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Aporofobia socioterritorial: Estudo a partir de indivíduos em situação de

rua no município de Guarapuava/PR

BERALDO, Laysa Ogliari1


Acadêmica do curso de geografia da Unicentro
SILVA, Márcia da2
Doutora em Geografia, professora do Departamento de Geografia da Unicentro

Informar o eixo temático do trabalho: Geografia humana.

RESUMO:
O presente escrito tem como principal objetivo evidenciar a ocorrência da Aporofobia
socioterritorial na extensão do território de Guarapuava/PR, a fim de compreender as
dinâmicas sociais e territoriais da cidade, evidenciar as dificuldades enfrentadas pelos
moradores de rua e desenvolver políticas públicas para combater as diversas desigualdades
vivenciadas pela minoria social em questão. Desse modo, para a realização desse estudo,
foram divididos dois grupos de quatro discentes participantes do Grupo de Pesquisa Redes de
Poder, Migrações e Dinâmicas Territoriais que ficaram responsáveis por aplicar os
questionários em pontos municipais de maior incidência de indivíduos em situação primária
e/ou moradores de rua que estão elencados nas figuras 3 e 4. Ainda, anteriormente a aplicação
dos questionários, os acadêmicos realizaram uma instrução previa perante os moradores de
rua a respeito da dinâmica da entrevista. Assim, para os entrevistados que se dispuseram a
participar da pesquisa, foi requisitado a assinatura escrita para o preenchimento do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que oficializada legalmente a
abonação dos participantes. Em termos amplos, ainda que o desenvolver da pesquisa
cientifica deu-se a pouco tempo, os resultados materializados do estudo de meio, - 10
entrevistas respondidas-, se mostraram imprescindíveis para a concretização dos conceitos
que envolvem o objeto de estudo da pesquisa, nesse caso, a Aporofobia Socioterritorial.

Palavras-Chave: Aporofobia. Desigualdade. Pobre. Pobreza. Rua.

1 INTRODUÇÃO
O conceito de Aporofobia é um neologismo criado pela filosofa espanhola, Adela
Cortina, o termo traduzido do grego possui o significado de ‘’rejeição, aversão e/ou ódio ao
pobre’’, devido a sua condição socioeconômica. Cortina, iniciou reflexões sobre o tema em

1
Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO. E-mail: ogliarilaysa@gmail.com
2
Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO. E-mail: marcia.silvams@gmail.com

Anais da XXVII SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA “Atuação dos profissionais em Geografia: dos pesquisadores e
professores aos geógrafos com soluções socioambientais”, de 16 a 21 de outubro de 2023.
UNICENTRO-Guarapuava, ISSN – 2238-5940
2017, contudo, a autora salienta que o preconceito e o ódio referente aos pobres não são
decorrentes da modernidade, isso, porque, existem a milênios de anos, fazem parte da própria
história da humanidade, já que o colonialismo, a escravidão, a consolidação das classes
sociais e, posteriormente, do capitalismo, geraram e acentuaram fenômenos socioespaciais, a
exemplo do preconceito, do racismo, da segregação, da gentrificação e da aporofobia.
Ainda, somado a essas diferentes manifestações de exclusões sociais, o próprio Estado
de Direito, muitas vezes, reforça esssas condutas humanas preconceituosas, a partir da falta de
investimentos públicos para a construção de espaços habitacionais comunitários, bem como
repúblicas e albergues para que os individuos em situação de rua possam se utilizar com o
intuito de realizar necessidades básicas de higiente e se proteger de condições adversas de
tempo, principalmente, no periodo noturno.
Além disso, os entes governamentes têm precarizado e dificultado gradativamente o
acesso as triagens e ao tratamento de transtornos decorrentes do uso abusivo ou da
dependência do álcool e outros alucinógenos, já que os pacientes são autorizados a
permanecerem somente 15 dias no local de tratamento, o que torna o processo de
desintoxicação muito rápido, e por consequência, ineficiente, a partir do pressuposto de que o
período de abstinência do álcool e, principalmente, de entorpecentes, podem ter duração
muito superior ao período temporal citado.
Contudo, claramente, o consumo de bebidas alcoólicas e outros estimulantes não é
uma condição especifica dos moradores de rua, a diversos outros motivos que os
condicionam a vida nas ruas, mas, o vício pode ser um meio determinante da permanência,
por isso, o desenvolvimento de políticas públicas que combatam esse problema social de
maneira pacifica, eficiente e com o consentimento dos indivíduos é muito importante para que
a mudança socioeconômica deste grupo social possa acontecer de maneira gradual e concreta.
Além disso, Cortina também afirma que existem diversas outras vertentes de
preconceitos, bem como; a xenofobia e o racismo, o receio perante o estrangeiro, perante as
pessoas de outra raça, etnia e cultura. [...] assim como existem a misoginia, a cristianofobia, a
islamofobia ou a homofobia, Cortina, (2020, p. 20). Contudo, a aporofobia, é considerada
como um ascendente e, muitas vezes, o pilar que sustenta a ocorrência das demais
ramificações de preconceito, já que muitas vezes parte desses preconceitos seriam
desconsiderados se estas pessoas não fossem pobres, fato afirmado por Silva, (2023, s/p).
Diante disso, a aporofobia tem se mostrado socialmente como um problema social de grande
escala e que precisa ser discutido e combatido em campo cientifico, teórico e prático.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O embasamento teórico da presente pesquisa tem fundamento, principalmente, na
prof. e filosofa espanhola, Adela Cortina, responsável pela criação terminológica do conceito
de Aporofobia e dos principais debates acerca do tema. Adela salienta em seu livro
‘’Aporofobia, a aversão ao pobre: Um desafio para a democracia’’, que existe uma
classificação de pobreza que a preocupa mais, sendo ela; ‘’ o pobre sem vínculos com a
sociedade, o excluído, o “sem-lugar”, aquele que não tem nada a oferecer na sociedade de
troca em que vivemos’’ Cortina, (2020, p. 10.).
Tal afirmação é importante para compreender a existência dos diversos fatores que
tornam a condição de vida dos moradores de rua mais dificultosas e os obstáculos que se
encontram entre a pobreza e o acesso aos direitos humanos fundamentais, principalmente no
âmbito do direito à propriedade (moradia). Nesse sentido, a partir do pressuposto de que na
sociedade capitalista vigente o capital é o principal condicionador da vida humana, o pobre,
por não ter acesso a esse recurso, ficará a margem das relações sociais e ainda será
estigmatizado e violentado por essa condição que é inerente a sua escolha.
Baseado nisso, Silva (2023, s/p) afirma que;
A aporofobia sugere tudo isso ao pobre, mas também que a pobreza não é
apenas uma condição material, e sim uma identidade social sujeita a
discriminação e a exclusão, podendo se manifestar de diferentes maneiras,
como já exposto, inclusive culpando os pobres por sua condição e, ainda,
retratando-as como preguiçosos, irresponsáveis ou merecedores de suas
circunstâncias. É neste sentido que o conceito dado por Cortina (2017) deve
chamar a atenção para a importância de reconhecer a pobreza como uma
questão estrutural e não como uma falha individual.

Ademais, a professora dr. Marcia da Silva, também faz parte do referencial teórico do
escrito. A pesquisadora aborda a temática da Aporofobia em uma dimensão socioterritorial,
em que toma por base os territórios e espaços que são associados e estigmatizados como
lugares de consolidação da pobreza e dos pobres. Assim, o fenômeno da aporofobia territorial
pode ser entendido da seguinte forma;
A aporofobia territorial existe associada a um território (bairro, município, região)
estigmatizado por atributos impresumíveis e estereotipados, sobre os quais recaem
o descrédito, a marginalização e a exclusão social. Para Kessler (2012), a
estigmatização se estende àqueles que habitam esse território, vivenciando suas
consequências de forma diferenciada, inclusive pelo viés da aporofobia. Por outro
lado, também aprofunda a deterioração das condições de vida, dificulta ações
proativas de melhoria e produz desvantagens específicas no nível individual e
coletivo (SILVA, 2023, p. s/p).

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No território da América Latina é possível perceber a Aporofobia sócio territorial em
diversas escalas, como por exemplo na caracterização do Brasil como superior aos demais do
países do continente pela sua condição econômica, ou mesmo no íntimo do território nacional,
a exemplo da citação a seguir:
‘’o Nordeste concentra os maiores índices de pobreza, com 44,8% da
população pobre e 53% da população em extrema pobreza, de acordo com o
IBGE (2021) e, por isso, sua população é constantemente afrontada pela
população de outras regiões do país, por serem nordestinos, mas em especial
por serem nordestinos pobres, aqueles que correm o Brasil, historicamente,
em busca de melhores condições de vida, o que aprofunda o preconceito, a
cólera, a aversão, a Aporofobia ’’ (SILVA, 2023, p. s/p).

Ainda, Paulo Escobar, mestrando da USP em Mudança Social e Participação Política,


é um militante da causa dos moradores de rua há mais de 20 anos. O pesquisador produziu
diversos livros que retratam relatos da vida nas ruas de diversos indivíduos em situação de
vulnerabilidade social. Além disso, o termo Pobrefobia, derivado da Aporofobia, foi criado
por Escobar, o autor explica em uma manchete publicada no site As Botas de Judas que o
termo é utilizado para caracterizar o preconceito contra os moradores de rua na América
Latina. Escobar, (2023, s/p)3, evidencia que; ‘’com o termo pobrefobia, podemos começar a
produção de materiais sobre este mal, a partir da nossa realidade, pensando que a pobreza
atinge da mesma forma as pessoas ao redor do planeta, mas que há particularidades dos

pobres no nosso continente. ’’

Por fim, para a compreensão das demais ramificações da temática de Aporofobia, foi-
se utilizado outros conceitos, bem como a abordagem da violência urbana, a partir de Byung-
Chul Han e Regis de Morais. Ambos os autores discorrem sobre os aspectos políticos e de
organização do território:
‘’Retornemos, porém, a nossa afirmação de que o espaço é político. Será bom
ver isto de forma mais clara e exemplificada. O urbanista Auzelle faz uma
curiosa classificação dos espaços urbanos, na qual situa: a) espaços
depressivos aqueles mal cuidados ou descuidados, sujos e tristes, talvez
abandonados porque a sua exploração não fosse do interesse dos seus
proprietários; b) espaços agressivos, com ruas demasiado estreitas para o
muito povo e, além do mais, equipadas com uma parafernália de propaganda
que agride os sentidos de várias maneiras, para não se falar de ruas mais

3
Disponível em: https://judasasbotasde.com.br/opiniao/pobrefobia/. Acesso em: 12 de setembro de 2023.

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amplas nas quais se teme a ousadia dos automóveis; c) espaços depreciativos
contrapostos aos valorativos; se morar em tal bairro confere importância
social, morar em outro confere insignificância e pode mesmo despertar
preconceitos ruins; d) espaços absurdos, os que fogem aos nossos mais
elementares controles e realmente carecem de qualquer sentido de vida para
nós.’’ (MORAIS, 1981, p. 34).

A citação acima evidencia que é possível observar a aporofobia espacializada nas


cidades a partir do investimento que os setores governamentais direcionam para determinados
bairros. Nesse sentido, é nítido que as regiões onde os ricos habitam possuem uma melhor
infraestrutura urbana, bem como uma pavimentação mais adequada, iluminação, coleta de
lixo regular e até mesmo mais áreas de lazer para a população. Em contraponto, os bairros
periféricos e que estão situados longe das áreas centras das cidades, possuem uma arquitetura
precária, muitas vezes sem acesso a tratamento de esgoto, água tratada e energia elétrica.

2.1 ENTREVISTAS REALIZADAS NA CIDADE DE GUARAPUAVA/PR

A partir das apreciações elencadas sobre o objeto de estudo deste artigo, foi realizado
um estudo de meio para averiguar as dinâmicas e o acontecimento prático da aporofobia
socioterritorial na cidade de Guarapuava/PR. Para isso, desenvolveu-se um roteiro dos
principais pontos urbanos a serem percorridos para executar a aplicação dos questionários e
entrevistas perante os moradores e indivíduos em situação de rua.
O questionário aplicado constituía-se de diversas perguntas que serão explicadas
detalhadamente a seguir, sendo a primeira delas; ‘’há quanto tempo você é morador de rua e
como chegou a essa condição? ’’ Em relação ao tempo de habitação nas ruas, 4 dos
entrevistados relataram que se mantinham em condição de rua há cerca de 18 a 25 anos,
outros 4 entrevistados relataram estar entre 13 a 7 anos habitando nas ruas, um único
entrevistado relatou que permanecia a 5 anos nas ruas e apenas um indivíduo encontrava-se
em situação de rua primária, a cerca de 3 meses.

O 3º Levantamento nacional sobre o uso de drogas na população brasileira,


realizado pela FIOCRUZ, aponta que as classes menos favorecidas e
intermediárias são as mais atingidas pelo consumo frequente de drogas, mas
as classes média e alta também concentram grandes quantidades de
consumidores. (Terra.com, 2020, p. s/p).

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Contudo, apesar dos indicadores mostrarem um padrão de consumo de drogas líticas e
ilícitas por indivíduos pobres, atualmente, a um movimento crescente de jovens e estudantes
de diferentes classes sociais que passaram a consumir alucinógenos, o que pode refutar essa
tese que relaciona o pobre com o uso de drogas.
Outra questão permeada no decorrer nas entrevistas foi a influência das desavenças
familiares com a passagem dos indivíduos entrevistados para a condição de moradores de rua,
isso, porque, as brigas familiares muitas vezes ocasionam a expulsão ou mesmo a saída
voluntária da moradia familiar, de algum dos envolvidos, na maior parte das vezes, do
homem. Por fim, o desenvolvimento de doenças psiquiátricas também pode estar
correlacionado com a passagem dos indivíduos para a condição de moradores de rua, já que
muitas vezes a falta de recursos financeiros para realizar um tratamento psicológico ou
psiquiátrico de qualidade, ou mesmo a falta de apoio familiar, podem leva-los a essa
condição.
Diante dos fatos expostos, os motivos que conduziram os moradores de rua a essa
condição social podem ser elencados em; Problemas familiares; Perda de parentes próximos
que acarretaram no desenvolvimento da depressão e do alcoolismo; Perda dos pais no período
da infância, que o levaram a condição de órfão e, posteriormente, de morador de rua e uso de
entorpecentes, com ênfase no craque, e bebidas alcoólicas.
O questionamento seguinte permeia a ligação entre o a aporofobia e o território, sendo
ele: ‘’ você percebe que a depender da área da cidade que você está o preconceito diminui ou
aumenta? Quais são essas áreas? Como isso acontece? O senhor (a) pode detalhar? ’’. Por ser
uma pergunta complexa, os participantes mostraram maior dificuldade em respondê-la, alguns
deles não conseguiram comentar sobre este questionamento, vários responderam que o
preconceito acontece de forma uniforme em todo o território municipal, e outros três
entrevistados discorreram que nunca sofreram nenhum tipo de preconceito em Guarapuava,
sendo que um deles, relatou sentimentos de afeto em relação a população local; ‘’A onde eu
vou, sempre sou bem recebido, todo mundo me ama. ’’
Ademais, outros três participantes afirmaram que a aporofobia na área central da
cidade acontece de forma mais intensa, fato evidenciado na figura 2, muitos moradores são
ofendidos verbalmente, fisicamente tanto pela população em termos amplos, quanto por
profissionais de segurança. Além disso, a própria arquitetura local transparece hostilidade,
bem como é evidenciado na figura 5 e 6, já que no decorrer do campo visualizamos diversos

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conjuntos de dispositivos construídos que têm por finalidade dificultar o acesso e impedir a
permanência de pessoas em espaços público, principalmente, daquelas que estão em condição
de rua. Esse tipo de arquitetura é construído com o intuito de afastar os indivíduos pobres dos
espaços centrais, justamente porque a permanência dessa população acaba por diminuir o
valor dos imóveis da região.
Ainda em relação a descriminação, os moradores de rua relataram que,
constantemente, são ignorados e ofendidos ao passo que as pessoas evidenciam possuir muito
medo e receio de serem assaltadas por eles. As agressões físicas também são incessantes, um
entrevistado relatou como se dá a ocorrência desses ataques; ‘’aqui os polícia são muito mal,
entende? Quando você ta dormindo em um local, quando você não é bem-vindo em um local
e eles te pegaram, eles te arrebentam. Sem você estar fazendo nada. Se você estiver pedindo
um prato de comida, eles já descem da viatura e te batem. Eu apanhei ontem e anteontem da
polícia e estou a 5 dias aqui...A mesma viatura parou e me levou pra não sei aonde, pro
Jordão... ‘’. Outros dois participantes comentaram que sofreram agressões físicas por
vigilantes noturnos enquanto estavam dormindo, sendo que um deles chegou a perder seus
dentes incisivos e ainda estavam com os hematomas decorrentes do acometimento.
Houveram, também, outros informes que demonstram a aporofobia vivenciada pelos
moradores, como a falta de auxílio dos competentes e responsáveis que trabalham na
prefeitura e no CREAS. Os grupos relataram que, muitas vezes, as doações de vestimentas
realizadas pela população municipal não são repassadas e quando os moradores vão buscar
novas roupas, os profissionais oferecem calças e camisetas do gênero oposto. Ainda, a falta de
oportunidades de empregos também é um obstáculo enfrentado pelos indivíduos em situação
de rua.
A pergunta a seguir, também é voltada para a questão espacial e territorial da
aporofobia, sendo ela; ‘’em qual bairro da cidade você costuma ficar? ’’ Em âmbito geral, os
moradores de rua preferem frequentar as praças locais, principalmente a Praça Juscelino
Kubistchek e a Praça Cleve. A área central também é bastante frequentada, os entrevistados
discorreram que também ficam próximos a caixa econômica e a rua 9 de Dezembro. Por fim,
um morador comentou que costuma residir na Rodoviária municipal, bem como é exposto na
figura 1.
As respostas, inicialmente, parecem contraditórias, já que os locais de maiores
indicadores de aporofobia coincidem com os locais mais frequentados. Contudo, a hipótese
elencada até o momento é de praça Juscelino Kubistchek e as áreas centrais são mais

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favoráveis para os moradores frequentaram durante o dia, já que há maior incidência
populacional dos graduandos que estudam em frente à praça e dos demais trabalhadores
comerciais urbanos, assim, a mais chances de os mesmos conseguirem auxílio financeiro e
alimentar. Ao passo que no período noturno, as praças da cidade também são mais
convidativas para o repouso, já que possuem bancos e gramas para dormir e árvores e
arbustos que auxiliam no isolamento de ventos e chuvas.
Além disso, a uma segunda hipótese em analise que discute a possibilidade de os
moradores permaneceram em locais centrais apenas até a obtenção de alimentos ou demais
auxílios e logo migrarem para as praças citadas, já que possuem menor movimentação
populacional e a chance de vivenciarem preconceitos será diminuída. A hipótese também
pode ser justificada a partir da observação realizada no estudo de meio exercido no feriado do
dia 07 de setembro, em a cidade estava mais movimentada. No decorrer da aplicação da
pesquisa, foi possível notar que a população de classes mais abastadas costuma se utilizar de
outros espaços públicos para o lazer, bem como o Parque do Lago e a Lagoa das Lágrimas,
locais onde não foram encontrados nenhum morador de rua, fato que afirma tanto a
aporofobia territorial, como o sentimento de não pertencimento que os moradores de rua
sentem com alguns espaços em que eles, evidentemente, não são bem recebidos pela
população.

2.1.1 Possíveis políticas públicas a serem desenvolvidas para combater a aporofobia

No decorrer da entrevista, os participantes também discorreram sobre as melhorias e


políticas públicas que o Estado e os políticos do município de Guarapuava poderiam
desenvolver em prol dos moradores de rua. Vários deles explanaram a necessidade de serem
construídas mais estabelecimentos para o tratamento de vício, bem como casas de recuperação
e albergues para a moradia. Além disso, a oferta de trabalho também é muito solicitada, os
moradores comentaram que a prefeitura poderia oferecer trabalhos de reciclagem ou outros
serviços para que os mesmos pudessem aumentar a renda mensal e, por consequência, ampliar
as possiblidades da saída da condição de rua.
Em relação ao combate da aporofobia socioterritorial, é importante, primeiramente,
que a população local se conscientize e combata a ocorrência desse preconceito. Os
profissionais públicos que trabalham no setor de segurança, têm apresentado uma conduta que
é inadmissível e desumana e a punição precisa ser efetivada o quanto antes, para que os

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moradores de rua possam transitar pela cidade com segurança e sem restrições. A construção
e permanência dos ordenamentos de arquitetura hostil localizados na área central de
Guarapuava, também devem ser proibidas, já que são caracterizadas como uma vertente da
aporofobia e prejudicam a estadia, a circulação e a qualidade de vida dessa minoria social.
Ainda, Cortina afirma que a aporofobia é inerente ao ser humano, pois a aversão aos
pobres é uma conduta ensinada desde a infância que se sucede durante todo o decorrer da
vida.

Dentro de cada ser humano existem tendências em conflito, que não se


articulam harmonicamente e que entram em colisão em momentos de tomada
de decisões. “Em realidade, los cerebros se componen de partes em conflicto,
se comportam como un equipo de rivales” (CORTINA, 2017, p. 46). O mais
importante, entretanto, é reconhecer que cada um dos seres humanos pode
abrigar sentimentos diversos que estão em luta internamente, sendo essencial
conhecer e reforçar aqueles sentimentos que valem a pena. A identidade inata
do ser humano predispõe os indivíduos a desenvolver tendências evolutivas
universais que acarretam problemas ao longo da vida, na medida que entram
em contradição entre si. Cortina (2017) indica que a identidade neural
humana faz das pessoas sociais e individualistas, na medida que o auto
interesse, a orientação de controle, a dissociação, a simpatia seletiva, a
empatia e a xenofobia entram em conflito (ZEIFERT; MACHADO;
AGNOLETTO, 2019, p. 640).

Assim sendo, Adela se baseia na estrutura cerebral humana para justificar a


possibilidade e a necessidade de combater os preconceitos que são impostos socialmente e
fixados na psique de cada ser humano. A autora pontua que o nosso cérebro é bioplástico, ou
seja, suscetível a alterações, e por razão disso o combate as discriminações e o acolhimento
dos indivíduos que se encontram em condições socioeconômicas menos favorecidas pode ser
estimulada neurologicamente. Essa discussão já tomou forma a alguns anos, marcos jurídicos
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Decreto nº 7.053, de 2009, que
instituiu a política nacional para a população em situação de rua e, posteriormente, a
promulgação da Lei padre Júlio Lancellotti, em 2022, que proíbe a arquitetura hostil, são
exemplos claros das alterações sociais, que passam a tender gradativamente a solidariedade e
a garantia dos direitos humanos.
Assim sendo, o desenvolvimento de políticas públicas para a população em situação
de rua é bastante recente, existem diversos mecanismos jurídicos teóricos que foram
desenvolvidos para atenuar o preconceito e as dificuldades enfrentadas por essa minoria
social, mas em termos práticos, poucos regulamentos são materializados, fato que evidencia a
insignificância que o pobre tem socialmente. Outra comprovação disso, é o projeto recente de

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modernização de 5 praças guarapuavanas, que passarão a contar com “pet places”. A
manchete a seguir, que leva o título de “Em respeito aos animais, Guarapuava terá cinco ‘Pet
Places’”, retirada do site4 da Prefeitura Municipal, comenta brevemente sobre o projeto
estadual:

[...] seguindo o projeto de modernização e melhorias em todos os setores da


cidade, em breve, os tutores de animais de estimação de Guarapuava contarão
com espaços adequados ao lazer de seus amigos de quatro patas. Inédito em
locais públicos do município, foram licitadas obras para a construção de
cinco “pet places” em áreas abertas, como praças e parques. O acesso a esses
espaços será gratuito. Com isso, todas as pessoas que possuam animais de
estimação poderão levá-los a esses locais para longas horas de diversão, sem
se preocuparem com acidentes ou fugas, por exemplo (PREFEITURA DE
GUARAPUAVA, 2023).

Claramente, é importante construir espaços que dinamizem e facilitem o lazer dos


animais domésticos, mas arquitetar um projeto de mais de 30 milhões destinado a eles,
enquanto pessoas que estão em condições de vida desumanas, enfrentam preconceitos e
agressões físicas e verbais diariamente, não possuem sequer um espaço para dormir, é
inaceitável. Os indivíduos e moradores que estão em situação de rua, também merecem
respeito, assim como merecem que seus direitos sejam atendidos e resguardados.

2.3 METODOLOGIA

O presente trabalho advém de uma pesquisa de iniciação cientifica que tem como
proposito averiguar a aporofobia socioterritorial no município de Guarapuava/PR e ainda se
encontra em andamento, mais especificamente, na etapa inicial. Nesse sentido, a metodologia
deste trabalho científico possui enfoque quali-quantitativo, isso porque, apesar de contar com
a aplicação e interpretação de questionários e entrevistas com pessoas em situação de rua, a
análise dos dados leva em consideração as subjetividades e os nuances que não são
quantificáveis. Ainda, em relação as técnicas e procedimentos, o artigo foi amparado em
pesquisas bibliográficas, bem como leituras sobre a temática da aporofobia e da geografia
política, do conceito de território e dos direitos fundamentais e no estudo de campo, em que
foram coletadas e analisadas informações coletadas diretamente com os indivíduos em
situação e moradores de rua.

4
Disponível em: https://www.guarapuava.pr.gov.br/noticias/em-respeito-aos-animais-guarapuava-tera-cinco-pet-
places/. Acesso em: 13 de Setembro de 2023.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Figura 1 – Locais de permanência das pessoas em situação de rua – Guarapuava/PR.

Fonte: Trabalho de Campo (2023).


Elaboração Cartográfica: Laysa Ogliari Beraldo.

Figura 2 – Bairros com maior índice de aporofobia – Guarapuava/PR.

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Fonte: Trabalho de Campo (2023).
Elaboração Cartográfica: Laysa Ogliari Beraldo.

Figura 3 – Percurso do Grupo 1 – Guarapuava/PR.

Fonte: Trabalho de Campo (2023).


Elaboração Cartográfica: Laysa Ogliari Beraldo.

Figura 4 – Percurso do Grupo 2 – Guarapuava/PR.

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Fonte: Trabalho de Campo (2023).
Elaboração Cartográfica: Laysa Ogliari Beraldo.

Figura 5 – Arquitetura Hostil no Centro de Guarapuava/PR

Fonte: Trabalho de Campo (2023).


Autoria: Alison Diego Buava.

Figura 6 – Arquitetura Hostil no Centro de Guarapuava/PR

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Fonte: Trabalho de Campo (2023).
Autoria: Alison Diego Buava.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como citado anteriormente, a seguinte pesquisa iniciou-se a pouco tempo e ainda está
em andamento. Por decorrência disso, até o momento encaminharam-se grande parte das
principais leituras que abordam a temática da aporofobia, e outras que estão relacionadas com
conceitos e temáticas envolvidas ao objeto central da pesquisa. Além disso, um estudo de
meio foi desenvolvido a fim de coletar dados e informações tanto para compreender como se
dá a temática da aporofobia em dimensão socioterritorial quanto para iniciar a produção de
escritos que serão publicados e apresentados em eventos, como na XXVII Semana acadêmica
de Geografia da Unicentro e no Congresso IV Congresso Brasileiro de Geografia Política,
Geopolítica e Gestão do Território (CONGEO).
Dessa forma, a análise dos dados coletados ainda se prolongará por mais um período
temporal, pois o questionário que está em processo de aplicação é bastante denso e variado, o
que requer tempo para a investigação das dinâmicas do fenômeno e para a produção dos
materiais didáticos da pesquisa. Posteriormente, novos roteiros de aplicação dos questionários
serão elaborados e efetuados na extensão do território de Guarapuava/PR para que a coleta de
dados seja realizada novamente.

Anais da XXVII SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA “Atuação dos profissionais em Geografia: dos pesquisadores e
professores aos geógrafos com soluções socioambientais”, de 16 a 21 de outubro de 2023.
UNICENTRO-Guarapuava, ISSN – 2238-5940
Finalmente, tal pesquisa tem se mostrado de uma complexidade notória, já que aborda
uma dinâmica social que permeia gerações, conceitos, culturas, identidades e paisagens muito
diversas e contraditórias. Contudo, compreender os motivos que levam os indivíduos a
viveram nas ruas e como funciona a espacialização destes é um trabalho importante para
combater a aporofobia em diferentes territórios e auxiliar os moradores de rua a acessar seus
direitos, os recursos públicos e condições de vida mais humanas.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Tereza Serrate. A aporofobia e o racismo nas prisões brasileiras. Editora


Dialética, 2022.
CORTINA, Adela. Aporofobia, el rechazo al pobre: un desafío para la democracia.
Alianza Editorial, 2013.
HAN, Byung-Chul. Topografia e violência. Ed. 1º. Editora Vozes. 2017.
MORAIS, Regis de. O que é violência urbana. Ed. 1º. São Paulo: Editora Brasilienses. 1981.
BAGETTI ZEIFERT, Anna Paula; STURZA, Janaína Machado; AGNOLETTO, Vitória.
Políticas públicas e justiça social: uma reflexão sobre o fenômeno da aporofobia
proposto por Adela Cortina. Revista Meritum. Vol. 14, Nº 2, 2020.
SILVA, Márcia da. (2023). Aporofobia sócio territorial: a Geografia Política
contemporânea como fórum de discussões (e ações) sobre poder, desigualdade, opressão
e democracia. No prelo.
ESCOBAR, Paulo. Pobrefobia. As botas de Judas. 2023. Disponível
em: https://judasasbotasde.com.br/opiniao/pobrefobia/. Acesso em: 12 de Setembro de 2023.

Anais da XXVII SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA “Atuação dos profissionais em Geografia: dos pesquisadores e
professores aos geógrafos com soluções socioambientais”, de 16 a 21 de outubro de 2023.
UNICENTRO-Guarapuava, ISSN – 2238-5940

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