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EXERCÍCIO NÚMERO 5:
trabalho final
Rio de Janeiro
2023
INTRODUÇÃO
Há quase dois anos em isolamento social, longe de aglomerações e isento de abraços
calorosos, vem à tona uma preocupação genuína com aqueles que não têm onde morar: a
população em situação de rua. Essa diligência se torna ainda mais autêntica, pois, no Brasil,
desenvolver políticas públicas para pessoas que se encontram nessa situação sempre foi
bastante desafiador. Além do mais, oficialmente, o país não realiza a contagem das pessoas
em situação de rua. Por outro lado, o cenário mundial criado a partir da descoberta do novo
coronavírus, bem como as demais mudanças provocadas pela Covid-19, fez com que
respostas mais rápidas fossem exigidas, justamente para que houvesse a estabilização da
situação a nível mundial — principalmente às populações com altas chances de
contaminação.
Complementando essa ideia, do ponto de vista normativo, disposto no decreto
7.053/09, o qual institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR),
as características que compõem essa população são: a) heterogeneidade; b) pobreza extrema;
c) fragilidade ou a inexistência dos vínculos familiares; d) inexistência de moradia regular; e
e) utilização de locais públicos para respectiva moradia e sustento. De todas as características
apresentadas, sem dúvida, a mais significativa é a heterogeneidade. Afinal, “todas as
pesquisas revelam que não há um único perfil da população de rua, há perfis; não é um bloco
homogêneo de pessoas, são populações” (Escorel, 2003). Assim, como principal elemento
que desponta nessa caracterização, podemos conceber a ideia de que se trata de um segmento
populacional composto por homens, mulheres, crianças, idosos, negros, brancos etc.
Por conta disso, merece um olhar mais cuidadoso a condição das pessoas em situação
de rua; afinal, elas são mais suscetíveis, naturalmente, à infecção e, graças às insalubres
condições higiênico-sanitárias, correm maior risco (Aguiar, Meireles, Rebelo & Barros,
2020). Cabe aqui, por conseguinte, considerar a grande vulnerabilidade social, com
reconhecidas dificuldades de acesso à saúde que a população em situação de rua encontra
(Hino, Santos & Rosa, 2018). Segundo Baggett et al. (2013), as pessoas em situação de rua
com idade igual ou abaixo de 65 anos têm uma mortalidade de qualquer causa 5 a 10 vezes
maior do que a população em geral. No entanto, essa disparidade pode ser aumentada com a
infecção de Covid-19 (Tsai & Wilson, 2020).
Diante desse quadro emergencial, a atenção às pessoas em situação de rua consegue
congregar todas as demandas e dramas inerentes a essa população — a qual, não raro, é
subestimada e naturalizada nas grandes cidades. Logo, a necessidade de isolamento social e
respectivo atendimento às condições de higiene para aqueles que não possuem moradia (ou
os que nem residências coletivas provisórias dispõem) e a severa e repentina limitação dos
precários meios de sobrevivência, como pequenos serviços (os chamados bicos) e doações,
são fatores que servem apenas para aprofundar o conhecimento sobre o abismo social que
esse grupo vivencia diariamente.
Além do mais, como destacou De Paula et al. (2020), sabe-se que essa população, ao
longo do tempo, vai adotando certos habitus, ainda que estes não sejam percebidos
conscientemente; afinal, o “habitus é uma noção que auxilia a pensar as características de
uma identidade social, de uma experiência biográfica e um sistema de orientação” (Setton,
2002).
Por conta disso, a questão norteadora que baliza essa pesquisa é: como a população
em situação de rua enxerga e interpreta o seu cotidiano diante do isolamento social
promovido pela Covid-19? Assim, na presente pesquisa, o autor pretende estudar mais
profundamente a interpretação e a consequente estruturação que as pessoas em situação de
rua fazem do seu cotidiano. Esse objetivo será alcançado com a utilização da pesquisa
etnográfica. Afinal, como bem observa Janice Caiafa (2019), “na etnografia a produção de
dados deriva sobretudo do enfrentamento e aproveitamento do imprevisível no trabalho de
campo”. Dessa forma, é esperado que se possa compreender, por meio da construção e
análise de diferentes narrativas, as dificuldades reais das pessoas que não podem se isolar em
casa, já que essa não é uma opção.
OBJETIVOS
A) Objetivo Geral
O objetivo geral deste trabalho é analisar como a população de rua interpreta e
estrutura o seu cotidiano em tempos de implementação de isolamento social em
decorrência à Covid-19, no Centro do Rio de Janeiro, mais precisamente no bairro da
Gamboa.
B) Objetivos Específicos
➔ Realizar uma comparação entre as ações empreendidas pelo Estado antes e durante
a pandemia voltadas à população em situação de rua;
➔ Verificar a efetividade das políticas públicas assistenciais desenvolvidas para a
população em situação de rua;
➔ Evidenciar como o registro e consequente análise de narrativas pode contribuir
para a criação de políticas públicas mais eficientes e adequadas à população em
situação de rua.
JUSTIFICATIVAS E HIPÓTESES
Ao analisar o tema mais profundamente, o autor se depara com alguns pontos que
configuram um vazio social. Fato este, inclusive, que não é difícil de perceber. Logo, o autor
encara esta pesquisa como, principalmente, uma crítica direta aos serviços públicos que são
ofertados tradicionalmente à população em situação de rua, os quais, ainda hoje, são
caracterizados por um perfil “normalizador”, pretendendo, assim, “reintegrar” socialmente
essas pessoas a partir da oferta de serviços que não levam em consideração a individualidade
dos sujeitos. Logo, a partir deste cenário, nota-se que a tônica vertida para a população em
situação de rua sempre foi baseada em uma postura estatal repressiva. Assim, concebe-se
uma nova percepção de que as pessoas em situação de rua não estão invisíveis aos olhos do
Estado e da sociedade, como se costuma configurar, principalmente na grande mídia. Elas,
por sua vez, são muito bem visualizadas; contudo, a partir de uma ótica seletiva e excludente.
No entanto, a pandemia promoveu um descortinamento ainda mais acentuado da
população em situação de rua. Afinal de contas, como recomendar isolamento social no
conforto de suas casas para uma população que sobrevive nas e das ruas? Não obstante, as
pessoas em situação de rua buscam os centros das cidades para viver porque estes espaços
oferecem facilidade, como as áreas comerciais ou com maior concentração de serviços, a
grande circulação de pessoas e as poucas residências (Carneiro, 2010).
Dessa forma, com o uso da etnografia será oportuno aproximar e debater os achados
obtidos em campo. Além disso, é justamente o modo como a população em situação de rua se
adequa neste contexto, bem como estrutura a sua vida, que move o interesse por esta
pesquisa. Mergulhar nas narrativas dentro de um contexto sociocultural pouco conhecido pela
maioria da população, mas que não pode ser deixado à deriva, será um privilégio,
principalmente ao lado de grandes nomes da Comunicação, os quais, por sinal, compõem o
corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De modo distinto do que se pode parecer, não é recente o surgimento de pessoas em
situação de rua (PSR). Isso porque, a existência dessa população, como esclarece
Marie-Ghisleine Stoffels (1977), remete à ideia de “decomposição de uma sociedade
predominantemente arcaica, inserida em um contexto greco-romano, e, por conseguinte, com
a consolidação da propriedade privada, o surgimento da economia monetária, a instituição da
escravidão, a formação das cidades-estado e a difusão do direito escrito”. Assim, a partir
desses achados históricos e de estudos etnográficos, como o de Magni (2006), conseguimos
perceber que “o indivíduo que não fosse escravizado ou que fosse deserdado do regime
escravocrata não tinha outra alternativa para sobreviver senão a prática da mendicância e
vadiagem”. Tomando esse cenário como premissa, podemos traçar um paralelo com o quadro
atual da população em situação de rua.
Segundo Natalino (2020), o número de pessoas em situação de rua no Brasil chega a
quase 222 mil pessoas. Os dados, extraídos a partir do censo anual do Sistema Único de
Assistência Social (Censo Suas) e do Cadastro Único (CadÚnico), revelam que a maior parte
dessa população (81,5%) está concentrada nas regiões Sudeste (56,2%), Nordeste (17,2%) e
Sul (15,1%). Vale ressaltar que o Brasil não realiza a contagem oficial da população que se
encontra em situação de rua a nível nacional, visto a sua diversidade territorial e as formas de
ocupação, principalmente em um país de escalas continentais (Natalino, 2020). No entanto,
Kothari (2005) nos mostra que essa é uma realidade que as fronteiras não conseguem dirimir;
afinal, dados censitários, geralmente, tendem a captar de forma equivocada populações que se
encontram em condições inadequadas de habitação. Logo, há um empecilho no momento de
inserir, de forma adequada, esse segmento nos “cenários de atenção pública” (Schuch, 2015)
e, por que não dizer, no planejamento do governo de modo geral.
Por outro lado, independentemente da pesquisa analisada, nota-se uma alta frequência
de múltiplos fatores que levam às pessoas à situação de rua. Por conta disso, apontar apenas
uma causa que corrobora essa problemática não é possível. Esses fatores, no entanto, podem
aparecer simultaneamente na história de vida da população em situação de rua (Almeida,
2020). Maria Lúcia Lopes da Silva (2009), classifica de forma ímpar essa multiplicidade de
fatores, os quais são destrinchados por Almeida (2020):
a) estruturais (tais como ausência de moradia, ausência de trabalho e renda,
crises econômicas e institucionais etc.); b) biográficos (relacionados à
história pessoal de cada sujeito, como ruptura dos vínculos familiares,
doenças mentais, dependência química etc.); c) fatos da natureza ou
desastres de massas (terremotos, acidentes ambientais etc) (Almeida, 2009).
Contudo, outro aspecto pode ser determinante para o quantitativo atual de pessoas em
situação de rua e diz respeito à forma pela qual se estruturam as sociedades, como a
brasileira, inclusive, marcadas por altos índices de desigualdade. Assim, contribuem para a
construção desse cenário: “racismo, índices elevados de concentração de renda, preconceitos,
dificuldade em acessar moradia, desemprego, retrocessos nos programas de amparo social
etc.” (Almeida, 2020). Afinal, como bem observa Cleisa Moreno Maffei Rosa:
a presença cada vez mais expressiva de pessoas que habitam em espaços
públicos das grandes e das médias cidades brasileiras não é uma questão
isolada dos problemas que ocorrem no plano internacional, nas duas últimas
décadas, referentes às mudanças intensas no mundo do trabalho e no âmbito
do Estado. Está também intimamente ligada ao modo como a sociedade
brasileira se organiza, em um processo concentrador de renda, marcado por
desigualdades sociais, conjunturas econômicas de recessão e desemprego e
agravamento das más condições de reprodução da vida urbana, como
moradia e saúde, por exemplo (Rosa, 2005).
CAIAFA, Janice. Aventura das Cidades: ensaios e etnografias. Rio de Janeiro: Editora FGV,
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