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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS
Disciplina: DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E DIREITOS HUMANOS
Profa. Dra. CHRISTIANE CUNHA DE OLVEIRA
Discente: ANA BELÉN VERA – No. de matrícula 146861

Resumo estendido – NORDESTINOS: O QUE SE ESCONDE POR TRÁS DO


PRECONCEITO LINGUÍSTICO?

1. Introdução
Apesar de as estatísticas terem melhorado para o Brasil nos últimos anos,
continua entre os doze países com maiores níveis de desigualdade social no mundo
(UOL, 2012) Porém, esta situação não é recente, pois o próprio modelo sob o qual
as relações sociais no Brasil foram construídas contribuiu para essa distribuição
inequitativa da renda e do poder e suas decorrentes desigualdades sociais e
regionais. Este sistema da desproporção só foi reproduzido uma e outra vez e
continua vigente até hoje.
No presente trabalho tentaremos estabelecer uma correspondência entre
esta disparidade social que afeta determinado setor da população brasileira (por
sinal, sempre o mesmo) e as consequências que estas diferenças sociais têm nas
atitudes com respeito às variedades linguísticas menos prestigiadas.

1.1. Marco teórico


Para isso, tomaremos como marco teórico quatro textos que nos ajudarão a
compreender as origens das diferenças sociais e as consequências que elas têm
nos setores menos favorecidos, especialmente no que respeita à discriminação e
como esta se manifesta, por sua vez, no preconceito linguístico.
O primeiro texto de referência é “Preconceito linguístico, variação e o papel
da universidade” (OLIVEIRA, 2008). Neste artigo a autora aborda o preconceito
linguístico através do diálogo com o livro do linguista Marcos Bagno “Preconceito
Linguístico – o que é, como se faz” (1999). Oliveira discute o que é o preconceito
linguístico, como se constrói socialmente e historicamente e como a universidade
deve ser um espaço de onde surjam propostas que permitam o combate contra
essas atitudes negativas e a valorização das variedades linguísticas. Este artigo
contribui para a nossa pesquisa na medida em que define a noção de preconceito
linguístico e aponta o valor das variedades linguísticas (conceitos teóricos
fundamentais para nosso trabalho) de forma menos radical que o nosso outro
referente, Marcos Bagno, colocando outras vozes na discussão.
O nosso segundo referente é "Poder e preconceito" (CANTARINO, 2008). A
autora defende a necessidade de reconhecer que o aparente monolinguismo no
Brasil foi uma imposição, mas que não coincide com a realidade. Coexistem no
território numerosas línguas indígenas, línguas africanas, línguas europeias. Porém,
a autora faz questão de dar a importância correspondente também às variedades
que convivem dentro do próprio Português, tanto do tipo diatópicas quanto
diastráticas, que aportam à riqueza da língua brasileira.
Este artigo oferece uma visão muito interessante sobre por que cada
variedade do português brasileiro deve ser considerada dentro do seu contexto: é
um produto histórico, que forma parte da identidade dessa comunidade linguística e
deve ser respeitada como tal. Além disso, apresenta argumentos e visões
contundentes contra o preconceito linguístico e sua raiz no preconceito social.
Todos estes são pontos altamente relevantes para nossa pesquisa.
O terceiro texto a que faremos referência é "A norma oculta: língua e poder
na sociedade brasileira" (BAGNO, 2003). Marcos Bagno analisa o fenômeno do
preconceito linguístico desde diferentes perspectivas, concentrando-se no que está,
segundo o autor, por trás dessas atitudes. O linguista questiona a própria
autenticidade do conceito, pois, para o autor, só existe para encobrir preconceitos
de outras naturezas. Este trabalho é de enorme utilidade para nossa pesquisa, pois
fornece uma visão muito clara e fundamentada sobre o preconceito linguístico,
como surge, as atitudes e ideias que de fato encobre e as implicações que tem na
realidade brasileira.
Por último, o artigo "Da escravidão às migrações: raça e etnicidade nas
relações de trabalho no Brasil" (NÓBREGA E DAFLON, s/d) apresenta uma análise
histórica da transição da ordem escravocrata para o trabalho assalariado no Brasil,
levando em consideração como os fatores étnicos foram e são determinantes nas
relações de trabalho que se construíram nas origens do país e permanecem até
hoje. Para realizar este exame, os autores observam o caso dos trabalhadores
negros, dos italianos e dos nordestinos. Este trabalho é fundamental para a nossa
pesquisa, porque nos ajuda a entender como foi constituído o imaginário sobre os
nordestinos imperante até a atualidade, e no qual se sustentam as práticas
discriminatórias, entre elas o preconceito linguístico.

2. Definição das questões empíricas


2.1. Definição do objeto de estudo.
O nosso trabalho pretende ser a resposta para a seguinte pergunta: é
possível perceber traços de discriminação contra o povo nordestino por diferentes
razões (origem étnica, origem social, condições econômicas), que sejam encobertos
pelo preconceito linguístico e se manifestem, portanto, em trechos de linguagem
falada ou escrita?

2.2. Relevância da pesquisa


Segundo Oliveira (2008):
F alar de preconceito é falar de opinião ou convicção formada
previamente, sem o devido conhecimento dos fatos ou circunstâncias
que envolvem um processo, um acontecimento ou uma situação. Ao
pospormos o adjetivo “linguístico” a esse nome, temos um sintagma
que expressa a intolerância e a aversão a usos da língua fora dos
considerados modelares na sociedade, como marcas identitárias de
desprestígio social, econômico, cultural, político, entre outros (p. 115).

A discriminação de diferentes naturezas manifestada na língua gera


repercussões na vida das vítimas, como baixa autoestima, ocultamento dos traços
que identificam a variedade, problemas de identificação com a sua variedade
linguística regional; dificuldades de inserção no mercado de trabalho, dificuldades de
permanência nos estabelecimentos educativos. Acreditamos que o primeiro passo
na luta contra o preconceito linguístico é desvendar as atitudes que continuam
reforçando essa discriminação para nos conscientizarmos da importância de
combatê-lo, já que o dano causado às vítimas é muito grave em vários aspectos das
suas vidas. Nossa pesquisa pretende ser um pequeno aporte para tal exposição.

3. Metodologia
3.1. Sobre o corpus e a coleta de dados
Devido à impossibilidade, por razões de tempo e distancia, de ter acesso a
entrevistas diretas com informantes que pertençam ao recorte em questão, os dados
serão coletados através de pesquisa bibliográfica. Os tipos de dados que
procuraremos analisar são expressões linguísticas que possam ser consideradas
preconceituosas e provêm principalmente de manifestações linguísticas publicadas
nas redes sociais ou em blogs. Esta escolha se deve à publicidade e acessibilidade
da informação existente na Internet e ao fato de elas serem um espaço propício para
as manifestações espontâneas. Esta classe de manifestações em muitos casos não
são produto de reflexões profundas; são muitas vezes mecânicas, quase intuitivas.
Se estas condições estiverem presentes, o resultado muito provavelmente serão
declarações linguisticamente pouco monitoradas e ideologicamente mais claras, que
permitirão observar com maior facilidade a ocorrência de expressões que possam
ser atribuídas ao preconceito linguístico.
Para maior confiabilidade dos dados, tentaremos sempre que possível realizar
uma captura de tela para gerar o arquivo, com o objetivo de retratar o exemplo do
modo mais fiel possível.

4. Análise dos dados


A partir da análise dos dados, observamos que as ideias que compõem o
imaginário de muitos brasileiros, principalmente no sul e no sudeste do país, são as
mesmas que nos inícios da migração:
(... )(Bosco e Jordão Netto, 1967:198) apontaram como pontos
negativos dessa migração “a) a maioria dos migrantes possui baixa
instrução e qualificação profissional quase nula, conseguindo apenas
subempregos ou ocupações grosseiras em São Paulo; b) um grande
número de migrantes são doentes e subnutridos, ocasionando
constante sobrecarga aos organismos de assistência médico-sociais
do Estado; c) agravamento do problema de habitação com a
consequente proliferação de favelas nas zonas urbanas; d)
crescimento dos índices de criminalidade; e) declínio das condições
eugênicas e f) queda no padrão de vida do proletariado rural e urbano
nas classes sem qualificação profissional” (BOSCO E JORDÃO
NETTO, 1967 apud NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 25, grifos nossos )

Quase meio século após essa publicação, estas ideias preconcebidas ainda
estão na mente de determinados setores da população brasileira quando pensam
nos nordestinos. Porém, a principal ferramenta para eles identificarem os originários
dessa região e que acaba sendo alvo da maioria das críticas é a variedade
linguística. Segundo Marcos Bagno, isto acontece porque:
(…) O preconceito linguístico não existe. O que existe, de fato, é um
profundo e entranhado preconceito social. Se discriminar alguém por
ser negro, índio, pobre, nordestino, mulher, deficiente físico,
homossexual etc. já começa a ser considerado “publicamente
inaceitável” (o que não significa que essas discriminações tenham
deixado de existir) e “politicamente incorreto” (…), fazer essa mesma
acusação com base no modo de falar da pessoa é algo que se passa
com muita “naturalidade”, e a acusação de “falar tudo errado”,
“atropelar a gramática” ou “não saber português” pode ser proferida
por gente de todos os espectros ideológicos (…) (2003, p.16, grifos
do autor.)

A continuação, forneceremos alguns exemplos de expressões que servem


para veicular esses preconceitos.
O português brasileiro têm incorporado expressões para se referir ao povo
nordestino, independentemente do estado de origem, que velam preconceitos de
outras naturezas. Por exemplo, “Baianada”, “Paraíba”, “Pau-de-arara”, “Ceará”,
“Cabeça-chata”, etc.
Esses imigrantes serão, em São Paulo e no Sul, principalmente,
chamados de baianos. Sem serem mulatos, eram mestiços e
acaboclados, igualmente baixos, cabeças chatas, pobres e
analfabetos ou semi-analfabetos. Era o tipo de gente que o brasileiro
do sul não gostaria que fosse brasileiro – o seu Outro rejeitado, um
outro modo de ser brasileiro: mestiço, imigrante, pobre, “desterrado”
(GUIMARÃES, 2002, apud NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 24).

•“Baianada”
Segundo o dicionário Caldas Aulete, “baianada” é o “comportamento
extrovertido e fanfarrão de baiano” ou uma “coisa malfeita por desrespeito às regras
e/ou aos costumes”. Como podemos ver no seguinte exemplo retirado dum
comentário num blog: “Estava ao lado de uma paulista e um cidadão passou e fez
uma besteira enorme ela soltou gargalhando “que baianada!” (TAPIOCA, 2009). Aqui
o desrespeito às regras é atribuído gratuitamente aos nordestinos sem sequer saber
a origem da pessoa que cometeu a falta. A origem é histórica, como podemos
observar:
As relações entre nordestinos, nativos e outros grupos
migrantes foram marcadas por preconceitos. Os migrantes
nordestinos em São Paulo foram indistintamente
denominados “baianos”, independente do estado de origem
(Pierucci, 1994, Seyferth, 1995, Guimarães,2002). De acordo
com Guimarães, esse estereótipo é carregado de uma forte
conotação racial, uma vez que a Bahia é o estado brasileiro
de mais forte presença negra (GUIMARÃES, 2002 apud
NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 24).

•“Paraíba”
Novamente, segundo o dicionário Caldas Aulete, “Paraíba” seria: “operário da
construção civil” ou “qualquer nordestino, sobretudo o que procura a região sudeste
em busca de trabalho”. Aqui a vinculação dos nordestinos com trabalhos
considerados inferiores fica evidenciada. Observamos outra vez que “Paraíba” pode
ser atribuído a qualquer nordestino.
“A gente vem jogar na Paraíba e colocam um “paraíba” para apitar, só dá
nisso” (LEITÃO, 2010): aqui a expressão é usada para desqualificar a capacidade
profissional duma pessoa, encobrindo o preconceito de que nenhum nordestino está
capacitado para realizar um trabalho que requeira qualificação.
•“Pau-de-arara”
Proposto no dicionário Caldas Aulete como sinônimo de “Paraíba”, esta
expressão tem as seguintes acepções: “caminhão que transporta retirantes do
Nordeste brasileiro, ger. rumo a estados do Sul e do Sudeste do País”, “esse
retirante” ou “qualquer nordestino”. A relação aqui é diretamente estabelecida entre o
povo nordestino e o veículo que muitos usavam para se transportar até as grandes
cidades.
“O grosso da população nordestina continua figurando na paisagem da cidade
em posições subalternas. O caso do pau-de-arara que virou presidente da República
é apenas uma exceção que confirma a regra” (TOLEDO, 2010). Novamente, aqui a
crítica é contra a persona como figura política, por não estar de acordo com a sua
ideologia, com suas ações, etc. Mas a desaprovação fica escondida detrás do fato
de ele ser nordestino.
•“Ceará”
“Os apelidos mais comuns que sofri: Paraíba, pejorativamente; Ceará,
pejorativamente; Jabá; Cangaceiro; Bichim...” (QUEIROZ, 2011). Este é o
depoimento dum professor nordestino que foi duramente discriminado em São
Paulo durante todo o tempo que durou seu curso. Aqui podemos observar que a
discriminação por falta de qualificação acadêmica também é uma desculpa. Neste
caso a vítima não só é alfabetizado, senão que está inserido num curso superior.
Ainda assim, o “estigma” de ser nordestino não o abandona.
•Atitudes sobre a variedade linguística nordestina
“O povo nordestino é tão diferente por que é engraçado, é o sotaque
que faz ele ser engraçado pro resto do país? Qual é o diferencial do
povo nordestino? Por que ele é tido como engraçado, principalmente
o cearense?” (LIMA, 2014).

Esta foi a pergunta realizada pelo jornalista Baran ao jogador Hulk, que, aliás,
é paraibano. A ideia muito difundida de que o sotaque nordestino é “engraçado” é
também uma forma de denegrir a variedade linguística, porque algo que causa
graça, que é “uma piada”, tem necessariamente sua importância e seu valor
reduzidos.
Outro exemplo é este comentário no Facebook: “Nordestinos falam lerdo,
falam cantando, falam errado, falam gritando (dependendo da região): nordestinos,
parem de falar”. Estas ideias circulam no discurso social cotidiano do resto do povo
brasileiro e de muitos nordestinos. Porém, segundo linguistas como Marcos Bagno
(2003), “errado” ou “certo” não são categorias que possam ser aplicadas a objetos
de estudo como as variedades linguísticas.
•Atitudes sobre o analfabetismo ou baixo grau de escolarização a que o povo
nordestino tem acesso, associado à pobreza.
Levantados por Camila Campanerut (2010), os comentários nas redes sociais
acusam esta problemática: “Brasil podia ser dividido Atrasados retardados do Norte
Nordeste e nós que queremos evoluir eles ficaram com a Dilma”, ou "De que adianta
ter #orgulhodesernordestino se nem civilização tem la? bando de burro, tem os
piores ensinos e ganham esmolas do PT!!!". Nestes dois comentários é atacada a
suposta capacidade intelectual dos nordestinos e dos nortistas como desculpa para
atacar as escolhas políticas que muitos deles realizam. Mais uma vez, a crítica é
ideológica, mas está disfarçada de crítica linguística. Dizemos que é de natureza
linguística porque a ideia preconcebida é que “nordestino fala errado” porque é
“burro” e é “burro” porque é analfabeto.
Os migrantes nordestinos encontraram condições bem menos
favoráveis de ascensão social que os imigrantes europeus do início do
século. Além de se depararem com as fronteiras da sociedade
industrial previamente demarcadas e as oportunidades de mobilidade
mais restritas (o que provocou uma significativa migração de retorno a
partir dos anos 90), contra os nordestinos pesava o fato de serem
racialmente miscigenados e serem vistos na sociedade de destino
como intrinsecamente “atrasados” e “incivilizados”, ao contrário dos
imigrantes europeus, que passaram a ser vistos como apenas pobres.
(NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 23 grifos nossos).

•Atitudes sobre a pobreza


“Que bom então que vão todos embora daqui, estamos de saco cheio já de
ver esse povo feio e fedido construindo favelas em cima de favelas em toda SP, vão
embora e não volte nunca mais.” Este comentário na rede social Facebook é um
exemplo da concepção que muitos paulistas têm sobre os nordestinos, e que se
corresponde em certa medida com uma das realidades que tem se reproduzido
desde o início da migração nordestina:
Em virtude de sua pobreza material original e das condições pouco
favoráveis que encontraram nas regiões de destino, os migrantes
nordestinos ocuparam os bairros pobres e a periferia das grandes
capitais, inclusive algumas áreas anteriormente ocupadas pelos
imigrantes europeus. (FONTES, 2008 apud NÓBREGA E DAFLON,
s/d, p. 23 grifos nossos).

•Atitudes sobre as ocupações dos nordestinos nas grandes cidades.


Como fica evidente neste outro comentário no Facebook pelo mesmo usuário:
“Vocês vem sem terminar ao menos a 5 série e acham mesmo que
vão conseguir um emprego bom? No máximo que vocês vão ser é
pedreiros, frentistas, faxineiras (quando tem um trabalho) ou se não
vão ser traficantes, ladrões (as) e viciados (as) em crack, oh! bem
inteligente vocês.”

Segundo o discurso socialmente difundido, é impossível que alguém sem


qualificação profissional alcance uma posição social melhor. No caso dos
nordestinos, eles estão “destinados” a esse tipo de empregos devido à sua origem,
como vem ocorrendo há décadas:
Segundo Pardini, os nacionais ocupavam“[...] Profissões subalternas
e não-qualificadas, não possuindo tradições de classe, ressentindo-
se da “superioridade” cultural e até “racial” do imigrante. (2003, apud
NÓBREGA E DAFLON, s/d, p. 23).

5. Considerações finais:
Segundo Marcos Bagno, a principal dificuldade apresentada pelo preconceito
linguístico é que “(...) o que está sendo avaliado não é a língua da pessoa, mas sim
a própria pessoa, na sua integralidade física, individual e social” (2003, p.29).
Depois de ter analisado alguns dos (lamentavelmente) muitos exemplos de
termos discriminatórios contra os nordestinos, podemos observar o que se esconde
por trás do preconceito linguístico.
Primeiro, há uma generalização descontrolada quando se fala em "baianos",
"Paraíba", "Ceará" etc., pois a denominação é independente da origem da vítima.
Segundo, como foi mencionado, grande parte do preconceito é étnico, devido
às origens africanas e indígenas do povo nordestino, que resultou numa fisionomia
com características desprezadas por uma elite que nunca abandonou o sonho de
"branqueamento" da sociedade brasileira.
Terceiro, analfabetismo é uma realidade do povo nordestino. Segundo dados
do IBGE do ano 2011 o Nordeste concentra 52,7% do total de analfabetos do Brasil.
Porém, é aproveitada para criticar as opções políticas de grande parte dos eleitores
da região, principalmente por parte dos opositores partidários do PT, quem acabam
vinculando sem base empírica o analfabetismo com a diminuição das capacidades
intelectuais. Além disso, se o acesso a educação de qualidade é dificultado não é
responsabilidade direta do povo, senão que eles são vítimas do sistema desigual, o
mesmo que os deixa restringidos a um mercado de trabalho reduzido e coarta suas
possibilidades de melhorar suas condições de vida.
Por último, os nordestinos não falam "errado". Eles apenas usam outra
variedade regional, que é um produto histórico das culturas que entraram em
contato na formação desse povo. Novamente, "errado", "bonito" ou "engraçado" não
são categorias aplicáveis à língua.
Carolina Cantarino (2008) traz a linguista Marta Scherre para corroborar esse
discurso social difundido:
Em seu livro Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística,
mídia e preconceito, Scherre analisa como o preconceito linguístico
pode ser facilmente percebido na mídia, no despreparo dos jornalistas
para lidar com as variedades linguísticas regionais e sociais e em sua
intolerância com a linguagem coloquial. (...) “Em termos legais, as
pessoas não podem ter preconceito de raça, de credo ou religião, mas
o preconceito linguístico é tolerado e até tido como algo ‘natural’. A
sociedade não só aceita, ela também legitima essa forma de
preconceito”. (grifos nossos)

É fundamental combater o preconceito linguístico, já que ataca traços que formam


parte do valioso patrimônio imaterial brasileiro e serve para encobrir atitudes discriminatórias
que têm uma raiz histórica: “nossa identidade enquanto brasileiros passa pela valorização das
variedades geográficas do português e também pelo reconhecimento das variedades sociais”
(SCHERRE apud CANTARINO, 2008). O desvendamento do preconceito linguístico seria,
em definitiva, um passo à frente no combate às desigualdades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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edição ed.). São Paulo: Parábola.

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disponível em "Não fazemos graça para ninguém", responde Hulk sobre sotaque
nordestino: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/cotidiano-2/nao-fazemos-graca-
pra-ninguem-diz-hulk-sobre-pergunta-acerca-sotaque-nordestino/?
utm_source=facebook&utm_medium=Felipe+Lima&utm_term=Cotidiano&utm_camp
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Oliveira, M. R. (2008). Preconceito linguístico, variação e o papel da universidade.


Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Preconceito linguístico e cânone literário, 36,
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mais-desiguais-segundo-ipea.jhtm

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