risco de formação de estoques para os
quais não há perspectiva de venda.

3.3 PROVISÃO HABITACIONAL

P ara obter máxima eficiência na produção habitacional, a demanda deve ser


classificada em Grupos de Atendimento.

Quadro 10 – Grupos de Atendimento

Fonte – CAIXA, 2018

Para manter o sistema em equilíbrio, a produção habitacional deve prover


atendimento dos vários grupos nas várias regiões a fim de evitar que eventuais
lacunas criem escassez que pressiona mercados específicos e podem distorcer os
objetivos dos programas para produção de moradia social. Em outras palavras,
a inexistência de oferta de imóveis para a população de maior renda ensejará
disputa entre essa demanda e a demanda originada na população de menor
renda, especialmente nas melhores localizações, com provável aumento de preços
e destinação das unidades produzidas como moradia social para públicos de maior
renda.

DIRETRIZES PARA PROVISÃO HABITACIONAL

Considerando o crescimento projetado da população e do número de domicílios,


é fundamental manter linhas de financiamento para produção de novas unidades
habitacionais. Quando se focaliza a moradia social, é ainda mais relevante a

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 41


importância do SFH e dos programas de provisão como o MCMV, uma vez que
persiste déficit habitacional e a necessidade de substituição de habitações muito
precárias e que não oferecem condições de recuperação e/ou de regularização
fundiária.

Assim, é fundamental manter direcionamento do recursos do SFH (FGTS e SBPE),


com orçamentos anuais voltados para sustentabilidade do sistema.

Os recursos aplicados na provisão habitacional, entretanto, podem ser diversificados


entre as atuais linhas e programas para a compra e a venda de imóvel próprio,
inspirados na tradicional “cultura da casa própria”, e novas linhas e programas
voltados ao arrendamento residencial (solução para o mercado) e a locação social
(solução social e complementar ao MCMV). Como os preços de compra e venda de
imóveis são regulados, entre outros fatores, pelos preços de aluguel, e vice-versa, a
diversificação dos investimentos contribuirá para maior eficiência do mercado como
um todo, de forma que oferta e demanda sejam mais facilmente equacionados nos
diversos territórios.

Outro aspecto relevante do arrendamento residencial refere-se à possibilidade de


atração de parcerias e recursos privados, inclusive com a estruturação de novas
modalidades de fundos de investimento, uma vez que a propriedade de imóveis
para aluguel ainda é vista como investimento seguro por grande parte das famílias
brasileiras para aplicação de suas economias.

No contexto da provisão habitacional, as intervenções de áreas centrais em grandes


metrópoles merecem condições específicas, no que concerne a itens financiáveis,
valores e especificações, inclusive com definição de marco regulatório nacional que
oriente quesitos de segurança e acessibilidade em regiões com urbanização antiga
e consolidada.

DIRETRIZES PARA HABITAÇÃO SOCIAL

O Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV tem por objetivo principal a provisão
habitacional para a população de menor renda com alocação de subsídios para
aquisição da casa própria. Está estruturado em várias modalidades, urbanas e
rural, para atendimento de faixas de renda segmentadas. Justifica-se pela resposta à
demanda por moradia, que constitui direito social previsto da Constituição Federal,
e pelo fomento ao setor da construção civil, com geração de empregos e riqueza
para o país.

Analisando os indicadores disponíveis sobre o Programa, verifica-se que o alcance


do MCMV é abrangente, com investimentos e beneficiários em todas as faixas
e em todos as regiões do país, desde municípios muito pequenos até as maiores
metrópoles. O MCMV é também responsável por movimentar construtoras de todos
os portes, desde as menores até grandes corporações com ações comercializadas
em bolsa de valores. São resultados importantes e que justificam, senão exigem, a
continuidade do Programa. Entretanto, há que se reconhecer distorções e implantar
melhorias imprescindíveis.

Assim, a primeira ação para provisão de habitação social refere-se à perenidade do


Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV com aprimoramentos, especialmente
quanto à definição de estratégias para maior eficiência dos investimentos realizados
no território, com localização de intervenções em regiões que criem impacto
positiva na regulação dos preços de comercialização de imóveis e de aluguéis e que
minimizem eventuais deseconomias urbanas relacionadas à gestão da infraestrutura
e da mobilidade.

42 Caixa Econômica Federal


Considerando exclusivamente a Modalidade Empresas – Recursos FAR,
para atendimento da Faixa 1 (renda familiar até R$ 1.800), é urgente
a definição de melhorias na gestão das unidades entregues, tais como:

» Possibilidade de transferência de ativos para FNHIS Municipal;

» Alteração imediata da relação contratual com os beneficiários, substituindo as obrigações


financeiras por obrigações não financeiras;

» Respeitar as regionalidades, no que concerne aos valores de enquadramento, tipologia e


especificações técnicas;

» Critérios específicos para alocação de recursos em regiões metropolitanas;

» Apoiar iniciativas de entidades e prever recursos para assistência técnica para autoconstrução
assistida;

» Alocação de recursos por necessidades (déficit) e características regionais;

» Isonomia de condições para todas as modalidades e todos os portes de construtoras, de maneira


que a valorizar a eficiência.

Quadro 11 – Sugestões de Melhorias no MCMV

URBANO RURAL

›Liquidação Antecipada ou Comutação do


Parcelamento em Obrigações Não-Financeiras
(não vender e realizar manutenção preventiva e
corretiva, por exemplo)

›Aprimoramento do processo de seleção de


beneficiários;
›Qualificar as entidades, reconhecendo e
›Assegurar a implantação e manutenção dos valorizando aquelas que atuam bem;
equipamentos públicos de atendimento aos
empreendimentos; ›Priorizar aplicação dos recursos nas áreas
indicadas pelos Conselhos Municipais de
›Perspectiva de tratamento diferenciado para desenvolvimento rural, por meio dos planos
o processo licitatório do Trabalho Social e municipais;
possibilidade de antecipação dos recursos;
›Ampliar o recurso a ser investido em trabalho
›Necessidade de estabelecer o custo mínimo de social.
condomínio;

›Previsão de áreas comerciais;

›Melhoria das especificações das áreas


comunitárias, com espaços para geração de renda
(ex. catadores).

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 43


Outras ações importantes para provisão de habitação social:

»» Estruturar Programa de Reforma e Retrofit;

»» Estruturar Programa de Locação Social, com direcionamento para grandes


cidades;

»» Criar modalidade específica para população em situação de rua, com


atendimento escalonado em modalidades (cessão, locação social e
alienação) necessariamente vinculado a ações de saúde;

»» Ampliar a oferta de terra para habitação social por meio da aplicação


de instrumentos como ZEIS, solo criado (potencial construtivo) e tributação
progressiva;

»» Apoiar iniciativas de entidades e prever recursos para assistência técnica.

HABITAÇÃO E RENOVAÇÃO URBANA

Os marcos legais mais recentes no sentido de renovação urbana são o Estatuto da


Metrópole18, que amplia o escopo do Estatuto da Cidade, incluindo governança
e desenvolvimento urbano integrado para Regiões Metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões instituídas, e a Lei da Regularização Fundiária, que revisa
todo o marco legal acerca da regularização fundiária, tanto rural como urbana,
havendo para as cidades a possibilidade da Regularização Fundiária Urbana –
REURB para núcleos informais comprovadamente existentes até 22 de dezembro de
2016, entre outros instrumentos que serão discutidos adiante.

Acerca da inadequação fundiária registrou-se em 2015 um montante de 1.871.473


domicílios no Brasil, conforme a FJP que classifica esse item como inadequação
do domicílio utilizando a definição apresentada no quadro 2. Do total apurado,
58,1% está localizado na região sudeste, enquanto por outro lado 55,6% em
regiões metropolitanas, configurando-se esse montante como grande entrave ao
desenvolvimento urbano, uma vez que há divergência quanto à regularidade da
cobrança de impostos e disponibilidade de serviços públicos em regiões com grande
parcela de irregularidade fundiária.

O desenvolvimento das cidades brasileiras contou por um lado com o parcelamento


de propriedades rurais lindeiras, sobretudo de herdeiros dos sesmeiros, enquanto
por outro com ocupação de terra pública, não tendo ocorrido de maneira geral
o necessário planejamento territorial para a ocupação humana. Sendo assim, a
regularização fundiária proposta pela Lei 13.465/17 estabelece oportunidade
para se repensar o espaço urbano a partir de projetos bem fundamentados e que
dialoguem com o Plano Diretor.

A Lei reforça ainda a noção função social da propriedade, ao tratar imóveis


abandonados no mesmo patamar de bens vagos, permitindo aos municípios e ao
Distrito Federal atribuir alíquotas mais elevadas de IPTU nesses casos. Todavia,
tal qual o IPTU progressivo, há um processo de validação desse imóvel como
abandonado e, em diversos casos, tem-se observado dificuldades das prefeituras
em levar à frente à ação.

18 Lei Federal 13.089/2015

44 Caixa Econômica Federal


Deve-se apontar nesse ponto estudo publicado pelo IPEA19 no qual se discute o
potencial de arrecadação de IPTU e sua contribuição para o desenvolvimento de
uma política urbana e habitacional, sobretudo após a Emenda Constitucional nº
29 que permitiu a progressividade dos impostos. O estudo compara municípios
que colocaram em prática a medida com outros que não a adotaram e aponta
dificuldades administrativas e políticas encontradas, concluindo que há grande
potencial de elevação na arrecadação do IPTU no Brasil. Num comparativo, países
com maior índice de desenvolvimento apresentam maior participação de impostos
sobre propriedade sobre o total de impostos e também sobre o PIB, havendo assim
maior disponibilidade de recursos para o desenvolvimento da política urbana.

Dentre os aspectos administrativos para aumentar a eficiência na arrecadação


estão elencadas a capacidade de constante Atualização da Planta Genérica de
Valores (APGV) e recadastramento, ações que poderiam ser facilitadas com uso de
tecnologia e pessoal qualificado. Em geral, as construções sofrem depreciação com
o tempo, caso não sejam reformadas, mas os terrenos tem valorização que refletem
inclusive benfeitorias realizadas com recursos públicos e a revisão constante permite
o equilíbrio entre investimentos e retornos ao poder público para que toda a cidade
possa ser beneficiada.

O estudo revela, por outro lado, que é comum, principalmente em pequenos


municípios, que se adote critérios políticos ou grosseiros para a avaliação de imóveis,
cabendo aqui a reflexão acerca da excessiva federalização do país e necessária
tutela dos estados e União sobre os municípios de pequeno porte, não somente em
questão orçamentária, mas também sobre sua capacidade administrativa.

Por fim, elenca-se aqui a possibilidade proporcionada pela Lei da Regularização


Fundiária de criação de consórcios imobiliários como forma de viabilização
financeira do aproveitamento do imóvel, dos planos de urbanização, de
regularização fundiária ou reforma, conservação ou construção de edifícios. Esse
estatuto pode se constituir como a necessária atratividade à participação do setor
privado, sobretudo pela categoria já estruturada para a construção civil, que
encontrará dessa forma um substituto imediato ao modelo econômico atualmente
em vigor, de construção de empreendimentos isolados.

Esse conjunto de marcos legais possibilitam começar a olhar para a habitação dentro
do contexto de renovação urbana, num momento histórico em que o crescimento
das cidades é menos acelerado e há recursos financeiros, humanos e tecnológicos
disponíveis. A renovação de grandes áreas urbanas, ou em alguns casos até a
requalificação, ainda não é difundida no Brasil, mas já é prática usual em grandes
cidades ao redor do mundo, gerando boas oportunidades ao setor produtivo.

Deve-se lembrar aqui que cidades mais antigas, como o Rio de Janeiro, tiveram sua
área central consolidada ainda na primeira metade do século XX, não havendo
nesse caso apenas deterioração da estrutura dos prédios, mas principalmente
inadequação urbana para o estilo de vida contemporâneo. Nesse sentido, foi
iniciado o programa Porto Maravilha em 2011 promovendo a reurbanização de
algumas áreas na zona portuária da cidade, registrando-se algum sucesso, mas
ainda aquém do potencial econômico e social observado em outros países, a
exemplo do distrito de Kings Cross, em Londres.

A renovação urbana é, dessa forma, uma oportunidade de reformular a cidade

19 Publicação disponível em http://www.IPEA.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1251.pdf,


acessado em 01/07/2018

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 45


como um todo, iniciando uma nova fase do urbanismo brasileiro, não mais focado na
expansão urbana para terras lindeiras, mas reocupando áreas nobres, projetando-
se nelas aspirações para as décadas seguintes, nas quais o domínio tecnológico e
novas formas de moradia serão necessárias.

ÁREAS CENTRAIS

O esvaziamento das áreas centrais, abrangendo o núcleo histórico da cidade e


bairros vizinhos com características semelhantes, ocorreu com o processo de
crescimento urbano, estendendo a mancha urbana em direção às periferias para
acomodação da população de baixa renda, que foi sendo expulsa mediante a
valorização da terra e dos imóveis.

Assim, inicia-se um processo de decadência caracterizado pela diminuição dos


moradores, existência de muitos imóveis vazios e/ou subutilizados, degradação do
patrimônio e precarização habitacional em cortiços, concentração de atividades
informais e a mudança do perfil sócio- econômico dos moradores e atividades locais.

Algumas cidades não chegam a apresentar esvaziamento de suas áreas centrais, mas
apresentam não utilização ou subutilização de áreas ou edificações completamente
inseridas em suas áreas consolidadas.

Segundo o Censo 2010 do IBGE, o volume de imóveis vagos nas principais


metrópoles do País suplantaria o número apontado pelo déficit em 2015, sendo
a concentração desses imóveis nos bairros mais consolidados. No entanto, essa
avaliação é prematura pois há que ser verificada outras condições para ratificar essa
afirmação, como a disponibilidade do imóvel, suas condições físicas e estruturais
para adequação ao uso pretendido, desembaraço das condições jurídicas, dente
outras.

Ações e programas que favoreçam a implantação de empreendimentos habitacionais


nas áreas centrais fomentarão a reocupação qualificada destas áreas, propiciando
uso mais eficiente da infraestrutura e dos serviços públicos já instalados.

A lógica dos financiamentos pressupõe renda e garantias por parte dos tomadores
e a perspectiva da produção imobiliária contrapõe interesses de mercado às
necessidades sociais. O desafio é fazer as intervenções de forma equilibrada,
mesclando a produção imobiliária mais rentável com as de interesse social,
buscando a solução economicamente mais atraente do ponto de vista do mercado
imobiliário e também pela perspectiva do Estado, que, ao produzir também unidades
habitacionais populares nas regiões centrais, deve contabilizar as economias
resultantes da não necessidade de se adicionar nas regiões periféricas, reforço não
só da infraestrutura física mas também da infraestrutura social tais como creches,
escolas, unidades de saúde já disponíveis nas regiões centrais.

O aparente paradoxo do elevado déficit relativo ao ônus excessivo com aluguel


em contraponto ao número de unidades desocupadas nas regiões centrais requer
a definição de uma atuação ampla do Estado nos seus diversos níveis, que não
se restrinja a projetos isolados e intervenções pontuais. A intervenção regulatória
do poder público é fundamental a medida que ações de recuperação forem
implementadas, atraindo a disputa dos imóveis por parte do mercado.

Soluções para captação de recursos e direcionamento do desenvolvimento das


áreas centrais tais como alterações nas regras de uso do solo e leilões de potenciais

46 Caixa Econômica Federal


construtivos já são conhecidas e podem ser aprimoradas, incluindo a estruturação
de fundos de investimentos.

Algumas ações simples tais como incluir a possibilidade de incluir custos de


demolição nos atuais programas de financiamento, podem facilitar a atuação do
setor privado nas áreas centrais.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

O grande objetivo da Regularização Fundiária é reconhecer o patrimônio construído


pelas famílias e colocar no mercado imóveis que dificilmente participariam do
mercado, promovendo a maior circulação da riqueza na economia.

A Regularização Fundiária é mais que a emissão de novos documentos. A Lei


Federal 13.465/2017 permite que a regularização fundiária pode ser realizada a
partir de projeto e cronograma de execução da regularização urbanística. Não é
mais necessário esperar a conclusão dessas obras.

As principais diretrizes para um programa nacional de regularização fundiária são:

»» Apoio a implantação efetiva dos dispositivos da Lei 13.645/2015 e


definição de condições relacionadas à regularização fundiária para adesão
a programas de provisão habitacional;

»» Alocação de recursos para regularização fundiária – financiamento e


repasses;

»» Desenvolver instituto da propriedade coletiva;

»» Capacitação nacional direcionada ao tema;

»» Incentivar instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para ampliar


a disponibilidade de terrenos nas cidades para promoção de novos
empreendimentos, tais como ZEIS, Operações Urbanas e Outorga Onerosa.

Há novos institutos jurídicos que precisam ser consolidados e incentivados. A


incentivar, temos o dispositivo que permite a desafetação de áreas ocupadas até
2010 e a Regularização Fundiária Especial, que pode ser promovida por grupos
organizados como moradores de determinado condomínio e desobriga destinação
de áreas públicas. A regulamentar, temos:

»» Direito de laje – ampliar o potencial construtivo incluindo as áreas de laje


sobre áreas/equipamentos públicas;

»» Condomínio urbano simples – onde não é possível desmembramento ou


parcelamento do mesmo lote;

»» Matrículas diferenciadas para direito de laje/solo criado;

»» Regularização em ato único de terreno e edificação localizados em áreas


ocupadas.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 47


PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS HABITACIONAIS

As Parcerias Público-Privadas Habitacionais – PPP constituem uma solução para


produção de habitação, inclusive social, assim como de requalificação de áreas
urbanas centrais.

A PPP Habitacional Popular pode ser estruturada a partir de novas modalidades


dos programas habitacionais que utilizam recursos FGTS bem como ser facilitada
pela criação de novos produtos de crédito exclusivos para esse fim, inclusive com
recursos captados no mercado de capitais.

No momento atual, de generalizada restrição orçamentária do setor público,


atrair o investimento privado é uma alternativa para a realização dos investimentos
necessários. De maneira a assegurar atratividade ao modelo, é necessário prever
na estruturação da parceria instrumentos que garantam o retorno do investimento
com taxas atrativas para o mercado.

O desafio é, além de estruturar projetos com atratividade para o mercado,


desenvolver soluções de fundos garantidores que ofereçam segurança para o
setor privado com a confiança que as contraprestações serão honradas, além da
segurança jurídica de que os contratos serão cumpridos.

Algumas experiências já foram realizadas pelo país, entre as quais destacam-se os


projetos de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde o Parque Olímpico foi implantado
por meio de PPP, com destinação de potencial construtivo, nesse caso, para unidades
de renda média-alta.

PROGRAMA PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA (PSR)

De acordo com dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –


IPEA20, havia uma estimativa de 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil, em
2015.

Esse grupo populacional bastante heterogêneo é composto por desempregados,


imigrantes, egressos dos sistemas penitenciário e psiquiátrico, dentre outros, mas
apresenta traços comuns, conforme descrito no Decreto Presidencial 7053, de
31/12/200921:

(...) um grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza


extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de
moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas
degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou
permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário
ou como moradia provisória.

Este Decreto que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua
e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, estabelece no
artigo 7º, alínea I, dentre outros objetivos da Política Nacional, o acesso à moradia:

20 IPEA. Texto para discussão: Estimativa da população em situação de rua no Brasil. Brasília, 2016.
http://www.IPEA.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28819, acesso em
16/07/2018.
21 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm, acesso em
16/07/2018.

48 Caixa Econômica Federal


I - assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas
que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência
social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; (grifo
nosso)

Em pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS22 é possível


obter a caracterização dessa população, para subsidiar a formulação de políticas
públicas voltadas ao seu atendimento, conforme os dados destacados abaixo:

»» Dormem na rua – 69,6%

»» Dormem em albergue – 22,1%

»» Alternam entre a rua e o albergue – 8,3%

»» Não recebem qualquer benefício de órgãos governamentais – 88,5%

»» Exercem alguma atividade remunerada – 70,9%, sendo que desses, 98,1%


são na economia informal

»» Afirmaram ter alguma profissão – 58,6%

Ao considerar que a moradia é o primeiro passo para o processo de reinserção


social das pessoas em situação de rua, torna-se imperativa a formulação de um
programa voltado a oferecer solução habitacional permanente e individualizada,
podendo haver uma gradação no regime de propriedade adotado – cessão de
uso, locação social e propriedade – a depender das condições estruturantes
socioeconômicas e de saúde mental e física de cada pessoa.

Também é importante considerar que a oferta de habitações nas áreas urbanas


centrais é o mais indicado, pois é nessa região que, de modo geral, essa população
realiza alguma atividade remunerada para seu sustento.

Em virtude do grau de vulnerabilidade a que estão submetidos, é fundamental que


o programa preveja a articulação com outros serviços complementares: 1) atenção
à saúde mental e física; 2) capacitação para o trabalho e orientação financeira;
3) reconexão familiar e integração comunitária; 4) acompanhamento e assistência
social.

PROGRAMA DE LOCAÇÃO SOCIAL

Os programas voltados à provisão de novas habitações são fundamentais para o


enfrentamento do déficit habitacional no país, entretanto, não são suficientes e/
ou os mais adequados para atender a toda demanda, considerando as variáveis
evidentes em sua caracterização, tanto no aspecto econômico, quanto no aspecto
social.

Entender a habitação como um bem que satisfaz necessidades essenciais para


a vida das pessoas, e não como uma mercadoria, é ponto crucial para formular

22 http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/Rua_aprendendo_a_
contar.pdf, acesso em 16/07/2018.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 49


programas que assegurem a oferta de moradia para quem necessita e não somente
para quem pode comprar (Franco y Raffo, 2014).

Dois pressupostos são estruturantes nesse programa:

»» Assegurar o direito à moradia, com segurança de permanência, sem estar


atrelado ao conceito de propriedade;

»» Reduzir o ingresso de unidades habitacionais de interesse social no


mercado imobiliário especulativo.

Um programa dessa natureza pode atender aos grupos prioritários previamente


definidos, como por exemplo:

»» Pessoas acima de 60 anos;

»» População em situação de rua;

»» Portadores de necessidades especiais;

»» Moradores em áreas de risco ou insalubres;

»» Famílias monoparentais.

É necessária a atuação conjunta e articulada de, pelo menos, três Agentes


Intervenientes com atribuições bem definidas:

1- AGENTE FINANCIADOR – Instituições Financeiras

»» Qualificar e selecionar Agentes Gestores e Agentes Operadores

»» Investir na produção ou requalificação de UH

2- ÓRGÃO GESTOR – Estados, Municípios ou Distrito Federal

»» Aportar contrapartida

»» Coordenar as ações para implementação do programa

»» Selecionar os beneficiários

»» Responsabilizar-se pelo acompanhamento socioeducativo das famílias

»» Reavaliar, periodicamente, a situação socioeconômica dos beneficiários

3- ÓRGÃO OPERADOR – companhias estaduais ou municipais de habitação,


outras instituições de natureza pública

»» Administrar contratação, cobrança, fiscalização e revisão contratual


periódica

»» Realizar manutenção dos imóveis

»» Administrar o condomínio

»» Receber os aluguéis e remunerar o Agente Financeiro

50 Caixa Econômica Federal


PROGRAMA DE COOPERATIVAS HABITACIONAIS

(Propriedade e Financiamento coletivos)

Nessa proposição, adota-se a lógica de que os recursos aportados pelo Estado


devem assegurar o direito de moradia ao segmento populacional de mais baixa
renda, porém tal aplicação não deve se desvirtuar com a outorga da propriedade
individual, o que possibilitaria a venda futura a um mercado imobiliário especulativo
(Franco y Raffo, 2014)23.

Para viabilizar tal programa é preciso revisitar a legislação brasileira de cooperativas,


sobretudo, no que diz respeito às cooperativas habitacionais, tornando as leis mais
eficazes para atender aos princípios da propriedade coletiva, que adota o instituto
da adjudicação da habitação por “uso e gozo” ao sócio cooperativista, assim como
do financiamento coletivo.

Essa alternativa prevê a permanência da propriedade dos imóveis com a cooperativa,


dispondo os cooperativistas do direito de “uso e gozo”, mediante a integralização
de sua cota social junto à cooperativa. Para dispor do imóvel, o cooperativista deve
devolvê-lo à cooperativa, que lhe restitui a cota social, destinando a habitação para
outra família.

As famílias cooperativistas que, porventura, apresentem dificuldades para


pagamento das parcelas, devem ser encaminhadas para atendimento em um
sistema específico de subsídio do Governo Federal.

É imprescindível a adoção de estratégias que assegurem às cooperativas, o acesso à


terra urbanizada, como preconiza o Estatuto da Cidade24 em seu artigo 2º, quando
trata das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

3.4 ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL

ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES DOS ENTES FEDERADOS

»» Definição explícita de atribuições e responsabilidade de cada Ente nos


diversos Programas

»» Consolidação do SNHIS – Sistema Nacional de Habitação de Interesse


Social

»» Diretrizes para investimentos conjuntos

TRANSPARÊNCIA

»» Construção de plataforma para acompanhamento dos investimentos e dos


beneficiários, com gestão e manutenção em âmbito federal.

23 FRANCO, Jorge; RAFFO, Alberto. La utopia realizable de la “propiedad colectiva”. In La Vivienda,


entre el derecho y la mercancia: las formas de propiedad em América Latina. Montevideo, Uruguai:
Ediciones Trilce, 2014.
24 Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 51


3.5 AMBIENTE DE NEGÓCIOS é a energia solar. Seu uso reduz custos de produção
e transmissão de energia, e, quando aplicada em
larga escala, proporciona a diminuição do preço da
SUPERAÇÃO DE GARGALOS instalação das placas. Nesse sentido a Caixa já conta
com experiência com os empreendimentos Sol Morada
Com relação aos custos que impactam no setor da do Salitre e Praia do Rodedouro, ambos localizados
construção civil e, consequentemente, no valor final, há em Juazeiro, na Bahia, que contam com usina elétrica
estudo divulgado pela CBIC, conforme diagrama abaixo. composta por módulos fotovoltaicos e aerogeradores
que, sendo utilizados para abastecimento do condomínio
A Figura 5 revela que para o setor produtivo o e tendo o excedente energia vendida à concessionária,
financiamento apresenta menor impacto do que diversos reduzem as despesas mensais além de gerar renda aos
outros, com especial destaque para o licenciamento e condomínios e moradores. O fato é que a utilização dos
terreno, abrangendo-se nesse conceito o mudanças no terrenos para a geração de energia configura-se como
Plano Diretor e carência infraestrutura urbana prévia. oportunidade financeira e comercial, possibilitando novas
O diagnóstico apresentado correlaciona-se então com customizações de produtos financeiros pelos bancos.
a visão propagada pelo presente trabalho, de que a
política habitacional está contida num esforço maior por Por fim, cabe destacar aqui que a demanda não é
planejamento urbano. uniforme, sendo necessário aplicar ao setor da construção
civil métodos para tornar o mercado mais elástico, ou seja,
Deve-se olhar, no entanto, para o desenvolvimento sensível às variações de oferta e demanda. A aplicação
tecnológico e seu impacto sobre a produção no setor da de critérios mercadológicos para definir a disponibilidade
construção civil, sendo que atualmente a construção de ou custo do crédito em determinada localidade leva
edifícios com paredes de concreto apresentam prazos também à maior eficiência sobre a alocação de recursos
reduzidos para a execução dos empreendimentos escassos e reduz o risco de formação de estoques para os
habitacionais. quais não há perspectiva de vendas.

Outra tecnologia que possibilita a redução de custos

Figura 5 – Grau de impacto dos custos da construção civil

Fonte: – CBIC25

25 Estudo disponível em http://www.cbicdados.com.br/media/anexos/Custo_da_Burocracia_no_Imovel.


pdf, acessado em 02/07/2018

52 Caixa Econômica Federal


SEGURANÇA JURÍDICA E PREVISIBILIDADE

Como se trata de setor com cadeia produtiva extensa e complexa, com ciclo longo
e vários riscos de difícil mitigação, a previsibilidade e a segurança jurídica são
fundamentais para atração de investimentos do setor privado em projetos para
solução de necessidades habitacionais.

São diretrizes para promover maior segurança jurídica e maior previsibilidade para
investimentos e desenvolvimento de projetos no setor da construção civil:

» Regras claras e objetivas, que não mudem constantemente

» Respeito aos contratos

» Fortalecimento dos institutos da alienação fiduciária e do patrimônio de


afetação

» Ordenamento jurídico específico para: permuta, pró-soluto e distratos

» Padrões para obtenção de licenças e aprovações

» Registros e Cartórios: regulamentação do Operador Nacional dos Registro


de Imóveis Eletrônico (ONR) e implantação da numeração nacional de
matrículas de imóveis

DIRETRIZES PARA MAIOR EFICIÊNCIA E INDUSTRIALIZAÇÃO DO SETOR

» Isonomia de exigências urbanísticas e técnicas para todas as modalidade e


para todos os portes de empreendimento

» Respeito às regionalidades a partir de diretrizes nacionais – BIM,


coordenação modular, padrões mínimos para habitação social.

» Equacionamento das Obrigações relativas ao Produto Habitacional –


prazos de garantia e desempenho mínimo

» Fortalecimento do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no


Habitat (PBQP-h)
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com as oscilações econômicas, o Brasil tem alocado volumes significativos


de recursos à produção de novas UH e também para a solução do déficit e
inadequações habitacionais.

O cenário macroeconômico, com a elevação do endividamento público e


consequente elevação das taxas de juros e a baixa expectativa de recuperação
econômica aumentam a disputa por recursos públicos entre os diversos setores
sociais que demandam soluções urgentes.

Neste cenário, a busca de otimização da utilização dos recursos se torna ainda


mais relevante, e o desafio é desenvolver soluções que tragam o maior retorno na
diminuição do déficit e das inadequações com a aplicação dos recursos disponíveis.

As soluções devem analisar com maior detalhamento as particularidades de cada


item do déficit e inadequação para que os recursos disponíveis obtenham o melhor
retorno do desenvolvimento social do país.

Por fim, com a solução das necessidades e das demandas habitacionais constituem
direito social previsto na Constituição Federal e representa um setor de cadeia
econômica extensa e complexa, merece receber investimentos para promover a
inclusão social e o crescimento econômico.

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho foi uma construção coletiva e contou com a colaboração de muitas
pessoas. Agradecemos às mais de 250 sugestões e comentários que foram enviados
por colegas da Matriz, das Superintendências Regionais, das Gerencias Executivas
e das Plataformas de Negócios de Habitação da CAIXA de todo país.

54 Caixa Econômica Federal


BIBLIOGRAFIA
FRANCO, Jorge; RAFFO, Alberto. La utopia realizable de la “propiedad colectiva”.
In La Vivienda, entre el derecho y la mercancia: las formas de propiedad em
América Latina. Montevideo, Uruguai: Ediciones Trilce, 2014.

Fundação João Pinheiro. Diretoria de Estatística e Informações. Déficit habitacional


no Brasil 2015. Belo Horizonte: FJP, 2018.

Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações. Déficit habitacional


no Brasil 2011-2012. Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações
– Belo Horizonte, 2015.

Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações. Déficit habitacional


municipal no Brasil. Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações –
Belo Horizonte, 2013.

Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações. Déficit habitacional


no Brasil. Fundação João Pinheiro, Centro de Estatística e Informações. 2. ed. - Belo
Horizonte, 2005.

Taschner, Suzana Pasternak. Política habitacional no Brasil: retrospectivas e


perspectivas. Cadernos de Pesquisa do LAP. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
USP. São Paulo, n. 21, 1997. 73p.

Universidade Federal Fluminense. Pró-Peitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e


Inovação. Demanda futura por moradias: demografia, habitação e mercado.
Organização Gustavo Henrique Naves Givisiez, Elzira Lúcia de Oliveira. – 1a ed.
– Niterói, RJ: UFF, 2018.

HABITAÇÃO: um olhar para o futuro 55

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