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FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL E EXPERIÊNCIA URBANA EM

PRESIDENTE PRUDENTE/SP
Victor Hugo Quissi Cordeiro da Silva

Introdução
Este texto está baseado nos resultados parciais alcançados em pesquisa de
mestrado, ainda em andamento e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) – processo: 2021/04735-1. Tal projeto de pesquisa busca
estudar as práticas espaciais de moradores de conjuntos habitacionais do programa Minha
Casa Minha Vida (faixa 1) e dos espaços residenciais fechados em Presidente Prudente
(SP). Para a realização deste trabalho entrevistamos citadinos residentes nestas áreas e
identificados com diferentes perfis de idade e gênero.

O processo de fragmentação socioespacial é uma possibilidade de compreendermos


como na estruturação da cidade as práticas espaciais dos citadinos definem e são definidas
no contexto urbano propenso a acentuar as desigualdades socioespaciais. É a partir deste
processo que observaremos a condição dos sujeitos que vivem em conjuntos habitacionais
do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV) (faixa 1) em Presidente Prudente/SP e
dos condomínios fechados com residências de alto valor de troca, buscando objetivar a
diferenciação e as desigualdades socioespaciais como caminho para se revelar nas escalas
do cotidiano a sua inserção na cidade, levando em consideração as diferenças entre esses
contextos socioeconômicos e espaciais distinto.

Objetivos

O presente texto tem como objetivo geral analisar se a cidade de Presidente


Prudente/SP passa pelo processo de fragmentação socioespacial. Dessa forma, analisamos
as práticas espaciais relacionadas à mobilidade de citadinos moradores de diferentes áreas
da cidade, de um lado, dos conjuntos habitacionais da faixa 1 do Programa “Minha Casa,
Minha Vida” e, por outro lado, dos espaços residenciais fechados.

Metodologias

Nesta pesquisa adotamos como procedimento metodológico a realização de


entrevistas semiestruturadas com os moradores residentes nas áreas em estudo. Para tanto,
elaboramos um roteiro prévio de entrevista, contendo temas e questões de destaque para a
compreensão do nosso objeto de pesquisa.
Resultados

Neste texto buscamos discutir o processo de fragmentação socioespacial na cidade


de Presidente Prudente. Tomando como referência Guzmán e Hernández (2013), Prévôt-
Shapira (2001), Prévôt-Shapira e Pineda (2008) e Sposito e Sposito (2020). Entendemos a
fragmentação socioespacial como um processo de aprofundamento da desigualdade e da
diferenciação socioespaciais, expressando-se de tal forma que aqueles que são "diferentes"
economicamente, culturalmente, racialmente, entre outros, passam a ter experiências
urbanas cada vez mais diferenciadas. Contribuindo para este processo, temos barreiras que
podem ser físicas, econômicas ou de outro tipo. Nesse sentido, os moradores dos espaços
residenciais "fechados" e dos dois conjuntos habitacionais do "Programa Minha Casa
Minha Vida" (MCMV, faixa 1) tendem a vivenciar a cidade e se deslocar de forma cada vez
mais desigual, formando um contexto propenso a agravamento da fragmentação
socioespacial.

O programa MCMV foi, sobretudo, uma medida econômica adotada pelo governo
do Partido dos Trabalhadores (PT), em março de 2009, com a finalidade de contrapor a
crise de 20081. Ao mobilizar recursos públicos para a construção de habitações, pretendia-
se ativar toda uma cadeia produtiva, que, por sua vez, minimizaria os efeitos cíclicos da
desaceleração econômica, gerando empregos e renda às famílias (MARICATO, 2009).
Ao mesmo tempo, almejava-se solucionar o problema do “déficit habitacional” nas
cidades brasileiras. Amore (2015) ressalta a relevância da habitação de interesse social para a
população que se encontra nas faixas de renda mais baixas e que é mais afetada pelo déficit
habitacional no país. Entretanto, os dois principais gargalos ou contradições do PMCMV,
apontados pelo autor, estavam na questão da terra e na segregação socioespacial, isto é, na
escolha de áreas periféricas e pouco integradas ao tecido urbano e carentes de
infraestruturas e serviços urbanos.
Para compreender a complexidade da produção do espaço urbano, Calixto e Redón
(2021) relatam a importância dos diferentes empreendimento destinados para públicos
distintos, como os advindos do PMCMV e dos espaços residenciais fechados de alto
padrão. Nas cidades médias a construção desses diferentes conjuntos produziu efeitos
socioespaciais que contribuíram para a redefinição da estrutura urbana, alterando o par

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Iniciada nos Estados Unidos da América, foi uma crise provocada pelo mercado de títulos, chamados de
subprimes. Não tardou para que todo o mercado financeiro e outros setores da economia fossem afetados,
causando graves consequências em toda a economia capitalista (MARICATO, 2009).
centro-periferia que marcou as cidades médias da segunda metade do século XX. Um dos
efeitos mais imediatos, apontados pelos autores, é a nova espacialização das desigualdades
nas cidades cujos vetores de promoção estão firmados nas dinâmicas imobiliárias.
De acordo com Maia et. al. (2021), quando observamos as iniciativas de habitação
social e os condomínios fechados para os públicos de rendas média e/ou alta, é perceptível
o interesse privado e público nas zonas de transição entre o rural e o urbano, promovendo
um acelerado processo de expansão da malha urbana, mesmo que em detrimento de
interesses ambientais ou sociais. Para Amore (2015) a questão da moradia passa pelo
enfrentamento do problema do financiamento (atender a demanda não solvável) e do
problema da terra (adquirir terras para incorporação imobiliária), o modelo adotado a partir
do PMCMV deixou a questão da terra para ser solucionada na esfera municipal e o
financiamento na esfera federal. Um dos desdobramentos dessa política econômica é a
reprodução do espaço como valor de troca em detrimento do espaço como reprodução da
vida.

Além do interesse privado sobre áreas da periferia da cidade, tanto nos


empreendimentos do PMCMV quanto nos espaços residenciais fechados de alto padrão,
podemos pensar em outras semelhanças entre esses distintos espaços de moradia, como o
acesso a casa própria (AMORE, 2015). Em relação a difusão de espaços residenciais
fechados, destacamos a passagem do cidadão ao consumidor que busca no mercado
alternativas para solucionar o sentimento de insegurança e medo no qual estão submetidos,
sendo real ou não essa percepção. Como alternativa individual e privada, ela é marcada
inexoravelmente pela seletividade, em outras palavras, o autoisolamento adotado pelas
camadas de renda mais alta não é uma possibilidade para todos. Em contra partida, o
cidadão-consumidor dos espaços do PMCMV não escolhe a autossegregação, está é
imposta a ele pela falta de escolhas e de recursos para acessar a casa própria sem ajuda de
programas sociais.
A desigual capacidade de deslocar-se pela cidade produz contextos e experiências
urbanas profundamente diferentes e apartadas umas das outras. Em relação àqueles que
detêm maiores recursos e veículo particular a possibilidade de produzir a sua espaço-
temporalidade é maior e menos limitada pelos constrangimentos da distância. Por outro
lado, a periferização por parte da população de baixa renda, tendo como vetor no contexto
de Presidente Prudente/SP, os empreendimentos imobiliários do PMCMV (Faixa 1),
revestem-se de um caráter segregativo e, portanto, limitador da constituição da experiência
espaço-temporal por parte de seus moradores. Novas temporalidades e espacialidades
emergem com o processo de fragmentação socioespacial, expressas e condicionadas, entre
outros fatores, pela posição ocupada pelos mais pobres na cidade e pelas novas opções
residenciais dos extratos de renda média e alta (SPOSITO; GOÉS, 2013).
Nos excertos abaixo apresentamos os relatos de moradores do PMCMV,
principalmente as falas relacionadas as dificuldades de deslocamentos. Percebemos a
situação de isolamento na qual estão inseridos e algumas estratégias de superá-las, como o
uso de carro, moto e aplicativos de mobilidade. A falta de acesso a serviços básicos está
presente na dos entrevistados e nos revelam que a despeito da aquisição da casa própria
lhes é negado o direito à cidade.
Para quem não tem como se locomover é bem difícil, tipo quem depende de ônibus é horrível
porque ele só tem um ônibus que é o Cohab [...] sofri muito quando eu era da época do
ônibus, mas hoje em dia não. Hoje em dia é tranquilo, porque moto rapidinho você está em
um lugar. Mas aqui é meio distante mesmo da cidade e dos hospitais (Natália, 23 anos,
auxiliar de produção, Jardim Panorâmico (MCMV, faixa 1), Presidente Prudente).

Como você avalia a ligação deste bairro com o conjunto da cidade?


Nesse quesito eu vejo muitas problemáticas. Primeiro que tudo é a distância, sendo que a
gente sabe que tem muitas terras pela cidade e que essa comunidade poderia ter sido inserida,
então essa distância 10 km ou 12 km por exemplo, para mim que tem... não só para mim,
mas também para o trabalhador que tem um carro, o pessoal às vezes precisa trabalhar é
mais de um tanque por mês, é uma conta absurda, absurda (Otávio, 29 anos, estudante,
João Domingos Netto (MCMV, faixa 1), Presidente Prudente).

O acesso ao centro é longe demais. Porque, praticamente, como a cidade vai crescendo o acesso
vai ficando maior ainda. Agora, aqui já está fora praticamente do centro. E o ligamento
assim... Como eu posso te falar... O problema do acesso é longe né. Porque mercados grandes,
como Muffato e Carrefour, estão bem longe (José, 50 anos, monitor de escola, Jardim
Panorâmico (MCMV, faixa 1), Presidente Prudente).

Então, lá eu atravessava a rua já estava dentro do estacionamento do Estrela, do mercado.


Banco do Brasil pertinho, que é meu banco que eu recebo. Descia quatro quadras. A
Unimed era pertinho, que tivesse que resolver alguma coisa, era pertinho. É tudo perto, casa
lotérica também perto, então eu estranhei muito quando eu mudei aqui porque para a lotérica
aqui no bairro não tem, está faltando uma lotérica, tem uma lá no Alexandrina quando a
gente precisa ter que ir até lá, para pagar algum boleto, fazer jogos né. Aí eu estranhei
(Maria, 59 anos, aposentada, Bairro João Domingos Netto (MCMV, faixa 1), Presidente
Prudente).
Podemos afirmar que há uma redefinição do par centro-periferia nas cidades
médias brasileiras, decorrente dos novos vetores do processo de urbanização. A
periferização do local de moradia dos extratos de renda média e alta colaboraram para
tornar menos evidente a definição de periferia urbana, historicamente associada a
precariedade de infraestrutura e a área de residência das camadas menos abastadas. Para
compreender essa nova e complexa estrutura urbana, que vem se constituindo nas cidades
médias, devemos considerar além dos processos de segregação e autossegregação
socioespaciais, os processos de desconcentração e reconcentração da das atividades
comerciais e de serviços, formadores de uma estrutura espacial não apenas multinucleada,
mas também, polinucleada. Whitacker (2017) contribui para o debate sobre a redefinição da
estrutura urbana, pensando as transformações da periferia e os centros da cidade,
ressaltando que atualmente devemos dissociar a ideia de que é na periferia geométrica que
se localiza a periferia social, pois cada vez mais não há uma correspondência óbvia entre
esses dois elementos. No âmbito das práticas espaciais direcionadas ao consumo e lazer,
também se observa tendência de maior separação entre as diferentes camadas sociais,
contribuindo para fragmentação socioespacial.

Referências
AMORE, C. S. “Minha Casa Minha Vida” para iniciantes. In: AMORE, C. S.;
SHIMBO, L. Z.; RUFINO, M. B. C. (Org.) Minha casa… e a cidade? Avaliações do
programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros. 1 ed. Rio de Janeiro: Letra
Capital, 2015.
CALIXTO, M. J. M. S.; REDÓN, S. M. O programa Minha Casa Minha Vida e seus
desdobramentos socioespaciais. Os novos vetores da produção do espaço em cidades
médias brasileiras: notas introdutórias. In: CALIXTO. M. J. M. S.; REDÓN, S. M. (org.) O
programa Minha Casa Minha Vida e seus desdobramentos socioespaciais: os novos
vetores da produção do espaço em cidades médias brasileiras. 1 ed. Porto Alegre:
Total Books, 2021.
GUZMÁN, R. A.; HERNÁNDEZ, S. K, M. La fragmentación urbana y la segregación
social – una aproximación conceptual. Legado, Cidade do México, jul./dez, pp 41-55,
2013.
MAIA, D. S.; MIRANDA, L. I. B.; MORAES, D. A.; SPINELLI, J.; ARAÚJO, C. M. A
expansão periférica de Campina Grande (PB): entre a habitação de interesse social e os
condomínios fechados. In: CALIXTO. M. J. M. S.; REDÓN, S. M. (Org.) O programa
Minha Casa Minha Vida e seus desdobramentos socioespaciais: os novos vetores da
produção do espaço em cidades médias brasileiras. 1 ed. Porto Alegre: Total Books,
2021.
MARICATO, E. O “Minha Casa” é um avanço, mas segregação urbana fica
intocada. Carta Maior, São Paulo, 27 de maio de 2009. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16004>.
Acesso em: outubro de 2021.
PRÉVÔT-SCHAPIRA, M. F. Fragmentación espacial y social: conceptos y realidades.
Rev. Perfiles latinoamericanos, n. 19, p. 33-56, 2001.
PRÉVÔT-SCHAPIRA, M. F.; PINEDA, R. C. Buenos Aires: la fragmentación en los
intersticios de una sociedad polarizada. Rev. Eure, vol. XXXIV, n. 103, p. 73-92, 2008.
SPOSITO, M. E. B.; GÓES, E. M. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e
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SPOSITO, E. S.; SPOSITO, M. E. B. Sociospacial Fragmentation. Mercator, Fortaleza,
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SPOSITO, M. E. B. Multi(poli)centralidade. In: SPOSITO, E. S.; SANT’ANNA
NETO, J. L. Uma Geografia em movimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 199-
228.
WHITACKER, A. M. Centro da cidade, centralidade intra-urbana e cidades médias.
In: D. S. Maia; W. R. Silva; A. M Whitacker. Centro e centralidade em cidades médias. São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2017.

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