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O título que escolhi para este texto pode, de saída, receber algumas objeções. A primeira
delas, eu imagino que seja a de que eu estaria sugerindo que o ensino de arquitetura se
resume ao ensino de projeto. Alegariam que eu estou subordinando o ensino de
arquitetura, que é uma atividade a cargo de profissionais de diversas áreas de
conhecimento e detentores de variados saberes, aos problemas do projeto de arquitetura,
que é uma atividade restrita aos arquitetos e urbanistas. A segunda objeção poderia ser,
sem sombra de dúvida, a de que eu estou me propondo a falar tão somente do edifício,
uma vez que omito a palavra urbanismo. Diriam, nesse caso, que estou ignorando o
urbano ou, na melhor das hipóteses, que eu tenho uma visão limitada do nosso campo de
conhecimento e ação. A terceira objeção certamente seria a de que eu estou
negligenciando a tecnologia, uma vez que o título não contempla um único vocábulo que
lhe lembre a existência. E isso é uma falta grave, diriam alguns. Por último — mas não
por ser menos importante — seria trazida a objeção de que não se pode falar de
arquitetura a partir dos problemas de projeto, sem tecer considerações sobre os problemas
da história e da teoria do objeto arquitetônico.
Aceito todas essas objeções, por antecipação. Agindo assim, livro-me de justificativas
mal fundamentadas ou querelas corporativistas. Nem pretendo, tão pouco, ocupar o
tempo dos leitores com discussões semânticas. Das figuras de linguagem ficarei apenas
com as metáforas e as alegorias. Ambas para falar de arquitetura, em que pesem as
objeções supostamente apresentadas e antecipadamente aceitas. Entretanto, reservo-me o
direito de expor o meu ponto de vista sobre aquilo que chamo de problemas de projeto e
de ensino de arquitetura, aí incluídas as respostas às possíveis objeções mencionadas. Eu
as aceito para poder, em seguida, confrontá-las com alguns argumentos. Vamos a eles.
Arquitetura e Urbanismo.
A literatura técnica é pródiga em dizeres do tipo "arquitetura e urbanismo são
indissociáveis" e "um edifício não pode ser compreendido fora do contexto urbano",
quase todos de caráter doutrinário, mas de pouca valia para o fazer. Andando em paralelo
com a doutrinação há uma prática — tanto urbanística quanto arquitetônica, seja na
produção ou no ensino — que é intensamente criticada por conter uma dissociação entre
a cidade e o edifício, entre o urbano e o arquitetônico. Critica-se o profissional que
projeta edificações por fazê-lo ignorando o urbano. Critica-se o profissional que atua no
planejamento e gestão urbanos, por fazê-lo desconsiderando o edifício. Para avaliarmos a
pertinência dessas críticas, temos que examinar o contexto em que elas ocorrem e tentar
entender os seus objetos.
Quando falamos em projeto arquitetônico sabe-se muito bem que estamos falando em
plantas, cortes, elevações, detalhes construtivos e volumetria, isto é, em elementos
gráficos representativos de um objeto que se quer edificar. Sabe-se, também, que os
projetos complementares ao projeto de arquitetura — necessários para viabilizar a
edificação — constituem-se do cálculo estrutural, dos projetos das instalações hidráulico-
sanitárias, dos projetos das instalações elétricas e de telecomunicações, dos projetos de
proteção contra sinistros e dos projetos especiais (climatização de ambientes, exaustão de
gases, condicionamento acústico e outros). Uma vez concluído, o projeto arquitetônico
pode ser construído, transformando-se numa edificação, que é um objeto a ser ocupado
para fins diversos. O mesmo raciocínio se aplica quando falamos em projeto de
urbanização de uma área. Vê-se logo uma planta dos arruamentos e do parcelamento da
área em lotes, os perfis altimétricos das ruas e seus respectivos detalhes construtivos.
Pensa-se, também, na infra-estrutura de suprimento (água, energia elétrica, gás,
telecomunicações) e esgotamento (efluentes líquidos e resíduos sólidos), com os
elementos e detalhes construtivos pertinentes. Uma vez concluído, esse projeto de
urbanização também pode ser construído, transformando-se em loteamento com ruas,
praças, passeios, sarjetas, posteamento, arborização, etc. Torna-se uma área urbanizada, a
ser ocupadas por diversas edificações. O projeto arquitetônico, que virou edifício
obedece, no seu fazer, a procedimentos metodológicos similares ao projeto de
urbanização que virou loteamento. Ambos geram produtos físicos: os espaços construídos
que vão mediar relações sociais; espaços onde o urbano vai acontecer. Os projetos desses
espaços — urbanos e arquitetônicos — são antecipações de suas existências reais. Essas
antecipações são formuladas através de desenhos projetivos e outros meios de
representação. Uma vez edificados, tanto o edifício como o loteamento passam a ter
existência própria, independentemente de estarem ou não ocupados ou habitados.
Independentemente de terem se transformado em cidade. Os edifícios e os espaços
urbanizados podem, portanto, ser pensados como objetos autônomos, com relação aos
eventos que neles ocorrem. Tanto isso é fato, que há a pré-fabricação e o projeto-padrão,
que pode ser reproduzido em diferentes contextos espaciais, para diferentes usuários. O
urbano, ao contrário, não existe apartado das pessoas e dos eventos. É um sistema
complexo de relações e que não pode ser fielmente reproduzido a partir de um projeto. As
relações complexas, que envolvem pessoas, não são passíveis de serem replicadas.
Assim, não me parece apropriado falarmos em projeto do urbano, pois estaríamos falando
da antecipação de um sistema complexo de relações. Essa antecipação haveria de ser —
necessariamente — uma simulação, um modelo (no sentido matemático do termo), uma
teoria. Jamais um projeto nos moldes em que são feitos os projetos arquitetônicos ou
urbanísticos. Os procedimentos metodológicos para a abordagem do fenômeno urbano
são, portanto, de natureza completamente diversa daqueles adotados em projeto de
arquitetura e urbanismo. O fenômeno urbano, que é um fenômeno complexo, não pode
ser compreendido parcelarmente, sob uma ótica disciplinar ou multidisciplinar, mesmo
que admita recortes disciplinares em diversas das suas manifestações.
O leitor há de entender, entretanto, que não estou fazendo a defesa desse argumento, isto
é, de que os objetos arquitetônicos e urbanísticos devam ser pensados apartados de suas
interações com os demais fatores intervenientes na cidade e na dinâmica da vida urbana.
Estou apenas argumentando que isso é possível e apontando que, tanto é possível, que
tem sido feito. Por outro lado, esse tipo de fazer tem sido severamente criticado por
arquitetos, urbanistas e planejadores urbanos, como mencionei anteriormente. Em que
pese a dura crítica, a abordagem parcelar persiste, reforçando a fragmentação do
ambiente construído contemporâneo. Creio que a melhor maneira de fazermos avançar a
abordagem metodológica no âmbito da criação dos objetos arquitetônicos e urbanísticos,
livrando-a do vício disciplinar, é nos livrarmos, também, dos enunciados falsos, do tipo
"arquitetura e urbanismo são indissociáveis" e "um edifício não pode ser compreendido
fora do contexto urbano", ou ainda "um edifício só pode ser compreendido na sua
interação com os usuários". Tomando tais enunciados como falsos, proponho que a
questão seja tratada de outra forma. Se conseguirmos clarear as conseqüências — ou
inconveniências — de se projetar um edifício como um objeto autônomo, confinado às
suas relações com os requisitos programáticos, estéticos e tecnológicos, estaremos
problematizando a questão. Caracterizado o problema, ele pode ser debulhado e
resolvido. A qualidade da solução dependerá do grau de problematização que
conseguirmos alcançar, da nossa habilidade em formular hipóteses de solução e da nossa
capacidade de avaliação crítica, no sentido de corrigir eventuais erros. Aí residem os
talentos dos arquitetos.
Recorte 3 — Seria constituído da produção de conhecimentos sobre (1) e sobre (2). Este é
o recorte que possui mais interesse para a pesquisa acadêmica, como veremos adiante.
A pesquisa em arquitetura
Essa fase de conhecimento e análise dos dados para a elaboração de um projeto técnico
que é, sem dúvida, uma atividade de pesquisa, pode ser considerada, também, como a
produção de conhecimentos sobre o objeto que se projeta. Daí a confusão entre o que seja
elaboração de um projeto e desenvolvimento de uma pesquisa em projeto. Tal confusão
se estabelece porque a elaboração de um projeto técnico (para a construção de um objeto)
implica também na produção de conhecimentos relevantes e que podem ser generalizados
para além do objeto projetado. Como vemos, a linha que diferencia um projeto técnico de
uma pesquisa em projeto é extremamente tênue, podendo até passar despercebida. Mas
estabelecer tal demarcação nos parece fundamental, se o nosso propósito é o de
desenvolver conhecimentos no âmbito do projeto. Devemos assumir que existe uma
dificuldade real em se diferenciar entre o que seja uma pesquisa para se fazer um projeto
e o que seja uma pesquisa para se desenvolver conhecimento na área de projeto, pois em
ambos os casos pode ocorrer a produção de conhecimento.
A nossa visão é de que qualquer projeto de arquitetura implica necessariamente num
processo de pesquisa, independentemente de sua complexidade conceitual, funcional,
tecnológica ou plástica. O projeto começa com a existência de um problema de
arquitetura. Partimos de um problema (ou situação problema) que precisa de uma solução
arquitetônica; elaboramos hipóteses de projeto (tentativas de solução); eliminamos
aquelas que não resolvem o problema (considerados todos os seus aspectos estéticos,
tecnológicos e funcionais) e escolhemos aquela que nos parece ser a melhor. Para a
eliminação das soluções ruins (ou dos erros) nós usamos a crítica. Fazemos arquitetura
por tentativa e eliminação de erros, tal qual um cientista faz ciência 2.
Antes de elaborarmos as hipóteses de solução precisamos conhecer mais e melhor o
problema, analisando as informações sobre ele disponíveis. Ora, para analisar qualquer
informação temos, antes de mais nada, de obtê-la. E para obtê-la temos que procurá-la,
realizando uma pesquisa. Podemos então considerar que o processo de projeto é também
um processo de aquisição (ou produção) de conhecimento sobre o objeto que se projeta.
É aquisição de conhecimentos quando os dados sobre o objeto a ser projetado já são
conhecidos e disponíveis; nesse caso vamos apenas utilizá-los. É um processo de
produção de conhecimento quando o objeto ainda não foi projetado e precisa ser criado
em todos os seus contornos técnico-construtivos e funcionais; aí temos que descobrir,
antes, quais são esses contornos para podermos elaborar o projeto. Em qualquer uma das
duas situações partimos de um problema e conduzimos algum tipo de pesquisa: fazemos
levantamentos, observações, medições, ensaios e assim por diante. Entretanto, apenas
produzimos conhecimento no segundo caso, quando descobrimos, revelamos ou criamos
dados e informações até então desconhecidos e que podem ser replicados ao aplicados a
outras situações sem que se incorra em plágio. Por exemplo, se desenvolvo um sistema
construtivo para um determinado conjunto habitacional e que pode ser empregado por
outros arquitetos em outros projetos, estarei fazendo um trabalho que se enquadraria
como pesquisa e desenvolvimento tecnológico; o conjunto habitacional seria apenas um
estudo de caso a partir do qual o sistema foi concebido e no qual foi testado. Sua
replicabilidade é que o caracteriza como um produto de pesquisa e desenvolvimento. Do
contrário, seria meramente um projeto para um conjunto habitacional, um produto da
prática profissional.
O critério da replicabilidade me parece bastante adequado para diferenciar um projeto
que poderia ser aceito como objeto de pesquisa acadêmica de um projeto que seria objeto
da prática profissional e, portanto, sem interesse para a pesquisa acadêmica. Se o
conhecimento gerado pela pesquisa pode ser aplicado (ou estendido) a outros objetos
arquitetônicos (em proveito de sua qualidade técnica, estética ou utilitária), trata-se de
uma pesquisa para desenvolver conhecimento em arquitetura, ainda que ela tenha se
baseado em um estudo de caso. Se o conhecimento gerado por uma pesquisa é para
aplicação ou solução de um problema específico e único, estaremos diante de um projeto
técnico de arquitetura, uma vez que a aplicação (ou extensão) dos resultados a outros
objetos arquitetônicos estaria incorrendo em plágio.
Há de se ressaltar, no entanto, que ambos, pesquisa e prática profissional, são do interesse
do ensino de projeto: um, como produção de conhecimento; o outro, como aplicação
prática de conhecimentos produzidos.
A produção de conhecimento no âmbito do projeto de arquitetura implica
necessariamente num processo de pesquisa, pois não se produz conhecimento sem se
pesquisar. Também, a exemplo do projeto, haverá de partir de um problema, seja ele
metodológico, tecnológico, teórico, estético ou o que for.
O critério de demarcação que proponho não nos salva porém (nós, os cursos de pós-
graduação stricto sensu) de pesquisas estéreis e até inúteis para o progresso do
conhecimento no nosso âmbito. Salva-nos ainda menos de monografias temáticas,
discursos vazios, estudos de caso sem importância, análises comparativas irrelevantes,
metodologias que só se aplicam ao caso específico estudado, e inúmeros outros
equívocos que por vezes encontramos sob o nome de Dissertação ou Tese. E digo mais:
esse não é um privilégio da área de projeto. O mesmo ocorre com o urbanismo, a teoria
da arquitetura e a tecnologia que se aplica ao nosso campo. Menos com a história, talvez.
Isso porque a história, mesmo quando é mero registro de eventos, permite que um dia
esse registro aponte para algum problema relevante, sobre o qual um pesquisador criativo
se debruce.
Dissemos que qualquer projeto implica em algum nível de pesquisa e que nem toda
pesquisa leva à produção de conhecimento ou à evolução do campo. Só levará nos casos
em que se propuser a resolver um problema. Entretanto não depende somente que ela vise
à solução de um problema, mas que esse problema seja relevante para o progresso do
campo. A sua relevância pode ser social, econômica, estética, tecnológica ou
epistemológica.
Resta-nos, então, discutir quais são as possíveis maneiras de se fazer evoluir a pesquisa
em arquitetura para que ela não se debruce sobre questões triviais e que realmente se
torne capaz de respaldar a evolução do nosso campo profissional.
Para isso será preciso identificar quais são os problemas que o nosso campo de
conhecimento coloca e quais as questões que suscitam.
Sendo a arquitetura um campo de aplicação, o nosso objetivo como pesquisadores deverá
ser o de gerar conhecimentos que os arquitetos possam aplicar para fazerem melhores
projetos. Esses conhecimentos certamente estarão em muitos campos disciplinares:
metodologias e tecnologias de projeto, estética, tecnologia de construções, física aplicada,
etc. Não vejo nenhum sentido em se desenvolver, nos mestrados e doutorados, a nossa
habilidade em projetar. Isso é papel da graduação e da prática profissional. Se
acreditarmos que uma dissertação ou tese pode ser um projeto, estaremos acreditando que
o projeto de arquitetura é tão somente uma técnica e, como tal, pode ser masterizada. Por
outro lado, se acreditarmos que o projeto de arquitetura é um produto intelectual,
estaremos falando em ciência. Estaremos falando no método científico. E este começa
com problemas. Um problema é sempre anterior a qualquer observação ou percepção dos
sentidos. A observação e a percepção auxiliam na formulação das hipóteses de solução,
nas conjecturas. A eliminação dos erros se faz pelo método crítico. A ciência nasce
quando o espírito crítico se desenvolve, através da discussão. O progresso científico
consiste no fato de que as teorias são suplantadas e substituídas por outras, mais
abrangentes. Karl Popper nos mostra com clareza que as novas teorias resolvem os
problemas que as antigas resolviam e ainda resolvem novos problemas que não eram
contemplados pelas antigas. Quando conseguimos provar que uma teoria é falsa, nós
aprendemos muito. Aprendemos não somente que ela é falsa, mas a razão pela qual é
falsa. Aí nós temos um novo problema, que será um ponto de partida para um novo
desenvolvimento científico.
É assim em arquitetura, urbanismo, construção civil, química, física, biologia…
Mas, em projeto de arquitetura e urbanismo, qual é a área estruturada de problemas? Em
que tradição nos inscrevemos?
As idéias e as formas.
O estudo da História da Arquitetura só faz sentido se acreditamos que, com ele, iremos
aprender um pouco mais da nossa própria história, do percurso da humanidade no mundo,
das interações entre os diversos grupos sociais, de suas práticas e de seus conflitos. Sob o
pretexto de estar estudando a história — ou a teoria— discutem-se as intenções deste ou
daquele arquiteto ao conceber esta ou aquela forma, o que é irrelevante e não nos ajudará
a compreendê-la. Não nos ajudará, sequer, a entender a razão de ser daquela obra e, por
via de conseqüência, a razão de ser das obras que fazemos. A história da arquitetura só
tem importância se compreendida como a história das espacializações das formas sociais.
Assim, ela nos ensinará que, se quisermos transformar a organização espacial, teremos
que atuar na organização social e transformar as idéias e as práticas que a sustentam.
Os aspectos visuais.
O ensino de projeto é, pois, por sua própria natureza, personalizado, na medida em que o
professor se dedica à orientação de cada projeto específico, seja ele elaborado
individualmente ou em grupo. Para compreender a idéia arquitetônica e urbanística que
lhe é apresentada — e então poder analisá-la e criticá-la — o professor precisa
estabelecer intenso diálogo com o estudante, o que acaba por aproximá-los numa relação
mais pessoal, que pode ser de afeto ou desafeto, dependendo do sucesso do diálogo
conseguido. Pode parecer paradoxal, mas os principais problemas do ensino de projeto
decorrem, precisamente, de sua maior qualidade, que é a interação direta professor/aluno,
pois é nesse contexto que ocorre a avaliação. Avaliar é conhecer, interpretar e julgar.
Interpretar é também julgar. A interpretação pressupõe a compreensão e esta só se dá a
partir de certas referências, que se constituem nos nossos pressupostos. Só
compreendemos, portanto, aquilo que conhecemos. Tendemos, pois, a recusar as soluções
que realmente são diferentes ou originais. Só julgamos a partir dos nossos pressupostos, o
que certamente nos leva a avaliar negativamente o que não estabelece correspondência
com eles. E é por aí que começam as dificuldades de quem avalia o fruto de um processo
criador, seja ele intelectual, técnico, científico ou artístico. Durante o processo de projeto,
o professor orientador avalia todo o tempo: ao sugerir um determinado caminho
metodológico terá avaliado e rejeitado o caminho proposto pelo aluno; ao apontar um
problema construtivo, terá verificado aquela carência de conhecimento ou aquele erro; ao
incentivar a exploração de uma hipótese projetual, terá julgado positivamente a idéia
proposta e assim por diante. Entretanto, a avaliação — que é inerente ao processo de
orientação/criação — só é consubstanciada em conceito (ou nota) no produto final ou nas
suas etapas de execução. Daí o estranhamento do aluno quando não lhe é atribuído um
bom conceito.
Um problema do tipo (a) "João tinha três laranjas e ganhou mais duas; com quantas
laranjas João ficou?" supostamente admite apenas uma solução: 5 laranjas. Haveria a
possibilidade de se argüir que, se nada acontecesse de entremeio, João realmente ficaria
com 5 laranjas mas, se uma das laranjas apodrecesse, João ficaria com apenas quatro.
Poderíamos então contra argumentar que esse não era um dado do problema. Que seja.
Aceitemos que a única resposta certa para o problema (a) é 5 laranjas. As outras estariam
erradas e, numa avaliação, não teríamos nenhuma dificuldade em atribuir os pontos totais
a quem tivesse respondido 5 e nenhum ponto a quem tivesse respondido um número
diferente de 5. Esse caso é o que geralmente chamamos de avaliação objetiva: os pontos
totais a quem acertou e zero pontos a quem errou. A avaliação objetiva só é possível,
entretanto, no contexto de problemas do tipo (a), onde há apenas uma solução e uma
única resposta certa.
Por outro lado, um problema do tipo (b) "projetar uma casa para uma família de 5 pessoas
(o casal, uma menina de 7 anos, outra de 9 e um menino de 12), cuja renda é de 20 SM; o
terreno é plano, de 360 m2, fica na rua "A", número 15, com frente para o sul", pode ter
inúmeras soluções e certamente não terá, dentre elas, uma da qual possamos dizer que é a
certa ou que é errada. Como avaliamos então? Não existe outra saída: avaliamos de
acordo com os nossos pressupostos, nossa visão de mundo, nossa visão de arquitetura,
nosso conhecimento técnico específico, nossos conceitos de adequação, beleza,
funcionalidade, habitabilidade, etc. Para resumir, avaliamos dentro de uma tradição.
Quando se trata de um problema do tipo "b", que admite mais de uma solução correta (ou
adequada, ou aceitável) não há a possibilidade de uma avaliação objetiva, imparcial ou
isenta. Não há, também, possibilidade de se estabelecerem critérios objetivos para se
avaliar o resultado desse tipo de problema onde não há a dicotomia certo/errado. Nesses
casos os critérios serão sempre subjetivos, pois são ditados pelos pressupostos dos
avaliadores; e esses pressupostos são modelados pela vivência de cada um. As diversas
vivências determinam gostos, crenças, emoções, prioridades e sentimentos diversos — e
por vezes divergentes — determinam entendimentos diferentes e, portanto, distintos
juízos.
O momento do ensino/aprendizado.
Muito se fala na necessidade de se realizar um ensino conexo à prática profissional, com
estágios obrigatórios, aprendizado em ambiente profissional e coisas do tipo. Quero
levantar algumas objeções a isso e tentar fundamentá-las em argumentos consistentes.
Não vejo nenhuma vantagem em trazer para a academia um momento que não lhe é
peculiar: o exercício profissional. Dirigir o ensino para o exercício profissional está mais
próximo do adestramento (ou treinamento) do que da formação. Esse me parece ser um
duplo equívoco: o primeiro, é que arquitetura não é uma técnica na qual se possa treinar
alguém; é uma produção da imaginação criadora. O segundo é que um treinamento se dá
pela repetição do conhecido, o que certamente não leva a uma prática arquitetural
inovadora.
NOTAS
1
. A paisagem natural não é um meio para as relações sociais. Ao contrário, para exercer
suas atividades o homem constrói, transformando o sitio natural em ambiente construído.
2
. Referindo-se à criação em ciências naturais e em ciências sociais, Karl Popper diz que
elas partem sempre de problemas e, para resolvê-los, elas usam o método de tentativa e
erro, que é o mesmo utilizado pelo bom senso: temos um problema, construímos soluções
e descartamos, uma após outra, aquelas que não o resolvem bem; ficamos com a que
resolve. Nesse processo desenvolvemos o nosso aprendizado sobre o problema, seus
elementos constitutivos, suas principais dificuldades. Temos então três níveis:
— o problema (ou situação-problema);
— as tentativas de solução (hipóteses, conjecturas, teorias);
— a eliminação das soluções erradas (avaliação crítica).
Essas idéias de Popper podem ser encontradas em vários de seus livros, dos quais o mais
conhecido é A lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1974 e
3
. Obviamente os cegos percebem e se apropriam do espaço através de outros sentidos,
que não a visão. Refiro-me, aqui, às pessoa que possuem visão. Para estas, a arquitetura é
um objeto visual.
4
. Esta é a expressão que consta no Manual de Avaliação do curso de Arquitetura e
Urbanismo do DAES/INEP/MEC.