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FACULDADE DE LETRAS
Disciplina: DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E DIREITOS HUMANOS
Profa. Dra. CHRISTIANE CUNHA DE OLVEIRA
Discente: ANA BELÉN VERA – No. de matrícula 146861
1. Introdução
Apesar de as estatísticas terem melhorado para o Brasil nos últimos anos,
continua entre os doze países com maiores níveis de desigualdade social no mundo
(UOL, 2012) Porém, esta situação não é recente, pois o próprio modelo sob o qual
as relações sociais no Brasil foram construídas contribuiu para essa distribuição
inequitativa da renda e do poder e suas decorrentes desigualdades sociais e
regionais. Este sistema da desproporção só foi reproduzido uma e outra vez e
continua vigente até hoje.
No presente trabalho tentaremos estabelecer uma correspondência entre
esta disparidade social que afeta determinado setor da população brasileira (por
sinal, sempre o mesmo) e as consequências que estas diferenças sociais têm nas
atitudes com respeito às variedades linguísticas menos prestigiadas.
3. Metodologia
3.1. Sobre o corpus e a coleta de dados
Devido à impossibilidade, por razões de tempo e distancia, de ter acesso a
entrevistas diretas com informantes que pertençam ao recorte em questão, os dados
serão coletados através de pesquisa bibliográfica. Os tipos de dados que
procuraremos analisar são expressões linguísticas que possam ser consideradas
preconceituosas e provêm principalmente de manifestações linguísticas publicadas
nas redes sociais ou em blogs. Esta escolha se deve à publicidade e acessibilidade
da informação existente na Internet e ao fato de elas serem um espaço propício para
as manifestações espontâneas. Esta classe de manifestações em muitos casos não
são produto de reflexões profundas; são muitas vezes mecânicas, quase intuitivas.
Se estas condições estiverem presentes, o resultado muito provavelmente serão
declarações linguisticamente pouco monitoradas e ideologicamente mais claras, que
permitirão observar com maior facilidade a ocorrência de expressões que possam
ser atribuídas ao preconceito linguístico.
Para maior confiabilidade dos dados, tentaremos sempre que possível realizar
uma captura de tela para gerar o arquivo, com o objetivo de retratar o exemplo do
modo mais fiel possível.
Quase meio século após essa publicação, estas ideias preconcebidas ainda
estão na mente de determinados setores da população brasileira quando pensam
nos nordestinos. Porém, a principal ferramenta para eles identificarem os originários
dessa região e que acaba sendo alvo da maioria das críticas é a variedade
linguística. Segundo Marcos Bagno, isto acontece porque:
(…) O preconceito linguístico não existe. O que existe, de fato, é um
profundo e entranhado preconceito social. Se discriminar alguém por
ser negro, índio, pobre, nordestino, mulher, deficiente físico,
homossexual etc. já começa a ser considerado “publicamente
inaceitável” (o que não significa que essas discriminações tenham
deixado de existir) e “politicamente incorreto” (…), fazer essa mesma
acusação com base no modo de falar da pessoa é algo que se passa
com muita “naturalidade”, e a acusação de “falar tudo errado”,
“atropelar a gramática” ou “não saber português” pode ser proferida
por gente de todos os espectros ideológicos (…) (2003, p.16, grifos
do autor.)
•“Baianada”
Segundo o dicionário Caldas Aulete, “baianada” é o “comportamento
extrovertido e fanfarrão de baiano” ou uma “coisa malfeita por desrespeito às regras
e/ou aos costumes”. Como podemos ver no seguinte exemplo retirado dum
comentário num blog: “Estava ao lado de uma paulista e um cidadão passou e fez
uma besteira enorme ela soltou gargalhando “que baianada!” (TAPIOCA, 2009). Aqui
o desrespeito às regras é atribuído gratuitamente aos nordestinos sem sequer saber
a origem da pessoa que cometeu a falta. A origem é histórica, como podemos
observar:
As relações entre nordestinos, nativos e outros grupos
migrantes foram marcadas por preconceitos. Os migrantes
nordestinos em São Paulo foram indistintamente
denominados “baianos”, independente do estado de origem
(Pierucci, 1994, Seyferth, 1995, Guimarães,2002). De acordo
com Guimarães, esse estereótipo é carregado de uma forte
conotação racial, uma vez que a Bahia é o estado brasileiro
de mais forte presença negra (GUIMARÃES, 2002 apud
NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 24).
•“Paraíba”
Novamente, segundo o dicionário Caldas Aulete, “Paraíba” seria: “operário da
construção civil” ou “qualquer nordestino, sobretudo o que procura a região sudeste
em busca de trabalho”. Aqui a vinculação dos nordestinos com trabalhos
considerados inferiores fica evidenciada. Observamos outra vez que “Paraíba” pode
ser atribuído a qualquer nordestino.
“A gente vem jogar na Paraíba e colocam um “paraíba” para apitar, só dá
nisso” (LEITÃO, 2010): aqui a expressão é usada para desqualificar a capacidade
profissional duma pessoa, encobrindo o preconceito de que nenhum nordestino está
capacitado para realizar um trabalho que requeira qualificação.
•“Pau-de-arara”
Proposto no dicionário Caldas Aulete como sinônimo de “Paraíba”, esta
expressão tem as seguintes acepções: “caminhão que transporta retirantes do
Nordeste brasileiro, ger. rumo a estados do Sul e do Sudeste do País”, “esse
retirante” ou “qualquer nordestino”. A relação aqui é diretamente estabelecida entre o
povo nordestino e o veículo que muitos usavam para se transportar até as grandes
cidades.
“O grosso da população nordestina continua figurando na paisagem da cidade
em posições subalternas. O caso do pau-de-arara que virou presidente da República
é apenas uma exceção que confirma a regra” (TOLEDO, 2010). Novamente, aqui a
crítica é contra a persona como figura política, por não estar de acordo com a sua
ideologia, com suas ações, etc. Mas a desaprovação fica escondida detrás do fato
de ele ser nordestino.
•“Ceará”
“Os apelidos mais comuns que sofri: Paraíba, pejorativamente; Ceará,
pejorativamente; Jabá; Cangaceiro; Bichim...” (QUEIROZ, 2011). Este é o
depoimento dum professor nordestino que foi duramente discriminado em São
Paulo durante todo o tempo que durou seu curso. Aqui podemos observar que a
discriminação por falta de qualificação acadêmica também é uma desculpa. Neste
caso a vítima não só é alfabetizado, senão que está inserido num curso superior.
Ainda assim, o “estigma” de ser nordestino não o abandona.
•Atitudes sobre a variedade linguística nordestina
“O povo nordestino é tão diferente por que é engraçado, é o sotaque
que faz ele ser engraçado pro resto do país? Qual é o diferencial do
povo nordestino? Por que ele é tido como engraçado, principalmente
o cearense?” (LIMA, 2014).
Esta foi a pergunta realizada pelo jornalista Baran ao jogador Hulk, que, aliás,
é paraibano. A ideia muito difundida de que o sotaque nordestino é “engraçado” é
também uma forma de denegrir a variedade linguística, porque algo que causa
graça, que é “uma piada”, tem necessariamente sua importância e seu valor
reduzidos.
Outro exemplo é este comentário no Facebook: “Nordestinos falam lerdo,
falam cantando, falam errado, falam gritando (dependendo da região): nordestinos,
parem de falar”. Estas ideias circulam no discurso social cotidiano do resto do povo
brasileiro e de muitos nordestinos. Porém, segundo linguistas como Marcos Bagno
(2003), “errado” ou “certo” não são categorias que possam ser aplicadas a objetos
de estudo como as variedades linguísticas.
•Atitudes sobre o analfabetismo ou baixo grau de escolarização a que o povo
nordestino tem acesso, associado à pobreza.
Levantados por Camila Campanerut (2010), os comentários nas redes sociais
acusam esta problemática: “Brasil podia ser dividido Atrasados retardados do Norte
Nordeste e nós que queremos evoluir eles ficaram com a Dilma”, ou "De que adianta
ter #orgulhodesernordestino se nem civilização tem la? bando de burro, tem os
piores ensinos e ganham esmolas do PT!!!". Nestes dois comentários é atacada a
suposta capacidade intelectual dos nordestinos e dos nortistas como desculpa para
atacar as escolhas políticas que muitos deles realizam. Mais uma vez, a crítica é
ideológica, mas está disfarçada de crítica linguística. Dizemos que é de natureza
linguística porque a ideia preconcebida é que “nordestino fala errado” porque é
“burro” e é “burro” porque é analfabeto.
Os migrantes nordestinos encontraram condições bem menos
favoráveis de ascensão social que os imigrantes europeus do início do
século. Além de se depararem com as fronteiras da sociedade
industrial previamente demarcadas e as oportunidades de mobilidade
mais restritas (o que provocou uma significativa migração de retorno a
partir dos anos 90), contra os nordestinos pesava o fato de serem
racialmente miscigenados e serem vistos na sociedade de destino
como intrinsecamente “atrasados” e “incivilizados”, ao contrário dos
imigrantes europeus, que passaram a ser vistos como apenas pobres.
(NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 23 grifos nossos).
5. Considerações finais:
Segundo Marcos Bagno, a principal dificuldade apresentada pelo preconceito
linguístico é que “(...) o que está sendo avaliado não é a língua da pessoa, mas sim
a própria pessoa, na sua integralidade física, individual e social” (2003, p.29).
Depois de ter analisado alguns dos (lamentavelmente) muitos exemplos de
termos discriminatórios contra os nordestinos, podemos observar o que se esconde
por trás do preconceito linguístico.
Primeiro, há uma generalização descontrolada quando se fala em "baianos",
"Paraíba", "Ceará" etc., pois a denominação é independente da origem da vítima.
Segundo, como foi mencionado, grande parte do preconceito é étnico, devido
às origens africanas e indígenas do povo nordestino, que resultou numa fisionomia
com características desprezadas por uma elite que nunca abandonou o sonho de
"branqueamento" da sociedade brasileira.
Terceiro, analfabetismo é uma realidade do povo nordestino. Segundo dados
do IBGE do ano 2011 o Nordeste concentra 52,7% do total de analfabetos do Brasil.
Porém, é aproveitada para criticar as opções políticas de grande parte dos eleitores
da região, principalmente por parte dos opositores partidários do PT, quem acabam
vinculando sem base empírica o analfabetismo com a diminuição das capacidades
intelectuais. Além disso, se o acesso a educação de qualidade é dificultado não é
responsabilidade direta do povo, senão que eles são vítimas do sistema desigual, o
mesmo que os deixa restringidos a um mercado de trabalho reduzido e coarta suas
possibilidades de melhorar suas condições de vida.
Por último, os nordestinos não falam "errado". Eles apenas usam outra
variedade regional, que é um produto histórico das culturas que entraram em
contato na formação desse povo. Novamente, "errado", "bonito" ou "engraçado" não
são categorias aplicáveis à língua.
Carolina Cantarino (2008) traz a linguista Marta Scherre para corroborar esse
discurso social difundido:
Em seu livro Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística,
mídia e preconceito, Scherre analisa como o preconceito linguístico
pode ser facilmente percebido na mídia, no despreparo dos jornalistas
para lidar com as variedades linguísticas regionais e sociais e em sua
intolerância com a linguagem coloquial. (...) “Em termos legais, as
pessoas não podem ter preconceito de raça, de credo ou religião, mas
o preconceito linguístico é tolerado e até tido como algo ‘natural’. A
sociedade não só aceita, ela também legitima essa forma de
preconceito”. (grifos nossos)
Lima, F. (16 de junho de 2014). Tribuna do Ceará online. Acesso em junho de 2014,
disponível em "Não fazemos graça para ninguém", responde Hulk sobre sotaque
nordestino: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/cotidiano-2/nao-fazemos-graca-
pra-ninguem-diz-hulk-sobre-pergunta-acerca-sotaque-nordestino/?
utm_source=facebook&utm_medium=Felipe+Lima&utm_term=Cotidiano&utm_camp
aign=facebook+tribuna
Tapioca, M. (24 de agosto de 2009). Farinha de mandioca: tapioca para comer com
os olhos. Acesso em Junho de 2014, disponível em Baianada:
http://farinhademandioca.wordpress.com/2009/08/24/baianada/
UOL São Paulo. (25 de setembro de 2012). UOL ECONOMIA. Acesso em junho de
2014, disponível em Apesar de avanço, Brasil continua entre os 12 países mais
desiguais, segundo Ipea: http://economia.uol.com.br/ultimas-
noticias/redacao/2012/09/25/apesar-de-avanco-brasil-continua-entre-os-12-paises-
mais-desiguais-segundo-ipea.jhtm