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Cultura Brasileira

Contemporânea
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APRESENTAÇÃO

Olá, aluno! Bem-vindo à disciplina.

Esta disciplina pretende apresentar a você um pouco do conhecimento da cultura brasileira a partir
de conhecimentos elaborados pela Antropologia cultural (o estudo do homem enquanto um ser cultural)
e Sociologia (o estudo da sociedade), levando a uma viagem a partir dos antecedentes históricos que
resultaram na formação de nossa cultura e da identidade de nosso povo.

Assim, conforme for explicando o desenvolvimento da história da nossa sociedade, você poderá
compreender como a sociedade contemporânea, foi sendo criada; poderá entender melhor nossa
condição de seres humanos; analisar os efeitos da globalização, bem como compreender a diversidade
da sociedade e da cultura brasileira.

Para que possa compreender melhor do que trataremos, apresento-lhe, agora os conteúdos os quais
serão expostos aqui, para que tenha um panorama do estudo que realizará:

• Conceitos antropológicos básicos à compreensão da cultura brasileira, de sua diversidade cultural


e a questão do etnocentrismo.

• Os principais antecedentes históricos da construção da sociedade brasileira e a relação com a


formação cultural.

• As principais características da formação cultural brasileira.

• A influência de significativos movimentos culturais.

• As principais características das produções culturais nos séculos XX e XXI.

• A diversidade cultural contemporânea: as culturas brasileiras.

• A mundialização cultural, a cultura brasileira e a identidade cultural na pós-modernidade.

Esta disciplina pretende apresentar a você, aluno, um pouco da cultura brasileira, levando a uma viagem a
partir dos antecedentes históricos que resultaram na formação de nossa cultura e da identidade de nosso povo.

A sociedade modo de produção capitalista é formada pela estrutura de classes sociais. Estas classes
se relacionam a partir do momento da produção. Isto é, no momento em que o dono da empresa,
chamado de capitalista, contrata o trabalhador, que a partir de agora chamaremos de proletário.

É justamente no momento da relação social entre as pessoas, as classes, que você vai usar o
conhecimento adquirido em Ciências Sociais (sociologia, antropologia, ciências políticas) para uma
visão das relações sociais orientada pelas várias perspectivas que o conhecimento lhe concede como
formas de analisar o mesmo fenômeno. Isto é, a nossa sociedade, que é marcada pela desigualdade
entre os seres humanos.
3
Desta forma, esse conhecimento vai levá-lo a refletir sobre as desigualdades e as contradições
existentes, levando-o a entender melhor as relações entre os seres humanos, principalmente a relação
de poder (ALVES; BARROS, 2007). É nesse ponto que entra a Ciências Sociais, para ajudá-lo a entender
a desigualdade social, a diversidade cultural e as relações de poder. A distinção entre os povos está
presente na história da nossa sociedade desde o período colonial. As relações de trabalho na sociedade
capitalista ultrapassaram o processo de obtenção de riqueza a partir da exploração do trabalhador,
utilizando como elemento fundamental as outras relações sociais e culturais.

Em nosso país, a origem de uma pessoa sempre acompanhou a questão do trabalho, tornando-se
um adjetivo do trabalhador. Assim, existe o trabalhador índio, negro, italiano, imigrante, denotando
diferenciações entre eles e chegando ao ponto de os seres humanos serem classificados quanto superior
e inferior, segundo suas características biológicas, geográficas, econômicas, culturais e sociais.

Assim, conforme for explicando o desenvolvimento da história da nossa sociedade, você poderá
compreender como a sociedade contemporânea (atual) foi sendo criada; poderá entender melhor nossa
condição de seres humanos; analisar os efeitos da globalização, bem como compreender a diversidade
da sociedade e da cultura brasileira, que é o contexto no qual exercerá sua profissão.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Unidade I
MÓDULO 1

TEXTO I – Conceito de cultura

Vamos começar entendo o conceito de cultura!

De maneira geral e resumida, cultura pode ser entendida como o conjunto da produção simbólica de
qualquer grupo e sociedade (e a relação com sua respectiva produção material). Cultura é uma dimensão do
processo social, que diz respeito a tudo que caracteriza uma população humana, a todos os aspectos de uma
determinada realidade social, ao conjunto dos conhecimentos, ideias, crenças e como eles se manifestam
na vida concreta, em suas mais diversas formas de manifestação, incluindo todos os aspectos materiais e
não materiais. Cultura é o conceito considerado o ponto de partida para essa análise. Evidentemente que
essa produção cultural não pode ser desvinculada dos demais aspectos estruturais da sociedade, ou seja,
da íntima relação que possui com o mundo econômico e político da mesma.

Falarei um pouco da Antropologia, porque essa é a ciência que estuda o homem (antropos = homem;
logia = estudo) e ela que nos leva a entendermos o conceito de cultura, já que essa é seu objeto de
estudo, tanto na perspectiva etnocêntrica como na relativista.

A Antropologia não consiste simplesmente em levantar sistematicamente os aspectos da cultura de


uma sociedade. Esta ciência se preocupa em apresentar como esses aspectos estão relacionados entre
si, demonstrando a especificidade, a particularidade desta sociedade, isto é, a sua totalidade, o que nem
sempre é colocado no papel. São coisas como os menores gestos, as trocas simbólicas e os menores
comportamentos e atitudes de um grupo, de um povo.

Assim, na busca de interpretar as diferenças entre os grupos humanos, a cultura exerce papel
fundamental para o olhar antropológico, já que esta passa a ser compreendida como prática significante
que distingue o homem da natureza, o homem do animal, além de ser responsável pelas diversas formas
de visões de mundo. A cultura é apreendida por meio das experiências que os seres humanos realizam
como membros da sociedade. Nesse primeiro momento, entenda cultura como nossa maneira de pensar,
sentir, agir e todas nossas produções, materiais, intelectuais, espirituais, em sociedade.

Trata-se de uma ciência que estuda a composição das sociedades, isto é, a formação de todas
as culturas que compõem a humanidade em sua diversidade histórica. Assim sendo, como ciência, a
Antropologia ocupa-se da análise das diferenças culturais.

Para os cientistas do passado, era comum buscar explicações sobre as diferenças de comportamento
entre os homens, usando como referência as variações dos ambientes físicos e dos aspectos biológicos.
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Unidade I

Com o decorrer do tempo, esses estudiosos chegaram à conclusão que as diferenças de comportamento
entre os homens não poderiam ser explicadas a partir das diversidades geográficas ou biológicas, visto
que o comportamento dos indivíduos depende muito mais de um aprendizado que se adquire durante
o convívio social. Este processo foi chamado de “endoculturação”, ou seja, um menino e uma menina
agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas por causa de uma educação diferenciada
que recebem em sua sociedade (LARAIA, 2004).

Por essa concepção, o homem é o resultado do meio cultural em que é socializado. Ele é um
herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas
numerosas gerações que o antecederam.

Mas, nem sempre foi entendido assim, no período do Renascimento, com a exploração de locais
até então desconhecidos, como o Novo Mundo, a América, a grande questão que se colocou a partir
do confronto visual com a alteridade (as características do outro), com os que eram diferentes dos
europeus, foi justamente se os seres encontrados pertenciam à humanidade.

As diferenças culturais das sociedades nem sempre apareceram como um fato. Na maioria das vezes
eram vistas como aberrações, necessitando de justificativa.

Laplantine (1991) nos lembra de que, na antiguidade grega, os homens de cultura diferente eram
chamados de bárbaros, já que não faziam parte da helenidade (da sociedade deles). No Renascimento
(séculos XVII e XVIII), os homens que não eram pertencentes à cultura europeia eram chamados de
selvagens, os seres da floresta, apresentando-se como oposição à humanidade. Porém, no século XIX, o
termo que será utilizado é o primitivo, que, no século XX, será substituído pelo subdesenvolvido, muito
utilizado ainda hoje.

O mesmo autor (1991, p. 37-38) afirma que, no período do Renascimento, o critério que atribuía o
estatuto de humano era o religioso, isto é: “O selvagem tem uma alma?”.

Essa forma de agir, de expulsar da cultura, isto é, para a natureza aquele que não participa da
nossa humanidade é, segundo Lévi-Strauss, o que mais caracteriza os verdadeiros “selvagens” (apud
LAPLANTINE, 1991, p. 40).

Assim, a partir do século XIV, os europeus vão utilizar critérios para conceder aos índios o estatuto
de humanos. Além do critério religioso, isto é, que consistia no questionamento sobre “se o índio tinha
alma” – e naquele momento a resposta foi negativa –, os mesmos foram colocados como “sem religião”
e ainda como “diabos”. Além deste, ainda utilizaram os seguintes critérios para a figura do mau selvagem
(LAPLANTINE, 1991, p. 41): “a aparência física: eles estão nus ou ‘vestidos de peles de animais’; os
comportamentos alimentares: eles ‘comem carne crua’, e é todo o imaginário do canibalismo que irá
aqui se elaborar; a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam ‘uma
língua ininteligível’”.

Desta forma, por não acreditarem em Deus, não ter alma, não falar a linguagem dos europeus, tendo
uma aparência diferente deles e por apresentarem-se alimentando como animais serão chamados de
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

selvagem. Serão vistos como os demais animais e não como seres humanos já que eram seres “sem
moral, sem religião, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte,
sem passado, sem futuro” (LAPLANTINE, 1991, p. 41).

Na segunda metade do século XIX, na Europa, a Antropologia, como também a Sociologia (socio =
sociedade; logia = estudo, ou seja, o estudo da sociedade) começam a dar seus primeiros passos. As duas
começam em um mesmo contexto histórico e em uma mesma região, devido às várias mudanças sociais,
econômicas e políticas trazidas pela Revolução Industrial, ou seja, pelas transformações que esta trouxe
e que deu origem ao modo de produção capitalista, mais conhecido por sociedade capitalista.

O modo de produção capitalista não se manteve apenas na Inglaterra e no continente europeu. No


século XIX houve a expansão colonialista, que estava em curso desde o mercantilismo do século XV
(quando o Brasil foi colonizado).

Essa nova expansão das colônias, do século XIX, é chamada de neocolonialismo (novo colonialismo)
ou imperialismo, já que é o momento em que a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Bélgica, a Itália e os
Estados Unidos, grandes potências industriais vão formar grandes impérios econômicos conquistando
e influenciando novos continentes. Dirigiram-se para os continentes da África, da Ásia, da América e da
Oceania dominando e explorando esses povos.

Os Estados Unidos, no século XIX também estava industrializado, já é capitalista, porém sua expansão
territorial não se dava para fora, mas internamente, já que “fazia um movimento do leste para o oeste,
provocando o contato dos colonos com diferentes sociedades indígenas nativas”. (SANTOS, 2005, p. 21)

Lembre-se dos filmes onde os soldados norte-americanos protegiam os colonos brancos que
desbravavam o território americano com suas carroças e avançavam adentrando o território dos
peles-vermelhas.

É partir destes aspectos econômicos e políticos que serão refletidas as noções e teorias da Antropologia
que estava surgindo. Assim, a ciência resultante deste contexto é chamada de “antropologia de gabinete”,
já que os antropólogos ficavam em suas salas elaborando as teorias a partir dos relatos dos viajantes,
comerciantes, religiosos, militares, exploradores, administradores da colônia etc. Assim, sua produção
estava centrada nas descrições dos locais e dos povos que as habitavam, mostrando o quanto esses eram
diferentes dos europeus.

Na busca de interpretar as diferenças entre os grupos humanos, a cultura exerce papel fundamental,
esta passa a ser compreendida como a que distingue o homem da natureza, o homem do animal.

O conceito antropológico de cultura é assim construído pelas questões da unidade biológica e


a grande diversidade cultural da espécie humana. Para os cientistas do passado, era comum buscar
explicações sobre as diferenças de comportamento entre os homens, usando como referência as
variações dos ambientes físicos e no seu aparato biológico.

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Unidade I

De acordo com Laraia (2004), a primeira definição de cultura que foi formulada do ponto
de vista antropológico pertence a Edward Tylor, em seu livro Primitive Culture (1871). Tylor
demonstrou que a cultura pode ser o objeto de um estudo sistemático, isto é, cientifico, pois se
trata de um fenômeno natural que possui causas e regularidades permitindo um estudo objetivo
e uma análise capaz de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução
da sociedade.

Para entender a evolução social, primeiro precisamos entender o evolucionismo biológico. Darwin é
o teórico mais conhecido quando se fala em evolução das espécies. No evolucionismo a ideia central é
a de que os seres vivos evoluem dos “mais simples” para os “mais complexos”, como pode ser visto na
explicação de Guerriero (2004, p. 12-13):

[...] Hoje sabemos que os primeiros animais viveram nas águas dos
oceanos há 700 milhões de anos. Depois de 300 milhões, alguns tornaram
anfíbios e depois conquistaram as terras. Por volta de 200 milhões de
anos atrás, surgiram entre os vertebrados os animais de sangue quente
que alimentavam seus filhotes a partir de glândulas mamárias. A extinção
dos dinossauros (há aproximadamente 65 milhões de anos) permitiu a
rápida evolução dos mamíferos. De animais diminutos e ameaçados por
seus predadores, passaram a dominar os territórios. Dentre os mamíferos
surgiram, há 70 milhões de anos, os primatas, também chamados
de prossímios. Estes desenvolveram habilidades de saltar entre as
árvores, possuindo para isso uma visão aguçada e tridimensional, com
os olhos próximos e na fronte. Os primatas logo evoluíram. Algumas
características então existentes entre os prossímios seriam determinantes
posteriormente. Suas mãos e pés permitiam-lhes agarrar as árvores por
onde pulavam. Desenvolveram, para isso, unhas e dedos polegares em
posições opostas aos demais, e habilidade para permanecerem eretos por
alguns instantes para procurarem a presença de inimigos. Os primatas
primitivos são os ancestrais de uma ampla ordem de animais que vai
dos lêmures aos grandes antropoides, passando pelos micos e macacos.
A separação entre os primatas e os antropoides ocorreu há 35 milhões
de anos. Nesse período, as placas tectônicas se separaram por completo,
fazendo com que a evolução dos primatas no novo e velho continentes
fosse completamente distinta.

Observação: Para saber mais sobre esse assunto, assista ao filme – Criação. Direção: Jon Amiel.
Inglaterra, 2009. Duração: 108 min. A história de vida de Charles Darwin e o contexto no qual elabora
o seu livro “A origem das espécies”. Assista o documentário: Xingu. Direção: Washington Novaes. Brasil,
1985. Duração: 120 min. Leia: CASTRO, Celso (org.). Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Taylor e
Frazer. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O evolucionismo foi revolucionário para sua época, porque representou outra explicação sobre a
origem do homem frente às explicações religiosas utilizadas até então, as teorias da criação chamadas
de Criacionismo, que diz que o homem surge de Deus.

Perceba que a teoria da evolução das espécies, foi transposta para estudo do homem (antropologia)
e da sociedade (sociologia), por cientistas dessas ciências, chamando essa forma de pensar como
evolucionismo social ou darwinismo social.

Nessa linha de pesquisa as sociedades evoluem, passando pelas mesmas etapas, um processo linear.
Desta forma, vão considerar não civilizadas as sociedades que não vivem em um modelo industrial como
o nosso. Desta forma a cultura serve para classificar os seres humanos.

Essa forma de pesquisa é problemática e preconceituosa, para o início da Antropologia Cultural, uma
das áreas da Antropologia. Criando escalas e classificando os seres humanos.

O antropólogo norte-americano Henry Lewis Morgan (1818-1881) construiu uma escala para o
desenvolvimento da humanidade com três estágios: “selvageria, barbárie e civilização”. (SANTOS, 2005,
p. 23). Na Inglaterra, o escocês James Frazer (1854-1941) cria uma escala da evolução do pensamento
com três fases: magia, religião e ciência. Tanto em um como no outro, a escala vai do mais simples para
o mais complexo.

Assim, inicialmente o conceito de cultura esteve vinculado à ideia de evolução e progresso. Edward
Tylor, em 1871, define cultura como o comportamento que o homem aprende em sociedade. Deste
modo, cultura é “um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e as outras capacidades ou os hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro
da sociedade”. (LARAIA, 2004, p. 25).

A principal característica da teoria evolucionista foi considerar as sociedades primitivas como


sociedades em estágio inferior ao desenvolvimento alcançado pelas sociedades ditas civilizadas. Para
os defensores desta teoria, as condições materiais e culturais das sociedades humanas passariam,
necessariamente, das etapas primitivas à civilização.

Nesse sentido, o evolucionismo social, conduz à concepção etnocêntrica do mundo, isto é, parte-se
da ideia de que as diferenças entre grupos e sociedades possuem uma escala evolutiva, considerando o
mundo europeu como modelo único de sociedade. Santos (2005) explica que a sociedade europeia se
considerava “civilizada” e “complexa” por ter conseguido a industrialização, a ciência, a tecnologia etc.
No entanto, as demais culturas – as das colônias – eram as “primitivas” e “atrasadas”, por não possuir
tecnologia como eles.

As ideias e posturas consideradas etnocêntricas podem ser identificadas em afirmações do tipo


“povos e grupos sem cultura”. O pior é que, no senso comum, na sociedade em geral, esse tipo de ideia
é bastante usual, mesmo no século XXI.

13
Unidade I

Para que você possa entender melhor o que é ser etnocêntrico, leia o autor Everardo Rocha
(2006, p. 10-11):

Ao receber a missão de ir pregar junto aos selvagens um pastor se preparou


durante dias para vir ao Brasil e iniciar no Xingu seu trabalho de evangelização
e catequese. Muito generoso, comprou, para os selvagens, contas, espelhos,
pentes, etc.; modesto, comprou para si próprio apenas um moderníssimo
relógio digital capaz de acender luzes, alarmes, fazer contas, marcar segundo,
cronometrar e até dizer a hora sempre absolutamente certa, infalível. Ao
chegar, venceu as burocracias inevitáveis e, após alguns meses, encontrava-
se em meio às sociedades tribais do Xingu distribuindo seus presentes e sua
doutrinação. Tempos depois, fez-se amigo de um índio muito jovem que o
acompanhava a todos os lugares de sua pregação e mostrava-se admirado
de muitas coisas, especialmente, do barulhento, colorido e estranho objeto
que o pastor trazia no pulso e consultava frequentemente. Um dia, por fim,
vencido por insistentes pedidos, o pastor perdeu seu relógio, dando-o meio
sem jeito e a contragosto, ao jovem índio. A surpresa maior estava, porém,
por vir. Dias depois, o índio chamou-o apressadamente para mostra-lhe,
muito feliz, seu trabalho. Apontando seguidamente o galho superior de
uma árvore altíssima nas cercanias da aldeia, o índio fez o pastor divisar,
não sem dificuldade, um belo ornamento de penas e contas multicolores
tendo no centro o relógio. O índio queria que o pastor compartilhasse a
alegria da beleza transmitida por aquele novo e interessante objeto. Quase
indistinguível em meio às penas e contas e, ainda por cima, pendurado a
vários metros de altura, o relógio, agora mínimo e sem nenhuma função,
contemplava o sorriso inevitavelmente amarelo no rosto do pastor. Fora-
se o relógio. Passados mais alguns meses o pastor também se foi de volta
para casa. Sua tarefa seguinte era entregar aos superiores seus relatórios e,
naquela manhã, dar uma última revisada na comunicação que iria fazer em
seguida aos seus colegas em congresso sobre evangelização. Seu tema: “A
catequese e os selvagens”. Levantou-se, deu uma olhada no relógio novo,
quinze para as dez. Era hora de ir. Como que buscando uma inspiração de
última hora examinou detalhadamente as paredes do seu escritório. Nelas,
arcos, flechas, tacapes, bordunas, cocares, e até uma flauta formavam uma
bela decoração. Rústica e sóbria ao mesmo tempo traziam-lhe estranhas
lembranças. Com o pé na porta ainda pensou e sorriu para si mesmo.
Engraçado o que aquele índio foi fazer com o meu relógio.

Perceba que o texto acima apresenta pontos essenciais sobre o etnocentrismo.

Em primeiro lugar, leva-nos a perceber que, neste choque cultural, os personagens de diferentes
culturas fizeram o mesmo: utilizaram o objeto da outra cultura como ornamento, sendo que esses objetos
em suas culturas tinham funções técnicas. Para o pastor, o uso do relógio pelo índio causou tanto espanto
quanto o que causaria ao jovem índio conhecer o uso que o pastor deu a seu arco e flecha.
14
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O etnocentrismo está justamente nesse julgamento do valor da cultura do “outro” nos termos da
cultura do grupo do “eu”.

Em segundo lugar, o choque cultural contado acima foi cordial. Mas, na maioria das vezes, o
etnocentrismo leva à ação violenta, como o etnocídio (por exemplo, a matança de índios). Como bem
coloca Laraia (2004, p. 13) o exemplo abaixo:

[...] Um famoso cientista do início do século, Hermann Von Ihering, diretor


do Museu Paulista, justificava o extermínio dos índios Caingangue por ser
um empecilho ao desenvolvimento e à colonização das regiões do sertão
que eles habitavam.

Pode se perceber pela história que a relação entre a chamada “civilização ocidental” e as sociedades
tribais foi de extermínio. Henry L. Morgan destacou-se como um importante evolucionista do século
XIX, influenciando muitos pensadores. Entre eles, seu aluno Franz Boas.

Franz Boas, no entanto, transforma-se em um dos maiores críticos do evolucionismo afirmando que
as sociedades e os grupos possuem uma história particular, diversa, e é essa diversidade que constitui a
riqueza da vida social humana.

Os primeiros pesquisadores considerados antropólogos não vão a campo, não vão até esses países
longínquos para conhecer a cultura desses povos, eles formulam teorias fundamentando-se “em relatos
feitos por leigos: missionários, viajantes, negociantes”. (COSTA, 2005, p. 90).

É justamente neste momento que serão utilizadas as teorias preconceituosas, como a do determinismo
biológico e a do determinismo geográfico.

O determinismo biológico (LARAIA, 2004) é a teoria que afirma que o comportamento cultural é
resultado da genética e da hereditariedade dos indivíduos. Assim sendo, consideravam que os grupos
humanos eram diferentes uns dos outros devido a traços psicologicamente inatos, como a inteligência
ou temperamento.

Essa forma de pensar, de hierarquizar as sociedades utilizando, para isso, a raça e o nível de
desenvolvimento alcançado pelo grupo fica mais claro quando falamos das populações negras (ou
afrodescendentes) que eram consideradas, até pouco tempo, portadoras de uma cultura inferior. Por
exemplo, Hitler na Alemanha, que fundamentou o extermínio de outras populações por acreditar que o
povo alemão era superior aos outros.

Observação: Assista ao filme: Arquitetura da destruição. Direção: Peter Cohen. Suécia, 1992. Duração:
121 min. Documentário sobre a trajetória de Hitler e a sua relação com a arte.

Podemos notar o determinismo biológico nos exemplos apresentados no texto de Eduardo Galeano
(2010) utilizado para demonstrar o pensamento dos europeus sobre os negros do Haiti:

15
Unidade I

No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua:


“O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua
produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e
tem o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se
impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma e,
sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro”.

Nós sabemos que não, mas para os europeus, naquele momento, sim. Desta forma, o outro era
colocado como o selvagem e o europeu como o civilizado. Pensando assim, podiam utilizar esse território
e esse povo em detrimento do desenvolvimento econômico europeu.

Como se isso não fosse o bastante a utilização da teoria preconceituosa do determinismo biológico,
há também a do determinismo geográfico, isto é, teoria que afirma que o comportamento cultural dos
povos é resultante do ambiente físico em que vivem (LARAIA, 2004).

Como pode ser notado pela citação utilizada por Laplantine (1991, p. 43) da obra de Cornelius de
Pauw, publicado em 1774, que falava sobre a influência negativa da natureza e do clima úmido sobre
os índios da América do Norte:

Deve existir, na organização dos americanos, uma causa qualquer que


embrutece sua sensibilidade e seu espírito. A qualidade do clima, a
grosseria de seus humores, o vício radical do sangue, a constituição de seu
temperamento excessivamente fleumático pode ter diminuído o tom e o
saracoteio dos nervos desses homens embrutecidos. [...] temperamento tão
úmido quanto o ar e a terra onde vegetam.

Assim, essas ideias apresentadas no século XVIII são retomadas e expressas por Hegel em 1830, em
sua Introdução à Filosofia da História demonstrando seu horror frente aos que vivem em estado de
natureza, pois esses povos jamais ascenderão à “história” (LAPLANTINE, 1991). Desta forma, a América
do Sul é tratada como tão estúpida como a do Norte. A Ásia, da mesma forma. Porém, é a África que,
para este filósofo, possui os seres de forma mais inferior entre todos que se apresentam nessa infra-
humanidade. Hegel chega ao ponto de considerá-los como “coisas”, sendo impossível transformá-los, a
partir da colonização, em seres humanos.

Perceba como os povos que se declaravam civilizados viam aqueles que eram diferentes deles
como: selvagens, primitivos e coisas. Demonstram claramente a desvalorização de povos que por serem
diferentes não mereciam serem respeitados.

Tendo sua origem no período da expansão do mundo colonial, período em que o mundo europeu
se confronta com outros povos e culturas, na América, na Ásia e na África, esta ciência surge para
compreender as diversas formas do ser, do sentir e do pensar humano.

Desta forma, não só a figura do mau selvagem será elaborada pelo pensamento do europeu, como
também a do bom selvagem será formulada sistematicamente em XVIII. Porém, a ideia já se fazia presente
16
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

desde os primeiros viajantes à América, como a descrição de Cristóvão Colombo que, ao aportar no
Caribe, descreve: “Eles são muito mansos e ignorantes do que é o mau, eles não sabem se matar uns
aos outros [...] Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor”.
(apud LAPLANTINE, 1991, p. 47).

Ora a repulsa, ora o fascínio, sendo que a alteridade não tem relação com a realidade. Na verdade,
este imaginário vai ser utilizado como pretexto para a exploração colonial do século XVI e XVII.

Essas teorias do determinismo biológico e geográfico são negadas historicamente no século XX,
como bem mostra Laraia (2004):

Em 1950, quando o mundo se refazia da catástrofe e do terror do racismo


nazista, antropólogos físicos e culturais, geneticistas, biólogos e outros
especialistas, reunidos em Paris sob os auspícios da UNESCO, redigiram uma
declaração da qual extraímos dois parágrafos:

a) Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a


teoria segundo a qual as diferenças genéticas hereditárias constituiriam
um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que
se manifestam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos
povos ou grupos étnicos. Eles nos informam, pelo contrário, que essas
diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural de cada
grupo. Os fatores que tiveram um papel preponderante na evolução
do homem são a sua faculdade de aprender e a sua plasticidade. Esta
dupla aptidão é o apanágio de todos os seres humanos. Ela constitui,
de fato, uma das características específicas do Homo Sapiens.

b) No estado atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada a


validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos
outros pelos traços psicologicamente inatos, quer se trate de inteligência
ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das
aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos.

Ao procurar identificar de forma precisa o não europeu, o antropólogo do século XIX tinha por base
uma falsa imagem da cultura europeia, compreendida como uma sociedade homogênea e integrada.
Não compreendia que havia tantas diferenças e conflitos entre pessoas de nações diferentes.

Por isso, a Antropologia foi sempre considerada a ciência da alteridade, isto é, a ciência que busca
investigar o outro, aquele que é essencialmente diferente de mim. Assim, para Santos (2005, p. 22), os
primeiros antropólogos vão sofrer forte influência das correntes de pensamento, como o evolucionismo,
e os determinismos geográficos e biológicos sobre as ideias que elaboraram sobre as culturas dos povos
distantes e também pela ausência dos estudiosos em campo, já que sua análise era feita por meio de
relatos e não de sua presença in loco (no próprio local), em que estava pesquisando a cultura estudada.

17
Unidade I

Observação: A teoria do determinismo biológico é falsa, porque a nossa genética não determina o
nosso comportamento em sociedade. Assim como o determinismo geográfico também é falso, já que as
características do ambiente geográfico não determinam a minha forma de me comportar em sociedade.
É sabido que apreendemos o nosso comportamento cultural pelo processo de endoculturação, isto é,
aprendemos com o nosso grupo a cultura de nossa sociedade.

Bronislaw Malinowski foi o antropólogo que trouxe a grande mudança para a Antropologia, que
também é chamada de etnografia (mapeamento de etnias) o método da observação participante, um
método de pesquisa que no lugar de análise de relatos, o pesquisador passa a conhecer os povos,
penetrar em sua cultura, desvendar seus significados, guiado por essas informações (COSTA, 2005).
Essa mudança levará a compreensão da complexidade das sociedades que antes eram chamadas de
primitivas, bárbaras e atrasadas, como Malinowski (apud SANTOS, 2005, p.38) demonstra:

A ideia geral que se faz é que os nativos vivem no seio da natureza, fazendo
mais ou menos aquilo que podem e querem, mas presos a crenças e apreensões
irregulares e fantasmagóricas. A ciência moderna, porém, nos mostra que
as sociedades nativas têm uma organização bem definida, são governadas
por leis, autoridades e ordem em suas relações públicas e particulares, e
que estão, além de tudo, sob o controle de laços extremamente complexas
de raça e parentesco. [...] As suas crenças e costumes são coerentes, e o
conhecimento que os nativos têm do mundo exterior lhes é suficiente para
guiá-los em suas diversas atividades e empreendimentos. Suas produções
artísticas são cheias de sentido e beleza.

Essa teoria chamada de funcionalista surgiu no século XX como sucessora do evolucionismo


respondendo em parte às críticas que surgiam em relação ao etnocentrismo. De acordo com a
concepção funcionalista, cada sociedade deve ser estudada como um organismo constituído por partes
interdependentes e complementares, cuja função é satisfazer as necessidades essenciais dos seus
integrantes (COSTA, 2005).

Radcliffe-Brown é outro funcionalista (COSTA, 2005) que se destacou como defensor desta teoria e
dos estudos das sociedades não europeias. Considerava essas sociedades como totalidades integradas
de instituições que têm a função de satisfazer necessidades básicas de alimento, segurança, entre
outros. Assim, os estudos funcionalistas permitiram que sociedades não europeias passassem a ser
compreendidas dentro de suas especificidades. As sociedades tribais africanas, australianas e asiáticas
passaram a ser entendidas a partir de sua função social.

Os funcionalistas utilizavam o conceito de aculturação, isto é, o encontro de povos, de


culturas diferentes ao se relacionar construía uma nova cultura. Por exemplo: povo de cultura
portuguesa conhecendo o povo de cultura indígena e o de cultura africana resultou em uma
nova cultura – a brasileira.

A crítica a esses pensadores era devido ao fato de deixarem de revelar as desigualdades que existem
nesse contato, principalmente quando resultam de uma política colonialista. Porém, não podemos deixar
18
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

de lembrar que os mesmos são os responsáveis pelo que ficou conhecido como relativismo cultural, ou
seja, postura de tolerância e respeito em relação aos costumes e traços culturais diferentes (SANTOS, 2005).

TEXTO II – Ser relativista

Vamos entender o que é relativizar?

Para relativizar, é necessário deixar de lado todos os meus valores e procurar conhecer o outro, da
maneira como ele expressa e experimenta sua vida. Eu não posso falar de como o outro se comporta, pensa
e sente. É necessário saber como o outro pensa e sente o seu mundo por meio de seus valores e de seu
conhecimento. Não podemos explicar o outro pelo nosso mundo, nossos valores e nossos conhecimentos.

A primeira atitude para relativizar é abandonar as certezas etnocêntricas e começar a duvidar


e questionar, de forma que, partindo destes questionamentos, encontra novos sentidos para
compreender o outro.

Segundo Rocha (1996), o relativismo aceita a diferença cultural e este é um pensamento revolucionário.
No entanto, será mais complicado entender as culturas, os povos, já que agora não se tem mais um tipo
de explicação, uma só cultura, mas diversas, o que contraria o pensamento evolucionista, escapando do
etnocentrismo e partindo para uma análise relativista.

No início do século XX substituiu-se a visão de que as diferenças biológicas determinariam as


diferenças culturais. Ao fazer críticas à ideia da evolução cultural, os estudiosos passaram a defender
que cada sociedade teria sua própria história e seu valor particular. Nesse sentido, a cultura e a história,
e não mais a “raça”, seriam a causa das diferenças entre as populações (ROCHA, 2006).

Assim, a cultura passa ser um componente aprendido e transmitido pelo grupo aos seus componentes,
processo de endoculturação. E não mais como resultado do biológico.

No início do século XX, o belga Claude Lévi-Strauss, um dos grandes antropólogos vai entender a
cultura como a simbologia de um povo. Sua forma de análise será chamada de estruturalismo, um novo
método de investigação e interpretação, que parte do princípio de que se faz necessário uma análise
da estrutura, isto é, uma elaboração teórica capaz de dar sentido aos dados da realidade. Assim sendo,
define cultura como o conjunto de hábitos, atitudes e comportamentos, isto é, as maneiras de pensar,
sentir e agir de um povo. Veja o exemplo a seguir:

A palavra “pai”, por exemplo, pode pôr em evidência uma série de elementos
ligados à estrutura de parentesco, como sexo, idade, poder, atribuições,
deveres e relações com outros membros do grupo. Isso porque as palavras
não constituem uma nomenclatura qualquer, mas são meios de pensar
a realidade e se referem a situações reais que envolvem obrigações,
comportamentos e sentimentos como respeito, familiaridade, dever, direito,
afeição ou hostilidade. A esse conjunto de obrigações e sentimentos, Lévi-
Strauss dá o nome de “complexos de atitudes”. (COSTA, 2005, p. 103)
19
Unidade I

Desta forma aceitavam a existência de diferentes sociedades, das mais simples ou tradicionais até
as mais complexas, mas afirmavam que essa diferença só poderia ser explicada em função da própria
história e da sua relação com o meio natural e social.

Segundo Rocha (1996), mesmo sem querer acabar com o valor da história como instrumento de
análise, pergunta: De que histórias estão falando? Da nossa para entender o “outro”? E a história do dia
a dia, da nossa produção?

A forma como o humano entende a sua história, a história da sua sociedade depende do conceito que
ele mesmo tem sobre o que é história, sobre o tempo e o processo que entrelaçam os acontecimentos.

É bom lembrar que o “outro”, para a Antropologia, é sempre coletivo: grupo, classe social, tribo. E a
antropologia busca justamente o significado da sociedade deste “outro”, a sua simbolização.

Em algumas práticas tribais, o “xamã” (ou “feiticeiro”) utiliza um objeto de uma pessoa ausente
(o arco de um guerreiro, um adorno corporal de uma jovem) para lançar sortilégios que atinjam o
dono do objeto. Nesse caso, o objeto da pessoa simboliza a pessoa. [...] Pensemos agora em algo que
nos é bastante familiar: a propaganda. Em um anúncio de automóvel, por exemplo, apresentam-se ao
consumidor situações de “felicidade”, “prazer”, “poder”, “status” ou “sedução”. [...]. Conclusão: somos
todos “tribais”. Isso sem mencionar o fato de que religiões praticadas nos centros urbanos do Brasil,
como a Umbanda e o Candomblé, utilizam recursos semelhantes para fins literalmente mágicos, o que
significa que isso não se restringe a culturas “exóticas” e distantes. (SANTOS, 2005, p. 54).

Claude Lévi-Strauss vai buscar a relação entre natureza e cultura a partir do “totemismo”. Totemismo
é uma associação mental entre algo que existe e o significado que damos a ele socialmente, é uma
classificação da natureza a partir da cultura. Por exemplo, quando um determinado grupo cria seus
rituais em torno de uma pedra, a pedra passa a representar outra coisa para o grupo, tornando-se
diferente das outras pedras.

De acordo com Santos (2005), em nossa sociedade o totemismo acontece quando transformamos
objetos não humanos em objetos culturais: por exemplo, a geladeira (não humano) simboliza
conforto (sentido cultural). Os objetos produzidos e vendidos ganham significados humanos, como a
publicidade faz.

Segundo Carla Maria Lobato Alves (2010), Geertz, antropólogo da linha interpretativa, sustenta que
o conceito de cultura é semiótico, isto é, o homem vive em um emaranhado de significados que ele
mesmo criou. Desta forma, a análise do emaranhado deve ser interpretativa, já que busca os significados
e identificar como as pessoas de determinada cultura se definem, analisando as formas simbólicas pelas
quais se expressam (palavras, rituais, costumes, comportamentos etc.).

Outro conceito importante para aprendermos para melhor compreender a formação cultural de uma
sociedade, é o de representações simbólicas de uma cultura.

20
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Em toda cultura há o denominado sistema de representações simbólicas que deve ser entendido
conforme é citado pelo professor Fernando Perillo da Costa (2005), em seu capítulo Representações
Simbólicas, as Leituras do real e a Comunicação Social, que faz parte do livro Comunicação, Política e
Sociedade, ao afirmar que, as representações simbólicas de uma sociedade são os produtos simbólicos
da cultura, dentre eles temos as explicações do senso comum, magias, crenças populares, vinculadas a
mitos, as expressões folclóricas e artísticas, bem como, em produções literárias, comentários científicos
e religiosos, de maneira geral, em todo conhecimento. Já que, o sistema simbólico é formado pelas
diversas maneiras de se reconstruir a realidade como um todo, natural, social e psicológica, pois buscam
explicar, resolver e fundamentar as situações resultantes das relações do homem com a natureza, com
a sociedade e o resultante deste em seu plano emocional e psicológico. Assim, como é possível explicar
a realidade por meio de variadas linguagens, e formas de interpretar a realidade (religião, ciência, arte,
filosofia, senso comum) também há diferentes lógicas nessas explicações.

Deve ser destacado que as representações simbólicas não são mais o real em si, mas a sua leitura, sua
interpretação, sua leitura e sua apreensão, ideologicamente contaminada.

É fundamental, portanto, que ao analisarmos o processo de formação da cultura brasileira devamos


entender os valores e a lógica básica de cada importante momento histórico, ou seja, quais os princípios
mais significativos que caracterizam o nexo explicativo de cada época histórica, principalmente num
país portador de características bem específicas e de um passado ainda muito presente, como o Brasil.

A espécie humana é única, mas há ao lado dos diferentes grupos étnicos e denominada sua
representação simbólica, diversidade cultural.

A diversidade cultural começa na diferença étnica e cultural e se manifesta entre as diferentes etnias,
entre as culturas nacionais, entre as produções culturais regionais, como é o caso brasileiro. Entre os
diferentes gêneros, entre as diferentes gerações de uma sociedade, entre as diferentes práticas de opção
sexual, entre as diferentes religiões, práticas de ações ideológicas políticas, nas diferentes manifestações
artísticas e entre as denominadas “tribos” urbanas.

De um modo geral, as diversidades culturais refletem as diferentes respostas e soluções que os


mais variados grupos (e sociedades) apresentam para os problemas surgidos em sua concreta realidade.
Portanto, refletem a produção cultural dos grupos sociais e comunidades diversas relacionadas às suas
específicas e reais condições objetivas de vida.

A análise da cultura brasileira depende sobremaneira da compreensão dos principais aspectos que
caracterizam a constante presença das diferentes formas que se manifesta a nossa diversidade cultural,
principalmente a partir da nossa formação populacional, com as contribuições provenientes das três
grandes fontes étnicas: a do nosso colonizador português, branco e cristão; as influências advindas dos
diferentes grupos étnicos tribais dos nossos indígenas e as influências decorrentes dos diferentes grupos
étnicos negros africanos. Essa característica é básica para iniciarmos o estudo, análise e compreensão
da formação cultural brasileira.

21
Unidade I

De acordo com o prof. Darcy Ribeiro (1995), um dos mais importantes antropólogos brasileiros,
conforme ele coloca em seu livro O Povo Brasileiro, três características são fundamentais e marcam o
Brasil ao longo de sua história: o processo de formação de sua enorme diversidade cultural, a formação
de sua específica miscigenação, gerando uma população basicamente mestiça e também o processo
de constituição de um específico sincretismo cultural, principalmente, a partir da fusão de elementos
culturais religiosos, místicos e relacionados a diversas formas de magias e crenças populares.

Então, a partir de agora, podemos falar e entender a cultura como o conjunto simbólico de um grupo
ou uma sociedade. Tudo que caracteriza um povo, como seu conhecimento, ideias, crenças e como
manifestam esses em sua vida concreta, tanto em aspecto material quanto não material, não deixando
de relacioná-la com o mundo econômico e político, já que a produção cultural faz parte da estrutura
de uma sociedade. Agora você tem fundamentos para entender a cultura brasileira e compreendê-la
na atualidade. Essa visão geral das teorias, essa explanação, foi para inseri-lo no mundo da cultura e
demonstrar a você que é possível analisá-la de várias formas.

Exercício resolvido:

Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia, [...], faz tanta questão, é sua
aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente
diverso. E, a meu ver, apenas a nossa disciplina permite notar, com a maior proximidade possível, que
essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tomávamos todos espontaneamente por
inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa
existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais [...]. (LAPLANTINE, François. O Campo e a
Abordagem Antropológicos IN: Aprender Antropologia. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 22).

Com base na citação acima, escolha a alternativa que corresponde a este pensamento.

a) A cultura é dada por questões inatas.

b) A cultura é resultado do processo de endoculturação.

c) A cultura é resultado de nossas experiências de vida.

d) A cultura é determinada por nossa genética.

e) As letras b e c estão correta.

Justificativa: O conceito trabalhado no texto se refere ao processo de endoculturação, que é o


processo de apreendermos nossa cultura por meio de nossas experiências de vida com o nosso grupo
cultural. Por isso, as alternativas “b” e “c” estão corretas, conforme diz a “e”.

22
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

MÓDULO 2

TEXTO I – A colonização brasileira

Depois de apresentarmos as várias formas de entender a cultura, como fundamento a análise


etnocêntrica e relativista cultural, vamos agora, tratar do processo histórico para formação da
sociedade brasileira.

A história do Brasil e do povo brasileiro coloca sempre os portugueses como a matriz de nossa etnia
(grupo de pessoas, grupo social que compartilham cultura, origem e história). Porém, como falado, os
europeus em especial, neste caso, os portugueses, vinham para os novos continentes para descobrir as
características culturais dos povos que ali habitavam com fins de exploração, de colonização. Assim, os
europeus elaboraram versões da história, de suas colonizações segundo seu olhar etnocêntrico.

Porém, o objetivo desse trabalho é mostrar esse processo, de constituição do povo brasileiro, de
outra perspectiva, buscando a partir de autores brasileiros como eles analisaram a nossa origem, como
se forma nossa identidade nacional já que a identidade não vem pronta: pelo contrário, é resultado
de uma construção contínua. Existem interesses de “legitimação do próprio grupo, ou interesses em
retirar a legitimidade do outro” (KEMP, 2003, p. 83). Existe uma relação de poder, e o mesmo precisa ser
analisado para entendermos a cultura brasileira.

Ainda se aprende nas escolas e ouvimos muitos nos contarem como ocorreu o “descobrimento” do
Brasil. Sem muita fundamentação nos contam que a Europa estava em crise comercial e os países estavam
procurando novas rotas até as Índias, com o objetivo de acabar com o monopólio dos italianos que eram
quem traziam e vendiam os produtos do Oriente na Europa. Os portugueses já estavam organizados
num Estado, tinham grande conhecimento sobre navegação. Assim, possuíam condições políticas para
sua expansão e com espírito aventureiro, descobriram terras novas, gente nova, um mundo novo.

O Brasil foi descoberto?

Pois bem, essa é a história contada pelos europeus. Mas, nós somos da América, somos sul-americanos,
e podemos contar a história a partir da perspectiva do povo brasileiro.

Descobrimento é o ato de descobrir, que significa “encontrar o que era desconhecido, que estava
escondido; achar” (DICIO, 2012). Então o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, pois os índios
viviam aqui. Era desconhecido pelos portugueses. Na verdade, o que aconteceu aqui foi uma invasão. A
invasão das terras ocupadas pelos povos indígenas e a destruição dos seus costumes e implantando o
modo de produção semicapitalista português, buscando lucro no comércio internacional.

Isso é importante para se pensar a formação da identidade do brasileiro, pois essa se dará a partir
da relação entre três matrizes étnicas: a indígena, a portuguesa e a africana, resultando desse sistema
econômico uma sociedade absurdamente desigual.

23
Unidade I

Os portugueses foram os primeiros a formar um Estado centralizado entre 1383 e 1385. Este fato,
conjuntamente com a sua localização estratégica próxima ao oceano, permitiu um grande investimento
em tecnologia de navegação (FONSECA, 2008). Foi a partir disso tudo, que os portugueses, em busca de
aventura e enriquecimento, lançaram-se às navegações, a fim de explorar o Oceano Atlântico, levando-
os ao desenvolvimento de instrumentos necessários as mudanças culturais, econômicas e mundiais,
iniciadas pelo pioneirismo português.

De suas navegações entre 1415 e 1499 (FONSECA, 2008), por onde passaram na costa ocidental
africana, os portugueses fizeram feitorias, criando empresas para produzir gêneros tropicais e
escravizavam africanos para servirem de mão de obra nestas feitorias. Quando Vasco da Gama retorna ao
país, traz um mundo novo a Portugal, com imensa lucratividade. Pedro Álvares Cabral dá continuidade,
com a mudança de rotas de comércio, com o objetivo de ocupar terras garantindo conquista, domínios
sobre territórios em busca de riquezas.

Os portugueses (HOLANDA, 1995) tinham grande conhecimento sobre navegação e, a partir da


iniciativa política e econômica, chegaram a essas terras, as quais, de início, não deram muito valor. A
colonização de um povo era uma iniciativa bastante grande e com alto custo. Desta forma, a coroa
portuguesa não estava interessada em investir na colonização das terras brasileiras, já que estava
envolvido com a expansão e o mercado de especiarias no oriente. Em um primeiro momento, averiguou
e colocou alguns representantes na terra, a partir de várias expedições exploratórias com o objetivo de
mapear e trazer informações para a metrópole. Porém, com a crise do comércio na Europa da época,
Portugal volta-se para a colônia em busca de pedras preciosas e outras fontes de lucro.

Nos trinta primeiros anos, Portugal dedicou-se à exploração das riquezas, com o ideal de
enriquecimento rápido, acompanhado pela ausência de um concreto ideal de fixação, de povoamento e
de investimentos na colônia, canalizando suas riquezas aqui geradas para a metrópole portuguesa, com
a formação de uma mentalidade de exploração predatória e muito descompromisso para com a terra,
ou seja, uma ausência de uma consciência construtiva e de sentimento de brasilidade.

Precisamos ter claro que a colonização portuguesa no Brasil é um exemplo clássico de colônia de
exploração, enquanto os Estados Unidos da América, que foi colônia dos ingleses, é um exemplo clássico
de colônia de povoamento.

TEXTO II – Colônia de exploração ou de povoamento?

Vamos ver a diferença?

Segundo Ricardo Lessa (2008) as diferenças já são visíveis no início de nossa colonização, pois “Cabral
passou por aqui, largou dois degredados, rezou uma missa e foi-se embora para a Índia – que era o que
lhe interessava. Lá bombardeou e tomou o porto de Calicute, assaltou a cidade e voltou para Portugal
com as caravelas cheias de especiarias, joias, roupas e outros produtos do saque”.

Para os 101 ingleses que em 1620 fundaram os Estados Unidos, que num primeiro momento
chamaram de Nova Inglaterra, não havia a menor intenção de retornar à Inglaterra, nem de retirar de lá
24
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

riquezas. Eles eram religiosos, crentes que haviam brigado com a Igreja Anglicana (conduzida pelo rei da
Inglaterra) e buscavam um lugar para viver, progredir e rezar da forma que bem quisesse. Começaram
o novo país por meio de núcleo homogêneo de famílias inglês e puritano, a colônia de Cape Cod,
no estado hoje chamado de Massachusetts. Depois desse tiveram outros, com a mesma disposição de
formar um país, para ficar longe da exploração dos nobres ingleses e para rezar segundo suas normas
rígidas, sem o luxo dos católicos e anglicanos. Esses núcleos se multiplicaram tomando toda a parte
nordeste. Ao sul, as colônias, ligadas à coroa e profundamente escravista. Na Guerra de Sucessão, 1861-
65, o norte vence o sul. A ideia dos peregrinos era de que essa terra era ideal para o povo de Deus, para
poder criar uma sociedade pura, sem corrupção e vícios. Acreditavam que “pertenciam a uma nova raça
eleita e a América era a virgem Maria que daria à luz uma nova nação para louvar a Deus e iluminar o
restante do mundo, como diziam autores do início do século XVII. Para eles, naquela época, Deus era
inglês” (LESSA, 2008).

Agora vamos ver como se deu a colonização brasileira?

Colônia de exploração

Em 1500, Portugal era o país do mercantilismo, senhor nos mares. Essa prática mercantil vai estar
impregnada na formação do nosso país, pois o que importava era conseguir mercadorias para trocá-las
e ter altos rendimentos para o Estado português monopolista.

A expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza é o marco inicial dos primeiros colonos para
as Terras de Santa Cruz (como era chamado nosso país nesse momento). Os irmãos Pêro Lopes de Souza
e Martim Afonso de Souza, eram de alta linhagem portuguesa, pois havia atuado como conselheiro do
rei D. Manuel. A colonização seria desenvolvida por meio das capitanias hereditárias, tendo destaque, a
de Pernambuco, doada a Duarte Coelho, em 1534 (SILVA, 2006). As capitanias hereditárias foram uma
forma de administração da colônia, criada pelo rei D. João III, de Portugal, em 1534. Consistia em dividir
o território em grandes faixas de passar a administração para nobres da coroa portuguesa.

Os primeiros colonos buscavam enriquecer rapidamente e viver como estavam acostumados em


Portugal. Desta forma, não estavam acostumados a trabalhar na terra, seu único vínculo com ela era
a de posse. Em sua terra natal, viviam apenas de rendimentos usufruindo dos lucros agrícolas. “Assim
sendo, mesmo com toda fertilidade da terra, condições climáticas favoráveis e grandemente louvadas,
a determinação dos colonos em adquirir fortuna rapidamente e retornar ao Reino, tornava a vida mais
dificultosa na colônia” (SILVA, 2006, p. 8).

Quando os colonos chegaram, com sua cultura portuguesa, já sabiam o modo de produção que
fariam: lavouras de cana, que por meio de seus engenhos, teriam o açúcar, a partir de trabalho escravo.
Os donatários das capitanias tornaram-se os senhores do engenho. Assim, o trabalho era designado para
os escravos, primeiro os indígenas e posteriormente os africanos.

Ser o senhor de engenho não era atividade simples a qualquer pessoa, porém, os colonos sonhavam
em se tornar um. Assim, para ser um senhor de engenho era preciso ter “cabedal”, isto é: “posse
materiais, recursos financeiros, bens, riquezas e haveres. Mas, por extensão de sentido figurado, pode-se
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Unidade I

chegar também a: conhecimento, talento, competência, habilidade que se adquirem com a experiência,
a educação, o estudo e a ética” (SILVA, 2006, p. 8). O engenho era formado pelos canaviais, as plantações
para alimentação, a casa grande, a senzala, a capela, a escola, as moradias dos trabalhadores livres
(feitor, mestre do açúcar) e a fábrica de produzir o açúcar – com a moenda, a casa das caldeiras e casa
de purgar.

A coroa portuguesa decidiu que só faria doações de capitanias para pessoas que pudessem com
seu próprio patrimônio, desenvolve-las e povoa-las. Assim, selecionou os donatários de capitania,
segundo o serviço prestado ao Reino nas conquistas da Índia e África ou que realizaram serviços
administrativos. Muitos queriam conseguir aqui o título de nobre, porém, a coroa regulava essa
concessão. Mas, mesmo não conseguindo o título, os senhores de engenho, não abriam mão de viver
aqui como um, possuíam poder dentro de suas terras e foram desenvolvendo uma trama de relações
reforçava ainda mais sua influência e poder. A milícia, para manter a segurança, era a maneira mais
ostensiva de manter prestígio e poder. Além dessa, havia a política de casamentos, beneficiando os
interesses das famílias. Assim, aos poucos os senhores foram dominando a vida social e administrativa
da colônia. Quando não conseguiam as negociações por meio da política, os colonos luso-brasileiros,
recorriam aos meios informais, até mesmo o suborno, exercendo constante pressão nos funcionários
da administração da coroa. (SILVA, 2006)

Perceba que as estratégias criadas como o casamento arranjado, compadrio e atração de pessoas
ligadas à administração da coroa para os círculos das famílias coloniais, representa uma prática da
cultura portuguesa, chamadas de “poderes informais” (SILVA, 2006).

A relação dos portugueses com os outros povos, principalmente, com os africanos, já era de senhor e
escravo desde Portugal, pois os africanos eram responsáveis pelo trabalho em sua terra natal, sendo que
muitos donatários já chegaram com seus escravos. Por mais que os africanos trabalhassem, o tratamento
concedido a ele era duro.

Em 1549, a coroa muda à administração da colônia com a criação dos Governos Gerais, sendo
Tomé de Souza o primeiro governo geral do Brasil. Com ele, vem também a primeira ordem religiosa, a
Companhia de Jesus, sendo o superior, Manoel da Nóbrega. O primeiro feito da Cia de Jesus foi à criação
do Colégio da Bahia, com processo educacional sistemático e formal.

Durante os três primeiros séculos da colonização houve um fluxo intenso de portugueses


para o Brasil. Vieram portugueses de todas as classes, desde o pobre ao nobre (FONSECA, 2008).
Instalaram-se no litoral e lentamente foram para o interior, a partir do ciclo das especiarias e pau-
brasil, passando a plantação de cana-de-açúcar, criação de gado e a mineração, com a busca de
pedras preciosas, ouro e prata.

Até o século XVII, a economia da colônia era açucareira, porém quando o açúcar brasileiro sofre
forte concorrência com o das Antilhas, a colônia passa a descobrir metais. Os paulistas, que conheciam
bem o sertão, vão abrir caminho até Minas. Ao descobrir ouro em Minas Gerais, teremos aqui a chegada
milhares de aventureiros buscando o enriquecimento.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

A mineração levou a articulação econômica da colônia, integrando São Paulo, Rio, Bahia e por meio
de São Paulo a região Sul. A atividade de mineração conta com especialidades, de modo que a mercadoria
necessária para seu consumo vinha de fora. Assim, junto com os mineradores, vieram artesãos e comerciantes.
Logo os agrupamentos de mineradores acabaram se tornando cidades, como: Ouro Preto, Sabará etc.

A busca pela riqueza trouxe sérias consequências para a terra do Brasil, já que foi castigada pelos
vastos campos latifundiários (grandes porções de terras) de monocultura (a plantação de uma única
espécie) e pastagens de animais. A monocultura aconteceu porque muitos produtos que não eram
produzidos na Europa passaram a ser produzidos aqui, devido ao clima quente e por estarem em alta
no mercado europeu. A Europa não estava industrializada na época dos descobrimentos e produzia os
bens agrários para o próprio consumo. Essa colonização será marcada pela escravidão, em um primeiro
momento os indígenas, em um segundo, os africanos. (HOLANDA, 1995)

Exercício resolvido:

Os portugueses quando chegaram às terras brasileiras não deram muito valor em colonizá-la. Analise
as afirmativas abaixo:

I) A colonização de um povo era uma iniciativa bastante grande e com alto custo.

II) A coroa portuguesa não estava interessada em investir na colonização das terras brasileiras, já que
estava envolvida com a expansão e o mercado de especiarias no Ocidente.

III) Em um primeiro momento, averiguou e colocou alguns representantes na terra, a partir de várias
expedições exploratórias com o objetivo de mapear e trazer informações para a metrópole.

IV) Porém, com a crise do comércio na Europa da época, Portugal volta-se para a colônia em busca
de pedras preciosas e outras fontes de lucro.

Escolha a alternativa que apresenta a afirmativa incorreta:

a) I

b) II

c) III

d) IV

e) I e IV

Resposta correta: B

Justificativa: A única afirmativa incorreta é a II, já que a coroa portuguesa estava envolvida com a
expansão e o mercado de especiarias no oriente.
27
Unidade I

MÓDULO 3

TEXTO I – Nossa matriz indígena

Os índios viviam aqui muito antes de os portugueses desembarcarem no Brasil. Eles tinham sua
organização social e uma cultura com vários elementos simbólicos e que foram deixados de lado,
negligenciados pelo colonizador. A partir da invasão das terras brasileiras, durante o período colonial,
milhares de indígenas foram dizimados.

Em 1500 havia entre 1 e 5 milhões pessoas em nosso território, sendo a costa atlântica habitada
apenas por muitos povos diferentes (LUCIANO, 2006). Havia 5 milhões de índios e atualmente a população
é de 817.963 (IBGE, 2010), porque muita tragédia ocorreu na vida destes com a colonização: escravidão,
guerras, doenças e massacres.

Segundo Darcy Ribeiro (apud MARCONI; PRESOTTO, 1998), em 1900 havia 230 grupos tribais que
foram reduzidos em 1957 a apenas 43. Desapareceram 187 grupos indígenas do nosso território.

Vamos entender como isso ocorreu?

Primeiro, os portugueses chegaram aqui e não tinham conhecimento sobre esse povo. Não havia
diálogo, além de uma ignorância total sobre esses povos. Os portugueses só estavam interessados no
enriquecimento por meio do aquecimento do mercado mundial.

Os índios tinham um corpo biológico preparado para o ambiente em que viviam, com a vinda dos
portugueses conjuntamente vieram suas doenças, bactérias que levaram a uma guerra biológica. Os
índios indefesos frente às doenças trazidas acabaram morrendo.

Nesse processo de extermínio, além da colonização dos portugueses, a Igreja teve papel
importantíssimo, pois em busca de ampliar seus domínios enviou várias missões para catequizar os
índios, sendo estas também responsáveis pela morte de muitos deles, por meio da transmissão de
doenças e contaminação das águas (FONSECA, 2008).

Muitos desses habitantes eram nômades, isto é, eram pessoas que não ficavam em um lugar por
muito tempo. Mudavam em busca de alimento. Além disso, viviam de caça, da pesca e coletavam
alimentos da floresta e, por isso mesmo, havia uma grande disputa por território entre eles, em busca
de abundância de recursos.

Os índios que falavam a língua tupi eram considerados dominadores e bons guerreiros e instalaram-
se pelo território brasileiro. Eles eram mais corajosos e diversificados em sua cultura que os demais.

Desenvolveram muitos nomes para as coisas, objetos, animais e plantas. O que os diferenciava era o
fato de serem os primeiros a realizar a produção agrícola, isto é, domesticaram plantas e raízes, “como
a mandioca, o milho, a batata-doce, o feijão, o amendoim, o tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão, o
carauá, cuias e cabaças, as pimentas, o abacaxi, o mamão, a erva-mate, o guaraná, entre muitas outras
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

plantas” (RIBEIRO, 1995, p. 28), permitindo-lhes deixar de ser nômades, podendo se estabelecer em
determinado território e formar as aldeias.

A agricultura é um fator importante para instalação e manutenção da existência desses povos em


fixação territorial. Por exemplo, o cultivo da mandioca, representa uma das grandes façanhas desses povos
(FONSECA, 2008): “Uma planta venenosa que, além do cultivo, precisava de uma forma de tratamento
que pudesse torna-la própria para o consumo. Eles precisavam encontrar uma forma de retirar o ácido
cianídrico da planta, que era venenoso”. Além disso, é uma fonte de alimento extraordinária, já que
não precisava ser colhida e estocada, mantendo-se viva na terra durante meses. Além dessa, fizeram
o cultivo de outros alimentos, como: milho, batata-doce, cará, feijão, pimenta, abacaxi, mamão, erva-
mate, guaraná etc. (RIBEIRO, 1995).

Segundo Ribeiro (1995), a autoridade dentro de um grupo indígena é exercida pelo chefe, geralmente
o representante mais velho da tribo, ligada mais diretamente às tradições da cultura e a experiência do
povo. Ele é uma espécie de mediador. Dentro das sociedades indígenas existem instituições e organizações
culturais que se prestam à manutenção da tradição e que funcionam à base do exercício de poder.

Alguns ritos de passagem envolvem mortificações e experiências extremamente dolorosas e


marcantes. Há ritos de passagem, rituais religiosos e papéis sociais bem definidos. A força da estrutura
e poder das regras sociais são tão fortes que, em alguns grupos, as mulheres chegam a passar a vida
inteira sem entrar em determinado lugar da aldeia, reservado aos homens, sem nem saber o que se
passa lá dentro.

É importante perceber que a organização da sociedade indígena era marcada por características
próprias, que fizeram parte do seu processo particular cultural. A divisão social é dada por meio do
gênero, isto e, as tarefas são determinadas segundo o sexo. As mulheres se ocupam dos filhos, da
coleta e da preparação do alimento, por exemplo, a mandioca, possibilitando que mantivessem contato
entre si. Os homens praticavam a caça, pesca, abriam a clareira para plantação, construíam o abrigo e
faziam a guerra. Por exemplo, as técnicas de caça utilizadas pelo povo tupi são até hoje surpreendentes.
Habilidosos guerreiros atingiam o olho de um pássaro em voo. Além disso, conseguiam percorrer longas
distâncias para guerrearem e atacar seus inimigos por mar (RIBEIRO, 1995). Dessa forma, foram se
constituindo espaços sociais ligados a esta divisão de tarefas, que não se resumia apenas a agricultura. Os
objetivos do grupo, os elementos culturais e tradicionais, os símbolos, fazem parte e são representantes
de complexas redes de significado de um povo, caracterizando cada povo como único.

Todos os povos indígenas participaram da formação do povo brasileiro, alguns eram preferidos
para escravidão por serem mais “dóceis”. Outros eram considerados inimigos e não aproveitáveis como
escravos, como os Bororo, os Xavante, os Kayapo, os Kaingang etc.

Quando os colonizadores chegaram às terras brasileiras, muitas referências haviam sido deixadas
pelos tupis. Perceba que a cultura brasileira e formada não só pela língua portuguesa, mas também
pelas variadas línguas indígenas, veja alguns exemplos: abacaxi, açaí, acará, aguapé, aipim, amendoim,
babaçu, biboca, caatinga, caba, cabiúna, caboclo, caburé, caeté, caiçara, caipora, cajá, caju, capoeira.

29
Unidade I

Os índios eram povos praticamente autossuficientes. Um índio sabia produzir tudo o que precisaria
ao longo da sua vida. Suas ferramentas, suas armas, sua casa, sua roça, o plantio e a colheita, seus
instrumentos de trabalho, sua canoa, esteira, rede onde dormia, além de identificar os elementos do seu
ambiente que poderiam servir para alimentação ou como medicamento. O conceito utilizado aqui e o de
etnia, isto é, grupo com as mesmas características biológicas, físicas e culturais, valores, instituições etc.

TEXTO II – A exploração

A partir da colonização do nosso país, segundo Cristina Costa (2005), a cultura que será imposta
a esse povo que aqui vivia e a dos europeus, trazida principalmente pelos religiosos, particularmente
pelos jesuítas, que mantiveram durante três séculos o domínio da educação, do pensamento culto e da
produção artística desenvolvida em nosso território. Esses religiosos elegeram o tupi como a “língua
geral”, popular, e o latim e o português como as línguas cultas. Além disso, combinaram a exploração do
trabalho indígena com o ensino religioso. Desta forma, aos poucos, destruíram a cultura nativa.

A população indígena se tornou escrava e se distinguia das camadas cultas, que se dedicavam ao
saber. Essa distinção social e a alienação quanto aos problemas reais da colônia marcaram profundamente
a área intelectual que se formou no Brasil. Lembre-se:

As posições sociais são dadas por meio da estrutura econômica, política, cultural e social criada pelo
próprio homem. A miscigenação resultante destes contatos foi muito intensa, demonstrando o conflito
e as desigualdades existentes, não enquanto conflitos raciais, mas resultantes da ordem econômica,
política, social e cultural do dominante sobre os dominados. Quando os recursos da América ficaram
acessíveis à Europa, a partir de 1492, “com o quase extermínio da população indígena por ocasião
da conquista e com a introdução das doenças pelos conquistadores europeus, [...] o papel da África
no sistema econômico atlântico modificou-se” (UNESCO, 2010, p. 123). Os índios foram mão de obra
escrava utilizada ao longo do processo de extração de pau-brasil, na caça e pesca, na criação de gado
e em determinados ofícios mecânicos. Esta foi dificultada, já que os portugueses pretendiam lucrar
com a venda de escravos para colônia, permitindo um duplo rendimento, contribuindo para o aumento
da acumulação primitiva de capital, já que o mercador metropolitano vendia o escravo ao produtor
colonial, lucrando a primeira vez; e depois comprava, a preço de monopólio a produção encarecida por
esse escravo, revendendo-a ao consumidor de Portugal, lucrando uma segunda vez.

A partir daí os africanos se tornaram escravos nas terras brasileiras para garantir a transformação
completa das estruturas econômicas e sociais.

O indígena era capturado na própria colônia, não oferecendo as vantagens do escravo africano.
Uso da mão de obra indígena impedia o desenvolvimento do novo mercado de comércio português o
tráfico de escravos negros africanos (SANTOS, 2008). E um equívoco acreditar que o indígena tenha tido
problema de adaptação ao trabalho e que por isso foi substituído enquanto escravo pelo negro africano.
Na verdade, as razões são de cunho econômico e comercial. Assim sendo, os portugueses foram buscar
os africanos capturados em diversas regiões da África para trazê-los ao Brasil.

30
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Exercício resolvido:

Os índios que falavam a língua tupi eram considerados dominadores e bons guerreiros, instalaram-
se pelo território brasileiro. Eles eram mais corajosos e diversificados em sua cultura que os demais.
Desenvolveram muitos nomes para as coisas, objetos, animais e plantas. Além dessas características os
tupis diferenciavam-se dos outros indígenas por ser terem desenvolvido?

a) A guerra.

b) A comida.

c) O fogo.

d) A agricultura.

e) O capitalismo.

Resposta correta: D

Justificativa: O que os diferenciava era o fato destes serem os primeiros a realizar a produção agrícola,
isto é, domesticaram plantas e raízes, “como a mandioca, o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o
amendoim, o tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão, o carauá, cuias e cabaças, as pimentas, o abacaxi, o
mamão, a erva-mate, o guaraná, entre muitas outras plantas” (RIBEIRO, 1995, p. 28), o que lhes permitiu
deixar de ser nômades, podendo se estabelecer em determinado território e formar as aldeias.

MÓDULO 4

Texto I – Nossa matriz Africana

Dos portugueses recebemos a matriz de nossa língua, falada em vários países pelo mundo, onde
esses foram os colonizadores; a base religiosa católica, implantada e tornando-se a religião da maioria
do povo de nosso país. Dos indígenas a agricultura, o gosto de limpeza, como estar sempre de banho
tomado, limpo, viver em grupo, respeitar os mais velhos. Agora veremos a contribuição dos africanos.

O contato dos portugueses com os negros era anterior à sua vinda para terras brasileiras, uma vez
que realizavam o tráfico negreiro e utilizavam os africanos como escravos.

A escravidão dos povos africanos foi de fundamental importância para a colonização portuguesa e
para o Império brasileiro, já que a partir do trabalho dos africanos foi possível ao senhor de engenho ter
tempo para desenvolver, manter e ampliar sua fazenda, seu engenho.

O serviço dependia apenas deles. Por esse motivo, o cuidado em comprar todo ano algumas “peças”,
mantendo sempre um corpo produtivo. Isso é relatado também pela “História Geral da África” (UNESCO,
2010, p. 20):
31
Unidade I

(...) tudo pareceu favorecer a exportação dos negros da África para a América; o tráfico negreiro,
entretanto, apenas alcançou a sua plena expansão quando foram criadas as grandes plantações de
cana-de-açúcar. Primeiro, na América espanhola, depois, no Brasil, percebeu-se rapidamente que a
população indígena não podia suportar a dura cadencia do trabalho imposto nas grandes plantações,
ao passo que os africanos, nas mesmas condições, mostraram-se excelentes trabalhadores.

Estima-se que entre 1541 e 1600 foram traficados 274.000 africanos pelo Atlântico. Em alguns
anos, esse número foi para 1.341.000 pessoas, atingindo 6 milhões, no século XVIII. Para o Brasil
estima-se, que entre 1575 e 1675, foram enviados de 400.000 a 450.000, e, no século XVIII, chegou
aproximadamente a 2 milhões. A África se tornou um reservatório de mão de obra, sendo que, sem
esses seria impossível a criação e a exploração dos domínios europeus na América. Por volta, de 1700
essa evolução ficou evidente, com o rápido desenvolvimento das plantações de cana-de-açúcar, que
foi a principal causa pelo aumento da demanda pela mão de obra negra, principalmente no Nordeste.
Depois, com a exploração das minas de ouro e diamantes, e mais tarde, no século XIX, com o café, a
demanda por escravos, entre XVIII e XIX, quase triplicou as do século XVII. (UNESCO, 2010).

Portugal tinha proximidade com continente africano e em decorrência das diversas feitorias
estabelecidas na costa ocidental africana, ao longo do século XV, momento em que se deu o início do
processo de escravização desses povos, facilitou o tráfico negreiro (FONSECA, 2008).

Em Portugal o uso de escravos era disseminado por todos, tanto é que meados do século XVIII, as
famílias possuíam pelo menos um escravo, que cuidava da casa, de serviços braçais rotineiros. Serviços
esses considerados indignos para os portugueses e por isso deixados para os escravos. É desta forma que
se deu a relação de dominação entre portugueses e negros.

Os portugueses segundo Holanda (1995) não tinham orgulho de sua “raça” e isso facilitou a
miscigenação, já que sua formação se dera a partir de convívio e contato com diferentes povos a partir
de seu controle na península ibérica resultando em um povo mestiço. Esse processo de miscigenação
ocorrida com o povo português levou-o a ausência de orgulho para o contato com os outros povos.

Os africanos foram de extrema importância para Portugal, pois levaram benefícios a metrópole, como:
desbravamento do mato, o cultivo do solo, desenvolvimento de lavouras, resultando na fundação de
povoados. O trabalho escravo do africano levou ao desenvolvimento material, já que estavam acabando
o trabalho servil. Isso facilitou a miscigenação entre os portugueses, indígenas e africanos nas terras
brasileiras. Formando uma sociedade híbrida, formando um novo povo e uma nova cultura, processo de
aculturação, segundo os funcionalistas.

O tráfico negreiro era uma atividade altamente lucrativa e nunca apresentou prejuízo para as
empresas mercantis que praticavam esse tipo de comércio. Os lucros auferidos por meio desse tráfico
foram fundamentais para o processo mercantilista português, apesar de morrerem aproximadamente
40% dos escravos, no transporte deste pelos “navios tumbeiros”.

Por mais de trezentos anos, toda riqueza produzida em terras brasileiras foi feita por escravos
africanos, que permaneceram no Brasil, ao longo dos séculos XVI a meados do XIX.
32
CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Foram trazidos para cá, por volta de 4 milhões escravos, sendo que só no século XVIII, devido a
exploração do ouro e diamantes, em Minas Gerais foram trazidos aproximadamente 1.600.000 africanos.
Diante desses dados fica mais claro disso como uma consequência para a formação mestiça da população
brasileira ao longo de sua história, além das mais variadas influências culturais, em geral.

Observação: Os africanos não eram considerados seres humanos. Eram apenas mercadoria e de alto
valor. Sinônimo de escravo res (es), de origem latina, que significa coisa (s), termo usado até o final da
escravidão, em 1888.

Havia praticamente três tipos principais de escravos: os de campo, trabalhando nas lavouras, também
denominados de escravos do eito; os de ofício, que exerciam determinadas e específicas atividades
e conhecedores de certas técnicas, como marcenaria, serralheria e outras; e, os escravos domésticos,
incluindo os de aluguel e os de ganho.

O que deve ficar claro é que os escravos africanos que aqui chegaram ao longo de quase quatros
séculos eram provenientes de várias regiões da África e de diferentes grupos étnico, possuindo diversas
e diferentes culturas, como por exemplo, a língua e a religião. Segundo o senso comum, acredita-se que
todos os escravos, por serem provenientes do continente africano, possuíam a mesma base cultural, o
que é um erro básico do ponto de vista da nossa formação étnica e cultural.

As principais regiões de origem dos escravos trazidos para o Brasil foram: a Guiné (Costa da Mina),
Costa d’Ouro, Costa do Marfim e dos Escravos, Ilha de São Tomé, da atual Nigéria, do Congo, de Angola
e Moçambique, essas últimas eram colônias portuguesas desde o século XV.

Dessas regiões vieram dois principais grupos étnicos (mas não só): os bantos, formado pelos
provenientes da região da Guiné, os angolas e os benguelas, de Angola (Loanda), os cabindas, do Congo
e diversos grupos de Moçambique, como os angicos. Outro importante grupo étnico é o dos sudaneses,
como os iorubás (os nagôs e ketú), originais da atual Nigéria, no qual havia o importante reino de
Benin, os daomeianos e os fanti-aschanti, da Costa d’Ouro, além dos gegês, os minas, os fulas e os
haussás (na Bahia denominados de malês). Esses dois últimos grupos, também, provenientes da atual
Nigéria possuíam base cultural mulçumana e exerceram enorme influência cultural na Bahia, por meio
dos iorubas. Eram altamente revolucionários e no início da nossa história independente, chegaram a
provocar uma grande revolução e tomaram a cidade de Salvador, tendo sido derrotados pelas tropas de
D. Pedro I, quando muitos foram mortos e outros de SUS líderes levados de volta para a Nigéria.

Assim como ocorreu com os grupos étnicos indígenas, os negros passaram, conforme afirma o Prof.
Darcy Ribeiro (1995), por um verdadeiro processo de transfiguração étnico cultural. Houve, entretanto,
de parte dos negros diversos movimentos de resistência cultural, além da formação das bases do nosso
sincretismo religioso, plenamente encontrado em manifestações, como por exemplo, no candomblé e
na umbanda.

Todos conhecem a forte influência africana e de base muçulmana que há na Bahia. Quem não
conhece os Filhos de Gandhi e outros grupos culturais daquele estado brasileiro, por meio de diversas
manifestações artísticas culturais.
33
Unidade I

Em termos de resistência cultural e política são conhecidos os famosos e inúmeros quilombos,


dando origem posterior aos quilombolas (descendentes, inclusive atuais, dos antigos formadores dos
quilombos). O mais importante quilombo foi o de Palmares, em Alagoas, que em 1670 chegou a ter
por volta de 50.000 negros, mantendo, inclusive relações permanentes com a sociedade local. Esse
conhecido quilombo foi inicialmente liderado por Ganga Zumba e posteriormente por Zumbi e chegou
a durar, como um quase verdadeiro “estado negro”, por aproximadamente 70 anos. Depois de muitas
e fracassadas investidas das tropas portuguesas, Palmares foi finalmente arrasado em 1695, pelo
bandeirante Domingos Jorge Velho.

Hoje em dia comemorasse o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, em homenagem a


Zumbi, por se acreditar que tenha sido o dia de sua morte, em Palmares.

O legado da contribuição da cultura africana no Brasil é fundamental para se entender uma enorme
quantidade de manifestações culturais encontradas em diversas regiões do Brasil, sobremaneira na
Bahia, no Maranhão, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro e na formação da população brasileira,
caracterizada por uma forte e miscigenação.

Tanto as diversas leis abolicionistas, como a da extinção do tráfico negreiro, Lei Eusébio de Queirós,
de 1850, quando ainda adentraram no Brasil por volta de 23.000 escravos, como a problemática Lei do
Ventre Livre, de 1871, como a também problemática Lei dos Sexagenários, de 1885 e finalmente a
Lei Áurea, assinada pela regente a Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, não resolveram a situação
de exclusão do negro (e do indígena), gerando formas de marginalidade e discriminação.

Em relação a essas leis abolicionistas fazemos alguns breves comentários, inclusive para justificar
porque foram acima, denominadas de problemáticas, visto que não resolviam concretamente a situação
da população escrava no Brasil. Atenderam basicamente às pressões do movimento abolicionista e
liberal, inclusive de parte da Inglaterra vitoriana.

A conhecida Lei do Ventre livre determinava que crianças negras filhas de escravas negras e nascidas
a partir da promulgação da lei em 1871eram consideradas livres. Mas em que condições concretas? A
criança permaneceria sob os cuidados da mãe escrava até 8 anos. Após, o senhor de sua mãe poderia
optar por receber uma indenização em dinheiro ou passar a utilizar seus trabalhos até os 21 anos de
idade. Isso é liberdade, de fato?

A Lei dos Sexagenários, de 1885, determinava que todos os escravos maiores de 65 anos passavam a
ser livres, mas em diversas situações surgia o problema de como comprovar, concretamente, a idade do
escravo negro, além do que os senhores passaram a receber uma indenização do Estado imperial, pela
perda de possíveis sexagenários.

Algumas províncias brasileiras (atuais estados), como o de Amazonas e do Ceará já haviam abolido a
escravidão em seus territórios, sem que isso tenha provocado maiores traumas nas elites agrárias, visto
que o número de escravos negros era cada vez menor.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Deve ficar claro que quando da promulgação da Lei Áurea, em novembro de 1888, na prática havia
em relação à população de origem negra, apenas e aproximadamente 5,0% de escravos. A grande
maioria dos negros, portanto, já estava livre e alforriada, e nem por isso, integrados de fato à sociedade,
do final do Império e início da República.

O trabalho escravo só foi sendo gradativamente substituído pelo trabalho livre, principalmente de
imigrantes, somente no século XIX, basicamente na agricultura cafeeira, em São Paulo.

E a integração dos negros a sociedade só se realizará a partir da segunda metade do século XX, quando
diversos movimentos da sociedade civil brasileira passaram a lutar contra formas de discriminação e
exclusão do negro e seus descendentes.

TEXTO II – As consequências da exploração

Perceba que a sociedade que toma forma aqui é agrária em sua estrutura, com a mão de obra escrava,
a técnica de exploração econômica, híbrida dos índios, em um primeiro momento, depois de africanos.

Freyre (1997) diz que a sociedade brasileira vai se organizar tanto economicamente como
enquanto civilização somente depois de quase um século do contato dos portugueses com outros
povos. Pois Portugal, em seu momento mercantilista, realizava suas relações comerciais com a Índia
e com a África. Com o Brasil, a relação será outra: a da produção agrícola. E será justamente esta
que organizará a sociedade brasileira colonial em base sólida e favorável, como você pode notar na
citação retirada do livro Casa-grande e senzala, de Freyre, a caracterização da base da sociedade
brasileira (1997, p. 4): “a agricultura, as condições, a estabilidade patriarcal da família, a regularidade
do trabalho por meio da escravidão, a união do português com a mulher índia, incorporada assim à
cultura econômica e social do invasor”.

Isso vai caracterizar a base econômica brasileira até os dias de hoje, tendo suas marcar bem claras,
já que a economia tem ainda seu foco na produção voltado para exportação, com a exploração na mão
de obra de seu povo.

Uma das mais importantes influências do contexto econômico acima descrito ocorreu com o
descompromisso em relação à educação. Já que, desde o início da colonização portuguesa as principais
atividades voltadas para a educação ficaram principalmente sob a responsabilidade dos padres jesuítas,
que imprimiam um processo educacional fortemente marcado pela catequese, valores religiosos do
catolicismo, a cultura literária e a retórica.

Em 1759, o Marquês de Pombal, ministro do rei português, expulsou a Companhia de Jesus de Portugal
e das colônias, provocando no Brasil uma crise educacional, atenuada pela criação da denominada
Escolas Régia, mas não conseguindo desenvolver a educação de maneira mais acentuada. Vai haver
mudanças com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, já que, conjuntamente com esses, vem
à cultura portuguesa, trazendo modernidade. Criam a Academia de Belas-Artes, fundam a imprensa,
lançam um jornal, instalam a primeira biblioteca e surgem os primeiros cursos superiores. (COSTA, 2005).

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Unidade I

Segundo Cristina Costa (2005), é a partir do século XVIII, por causa da mineração, que houve
transformações sociais. Minas Gerais passa pela urbanização, contando com atividades comerciais e para
exportação, mudando a organização social colonial, passando a ser dividida por dois grupos: os donos
de terra e administradores e os escravos. Novas profissões começam a surgir: comerciantes, criadores de
animais, artífices, funcionários administrativos para controlar a mineração e a exportação. Nesse momento,
a população livre é maior do que a escrava e essa camada intermediária precisa de uma cultura que seja
diferente da do escravo inculto e dedicado ao trabalho braçal. Será essa camada, as dos homens livres e sem
propriedade, que irá consumir a erudição e a cultura europeia, o conhecimento como forma de ostentação.

Quanto à produção intelectual, Cristina Costa (2005) conta que se destinava a descrever a colônia
a partir de estudos naturalistas, com o nome de História Natural, e passaram a recrutar da classe
intermediária, intelectuais que estivessem dispostos a servir ao rei e às classes dominantes. Continuava
a ser uma produção alienada, ditada pelos europeus, com o objetivo de organizar o saber descritivo,
funcional e de ostentação. Havia um grupo que possuía conhecimento jurídico e descritivo, mas
sem pensamento crítico. Era uma formação filosófica e humanística desempenhada por professores,
jornalistas e funcionários públicos que eram dependentes da corte e dos donos de terras.

Como consequência, quase que direta da forma de exploração econômica, ocorreu a formação de
uma sociedade rural, patriarcal e fortemente estratificada.

Ao longo de uma parte considerável da formação da nossa sociedade predominou uma estratificação
“piramidal e bipolarizada”. Isto é, de um lado, os senhores brancos, que constituíram uma aristocracia
agrária, bem característica do Brasil, até a época da economia cafeeira. De outro lado, até o final do século
XIX, a grande quantidade de escravos. No meio, poucos homens livres (brancos e mestiços), altamente
subordinados aos senhores rurais, como os “lavradores” das denominadas “fazendas obrigadas” e os
pequenos comerciantes e poucos profissionais liberais.

É interessante destacar o problemático papel dos mestiços, principalmente mulatos e cafuzos, que
conforme é destacado pelo Prof. Darcy Ribeiro (1995), estavam numa situação de “homens de segunda
categoria” e em constante conflito, na medida em que ocupavam uma situação problemática entre os
brancos e os negros escravos.

Em função dessas características houve uma significativa dependência em relação aos senhores e
a formação de uma verdadeira “clientela” do senhor, incluindo os denominados agregados da família
patriarcal, muitos relacionados a uma relação de compadre, com os senhores rurais.

Nesse tipo de sociedade houve o desprezo pelo trabalho manual, relacionado à inferioridade, à
pobreza e outros valores negativos.

Em relação à formação da família patriarcal, na qual o poder básico estava com o denominado pater
família e o destaque do filho primogênito (inicialmente o único herdeiro), Holanda (1995), em seu livro
Raízes do Brasil, afirma que: ”é o tipo de família organizada segundo normas clássicas do velho direito
romano-canônico [...] que prevalece como base e centro de toda a organização [...]. Nesse ambiente, o
pátrio poder é virtualmente ilimitado, e poucos freios existem para sua tirania [...]”.
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

É clara a referência do autor a uma constante prática da violência, em diversos sentidos e não
somente em relação aos escravos, mas tornando-se algo que, infelizmente, ficou marcante da construção
de características da nossa cultura cotidiana, a “cultura da violência”, que se manifesta de maneiras
específicas ao longo das fases históricas do Brasil.

A ostentação senhorial, durante a fase colonial e imperial, no sentido de posse material, a escravaria
doméstica e nas festas, afronta com a pobreza por parte da maioria da população, com o baixo nível
sanitário e com a propagação de doenças venéreas, como a sífilis.

Em decorrência da predominância da base econômica agrária, houve um tardio desenvolvimento


comercial, urbano e industrial.

O que mais havia eram as poucas cidades, como a do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, entre outras, e as
precárias vilas, dependentes das atividades rurais, possuindo uma frágil atividade comercial e com um precário
mercado interno, associado ao frágil poder de consumo. O crescimento das áreas urbanas e das atividades
comerciais ocorreu somente no século XVIII, com a mineração do ouro e diamantes, fato que colaborou para o
surgimento de vários núcleos urbanos, para o crescimento do mercado interno, principalmente no eixo Minas
Gerais e Rio de Janeiro, e uma maior mobilidade social, diante do aspecto social piramidal predominante.

Deve ser ressaltado, entretanto, que face à pressão inglesa no século XVIII, a rainha de Portugal D.
Maria I, em 1785 publicou o Alvará de Proibição Industrial no Brasil, por meio do qual passava ser proibida
qualquer atividade industrial na colônia, com exceção para a fabricação de teares e manufaturas que
produziam tecidos simples de algodão, destinados aos escravos. Essa proibição praticamente perdurou
até 1808, com a chegada da Família Real.

Somente após 1870 é que vai haver mudanças na sociedade brasileira. Com o crescimento da
população, com a expansão da produção cafeeira, tem-se a implantação das ferrovias e aumenta a
pressão das camadas médias urbanas para que possam participar mais da política do país. O processo
de industrialização do Brasil ocorreu somente a partir do final do século XIX, no Rio de Janeiro e no Rio
Grande do Sul. Em São Paulo, a industrialização ocorreu somente a partir de aproximadamente 1870,
nos bairros tradicionais da capital, como o Brás e a Barra Funda.

Essas mudanças vão repercutir na literatura e na crítica social nas obras de:

Aluísio Azevedo, no Maranhão, Adolfo Caminha, no Ceará, Tobias Barreto, em Pernambuco,


Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, no Rio de Janeiro [...] Machado de Assis e Castro Alves, Sílvio Romero,
desenvolvendo a crítica literária, e Euclides da Cunha, que traça em Os Sertões uma elaborada análise
da rebelião camponesa de Canudos, explicitando o conflito de uma sociedade dividida em dois mundos
aparentemente irreconciliáveis: o das cidades litorâneas, receptivas à influência externa, e o do interior,
agrário e tradicional. (COSTA, 2005, p. 149).

Ao mesmo tempo, tem início o processo de desenvolvimento científico, com a criação da Escola
Politécnica de Ouro Preto, em 1874, e a Escola de Engenharia de São Paulo, em 1893 (COSTA, 2005). No
início do século XX, tem-se a criação de instituto, Biológico e Butantã, em São Paulo; o Agronômico, em
Campinas; e o de Patologia Experimental, em Belém.
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Unidade I

Praticamente, a base de uma sociedade rural predominou no Brasil até meados do século XX,
inclusive porque esteve relacionada e dependente da base econômica cafeeira. De 1889 a 1930, será
o período de nossa história chamado de República Velha, caracterizado pela chamada política do café
com leite, alternando no poder da presidência da república do Brasil, representante de Minas Gerais e de
São Paulo. Priorizando uma economia agrária exportadora e uma política contra a industrialização. “As
novas técnicas da revolução industrial chegavam ao Brasil sob a forma de bens e serviços, não afetando
o sistema produtivo” (SANTOS, 2008, p.7).

A economia estava estagnada, devida a concorrência das Antilhas e questões cíclicas, o açúcar
do Brasil perde mercado no comércio mundial, o mesmo ocorre com o algodão, com a concorrência
norte-americana. Isso resultará no desenvolvimento da economia cafeeira. Surgindo com ela uma nova
sociedade, a burguesa. Os coronéis do café tornam-se empresários, homens de negócios, mudando,
assim, o caráter estrutural da sociedade brasileira.

Por volta de 1760, já havia formação de plantações de café, na cidade do Rio de Janeiro. Na Baixada
Fluminense houve melhores condições para o plantio e ao final do século XVIII, a Tijuca, o Corcovado
e o morro da Gávea já estava completamente tomados pelos cafezais. Chegando a região do Vale
do Paraíba, tornando-se o principal local de produção nos anos de 1870. Utilizando-se de mão de
obra escrava a produção de outros gêneros alimentícios era destinada apenas para o consumo. Essa
exploração sistemática da terra a leva a crise e com a proibição do tráfico negreiro em 1850 leva
a crise na produção fluminense. Nesse período, a região do Oeste Paulista tem melhores condições
para continuar a produção, os paulistas deram outra dinâmica, pois com mentalidade empresarial,
introduziram tecnologias e novas formas de plantio.

Com a Revolução Industrial outros mecanismos histórico-estruturais são necessários para permitir a
acumulação de capital. Por isso, as instituições originárias no mercantilismo não servem mais a ordem
social e entram em crise, como as restrições comerciais e o regime de escravidão. Por outro lado, os
conservadores da velha sociedade burguesa, como os traficantes e os latifundiários plantadores de cana
nas Antilhas fazem oposição. Mas, independentemente desses o parlamento inglês, em 1807 acaba com
o tráfico negreiro em suas colônias. Os ingleses fazem pressão sobre o governo brasileiro para colocar
fim ao tráfico. O governo imperial resistiu até 1826, quando assinou um acordo para acabar com o
tráfico em três anos. A burguesia nacional não gostou, nem um pouco disso e a esfera política não fez
vigorar a lei, pelo contrário, “jamais os brasileiros importaram tantos escravos quanto depois dessa lei:
cerca de meio milhão até 1850” (SANTOS, 2008, p.9).

Os ingleses não param de pressionar e em 1845, parlamento inglês aprova o Bill Aberdeen, lei que
determina o apresamento de navios de tráfico negreiro. Vários navios brasileiros são aprendidos, levando
o Brasil a por fim ao tráfico negreiro para suas terras.

Em 1830 surge o café no Rio de Janeiro e é expandido para São Paulo. O Rio de Janeiro torna-se o
principal produtor de café e centro exportador durante a década de 1830 e 1840. Além, de concentrar
bancos e corretoras, favorecendo a inserção do café no mercado mundial.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Com o fim do tráfico negreiro, após a lei de Eusébio de Queiroz, de 04 de setembro de 1850, o tráfico
chega ao fim, mas não a escravatura. A expansão da economia cafeeira gera demanda de mão de obra,
assim houve o deslocamento da população escrava do Nordeste para o Sul/Sudeste do país, já que as
plantações de cana de açúcar estavam decadentes.

A mão de obra escrava estava cada vez mais escassa e seu preço cada vez maior. Para você ter uma
ideia disso, “em 1865, uma escrava valia mais que o escravo homem, pois seu papel reprodutor tornava-a
mais valiosa” (SANTOS, 2008, p.13). Isso levou o sistema escravista a se tornar antieconômico, e depois de
quase quatro séculos chega ao fim a escravidão. Assim, o Brasil entra no sistema de trabalho assalariado.
E de 1880-89 o café brasileiro responde por mais de 55% da produção mundial. Sua expansão leva a
criação de novas casas bancárias por fazendeiros; a expansão das companhias de navegação.

Antes mesmo da utilização da mão de obra imigrante como substituta a escrava, já havia uma
pequena corrente imigratória, em 1824, na Província de Rio Grande São Pedro (hoje o Rio Grande do
Sul) já contava com imigrantes para defender o território contra invasões, por meio do povoamento
intenso. Perceba na citação abaixo as promessas do governo brasileiro aos imigrantes, como sempre não
foram cumpridas:

Na época, o governo brasileiro oferecia vários benefícios, como por exemplo: passagens pagas;
concessão de lotes de terras livres e desimpedidos; suprimento das primeiras necessidades; materiais de
trabalho e animais; isenção de impostos por alguns anos; liberdade de culto (Muller, 1999, p. 7). Contudo,
os benefícios ficariam apenas nas promessas. As terras eram longe das sedes, não tinham estradas e
muito menos escolas em meio à mata intocada. Quanto à liberdade de culto, Müller (1999, p. 8) diz que
o governo deveria prever que entre os imigrantes haveriam luteranos, e pela Constituição Imperial de
1824 a religião católica era oficial, portanto, a prática legal de outros credos era inconstitucional e só
poderiam ser praticados em casas sem aparência exterior de templo. (SANTOS, 2008, p. 25).

A imigração no Paraná começa em 1850, nesse momento o estado produz chá, com incentivos do
governo e 1855 regulamenta a imigração.

O estado de São Paulo, é quem terá o maior número de imigrantes da história com o objetivo de
substituir a mão de obra escrava na lavoura de café. Em 1870, São Paulo discute a falta de mão de
obra, em 1871, “dezessete anos antes da abolição, o presidente da província de São Paulo cria a AACI
(Associação Auxiliadora da Colonização e Imigração) formado por financistas e fazendeiros” (SANTOS,
2008, p.26). Isto é, a AACI tinha como objetivo facilitar para os fazendeiros a obtenção de mão de obra
livre, facilitando a contração de imigrantes.

Sendo interesse comum dos latifundiários do café e governo paulista o de aumentar a oferta de mão
de obra, e ampliar cada vez mais os ideais abolicionistas, fazendo com que a elite cafeeira a preocupar-
se com a escassez de mão de obra.

É claro que na sociedade brasileira havia trabalhador livre, pois muitos negros já haviam sido
libertados pelos seus senhores. Além, da extinção do cativeiro indígena no século XVII resultando em
uma enorme população de mestiços, declarados como bastardos, que mais tarde são reconhecidos como
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Unidade I

caboclos e caipiras agregados em grandes fazendas. Porém, esse trabalho livre é diferente do trabalho
livre do imigrante. Pois a relação de trabalho do imigrante com o fazendeiro se dará pelo pagamento de
sua mão de obra. Porém, por mais que se alterem as relações de produção, ainda se preserva o padrão
capitalista brasileiro, isto é, a produção subordinada ao comercio mundial.

Na década de 1880 a política migratória é colocada em primeiro plano, com a criação de


hospedarias para os imigrantes, e por meio de subsídios que governo concede para pagamento de
transporte dos imigrantes que viriam para trabalhada nas produções agrícolas, como também, com a
criação da SPI (Sociedade Promotora de Imigração) em 1886, com o objetivo de recrutar, transportar
e distribuir os imigrantes.

Países como a Alemanha e a Itália, exportadores dessa mão de obras, dentre outros, se oporão
a imigração destes para o Brasil, “principalmente pela forma tal qual era explorado o trabalho e as
condições subumanas a que eram submetidos os emigrados no Brasil” (SANTOS, 2008, p. 31). Os italianos
terão papel fundamental na transição entre o trabalho escravo e o trabalho livre. Pois eles participarão
ativamente na expansão das empresas. São eles, em sua maioria que irão experimentar os maus tratos
aos quais os escravos já haviam conhecido.

O sistema de parceria foi o utilizado, no qual, os fazendeiros concediam aos colonos pequenos
lotes, os quais produziam e recebiam uma parcela do valor da produção (SANTOS, 2008, p. 33).
Outra forma foi a locação de serviço, por meio do qual o trabalhador recebia uma quantia fixa,
ajustada todo ano, segundo a quantia de café produzido e entregue. O mais usual, foi o sistema
de parceria, a partir do qual estaria inserido o trabalho semi servil do imigrante europeu. Pois, o
sistema de parceria era rentável para o latifundiário, porém para o emigrante era um sistema de
exploração, pois as famílias vinham para o Brasil e os custos eram pagos pelos fazendeiros, além
de concederem um adiantamento para sustentarem-se aqui até que colhesse os alimentos em seus
lotes da fazenda. Assim, com o passar do tempo iam contraindo dívidas com o fazendeiro, com
altas taxas de juros, se tornando prisioneiros das dívidas, e tendo que trabalhar para o latifundiário
e vivendo em condições subumanas, levando vários anos para quitar as dívidas, comprando sua
própria liberdade. Além da exploração econômica, no início da imigração, há também a violência
física e a subjugação psicológica, tanto com castigo corporal como era comum um paternalismo
opressivo, com o qual os coronéis do café interferiam em assuntos domésticos e pessoais do
trabalhador. Esse sistema de parceria utilizado na economia cafeeira foi a maneira encontrada para
manter a mesma forma de exploração que havia na escravista.

Perceba que por mais que o trabalho escravo estivesse sendo extinto, o novo sistema de parceria, que
estava sendo implantado no Brasil, era um escravismo disfarçado.

Esse momento histórico, de 1889 a 1930, é chamado de República Velha, momento em que vivemos
a política do café com leite, já que o governo era alternado entre Minas Gerais e São Paulo, as chamadas
oligarquias cafeeiras, vão investir secundariamente na indústria, controlando o poder político e ação do
Estado em investimentos para área rural, pois atividade era agroexportadora de: açúcar, borracha, cacau,
fumo e principalmente o café, por meio dos quais se gerava renda para o país.

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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Priorizando o modelo agrário exportador contra uma política industrial. A expansão da economia
cafeeira em São Paulo, a partir de 1880, criou pré-requisitos necessários para a expansão industrial.
Primeiro, porque substituiu o trabalho escravo pelo livre de imigrantes, consequentemente vieram para o
país número superior as necessidades rurais. Segundo, por que acabaram por se tornar os trabalhadores
da fábrica e também o mercado consumidor, substituindo as importações, já que produziam aqui o que
antes era importado (VITA, 1989).

Com a abolição da escravatura, o dinheiro usado anteriormente para comprá-los será investido,
desenvolvendo a consciência burguesa, empresarial, diversificando suas atividades econômicas. Levando-os a
estabelecer nas cidades, principalmente em São Paulo, para cuidarem do comércio, da finança e da indústria.
Isto explica o fato dos imigrantes terem se instalado em São Paulo, já que além dos imigrantes colonos
tivemos algumas dezenas de imigrantes que aproveitando os canais de imigração criados pelo Estado fogem
da crise política em que a Itália atravessava, e com esse vinham vultosos capitais (SANTOS, 2008). Sonhavam
em enriquecer, prosperaram no Brasil atuando no comércio exportador, acumulando capital com as indústrias,
como o caso de Giovanni Briccola, criando aqui império bancário; Francisco Matarazzo, com sua fábrica.

Entre 1917 e 1922 teremos o esgotamento da República Velha. Momento em que a indústria
dinamizava a economia e acontecem as primeiras greves operárias, reprimido a questão social como caso
de polícia (VITA, 1989). Em 1922 teremos também o movimento do Tenentismo, refletindo a insatisfação
dos militares e o anseio da camada média de participarem da esfera política e econômica da sociedade.
Também nesse mesmo ano, será realizada a Semana da Arte Moderna, por meio da qual os escritores
e artistas vão propor o fim da cultura europeizante, de valorização da cultura dos outros e o culto ao
passado, afirmando a valorização da cultura indígena e africana.

Ao término da Primeira Guerra Mundial, enquanto a crise se instala na Europa, aqui no Brasil a
burguesia cresce econômica e politicamente. Além disso, o nacionalismo aflora na sociedade brasileira,
buscando unir a nação. Este nacionalismo se apresentou no desejo de se conhecer o povo brasileiro,
rejeitando os traços do colonialismo de atraso e de importação cultural. Esse movimento no início
do século XX reorientou o pensamento social, refletindo em estudos históricos de cunho literário ou
sociológico. Assim, a Sociologia e a Antropologia, como conhecimentos científicos, só surgem no século
XX, na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo – USP, em 1934, e com a produção
de intelectuais como Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.

Assim, na década de 1930, as preocupações dos intelectuais serão (COSTA, 2005):

• A descoberta do Brasil como realmente é (e não o que foi contado pela visão etnocêntrica europeia).

• A busca pelo sentimento de nacionalismo para unir as camadas sociais (levando em conta que
este pensamento foi inspirador para a política e a economia como meta de proteção ao comércio
e à indústria brasileira).

• Valorização da ciência, para explicar a nação.

• Um grande desejo de modernizar toda estrutura social da nossa sociedade.


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Unidade I

Em 1929, há quebra da bolsa de Nova York, o mundo entrou em crise econômica e consequentemente
não havia mais tanta gente querendo comprar café, o preço despencou e a partir daí teremos a Revolução
de 30 instaurando novo modelo de desenvolvimento industrial e urbano. A indústria nasce dependente
do setor cafeeiro, por isso indústria cresce lentamente. Por mais que o número de indústrias tenha
passado de 3.258, em 1907 (com 150.841 operários) para 13.336, em 1920 (com 275.521 operários), a
sua participação no total da produção do país não passava de 10% (VITA, 1989).

De 1930 a 1945, o Brasil passa por uma transição econômica, político e social. A crise mundial
repercute no Brasil com a crise cafeeira, levando a movimentos de reorganização econômica e política.
Nesse momento se instalam setores sociais que queriam derrubar o poder oligárquico e implantar um
novo Estado. Momento histórico, chamado da Era Vargas, em que Getúlio Vargas toma o poder das
oligarquias cafeeiras. Período de governo autoritário e centralizado no presidente, caracterizado pelo
populismo, nacionalismo, trabalhismo e forte incentivo à industrialização.

O modo de pensar foi revolucionado pela atividade comercial, exportação e pela expansão do modo
de produção capitalista do início do século XX, com a formação da burguesia nacional.

Essa nova classe precisava de um pensamento mais racional e estruturado para transformar o país de
colônia em uma nação capitalista. Para tal, se faz necessário chegar às camadas populares e desenvolver
novos interesses de defender o comércio e a produção nacional. Para tal, rompe-se com passado e
buscam “acabar com o analfabetismo, homogeneizar os valores e o discurso, criar um sentimento de
patriotismo que levasse a mudanças reais na estrutura social” (COSTA, 2005, p. 149).

As pesquisas sobre os índios, negros e sertanejos no Brasil intensificam-se na década de 1940,


momento em que também aparecem os estudos e as interpretações sobre a sociedade em sua totalidade,
ou seja, a pesquisa que considera o chamado “povo brasileiro”. Essas análises, elaboradas a partir de 1930
e 1940, tiveram como proposta compreender a “identidade nacional”, resultando o contexto histórico-
político do país.

Os estudos clássicos de Gilberto Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda contribuíram para construir
um olhar antropológico sobre a formação da sociedade brasileira. Esses estudos tiveram como principal
proposta entender as características presentes na sociedade brasileira, considerando seu passado.

Freyre dedicou-se à interpretação do nordeste açucareiro em obras como Casa-grande e Senzala


e Sobrados e Mocambos, enquanto Sérgio Buarque de Holanda priorizou em suas análises o processo
colonizador em sua clássica obra Raízes do Brasil. A publicação dessas obras aconteceu na década de
1930, período de intensas transformações no país, marcado pela expansão das atividades urbanas em
relação ao processo de decadência das áreas rurais.

Outra característica de base econômica advinda do nosso passado e que de certa forma pode ser até
hoje percebida, mesmo que com certas alterações, diz respeito a uma dependência estrutural dos centros
externos de decisões. No período colonial, a dependência econômica e política da metrópole portuguesa,
mesmo durante a fase de domínio espanhol em Portugal e Brasil (1580-1640). No período imperial, a
forte dependência da Inglaterra, que controlava o capitalismo industrial. No início da República uma
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

continuidade da influência inglesa, mas logo substituída pela hegemonia e dependência em relação aos
Estados Unidos, além de uma intromissão de organismos econômicos internacionais, como o FMI e o
Banco Mundial.

Apesar da unidade étnica existente, Darcy Ribeiro (1995) não há uniformidade no país, pois atuaram
sobre ele três forças diversificadoras: a ecológica, fazendo surgir paisagens distintas; a econômica,
criando formas diferenciadas de produção; e a imigração, que introduziram nessa mistura novos
contingentes humanos. Como resultado deste processo histórico surgiram no país, o que Darcy Ribeiro
considerou como “modos rústicos de ser dos brasileiros”, ou seja, grupos que se diferenciam devido
às adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação, mas que tem em comum a
brasilidade. Entre eles, destacam-se os sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral,
caipiras do Sudeste e Centro-oeste do país, gaúchos, além dos ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-
brasileiros, entre outros.

Uma significativa característica política que tem suas raízes em nosso passado refere-se ao longo
período de poder da aristocracia agrária (elite agrária), que ao logo da nossa história assumiu diversas
denominações: no período colonial, os senhores de engenho e das lavras (na mineração), no período
imperial e início do republicano, os denominados “barões do café”, além da presença dos chamados
“coronéis”, denominação até hoje bastante encontrada para referir-se a grandes e poderosos chefes
políticos regionais, que possuem grande influência política e econômica em diversas regiões brasileiras.

Somente no século XX é que se pode dizer que houve a formação de uma burguesia, relacionada
às consequências do período cafeeiro e ao processo urbano-industrial e comercial, mas uma nova
burguesia surgiu somente na segunda metade do século XX, relacionada ao desenvolvimento das
atividades industriais, comerciais e financeiras.

A formação de um verdadeiro clã relacionado a uma oligarquia agrária e patriarcal gerou, desde
o período colonial, o mandonismo local e o clientelismo, diretamente vinculados à prática política do
apadrinhamento e nepotismo. Vejam como isso, infelizmente, ainda é possível ser encontrado em nossa
realidade política, inclusive criando uma verdadeira cultura política, as vezes vista como algo normal.

O “coronelismo”, formado no Império, mas que adentrou à fase republicana, mas cujos reflexos,
infelizmente, ainda podem ser percebidos em determinadas regiões do Brasil. Tudo isso, de certa
forma, influenciou a denominada política dos governadores e a do café com leite, tão característica
da Velha República.

Foi na economia cafeeira que se desenvolveu o transporte ferroviário, os bancos, as pequenas


indústrias de alimento e têxtil (tecido), desenvolvendo a vida urbana (FERREIRA, 2001).

Diversas outras características sugiram principalmente com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder,
com a Revolução de 1930, inclusive com a prática da estratégia política relacionada ao denominado
populismo, altamente associado ao governo getulista (1930-1945), exemplificado pela legalização dos
sindicatos e, principalmente pela publicação das Leis Trabalhistas durante o Estado Novo (1937-47). Na
Constituição de 1937, inspirada no fascismo italiano, denominada de “polaca”, foi elaborada para ser
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Unidade I

uma Carta livre dos ideais democráticos. Momento também, que vamos ter a urbanização das grandes
capitais do Sudeste brasileiro, começando em 1938 até os anos de 1950, decorrente da industrialização
e das migrações rurais urbanas.

Nos anos 20, grandes empresas norte-americanas vieram para o Brasil, como a Ford, Armour, IBM,
Firestone. Com a crise mundial na década de 30, a economia brasileira deixa de produzir para exportar e
passa a desenvolver o mercado interno, levando o desenvolvimento da industrialização. (FERREIRA, 2001).

Tanto é que durante o Estado Novo, como na fase do regime militar ditatorial, implantado no
Brasil entre 1964 a 1985, ocorreram sucessivas intervenções políticas na produção cultural, que não se
resumem apenas à existência da censura governamental, mas também na interferência na educação,
em geral e em diversas organizações culturais do Estado, como da sociedade civil brasileira. De um
modo geral, fazendo uma abordagem geral da relação entre aspectos políticos e seus reflexos sobre a
base cultural brasileira, encontramos uma fragilidade da estrutura político-partidária, inclusive marcada
pela problemática questão da ideologia dos partidos políticos brasileiros. Outra fragilidade política diz
respeito às características liberais e democráticas e da valorização da cidadania.

Vou apresentar esse contexto, resumidamente, para perceber a nossa fragilidade democrática e cidadã.

Nesse momento o mundo está vivendo a 2º Grande Guerra Mundial e, em 1942, o Brasil entra na guerra,
devido ao fato de terem atacando cinco navios mercantes brasileiros. As pressões populares obrigaram o
governo brasileiro a se aliar aos Estados Unidos, pois Getúlio tinha afinidade pelos pensamentos fascista,
enviando as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB), para combater ao lado dos aliados.

Em 1945, devido a busca pela democracia no pós-guerra, Getúlio volta com os partidos, por meio
de decreto e sob seu controle. O Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
formam uma aliança, por quinze anos. Na eleição, após a guerra é eleito Eurico Gaspar Dutra, do PSD,
assim, teremos em 1946, uma nova Constituição, sendo os direitos individuais restabelecidos, colocando
fim a pena de morte e retornando aos estados e municípios a autonomia (legislativa, judiciária, executiva)
e determinando as eleições diretas, sendo que o presidente deveria governar por 5 anos.

No momento em que o mundo vivia a Guerra Fria, em 1947, o nosso país vai decretar a ilegalidade
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cassando os parlamentares do partido. Abolindo relações
democráticas, com o fechamento da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), intervindo nos
sindicatos e rompendo relações com a União Soviética.

Getúlio Vargas, em 1950 volta ao poder, eleito pelo PTB, dando continuidade a política nacionalista
e populista. Cria a Petrobrás, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), limitando a remessa de
lucros para o exterior em 10%. Volta a flexibilizar as relações sindicais e teremos a “greve dos 300 mil”.
A oposição conservadora é liderada pela União Democrática Nacional (UDN). Getúlio se suicida e toma
posse seu vice João Café Filho.

Em 1955, Juscelino Kubitschek – JK, sobe ao poder, vitorioso nas eleições, pelo PSD, levando o país ao
desenvolvimentismo e cria a nova capital, Brasília. Momento em que, chega grande número de empresas
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CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

de outros países, as multinacionais e a economia se voltam novamente ao mercado externo. O país vai
criar uma história de dependência estrangeira em relação ao desenvolvimento industrial, pelo fato da
indústria produzir apenas bens de consumo, não produzindo tecnologia no país, ficando dependente da
tecnologia e do capital estrangeiro. (FERREIRA, 2001).

Em 1964, os militares tomam o poder derrubando a democracia e instaurando a ditadura militar,


perseguindo todos que eram vistos como ameaça ao seu governo. A sexta constituição é austera e
institucionaliza o regime.

1968, após a morte do Estudante Edson Luís, num protesto estudantil, levou o povo, com apoio
da Igreja Católica, a fazerem a Passeata dos Cem mil. Nesse momento, ocorriam greves nas cidades de
Contagem e Osasco, surgindo grupos de luta armada. O governo enrijece, criando o ato institucional
no. 5, o AI5, resultando em repressão, prisões, torturas e morte do povo contrário ao regime. Perdemos
nosso direito de ir e vir. Sendo o período mais brutal, de 1969 a 1974, com o general Medici. A economia
financiada pelo FMI e Banco Mundial, pelos capitalistas, levará a construção de projetos majestosos,
como a Transamazônica, uma estrada que não foi terminada até hoje, que entrou a Amazônia dentro,
destruindo o meio ambiente e invadindo terras indígenas.

Em 1975, o povo não suportando mais a péssima qualidade de vida, começa a se movimentar por
meio dos movimentos populares pedindo melhores condições de vida. Os acadêmicos fazem suas críticas
ao regime na SBPC (Congresso Brasileiro para o Progresso das Ciências). E de 1974 a 1979, com Ernesto
Geisel, começa abertura novamente para democracia.

Infelizmente, há na nossa história política poucos períodos liberais, como o que houve entre 1946 a
1964, em boa parte conhecido pela denominação “anos dourados”, que incluiu a fase do presidente Juscelino
Kubitscheck. Outro período liberal, sem dúvida é o iniciado com a queda do regime militar ditatorial, em
1985, chegando aos dias atuais, quando inclusive com base na Constituição de 1988 (Cidadã), há uma
crescente valorização da cidadania e das organizações representativas da sociedade civil.

A nossa história é marcada pela luta pela democracia, sendo a representação do poder voltada a
outros interesses, que não o interesse do povo brasileiro.

Finalizando, pode-se afirmar que, infelizmente, durante a maior parte da história nacional, ocorreu uma
clara marginalização política da maioria da população brasileira, marcada por diferentes características
que se refletiram na presença de uma cultura política bem característica do nosso cotidiano.

Exercício resolvido:

Estima-se que entre 1575 e 1675 foram traficados para o Brasil entre 400.000 a 450.000, e, no
século XVIII, chegou aproximadamente a 2 milhões. A África se tornou um reservatório de mão de obra,
sendo que, sem esses seria impossível a criação e a exploração dos domínios europeus na América. Por
volta, de 1700 essa evolução ficou evidente, com o rápido desenvolvimento das plantações de cana-
de-açúcar, que foi a principal causa pelo aumento da demanda pela mão de obra negra, principalmente
no Nordeste. Depois, com a exploração das minas de ouro e diamantes, e mais tarde, no século XIX,
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Unidade I

com o café, a demanda por escravos, entre XVIII e XIX, quase triplicou as do século XVII (UNESCO,
2010). O trabalho escravo só foi sendo gradativamente substituído pelo trabalho livre, principalmente de
imigrantes, somente no século XIX, basicamente na agricultura cafeeira, em São Paulo. Em que século os
negros africanos vão ser integrados na sociedade brasileira?

Escolha a alternativa correta:

a) XVI

b) XVII

c) XVIII

d) XIX

e) XX

Resposta correta: E

Justificativa: O trabalho escravo só foi sendo gradativamente substituído pelo trabalho livre,
principalmente de imigrantes, somente no século XIX, basicamente na agricultura cafeeira, em São Paulo.
E a integração dos negros a sociedade só se realizará a partir da segunda metade do século XX, quando
diversos movimentos da sociedade civil brasileira passaram a lutar contra formas de discriminação e
exclusão do negro e seus descendentes.

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