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Resumo:
O Programa Minha Casa Minha Vida poderá gerar o deslocamento em potencial de
mais de 300.000 pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Motivações
diversas, envoltas por diferentes contextos e histórias de vida nas quais a mudança de
moradia opera como um dispositivo para a produção de subjetividades: a ida para os
empreendimentos habitacionais financiados não está aqui sendo considerada como uma
simples troca de local de moradia mas enquanto um processo que impele o sujeito a
qualificar sua nova condição de vida e a ressignificar tanto sua trajetória dentro da
cidade quanto suas práticas cotidianas. Este processo será aqui explorado a partir de
narrativas de moradores coletadas em trabalho de campo realizado em empreendimento
localizado no município do Rio de Janeiro (RJ). Os casos trabalhados referem-se
principalmente a famílias cujo processo de mudança envolveu deslocamentos territoriais
significativos e mudanças drásticas na tipologia arquitetônica/urbanística de sua
residência. Buscou-se compreender como estas transformações implicaram em novas
experiências para os indivíduos, principalmente em relação às formalidades e restrições
impostas pela vida em condomínio, além das diferenças nos padrões de urbanização e
acesso a comércio, serviços, lazer e mobilidade urbana. A nova moradia enquanto uma
nova experiência de cidade em seus múltiplos aspectos.
Palavras-Chave: Minha Casa Minha Vida, Moradia, Rio de Janeiro
Introdução
O Programa Minha Casa Minha Vida foi lançado pelo Governo Federal no ano
de 2009 como um imponente programa habitacional disposto a financiar a produção e o
acesso a um milhão de novas moradias em curto prazo. Dividido em três faixas de
renda3 o programa apresentava dentre as suas proposições a redução de um histórico de
1
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
2
Os resultados aqui apresentados decorrem da participação do autor em pesquisas desenvolvidas no
âmbito do INCT Observatório das Metrópoles (ligado ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro), particularmente do projeto “Avaliação do Programa
Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: impactos urbanos e sociais” (Edital
MCTI/CNPq/MCidades nº 11/2012).
3
O público-alvo do Programa Minha Casa Minha Vida está divido em três faixas de renda. A Faixa 1
envolve as famílias com renda mensal até R$1600,00 que recebem subsídio integral garantido pela Caixa
Econômica Federal, estando a distribuição das unidades sob responsabilidade das administrações
municipais que devem definir critérios e instrumentos para selecionar as famílias. É voltada
preferencialmente para famílias de baixa renda ou cuja condição de moradia é considerada inadequada. A
Faixa 2 e a Faixa 3 são destinadas respectivamente para as famílias com renda mensal até R$3275,00 e
1
carências habitacionais enfrentado pelas famílias de baixa renda, além de ampliar o
acesso e facilitar a aquisição de imóveis residenciais para famílias da classe média. Ele
rapidamente atingiu as metas previstas e em setembro de 2011 foi lançado o Programa
Minha Casa Minha Vida 2, prevendo a construção de mais dois milhões de novas
moradias até o ano de 2014. Atualmente o Programa já conta com cerca de 3.277.847
unidade habitacionais contratadas, com aproximadamente 47% delas já entregues aos
moradores4.
Uma conseqüência direta do grande volume de novas unidades habitacionais
que vem sendo produzidas nesse contexto é o fluxo significativo de famílias, que
potencialmente poderão deixar seus antigos locais de moradia, rumo a algum
empreendimento financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida. No caso da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro estamos falando de aproximadamente 300.000
pessoas5 que possivelmente irão se deslocar para algum dos 378 empreendimentos já
contratados. Cabe ressaltar que esses processos de mudança estão aqui sendo
considerados enquanto um processo complexo inspirado na noção de “fato social total”
desenvolvida por Marcel Mauss6: como algo que envolve dimensões sociais, políticas,
econômicas ou familiares da vida dos indivíduos. Não se trata apenas de uma mudança
de endereço, mas de um processo capaz de criar ou restringir possibilidades de
engajamentos desses indivíduos no mundo, além de produzir subjetividades que
requalifiquem todas essas dimensões frente às alteridades que esse processo institui.
Nesse sentido, a forma como os moradores qualificam esses empreendimentos
é parte de uma trama que ora enfatiza as dificuldades geradas pelas mudanças na rotina,
por vezes relativiza as dimensões ligadas à localização, em alguns momentos reconhece
melhorias na qualidade de vida, em outros prefere retornar ao seu antigo local de
moradia, dentre tantas outras possibilidades. Algo exemplificado pela fala de um
morador entrevistado em fevereiro de 2014 em empreendimento construído no Bairro
de Santa Cruz no município do Rio de Janeiro:
R$4.300 (ou R$5.400,00 para municípios de grande porte ou integrantes de regiões metropolitanas) que
recebem subsídio parcial pela Caixa Econômica Federal, e compram as unidades diretamente das
construtoras e incorporadoras pagando o restante do valor do imóvel com financiamento pelo FGTS.
4
Dados referentes a 31 de janeiro de 2014 (MCIDADES, 2014).
5
Este número foi calculado a partir do número total de unidades habitacionais contratadas na Região
Metropolitana (99.715) e da média de moradores por domicílio calculada a partir dos dados do Censo
Demográfico 2010. Em função de sua fragilidade é um dado meramente especulativo.
6
Conforme teorizado no texto “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão de troca nas sociedades arcaicas”
(MAUSS, 2003)
2
"Porque eu gosto daqui... É meu, né? É longe, é sacrificante, não
tem ônibus direto, só van... Mas eu gosto daqui."
7
Ver: CARDOSO, ARAÚJO e JAENISCH (2013).
8
Estas questões já foram discutidas em: CARDOSO, JAENISCH e ARAUJO (2013).
3
Por outro lado, resultados de estudos recentes que vem sendo realizados na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, indicam uma série de problemas relacionados
principalmente à inserção urbana e a qualidade dos empreendimentos financiados pelo
Programa9. Algo que ocorre, por exemplo, nos bairros da zona oeste do município do
Rio de Janeiro (principalmente Campo Grande, Santa Cruz e Cosmos) que concentram
aproximadamente um terço de todas as unidades que foram contratadas no município, e
cerca de 20% do total da Região Metropolitana10. Muitos dos empreendimentos tendem
a estar localizados em áreas de expansão urbana, com acesso restrito às redes de
transporte público, serviços públicos insuficientes frente à nova demanda, além de
distantes dos principais centros de oferta de comércio, serviços e empregos. Ressaltando
que há variações significativas em função da faixa de renda à qual o empreendimento se
destina. Nos empreendimentos voltados para a Faixa 1 estes problemas são mais
evidentes, pois eles tendem a ser de grande porte e muitas vezes construídos em áreas
que já possuem outros empreendimentos financiados pelo Programa11, agravando as
demandas por infra-estrutura e oferta de serviços públicos12.
Estes pontos críticos também refletem nas formas como os moradores
qualificam os seus processos de mudança e seus sentimentos de satisfação em relação à
nova moradia. A tensão entre a vontade de sair e o desejo de permanecer vem sendo
recorrente nas pesquisas de campo realizadas, onde os entrevistados expressam
desagrados em relação ao entorno do empreendimento, à sua acessibilidade, e falta de
alternativas para suprir suas demandas cotidianas de comércio e serviços. Apesar dos
sentimentos de posse e segurança gerados pelo acesso à casa própria as insatisfações
também estão presentes. Importante ressaltar que a intensidades dessas percepções e
qualificações variam em função do contexto no qual os moradores tiveram acesso ao
Programa Minha Casa Minha Vida.
Todas estas questões estão imbricadas nesse processo de ida para a nova
moradia. E cabe ressaltar que parte significativa das famílias beneficiárias do Programa
9
Para uma análise mais completa sobre os padrões de distribuição dos empreendimentos financiados pelo
Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro ver: CARDOSO,
ARAÚJO e JAENISCH (2013).
10
Todos os dados referentes a produção para o programa foram produzidos a partir de banco de dados
fornecido pelo Ministério das Cidades, contendo informações sobre todos os empreendimentos
contratados entre o início do programa em 2009 e dezembro de 2012.
11
No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 86% dos empreendimentos voltados para a Faixa 1
apresentam algum tipo de contigüidade.
12
Sobre a relevância destas questões na implementação do Programa Minha Casa Minha Vida a nível
nacional, ver: CARDOSO (2013).
4
Minha Casa Minha Vida no caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro irá se
transferir para uma área da cidade diferente do seu local de origem, com padrões de
urbanização diversos, e para uma tipologia arquitetônica distinta das quais elas estavam
acostumadas até então.
O objetivo desta comunicação é explicitar estas dinâmicas a partir de falas e
relatos de moradores de um empreendimento financiado pelo Programa Minha Casa
Minha Vida no Bairro de Campo Grande, na zona oeste do município do Rio de Janeiro.
Ressaltando que os dados aqui apresentados não têm consistência suficiente para
apresentar conclusões definitivas sobre o assunto. Trata-se apenas de um texto
exploratório cujo interesse maior é discutir esses processos de mudança na sua
complexidade, enquanto algo que impele o sujeito a qualificar sua nova condição de
vida e a ressignificar tanto sua trajetória dentro da cidade quanto suas práticas
cotidianas.
O processo de mudança para uma nova residência está aqui sendo considerado
enquanto um importante dispositivo capaz de provocar nos indivíduos a produção de
subjetividades. São processos que envolvem mudanças no contexto urbano dessas
famílias, nas transformações nas redes de solidariedade e interdependência, nos arranjos
políticos nos quais elas estão envolvidas, na gestão de suas atividades cotidianas, além
de inúmeras outras possíveis dimensões. Tratam-se de engajamentos pragmáticos, nos
quais os sujeitos precisam continuamente se constituir enquanto agentes e instituir uma
forma de agir enredada a um conjunto de possibilidades que cada situação concreta
oferece.
Processo que está sendo aqui especulado teoricamente, a partir de uma
perspectiva que tem como ponto de partida um tipo de compreensão na qual tanto
sujeito quanto objeto se constituem em cada relação específica. Não há um sujeito dado,
que dotado de suas capacidades cognoscitivas apenas apreende o mundo enquanto
materialidade inerte. Tampouco está aqui sendo considerada um tipo de perspectiva
representacional, na qual o indivíduo interpreta o que está ao seu redor enquanto um
conjunto de significantes. Em ambas estas possibilidades reside um pressuposto que
concebe indivíduo e objeto enquanto entidades ontologicamente distintas. De um lado
5
um sujeito centrado que projeta suas visões de mundo sobre um novo contexto
residencial, de outro um objeto dado no mundo que recebe determinados significados.
Não estamos aqui querendo negar aos indivíduos a importância de suas
trajetórias de vida, concepções de mundo, aprendizados ou de suas experiências
passadas. Mas trata-se de reconhecer essas dimensões da biografia enquanto forças
latentes que podem ser potencializadas em função de agenciamentos específicos. As
experiências anteriormente vividas pelos indivíduos são acionadas em cada
engajamento, mas enquanto atualizações que irão constituir novas experiências cujo
sentido não pode ser buscado além do contexto na qual ela se constituiu.
Essa perspectiva é inspirada em STENGERS (2008) que aponta para a
necessidade de adotar uma forma de compreensão pragmática dos processos sociais. As
questões que insurgem a cada indivíduo – frente a situações concretas de sua vida
cotidiana – não estão dadas a priori. Nosso exercício de compreensão (enquanto
pesquisadores) deve buscar colocar em evidência os arranjos múltiplos que envolvem os
processos de produção dessas questões e suas possíveis respostas por parte dos
indivíduos. Desta forma, a maneira como os indivíduos lidam com as restrições
impostas pela forma condominial após a sua mudança para um empreendimento
financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida não deve ser tratada enquanto uma
resposta teleológica. Cada agir desse individuo deve ser considerado enquanto arranjo
específico, que não guarda uma relação pré-determinada com nenhum tipo de
transcendência (o simbólico, a estrutura) que o determine de forma peremptória.
Trata-se de procedimentos que precisam ser constantemente inventados e
experimentados à medida que esses processos se propagam com os meios nos quais
estão envolvidos. Perspectiva na qual os processos de produção do conhecimento estão
sempre colocados em devir. Um elemento central nesta reflexão é o conceito de etho-
ecologia, no qual STENGERS (2008) e STENGERS (2011) apontam para a
inseparabilidade do ethos e do oikos, sendo o primeiro compreendido enquanto forma
de agir e o segundo enquanto habitat e a forma como esse habitat satisfaz ou se opõe às
demandas associadas ao ethos. Aqui a autora reforça sua perspectiva que tende a
valorizar os processos de produção enquanto necessidade continua de ação e reação,
frente a um meio que não é passivo nem inerte. Perspectiva que cabe ser posta em
relação com as teorizações de INGOLD (2000) e INGOLD (2005) a respeito da relação
entre indivíduo e seu meio envolvente (environment). Para o autor não há como
6
conceber o indivíduo sem o seu meio, assim como o meio só faz sentido enquanto um
processo emergente que se desenvolve ao longo da trajetória de vida do indivíduo.
Nesse sentido, o meio não deve ser considerado como um dado de natureza e sim
enquanto construção contínua, que se processa a partir da experiência e do engajamento
dos indivíduos em situações concretas. Cabe destacar que o próprio processo de
conhecimento é colocado por INGOLD (2000) não como algo abstrato e passivo, que
pode ser transmitido enquanto algo objetivo e acabado, mas como uma experiência
vivida pelo indivíduo na sua relação com o meio e que não faz sentido fora do contexto
no qual foi produzido.
As perspectivas apontadas por ambos os autores estão sendo aqui seguidas
enquanto possibilidade para explorar os processos de mudança das famílias
beneficiárias do Programa Minha Casa Minha Vida, nos quais o novo local de moradia
está sendo considerado enquanto um meio/oikos que nunca está dado nem pronto. Ou –
partindo dos termos propostos por DELEUZE E GAUTARRI (2012a) – enquanto um
processo de territorialização/desterritorialização agenciado dentre inúmeras
possibilidades pelos sujeitos. O local de moradia não como algo que “é” mas como algo
que “acontece” e nunca se concretiza de forma plena, ou, assumindo as palavras de
INGOLD (2012): não como um fato consumado cujas superfícies estão entregue à nossa
inspeção.
Estas proposições levam a sugerir uma compreensão dos processos de mudança
que os considere em sua dimensão plena (material, simbólica, sensória, afetiva)
enquanto um conjunto de possibilidades de engajamento pelos sujeitos. O sujeito se
constitui – voltando aos termos de DELEUZE e GUATTARI (2012) – atravessado por
inúmeros agenciamentos e intensidades que não devem ser compreendidos enquanto
relações de causa e efeito ou reflexos de alguma estrutura transcendente que paire sobre
eles. O sujeito e seu meio se constituem de forma simultânea e não como compreendê-
los fora dessa relação. Arranjos frágeis e instáveis que deixam de ser no mesmo
momento em que se constituem.
Estudo de caso
Esta questões que estão aqui sendo propostas, insurgiram ao longo de uma
série de experiências de campo que vêm sendo realizadas desde 2012 em
empreendimentos financiados pelo Programa Minha Casa Minha na Região
7
Metropolitana do Rio de Janeiro. Foram visitados seis empreendimentos localizados nos
municípios de Queimados, Belford Roxo e Rio de Janeiro. Eles foram escolhidos em
função de algumas variáveis que buscavam potencializar possíveis diferenças nas
percepções dos moradores sobre seu novo local de moradia, em função das formas de
acesso ao empreendimento, localização e inserção nas dinâmicas metropolitanas, ou da
faixa de renda dos beneficiários.
Nesta comunicação será abordado majoritariamente um desses estudos de caso:
o Condomínio Málaga Garden, localizado às margens da Avenida Brasil no Bairro de
Campo Grande e distante aproximadamente 50 quilômetros do centro da cidade do Rio
de Janeiro. O empreendimento foi entregue aos moradores no ano de 2010, e conta com
299 unidades habitacionais (todas com a mesma planta) distribuídas em 77 blocos que
reúnem três ou quatro sobrados geminados. A tipologia arquitetônica adotada seguiu o
modelo “condomínio fechado” – cercado por muros, com acesso controlado, vias de
circulação interna privativas, 121 vagas de estacionamento, além de áreas de lazer para
os moradores – sendo o entorno do empreendimento caracterizado por grandes vazios
urbanos e outros conjuntos habitacionais de diferentes períodos históricos, com pouca
oferta de comércios e serviços13.
13
Para uma caracterização mais detalhada ver: CARDOSO et alli, 2012.
8
O empreendimento foi enquadrado junto ao Programa Minha Casa Minha Vida
como Faixa 3, tendo sido vendido no mercado regular de imóveis pela sua construtora e
anunciado em eventos conhecidos como “Feirões da Caixa”. Nele foram selecionadas
para entrevista seis famílias, sendo que na escolha foram observados fatores como: faixa
etária, configuração familiar e antigo local de moradia, para apreender possíveis
variações em função das suas biografias e trajetórias dentro da cidade.
Resumidamente as famílias podem ser caracterizadas da seguinte forma: a) a
primeira família constitui-se em um casal sem filhos, com idade na faixa dos 30 anos,
sendo que ambos foram criados na Favela da Maré e após o casamento começaram a
buscar alternativas de compra de um imóvel próprio; b) a segunda família é formada por
um casal com dois filhos, ambos na faixa dos 40 anos, sendo que o entrevistado foi
criado no Bairro Praça Seca onde possuía imóvel próprio construído junto à casa do seu
pai; c) a terceira família constitui-se em um casal com um filho, também na faixa dos 40
anos, que cresceu em um conjunto habitacional vizinho ao atual empreendimento, tendo
depois passado por outros bairros como Vila Aliança e Padre Miguel; d) a quarta
família é formada por um casal sem filhos, na faixa dos 30 anos, sendo que ambos
foram criados nos bairros de Santa Cruz e Campo Grande, e compraram a residência
atual após o casamento; e) a quinta família é formada pela mãe e seus dois filhos, ela
com 64 anos, vinda do bairro de Vigário Geral onde possuía casa própria; f) por fim a
sexta família é formada por um casal e seus dois netos, eles com mais de 60 anos, que
ao longo da suas trajetórias de vida já passaram por diversos bairros da cidade, tais
como: Copacabana, Gamboa, Meier, Rocha Miranda, Realengo.
Centralmente foram constituídos alguns temas, considerados relevantes a partir
de elementos acionados pelos entrevistados, quando questionados sobre o processo de
mudança de seu antigo local de moradia pelo condomínio atual.
“(...) até meu irmão que tá com meus pais lá em Minas Gerais.
Ele tem 18 anos e toda vez que ele vem pra cá pro Rio eu já falo
pra ele vir pra cá [Málaga Garden] porque eu me preocupo com
ele lá [Favela Nova Holanda]. Dezoito anos, dentro de uma
comunidade onde tem drogas, tem várias coisas, tem polícia,
tem tiro, então eu prefiro que ele fique aqui comigo, fica mais
protegido” (Entrevistado nº1)
Algo recorrente nas falas dos entrevistados foi uma qualificação positiva em
relação à melhora da qualidade de vida após a mudança para o novo endereço, apesar
dos vários problemas identificados no interior do condomínio e das inúmeras
reclamações em relação ao seu entorno. Muitos dos serviços anunciados pela
incorporadora na divulgação publicitária do empreendimento – campos de futebol, salão
de festas, áreas para churrasco, áreas de lazer para as crianças, piscina – foram
11
qualificados como insuficientes para a demanda do condomínio ou apresentavam algum
tipo de defeito que impossibilitava o seu uso.
Outra crítica muito presente foi a falta de vagas de estacionamento para todos
os moradores e os constantes conflitos gerados por essa demanda. Percepções que são
marcadas por uma insatisfação em relação ao encontrado após a compra da casa, mas
que, ao mesmo tempo, são acompanhadas por uma série de qualificações positivas em
relação ao novo lugar. Além da segurança, já mencionada anteriormente, foram citadas
a tranqüilidade e as possibilidades de lazer para as crianças proporcionadas pela
tipologia “condomínio fechado”, a existência de redes regulares de saneamento, ou o
reconhecimento legal do status de proprietário do imóvel.
As relações com o entorno do Málaga Garden também foram qualificadas
como problemáticas em alguns aspectos e como positivas em outros. Os entrevistados
reconheceram a existência de comércio e serviços nas áreas do entorno imediato do
empreendimento, que atendem às necessidades básicas e cotidianas dos moradores. No
entanto, quando necessitam de algum serviço especializado (agências bancárias, cinema,
grandes supermercados, comércio, shopping centers, clínica médica, dentre outros)
precisam recorrer ao centro do bairro de Campo Grande, cujo acesso é feito por
automóvel particular ou por opões precárias de transporte público. Outra dificuldade
que os moradores afirmaram enfrentar é o considerável tempo de deslocamento no
trajeto casa-trabalho-casa.
Ressaltando que todas as famílias entrevistadas moravam anteriormente em
áreas com uma provisão muito mais ampla de comércio, serviços e acessibilidade ao
centro da cidade. A distância em relação aos seus antigos locais de moradia também foi
um elemento apontado pelos entrevistados como um aspecto negativo, pois reconhecem
que a nova localização diminui o contato com vizinhos, amigos ou parentes que
moravam próximos às suas antigas casas.
Mas apesar dessas dificuldades apontadas, nenhum entrevistado assumiu
arrependimento com a compra do imóvel ou projetou a volta para o seu antigo local de
moradia. A mudança sempre foi qualificada como positiva. Esse dado nos sugere que a
compreensão do significado dessa mudança não se limita a uma melhora objetiva nas
condições de moradia. Todas as famílias entrevistadas identificaram algum tipo de
perda – seja em termos de tempo de deslocamento para o trabalho, no tamanho da casa
ou na diminuição da oferta de comércio no entorno imediato – mas reforçam a
12
importância de terem conseguido adquirir sua casa própria e vislumbram uma melhora
progressiva futura na sua qualidade de vida.
13
“mas é muito difícil porque as pessoas as vezes não estão
acostumadas em morar em condomínio. Eu como morava em
Jacarepaguá que já conhecia condomínio entendo um pouco
mais né do que pessoas que vieram de outros lugares e que não
moravam em condomínio, é muito difícil de entender que
bicicleta não pode ficar do lado de fora de casa, que uma cadeira
não pode ficar do lado de fora” (Entrevistado nº4)
Considerações Finais
15
entrevistados da importância conferida à casa própria, frente a inúmeras outras questões
constantemente associadas a ela durante as entrevistas. É o caso da segurança gerada
pela posse, da formação de um patrimônio pessoal, da consolidação de uma vida de
recém-casados, além de formulações mais abstratas como “a possibilidade de melhorar
de vida” ou “tornar-se uma pessoa melhor”. Outros elementos também estiveram
presentes como os conflitos entre moradores, as dificuldades na gestão condominial, os
problemas na localização.
Frente a isso uma última questão merece aqui ser ressaltada, a respeito da
importância de não considerar algumas categorias associadas a este tipo de processo
social como dadas. Cidade, bairro, vizinhança ou moradia são definições que devem ser
compreendidas a partir dos engajamentos específicos que levam os indivíduos a
conceituá-las. Elas se constituem enquanto experiência. A forma como cada um dos
entrevistados qualifica seus processos de mudança para o Condomínio Málaga Garden
se constitui enquanto trama de possibilidades, que estão permanentemente se
reconstituindo frente aos agenciamentos presentes.
16
Referências
CARDOSO, Adauto (org.) O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos
territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
CARDOSO, Adauto JAENISCH, Samuel Thomas & ARAUJO, Flávia de Sousa. “The
social imaginary of home ownership and its effects: reflections about real state in
Brazil”. In: ISA RC43 Conference 2013 Book of Proceedings. Amsterdam: University
of Amsterdam, 2013.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Volume 1. São Paulo : Editora 34,
2012.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Volume 4. São Paulo : Editora 34,
2012a.
INGOLD, Tim. “Culture, nature, enviroment. Steps to an ecology of life.” In: The
Perception of the environment. Essays on livelihood, dwelling and skill. London:
Routledge, 2000.
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades
arcaicas”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
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