Você está na página 1de 52

A PROBLEMATIZAÇÃO DA LINGUAGEM NEUTRA, UM

IMPACTO NO VOCABULÁRIO: UMA PESQUISA COM


PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DE
INSTITUIÇÃO DE NÍVEL SUPERIOR DA CIDADE DE SOBRAL
The problematization of neutral language, an impact on vocabulary: A
research with portuguese language teachers from a higher education
institution in the city of Sobral
Emylle Kelle Dourado de Lima
João Victor Magalhães de Oliveira
José Luis Santos de Sousa
Sarah Borges Rêgo
Shirlane Caetano Rodrigues

RESUMO: A utilização da linguagem neutra ou não-binária (LNB), é um


assunto que toma um grande espaço na atualidade. Vários linguistas são
contra, assim como, temos também muitos que são a favor do uso desse
tipo de linguagem. Esse trabalho foi realizado na intenção da conclusão da
disciplina de pesquisa qualitativa. Utilizamos como meio de obtenção de
dados uma pesquisa de campo, realizada com professores com atuação
em língua portuguesa do Centro Universitário INTA - UNINTA. Buscamos
entender o que o público achava sobre a utilização tanto no meio social
quanto dentro da própria sala de aula, quem achavam que seriam os
principais beneficiados e quem, porventura, se prejudicaria com a
incrementação de uma linguagem que não sobreponha gênero e inclua
pessoas que não se adequam ao masculino ou feminino.
PALAVRAS-CHAVE: gênero; binariedade; professores; linguagem.

ABSTRACT: The use of neutral or non-binary language (NBL), is a subject


that takes a lot of space today. Several linguists are against it, as well as,
we also have many who are in favor of the use of this type of language.
This work was carried out with the intention of concluding the discipline of
qualitative research. We used as a means of obtaining data a field
research, carried out with professors working in Portuguese language of the
University Center INTA - UNINTA. We sought to understand what the public
thought about the use both in the social environment and within the
classroom itself, who they thought would be the main beneficiaries and
who, perhaps, would be harmed by the increase of a language that does
not overlap gender and includes people who do not fit the male or female.
KEYWORDS: gender; binary; teachers; language.

1
1 INTRODUÇÃO

“Pharmacia” e “vossa mercê” não são expressões conhecidas por


nós na atualidade. Talvez nossos avós, ou até mesmo nossos pais em
algum momento de suas vidas, encontraram essas palavras em algum livro
de literatura antigo, o que era bem comum nos romances de José de
Alencar e Machado de Assis. Atualmente essas palavras podem ser
conhecidas respectivamente como "farmácia” e “vc” na linguagem informal.
Com o passar do tempo, não só essas palavras sofreram modificações
como outras expressões. Surgiram novas palavras no vocabulário
brasileiro, como por exemplo sororidade, antirracismo e negacionismo, de
acordo com a Academia Brasileira de Letras (2021), a ABL.
Podemos também perceber que de acordo com a evolução da língua
portuguesa, muitas foram as modificações sofridas. Pode-se observar
mudanças em relação a acentuação, sintaxe e escrita de algumas
palavras. Podemos ainda perceber que existem diferenças entre o
português falado no Brasil e o Português falado em Portugal. Ao
compararmos as duas línguas, percebemos que existem uma série de
palavras utilizadas no português do Brasil que não são encontradas no
português lusitano. Percebemos essa grande divergência até mesmo
quando configuramos algum aparelho de tv, ou computador, onde se tem
como escolha as duas formas da língua. Diante de tantas mudanças é
percebido que se faz necessário a atualização da língua para que possa se
adequar ao público que a utiliza. Uma das modificações que vem ganhando
notoriedade e espaço para que pessoas possam se sentirem contempladas
em seu individual é o pronome neutro.
A ideia do pronome neutro é a modificação na grafia para incluir
pessoas que não se identificam com a ideia de binariedade (feminino e
masculino). A forma adotada para essa inclusão é utilização de uma nova
letra que substituam “a” ou “o” das palavras, surgindo assim, a terceira
letra que não se refere a um gênero específico, mais sim uma adequação
do vocabulário para inclusão de pessoas agênero. Embora essas
modificações não sejam aceitas na norma padrão de escrita formal, a grafia
e pronúncia é bastante utilizada pelos jovens nas mídias digitais. Portanto

2
existe um grande debate acerca da linguagem neutra, buscando a inserção
desta em todos os espaços, inclusive os acadêmicos.
Para entendermos melhor a necessidade ou não da inclusão da
linguagem neutra no cotidiano acadêmico, precisamos compreender o
papel social que esta realiza. Como já mencionado, existem pessoas que
não se identificam com os gêneros formalmente utilizados na sociedade,
como o feminino ou o masculino. Esses indivíduos, ao qual denominamos
agênero ou não binários, buscam sua representatividade na sociedade
através do reconhecimento da linguagem, como forma de existência.

Um fato curioso é que a binaridade é um conceito antigo e


conhecido em diversas civilizações. Por vários momentos da
história e em diferentes regiões do mundo se discute a
possibilidade de gênero além de masculino e feminino. Um
exemplo que pode ser mencionado é dos Mahu da Polinésia ou
indivíduos , que de acordo com o website Clube Literário
Grandes Viajantes, são individuos que possuem uma identidade
de gênero ambígua que incorpora características consideradas
tanto masculinas quanto femininas pelos havaianos, considerado
pelos polinésios como um terceiro sexo. Esses indivíduos
possuíam características masculinas e femininas, ou seja, uma
mistura de ambos os sexos. Atualmente o conceito de binaridade
se refere a pessoas que se reconhecem como sendo
pertencentes ao gênero masculino ou feminino, o que não ocorre
com o indivíduo que se designa não-binário. O não-binário seria
então o sujeito que não se reconhece como pertencente a um
gênero exclusivamente. (THEODORO, 2023).

Apesar das amplas discussões em torno da implementação da


linguagem neutra, no dia 28 de outubro de 2021 a Secretaria Especial da
Cultura, por meio da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura no Brasil,
publicou a portaria n° 604 que proíbe a utilização de linguagem neutra em
projetos financiados pela lei n° 8.313/91 (lei Rouanet). Segundo os
secretários responsáveis pela portaria, a linguagem neutra não se
configura como produto social apto a produzir comunicação, palavras
proferidas pelo o então Secretário Especial da Cultura, Mário Frias, que
destacou em sua fala, que seu apoio a portaria tinha como intuito proteger
a cultura linguística brasileira, preconizando ainda, que a linguagem neutra
não pode ser considerada linguagem, denominando-a como “destruição
ideológica da nossa língua”. Deste modo pode-se perceber que a
implementação da linguagem neutra se encontra inviabilizada, destacando
a baixa preocupação de movimentos culturais com a população não

3
binária, que tem seus direitos de representatividade tirados no momento
em que seus pronomes de tratamentos são colocados como não aceito
na linguagem.
Diante de todos esses argumentos podemos perceber uma grande
guerra cultural, que ganha vários âmbitos, proporcionando diversos
debates dos reais benefícios ou não da inclusão do pronome neutro em
nosso cotidiano. Para podermos gerar questionamentos e argumentos para
este trabalho, pretendemos realizar uma pesquisa qualitativa com
professores de instituições de nível superior na cidade de Sobral, buscando
promover a problematização do pronome neutro e qual o impacto no
vocabulário. Para a partir dos resultados, podemos reconhecer as
dificuldades e/ou benefícios que poderíamos ou não ter em nossos
espaços acadêmicos ao acolhermos essa demanda como inclusão social.
Desta forma o que será produzido com a pesquisa será abordado
no trabalho como assuntos pertinentes ao estudo do gênero neutro e da
linguagem inclusiva e os impactos que esta possa vir a produzir no
Português brasileiro, buscando responder a seguinte pergunta: A
problematização da linguagem neutra, pode gerar quais impactos no
nosso vocabulário?

2 JUSTIFICATIVA

A presente pesquisa se afigurou a partir da crescente discussão sobre o


uso do pronome neutro na língua portuguesa, em que se configura de
suma relevância para a inclusão de pessoas não binárias, mostrando a
possibilidade da existência de uma linguagem neutra que perpassa a
binaridade de gênero.
Sendo importante ressaltar que os pesquisadores optaram por essa
temática, em detrimento do alcance de visibilidade que esse assunto tem
repercutido na atualidade, tanto em programas de televisão quanto no
âmbito cibernético. Esse alcance tem gerado visibilidade e ataques de
preconceito para a comunidade não binária, o que nos faz perceber a
importância de destacar a existência desses indivíduos enquanto voz
social.

4
Deste modo, o projeto de pesquisa se caracteriza como grande
potência social por se tratar não somente de um parâmetro linguístico,
como também evidencia uma construção social binária e promove um olhar
sociolinguístico através da perspectiva de professores da língua
portuguesa de nível superior, da cidade de Sobral.
Portanto, o mesmo irá esclarecer as inviabilidades que cercam a
execução prática do pronome neutro é possível inflexibilidade que
poderiam interferir na sua adesão linguística. Neste viés, esperamos dar
mais visibilidade à luta por inclusão linguística de pessoas não binária para
que o processo de aprovação do pronome neutro seja cultural e
constitucional.
Por fim, vale salientar que o tema está diretamente consolidado aos
princípios éticos estabelecidos pelo Conselho Federal de Psicologia, que
estabelecem defesa e combate a violência de gênero assegurados pela
resolução 08/2020. A vista disso, se acredita que a psicologia tenha o
papel ético e mediador de inserir o pronome neutro como forma de
respeitar a individualidade do sujeito, e deve está sempre em busca de
conhecimento para melhor incluir comunidades que têm seus direitos
apagados. A causa enfrenta grandes adversários, pois Foucault, se refere
em seu livro Microfísica do poder que é necessário haver uma "manobra"
para que determinada relação de força possa instituir-se, estabilizar-se e
avançar. Deste modo, será preciso quebrar tabus impostos por uma classe
dominante, que está arraigada na sociedade para que de fato a diversidade
sexual possa ser reconhecida e tenha a visibilidade de direito.
Citando ainda Paulo Freire, quando ele fala que à diversidade

devem ser dados passos largos para que os preconceitos possam ser

discutidos por todos a fim de sua supressão em sociedade.

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

● Analisar os impactos causados pela inserção do pronome neutro no


cotidiano das pessoas não binárias e o embate na norma padrão a
partir da percepção de professores de língua portuguesa.

5
3.2 Objetivos Específicos
● Perceber qual o principal motivo pela não inclusão do pronome
neutro na visão dos professores entrevistados;
● Compreender o que consideram como as principais dificuldades que
a utilização do pronome pode implicar no vocabulário.
● Identificar como os professores poderiam utilizar uma linguagem
inclusiva sem a utilização do pronome.
● Conhecer a percepção dos professores em relação ao público não
binário.

4 REFERENCIAL TEÓRICO

A língua portuguesa teve sua origem do Latim vulgar e desde os


tempos do Império Romano até os dias atuais, passou por diversas
modificações.(As Origens da Língua Portuguesa, Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Goiás, 2020).
Baseada nessas informações, conhecemos uma grande
curiosidade acerca do latim que nos comprova que já houve uma tentativa
do uso de um pronome neutro como mais um recurso linguístico. Quando
buscamos algumas informações sobre a morfologia nominal do latim
podemos ver que:
Na morfologia nominal do Latim havia três gêneros gramaticais:
o masculino, o feminino e o neutro. Para diferenciá-los, podemos
destacar que o feminino e o masculino eram usados para
designar pessoas e objetos animados, enquanto o neutro, que
ocupava a posição mais frágil, era usado para denominar seres
inanimados (LUCCHESI, 2000, Apud. PACHECO 2010, p. 36).

Portanto, ao longo da história, com a evolução da sociedade,


sempre se fez necessária adaptações nas normas da língua formal para
conseguir se adequar às diversas realidades que se modificam. O que
também podemos observar é que realmente a língua portuguesa passou
por diversas adequações, se mostrando bem diferente do latim da qual
derivou, mais que em todos os momentos as alterações ocorreram no
intuito de atender sempre a demanda da classe dominante que define entre
eles o que, a partir daquele momento, será tido como certo ou errado.

6
Como menciona Van Dijk, renomado linguista neerlandês conhecido por
suas contribuições aos campos da linguística textual e da análise do
discurso, ele escreve em seu ensaio publicado na revista Revista
Portuguesa de Humanidades no ano de 2015:

As elites possuem um acesso mais ativo e mais bem controlado


aos discursos da política, da mídia, da academia, da educação
ou da justiça. Elas podem determinar o tempo, o lugar, as
circunstâncias, a presença e o papel dos participantes, os temas,
o estilo e a audiência desses discursos. (TEUN A., 2015)

O idioma então, nesse caso, é algo que não representa a grande


maioria da população. Passando a ser mais uma guerra social, onde os
grupos minoritários precisam se submeter a regras que não os
representam. Conforme explica Klages (2010), o gênero é algo designado,
um constructo social, que muda de acordo com a sociedade. Logo se faz
necessário estudos como este a fim de promover debates acerca de
possíveis reparações históricas.
No censo de 2010 foi contabilizado, segundo o IBGE, mais de 274
línguas diferentes faladas entre os brasileiros. Mas, para dados oficiais,
apenas o Português é considerado o idioma oficial, o que reforça o que já
foi mencionado acerca da predominância do poder de influência da elite
minoritária. E mais uma vez o idioma carrega as marcas taxativas e
encaixotadas de um padrão heteronormativo.

Lau e Sanches (2019, p. 89) consideram que “Uma das línguas


oficiais do Brasil – a Língua Portuguesa – não possui um ‘gênero neutro’,
pois nela se nota essa “caixinha binária”, porque falamos o copo, a
televisão, por exemplo. Ou seja, marcamos o gênero masculino e o
feminino em tudo”. Porém, existe uma parcela da população que não é
contemplada com essa demarcação de gênero: as pessoas que não se
identificam com gênero nenhum, ‘les autodenominades não bináries’.
Crescemos com um pensamento embutido, que muitas vezes se passa
despercebido: para tratar muitas pessoas, utiliza-se o gênero masculino
“eles”, como se fosse um termo que abrangesse a todos. Em uma sala com
20 pessoas, onde 19 são mulheres e apenas 1 homem, utiliza-se do

7
mesmo artifício, que não se consegue representar a população daquele
espaço. Ou, para se referir a um grupo de crianças, muitas pessoas falam
“os meninos”, quando a prevalência é de meninas. Dessa forma,

[...] por um ato político, para mostrar que o pronome considerado


“neutro” em nossa sociedade exclui as pessoas não-binárias, já
que elus não se veem como homens nem como mulheres,
portanto, não faz sentido para estus a utilização do “neutro
“eles”, assim como o feminismo trata esta questão (LAU, 2018,
Apud. Lau; Sanches, 2019. p. 91).

Se formos mais críticos podemos perceber a herança do patriarcado


quando delimitamos a utilização de termos masculinos como algo neutro,
para nos referir a um grande quantitativo de pessoas. Junto com o
patriarcado, noções como o sexismo, a homofobia e a “moral” são bastante
recorrentes. Lau e Sanches (2019, p. 94) trazem que “Os sentidos não são
“dados” por uma realidade independente do sujeito: eles são construídos
na cultura, na sociedade e, portanto, na língua”. Uma vez que podemos
visualizar que nossa cultura é bem conservadora, como diz a socióloga
Angela Alonso em entrevista à revista El País (2019): “[...] o Brasil é um
país muito conservador, que não muda fácil, nem rápido e nem sem
reação”. Tão logo, a mudança para acolher uma população que não faz
parte de uma cultura cis gênero é muito invisibilizada e tomada por muitos
como motivo de chacota. Foi o caso do apresentador Ratinho em um vídeo
que agradece a todas as pessoas pelo desejo de melhoras, depois de se
mostrar internado em um hospital, e a pessoa que gravava pediu que
agradecesse a todEs, para alcançar um público agêner. O apresentador,
revoltado, zombou do pedido e utilizou palavras de baixo calão.

A realidade dos Estados Unidos é diferente (LAU; SANCHES, 2019).


Existe, de fato, uma linguagem neutra que não delimita gênero algum. O
uso do artigo “the” antes dos substantivos não delimita gênero: “the cup”,
por exemplo, para o portugês pode ser traduzido para “‘A’ xícara” ou “‘O’
copo”, a depender do contexto. Nos Estados Unidos também podemos
encontrar um pronome neutro, no caso o “they”, que se refere a terceira
pessoa do plural. Esse pronome traduzido para o português pode ser

8
compreendido por “eles” ou “elas”. Tão logo podemos perceber que a
utilização de um pronome ou uma linguagem neutra não nos é distante,
como podemos ver tanto no latim, quanto no inglês.
Como Lau e Sanches (2019) já traziam, a utilização da LNB 1 seria
um constructo crítico sobre o uso da linguagem, assim todas as partes
envolvidas a usariam, não apenas uma camada da sociedade. Evitando
assim, algum tipo de exclusão de gênero em nossa fala em contextos
específicos.” (LAU; SANCHES, 2019, p. 95)
No entanto, nosso trabalho busca tratar sobre o olhar dos
professores de língua portuguesa acerca do assunto, da incrementação da
linguagem não binária ou neutra. Lau e Sanches (2019) em sua obra
trazem que

A forma como usamos a linguagem está intrinsecamente ligada


com o contexto onde estamos inserides e a questão que pode
gerar reflexão é se a comunidade docente (re)conhece essa
linguagem e estão dispostes a utilizá-la em seus espaços
contribuindo para a construção de sentido a partir da LNB dentro
dos espaços em que atuam e se comunicam. (LAU; SANCHES,
2019, p. 99)

Dessa forma, para se haver a utilização dessa linguagem inclusiva,


que não sobrepõe um gênero ao outro, além da aceitabilidade social, deve-
se haver uma abertura dos professores dentro das salas de aula. A
utilização da linguagem neutra, além de uma luta por parte de uma parcela
da comunidade LGBTQIA+, é uma busca pela igualdade de gêneros e uma
batalha contra a cultura do patriarcado que coloca o masculino como
norma e o feminino como fuga dessa norma. Fato esse, já trazido por
Judith Butler em sua obra que fala sobre essa cultura falocêntrica:

(...) esse modo falocêntrico de significar o sexo feminino


reproduz perpetuamente as fantasias de seu próprio desejo auto-
engrandecedor. Ao invés de um gesto linguístico auto limitativo
que garanta a alteridade ou a diferença das mulheres, o
falocentrismo oferece um nome para eclipsar o feminino e tomar
seu lugar. (IRIGARAY, Apud. Butler, 2003, p.32)

1
LNB se refere a Linguagem Não Binária, para englobar todos os gêneros sem sobrepôr nenhum
gênero.

9
Com toda a discussão apresentada, temos que nos referir também
às pessoas que não se identificam com gênero algum, no caso, pessoas
não binárias ou agêneras – citadas anteriormente. Segundo D’Ávila (2022),
a não-binariedade é um termo “guarda-chuva”, que se refere a várias
identidades que se diferem da cisnormatividade (masculino e feminino).
Pessoas não-binárias buscam a aceitação e a utilização da LNB e
a sua inserção na sociedade. Porém, como já trazido anteriormente, a
sociedade brasileira é conservadora em seus princípios, e qualquer coisa
que fuja da heteronormatividade e da cisnormatividade é visto como algo
impróprio.

5 METODOLOGIA
5.1 Descrição do método
De acordo com Gerhardt e Siveira (2009, p. 32), “na pesquisa
qualitativa, o desenvolvimento da pesquisa é imprevisível. O conhecimento
do pesquisador é parcial e limitado.
Segundo Bauer e Gaskell (2008), toda pesquisa qualitativa, social,
empírica, busca a tipificação da variedade de representações das pessoas
no seu mundo vivencial.

A pesquisa qualitativa se preocupa com o nível de realidade que


não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo
de significados, de motivações, aspirações, crenças, valores e
atitudes (MINAYO, 2014).

O presente trabalho usará como estratégia para a obtenção dos


resultados a entrevista estruturada.
A amostra contará com 5 pessoas, selecionadas de acordo com os
critérios da pesquisa e após realização do recorte necessário para
obtenção de dados mais coerentes.
A quantidade de entrevistados de acordo com alguns autores como
Bauer e Gaskell (2008) depende do tema, do tópico dos recursos
disponíveis.

5.2 Tipo de Pesquisa e Locus

10
A pesquisa foi realizada na modalidade qualitativa, utilizando
entrevista estruturada com o público definido de acordo com o tema
proposto.

O uso de entrevistas como instrumento científico de coleta de


dados deve ser o reflexo de um planejamento metodológico
consciente e informado. Isto porque, por trás de uma escolha
técnico-instrumental, há o enquadramento da pesquisa em um
paradigma científico, que oferece ao pesquisador contornos e
definições claras a respeito do tipo de problema que é possível
investigar, como é possível fazê-lo, qual tipo de raciocínio
envolvido, qual a postura adotada pelo pesquisador e,
finalmente, que tipo de conhecimento pode ser obtido (KUHN,
1992; DENZIN; LINCOLN, 2006).

O local escolhido para a realização das entrevistas foi o Centro


Universitário Inta – UNINTA, com professores de língua portuguesa que
lecionam nos diversos cursos da instituição. O centro universitário está
localizado na cidade de Sobral, no estado do Ceará e recebe estudantes
de diversas regiões circunvizinhas, tornando assim um lugar com uma
grande diversidade, o que se faz necessário o estudo acerca de temas que
beneficiam classes desprovidas de direitos, contribuindo assim para uma
maior inclusão, principalmente em um lugar tão particular que fala sobre a
identificação como sujeito.

4.3 Perguntas a serem realizadas para aquisição de pesquisa

Pesquisa de campo

1. Você poderia nos dizer sua idade, tempo de formação e quanto


tempo atua como professor de língua portuguesa?
2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano e
qual a sua opinião sobre a utilização do pronome neutro?
3. Como sabemos, a língua portuguesa e seu vocabulário são bastante
fluidos, uma vez que sempre observamos a mudança ou o
surgimento de novas palavras. Nessa perspectiva, como você
enxerga a utilização do pronome neutro na atualidade?
4. Qual foi sua reação ao ver pela primeira vez a utilização da
linguagem neutra?

11
5. Falar de linguagem neutra significa falar sobre gênero e relações de
poder. Para você quais as principais dificuldades que a inclusão da
linguagem neutra enfrenta para ser inserida como uma regra
gramatical?
6. Você conseguiria utilizar outra forma de linguagem inclusiva que
abranja toda a população sem o marcador de gênero e sem a
utilização do pronome neutro? Se sim, de que forma?
7. Para você, olhando do ponto de vista de sua experiência em sala de
aula, quais os benefícios e/ou malefícios que a linguagem neutra
poderia trazer para o cotidiano em sala de aula?
8. Ao debater sobre linguagem neutra há uma divisão de opiniões em
que tal adesão é colocada como desserviço no campo da língua
portuguesa. Qual sua opinião profissional em relação a afirmações
dessa temática?
9. Quando se propõe uma adesão da linguagem neutra, você
consegue pensar em um tipo de usuário que será beneficiado ou
prejudicado com a inclusão da mesma? Se sim, quem seriam esses
indivíduos?
10. Em uma situação hipotética, se você fosse solicitada por algum
aluno a utilizar a linguagem neutra com o mesmo, qual seria seu
posicionamento?

5.4.Manejo do material coletado

A transcrição das entrevistas será realizada na íntegra, durante o


processo de análise de material linguístico, este será segmentado
reiteradamente em categorias.

É o caráter sistemático e repetido de análise dos


significados que faz emergir novos conteúdos e achados,
muito distintos das primeiras e superficiais observações
que o pesquisador tem enquanto coleta o material.
(LEITÃO; PRATES; 2017).

Após a transcrição, será realizada a leitura livre na íntegra dos


conteúdos das entrevistas, para que o grupo que compõem este trabalho
possa obter a visão geral, a fim de conseguir detectar conjuntos e
familiaridades com os dados. Logo após será realizada a categorização do
material, para identificar categorias através da análise segmentada do
depoimento dos entrevistados.

6 RESULTADOS

6.1 Categoria: Contradições nas falas

12
Ao observarmos as entrevistas realizadas com os professores de
nível superior, foi constatado algumas contradições nas falas, como foi
ilustrado pela entrevista realizada com le entrevistade Elu, que em dado
momento, relatou:
ENTREVISTADE ELU: “Como eu disse a gente não
pode é dar oficialmente porque não existe dentro da
gramática oficial…”.
Nesse trecho, pode-se perceber que o entrevistade considera a
linguagem neutra como inclusiva, mas ainda sim, ainda vê a oficialização
da língua como algo distante, que indiretamente é uma maneira de
questionar o uso dessa linguagem e por sua vez, sua não obrigatoriedade
em detrimento da não oficialização.
Nesse mesmo viés, le entrevistade Elix, apesar de dizer que
utilizaria o pronome neutro se solicitado, também coloca em pauta a não
oficialização, e nesta perspectiva pode-se perceber que há uma resistência
em tornar oficial a utilização da linguagem e do pronome neutro. Sugerindo
de forma implícita que essa linguagem só irá existir de fato, a partir de
regras gramaticais.
ENTREVISTADE ELIX: “...agora existe uma certa
legislação descritiva e prescritiva dentro da gramática
que ainda não aceita a linguagem neutra dentro da
sua escrita, aí nesse caso o tempo vai nos dizer se
vai ser aceito (...) Atualmente não utilizo a linguagem
neutra, não é uma linguagem que está dentro do meu
vocabulário, tá certo então no caso eu uso o
masculino no plural aí ele já abrange todo o
processo”.
Neste marcador, le entrevistade demonstra não achar necessário a
utilização da linguagem e do pronome neutro, pois segundo o mesmo, o
masculino no plural já inclui todos os indivíduos. Podendo concluir que
algumas opiniões são manifestas de formas sucintas para não discriminar
claramente um conservadorismo enraizado.

6.2 Categoria: Teoria X Prática

13
Outro resultado que obtivemos a partir da pesquisa de campo, foi
que prática e teoria muitas vezes não conversam. Algumas das pessoas
entrevistadas, falavam que usariam a linguagem neutra, porém, nunca se
imaginaram na prática, caso alguma pessoa que se identifique como não-
binárie a peça para utilizar pronomes como elu/delu, por exemplo.

ENTREVISTADE ELU: “Usaria, [...] fazendo a


ressalva, que oficialmente esse tipo de linguagem
ainda não existe da nossa gramática.”

Podemos perceber com a fala dessu entrevistade, que diz que


usaria com um porém. Além delu, outres também disseram que usaria, mas
erraria muito até se acostumar com isso, por exemplo:

ENTREVISTADE ELIX: [...] então se uma pessoa


pede para que eu por exemplo, utilize um pronome
neutro com ela eu não vejo um problema mais eu
aviso logo eu vou errar várias vezes até eu me
acostumar

6.3 Categoria: Questões de poder

Conseguimos perceber nas entrevistas, a imponência que as


normas gramaticais impõe nos discursos. Ume des entrevistades explana
sobre isso e coloca seu ponto de vista a respeita das temática, quando
profere o seguinte:
ENTREVISTADE ELIX: “Eita quando entra na regra
gramatical realmente é complicada, eu acredito que a
principal dificuldade de inclusão é justamente o fato
de que a gramática ela tem sua construção com base
no viés etimológico histórico então veja oque
acontece é o sociolinguístico eles optam por uma
gramática que pode seguir por dois viés o ele vai
seguir por um viés sincrônico ou seja ele vai pegar
que a sociedade vai puxar tudo que aquela sociedade

14
fala ou ele vai puxar por um viés diacrônico que é a
evolução processual de toda a linha até chegar aqui,
então ele pega o processo da formação da linguagem
lá no latim que vem a se arrastando ao longo do
tempo a se desembocar na atualidade, então as
regras gramaticais elas são construídas a partir dessa
diacronia e não dessa sincronia, então nunca olhar
gramatical…”

As normas sempre são aplicadas a quem detém o poder. Também


podemos perceber que já existe uma consciência que a não utilização
parte de um lugar puramente de domínio dos detentores da lei e também
do preconceito e desconhecimento da importância e da verdadeira
aplicação do pronome neutro nos discursos. Como podemos perceber
nesse trecho de algumes entrevistades:

ENTREVISTADE ILE: “...falar sobre a pluralidade de


linguagens, é falar sobre inclusão e sobretudo sobre
relações de poder. Acho que a principal dificuldade da
inclusão dentro das nossas práticas discursivas é a
falta de discussões, nesse nível, a gente ainda é
muito arraigado a normas gramaticais de forma
descontextualizada, embora as gramáticas na
atualidade trazem essa ideia de que eu não posso
ensinar gramática fora de um contexto de uso.”

ENTREVISTADE ILI: ”Eu acredito que a maior


barreira, o impedimento maior é a não aceitação.
Quando eu não aceito e eu não compreendo que, de
fato, essa cultura linguística existe. Eu penso que
isso seja uma das barreiras que nós precisamos
romper. É uma relação de poder, é uma relação
social, porque, sobretudo, o outro também se

15
empodera com essa linguagem. Mesmo que, para
mim, ela seja definhada, seja menor, seja inferior…”

6.4 Categoria: Conhecimento x Desconhecimento


De acordo com a pesquisa, podemos observar que alguns des
entrevistades tiveram uma certa dificuldade sobre a discussão da
linguagem neutra. Algumes compreendem, porém, outros não tem o
domínio sobre tema e outros ainda, tiveram que estudar para melhor
responder às questões. Podemos simplificar a compreensão dessa certa
disparidade com um trecho logo a seguir de ume entrevistade:
ENTREVISTADE ILI: “Bem, eu penso que, como eu
havia falado anteriormente, eu penso que esse
pronome, ele é importante, certo? Mas ele também
não define o movimento da linguagem, o movimento
da sociedade (...) Eu não sei se saberia usar. Porque
acho que vou usar essa linguagem de acordo com o
sujeito que me faz essa abordagem. Se vou por
exemplo, para um mercado, fazer uma compra,
comprar uma carne, ou então mesmo dizer assim:
Gente, hoje a gente vai ter uma aula no mercado, uma
aula de antropologia, uma aula de sociologia. Para a
gente compreender aquele contexto de tudo aquilo
que a gente consome durante o nosso alimento, o
nosso dia a dia, o nosso cotidiano, tudo aquilo que a
gente consome, eu tenho que primeiro escutar esse
sujeito. Para saber fazer essa abordagem. Eu não sei
se eu saberia, de acordo com o que ele viesse para
mim”.
Le entrevistade teve uma grande dificuldade diante das perguntas
estabelecidas, fugindo um pouco do tema em questão, o que demonstra a
falta do conhecimento sobre o tema.

6.5 Categoria: Evolução da Língua

16
Algumes entrevistades compreendem a fluidez da linguagem, uma
vez que é um processo que está relacionado à evolução humana, como é
possível observar nos seguintes trechos:
ENTREVISTADE ILE: “Sobre esse segundo ponto, a
língua portuguesa, o vocábulo, a fluidez, o surgimento
de novas palavras, está totalmente relacionado com o
próprio fato da nossa língua evoluir de acordo com a
humanidade. A forma como a gente se comunica na
atualidade é completamente diferente do século 18, e
completamente diferente dos anos 2000, da geração
de quem nasceu na década de 50. Então assim
podemos perceber as mudanças da língua
portuguesa, dos modos de falar a partir de uma visão
histórica, que a gente fala sempre do ponto de vista
linguístico de uma visão diacrônica, linguisticamente
falando é muito importante né exatamente para que a
gente não caia nesses equívocos que achar que
entrar nessa visão purista da gramática como algo
que não acompanha essas transformações (...)”

ENTREVISTADE ELU: “Eu tenho uma visão muito


democrática, não me assustei, porque a língua evolui
e a gente enquanto professor, e mesmo professor de
língua portuguesa, temos que acompanhar os
tempos. Então, a maneira de você dar aula, não é a
maneira que eu comecei há 30 anos porque têm os
comportamentos, as necessidades, os gêneros vão
mudando, então, para mim é uma evolução que a
linguagem também tem que acompanhar (...) A língua
ela tem que acompanhar os tempos. Então, se não
existe só masculino e o feminino, se existem pessoas
de outros gêneros, por que não incluir também na
linguagem? Acho que a linguagem não é estática, ela

17
tem que evoluir de acordo com o momento que se
vive certo.”
Dessa forma, podemos ver como mesmo os próprios aspirantes da
língua portuguesa concordam com um ponto em comum: a evolução da
língua de acordo com o contexto que se vive.

7 CONCLUSÃO

Após todas as pesquisas realizadas e análise das entrevistas com


os professores de língua portuguesa, podemos concluir que o uso do
pronome neutro nos discursos é um assunto ainda muito polêmico, de
pouco conhecimento até mesmo dentro das academias e por estudantes
da língua. Observamos também que se faz necessária as discussões a
respeito e que essas discussões gerem pesquisas e estudos que possam
viabilizar a inclusão do pronome nos discursos e a disseminação do
conhecimento para a maioria das pessoas, que é causa ainda de
segregação e preconceito.
Percebemos também que a não regulamentação do uso é muito
mais um jogo de poder do que realmente algum tipo de agravante a língua
e a gramática, uma vez que já acompanhamos enquanto humanidade, que
a ortografia e seus acordos sempre se atualizam.
Também ficou claro que a norma padrão da gramática não será algo
tão afetado como muitos falam e que se refere muito mais aos discursos
contra grupos que venham a ser incluídos do que realmente à
desconstrução de um arcabouço teórico como muitos pensam.
Somos otimistas que assim como a língua não é estanque, como
muitos dos entrevistados mencionaram, possivelmente daqui a poucos
anos poderemos estar diante do uso do pronome neutro como algo
necessário, dando visibilidade a pessoas que já passam por tantas
questões e são tão segregadas da sociedade. A inclusão do pronome
neutro na sociedade, trará grandes ganhos às minorias, que tem que se
incluir em um discurso falocêntrico que coloca o sujeito homem, enquanto
padrão de linguagem. É preciso mudar o eixo da terra que gira em torno do
patriarcado.

18
8 REFERÊNCIAS
ALESSI, Gil. Angela Alonso: “O Brasil é um país muito conservador, que não muda fácil,
nem rápido e nem sem reação”. 2019. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/01/politica/1549050356_520619.html. Acesso em:
08 mar. 2019.
ANDRADE, D. P.. O legado de Foucault. Sociologias, n. Sociologias, 2010 (23), p.
428–437, jan. 2010.
BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitative com texto: imagem e som: um
manual prático. Gareschi, P. A. (trad.), 7a edição, Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
D'AVILA, Richard Franklin Mello. O atual entendimento legal sobre o gênero não
binário. Disponível em:
https://www.anoregsp.org.br/noticias/77216/artigo-o-atual-entendimento-legal-sobre-o-gen
ero-nao-binario-por-richard-franklin-mello-davila. Acesso em: 14 mar. 2023.
EDUQUENET. As Origens da Língua Portuguesa. Disponível em:
https://letras.ufg.br/n/1844-as-origens-da-lingua-portuguesa#content. Acesso em: 15 mar.
2023.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 4. ed. Rio de Janeiro, Graal, 1984. cap. 16, p. 243-
76: sobre a história da sexualidade.
HARVEY, David. O NEOLIBERALISMO: história e implicações. 5. ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2008. 256 p.
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva,1992.
LAU, Héliton Diego; SANCHES, Gabriel Jean. A LINGUAGEM NÃO-BINÁRIA NA
LÍNGUA PORTUGUESA: possibilidades e reflexões making herstory. Revista X,
Curitiba, v. 14, n. 4, p. 87-106, set. 2019
LEITÃO, C.; PRATES, R. O. A Aplicação de Métodos Qualitativos em Computação. In:
DELICATO, F.; PIRES, P.; SILVEIRA, I. Jornadas de Atualização em Informática 2017.
Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação – SBC, 2017. Disponível em:
http://csbc2017.mackenzie.br/public/files/all/livro-jai.pd.
SILVA, Ariana Kelly Leandra Silva da. Diversidade sexual e de gênero: a construção do
sujeito social. Rev. NUFEN, São Paulo , v. 5, n. 1, p. 12-25, 2013 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912013000100003&
lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 mar. 2023.
SOUZA, Carlos André Neves Alexandre de. GÊNERO NEUTRO: um movimento para
mudança da língua. 2021. 45 f. TCC (Graduação) - Curso de Licenciatura em Língua
Portuguesa, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2021.
TEUN A. VAN DIJK <file:///C:/Users/shirl/Downloads/30768-79330-1-PB.pdf> acesso
15/03/2023
THEODORO, Juliana. O que é Gênero Não-Binário. Disponível em:
https://www.significados.com.br/nao-binario/#:~:text=O%20termo%20n%C3%A3o%2Dbin

19
%C3%A1rio%20refere,limitadas%20ao%20masculino%20e%20feminino. Acesso em: 11
mar. 2023

20
ANEXO

QUESTIONÁRIO ENTREVISTADO ILE

1. Qual sua idade, tempo de formação e quanto tempo atua como


professor de língua portuguesa?

Idade 43 anos, sexo feminino, formada em Letras - francês desde 2008,


atua na área desde 2006. Professora de Língua Portuguesa e
pesquisadora na Área de Linguística Aplicada

2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano e


qual a sua opinião sobre a utilização do pronome neutro?

Primeiro gostaria de falar que é uma pergunta bastante polêmica na


atualidade, o que não deveria ser, mas fico muito feliz que existem pessoas
que estão trazendo esse assunto à tona, exatamente para evitar falas
errôneas e rasas sobre um assunto que é tão importante.

Então eu parto do pressuposto que não existe neutralidade discursiva, logo


cada falante fala de um lugar de fala, de um contexto dentro de situações
comunicativas diferenciadas com propósitos comunicativos também
determinados, mesmo que ele não tenha consciência disso. Portanto,
assim se a gente está construindo um discurso, está construindo para
alguém, com propósito específico, com todos os aspectos que envolve
cada situação comunicativa.

É muito importante a gente deixar claro que a utilização do pronome neutro


não se aplica dentro do campo da gramática normativa. É aí que reside a
dúvida das pessoas. Normalmente se acha que quando se fala sobre
utilização do pronome neutro, isso vai mexer na gramática tradicional. Isso
mostra um pouco essa visão purista que acompanha a transformação da
língua portuguesa ao longo dos séculos. Toda vez que há mudança há
exatamente falas deslocadas sobre a própria utilização da gramática.
Primeiro também é muito importante a gente destacar que a língua ela não

21
é algo estanque, ela vai mudar, pois está em constante evolução de acordo
com a história da Humanidade. Todas essas transformações estão muito
mais no campo social que no campo semântico, no campo político do que
no campo gramatical.
Então por exemplo, o supremo tribunal federal decretou que o pronome
deveria ser usado, dentro do dos discursos, isso gerou um enorme
burburinho. Porque não se discute que o supremo como algo que vai
representar algo maior socialmente. E não ta pautado obviamente no
campo da gramática normativa. É o estado quem vai falar nesse momento.
Então, a partir do lugar mesmo que o supremo ocupa, das representações
sociais que ele não pode deixar de levar em consideração, das nossas
camadas sociais, das nossas produções linguísticas. E é exatamente por
isso que no imaginário coletivo há essas falas equivocadas, porque a gente
não discute sobre isso ainda, se fala sobre discurso neutro, isso não existe,
não existe no trajeto discursivo. Acho que é o ponto sucral desse assunto.

3. Como sabemos, a língua portuguesa e seu vocabulário são bastante


fluidos, uma vez que sempre observamos a mudança ou o surgimento de
novas palavras. Nessa perspectiva, como você enxerga a utilização do
pronome neutro na atualidade?

Sobre esse segundo ponto, a língua portuguesa, o vocábulo, a fluidez, o


surgimento de novas palavras, está totalmente relacionado com o próprio
fato da nossa língua evoluir de acordo com a humanidade. A forma como a
gente se comunica na atualidade é completamente diferente do século 18,
e completamente diferente dos anos 2000, da geração de quem nasceu na
década de 50. Então assim podemos perceber as mudanças da língua
portuguesa, dos modos de falar a partir de uma visão histórica, que a gente
fala sempre do ponto de vista linguístico de uma visão diacrônica,
linguisticamente falando é muito importante né exatamente para que a
gente não caia nesses equívocos que achar que entrar nessa visão purista
da gramática como algo que não acompanha essas transformações, um
exemplo disso, há um autor que se chama Marcos Bãnho que ele fala
sobre o preconceito linguístico, ele é também autor de uma gramática que

22
sem chama Nova gramática da Língua Portuguesa, que é uma gramática
atualizada que desconsidera alguns usos da norma da gramática
portuguesa que não se utiliza mais, como a próclises, a ênfase por
exemplo que são normas que representa os nossos colonizadores, não é
nossa, não faz parte dos nossos usos sociais cotidianos. É muito
importante a gente discutir isso né e como você enxerga a utilização do
pronome neutro é também um de entra, só reforçando o que eu falei
anteriormente sobre a utilização do pronome neutro, ele não está no
âmbito da gramática normativa de nenhuma modificação da gramática
normativa mas está dentro do campo discursivo social, sociocultural para
abarcar os sujeitos sociais que existem e levando em consideração
sobretudo o fato de que a língua é um instrumento de poder, ela também
precisa abarcar essas outras pessoas.

4. Qual foi sua reação ao ver pela primeira vez a utilização da


linguagem neutra?

Sobre a pergunta qual foi a minha rela reação ao ver pela primeira vez a
utilização da linguagem neutra, eu nem consigo lembrar em qual momento,
dentro da minha área que é linguística aplicada, talvez tenha, como para a
maioria das pessoas, tenha soado um pouco estranha, mas também tem o
fato da gente discutir muito a linguagem em contextos sociais, de uma
maneira situada, e saber que as linguagens na verdade, são múltiplas, isso
faz já faz parte de um de discussões da minha vida académica, enquanto
professora, enquanto pesquisadora. Então não lembro, assim algo que
tenha me chocado ou algo do tipo, mas que com certeza eu sabia que
naquele momento estava sendo um momento de uma virada social, mas
também extremamente política. Falar sobre línguas é falar sobre política
não tem como.

5. Falar de linguagem neutra significa falar sobre gênero e relações de


poder. Para você quais as principais dificuldades que a inclusão da
linguagem neutra enfrenta para ser inserida como uma regra gramatical?

23
Você fez uma pergunta extremamente importante, eu até já mencionei
sobre. Falar de linguagem neutra significa falar sobre germe em relação de
poder, perfeito! Até mencionei anteriormente, que falar sobre a pluralidade
de linguagens, é falar sobre inclusão e sobretudo sobre relações de poder.
Acho que a principal dificuldade da inclusão dentro das nossas práticas
discursivas é a falta de discussões, nesse nível, a gente ainda é muito
arraigado a normas gramaticais de forma descontextualizada, embora as
gramáticas na atualidade trazem essa ideia de que eu não posso ensinar
gramática fora de um contexto de uso. Ainda existe muito dentro do ensino
da norma a gramática pura em si e ela se perde como todo o estudo e
talvez a maior dificuldade em se discutir seja essa sobre a inclusão, você
botou a inclusão aqui, mas é perceber isso né, que partindo dessa ideia
que a língua e as mais variadas linguagens é falar sobre relação de poder,
se a gente não tivesse a consciência a gente vai utilizar a nossa fala, o
nosso discurso para excluir o outro, se a gente não tiver essa consciência
isso vai acontecer. E ser inserida como uma regra gramatical é um assunto
bem mais delicado, porque quando a gente fala sobre pronome neutro, a
gente está falando mais no campo semântico discursivo, e não em um tipo
de mudança, não sei se isso vai acontecer posteriormente, dentro da
norma das regras gramaticais.

6. Você conseguiria utilizar outra forma de linguagem inclusiva que


abranja toda a população sem o marcador de gênero e sem a utilização do
pronome neutro? Se sim, de que forma?

Nossa nunca tinha parado para pensar nessa pergunta, foi ótimo. Estou
aqui inclusive pensando sobre a pergunta de se utilizar a linguagem
inclusiva que abranja toda a população ser um marcador de gênero, mas é
algo que eu me preocupo, por exemplo mesmo que eu não fale o marcador
o pronome neutro, eu sempre quando vou proferir, alguma palestra algo do
tipo, ou até mesmo nas minhas práticas discursivas, eu tento na verdade
inclui todos, mas sou muito consciente que o assunto é polêmico e a gente
precisa saber para qual público que a gente está se direcionando. Sou

24
muito consciente disso. Em qual situação comunicativa, a gente vai se
posicionar, a gente vai se colocar, e qual a forma qual que a gente vai fazer
isso. Eu sou muito consciente disso.

7. Para você, olhando do ponto de vista de sua experiência em sala de


aula, quais os benefícios e/ou malefícios que a linguagem neutra poderia
trazer para o cotidiano em sala de aula?

Pois sobre esse questionamento, eu não vejo essa discussão como


malefício ou benefício, a partir dessa visão dicotômica. O lado ruim, o lado
bom, eu acho que precisa ser discutido, acho que enquanto professora eu
conheço meu lugar, e é um lugar de poder também, eu sei que a minha
linguagem, o tipo de linguagem a ser utilizada não só em sala de aula
enquanto pessoa, enquanto ser político, ele precisa ser pensado que sim,
ele precisa abarcar as diversidades dentro ou fora da sala de aula.

9. Quando se propõe uma adesão da linguagem neutra, você consegue


pensar em um tipo de usuário que será beneficiado ou prejudicado com a
inclusão da mesma? Se sim, quem seriam esses indivíduos?

Nessa questão acho que até também já mencionei. Você consegue pensar
um tipo de usuário que seja bem beneficiado prejudicado? Não, não
consigo ver essas mudanças linguísticas sociais a partir dessa visão
dicotômica, eu só consigo ver mudanças, a partir de uma mudança social.
É simples, não existe, óbvio que a gente precisa problematizar, mas não a
partir dessa visão. A gente precisa ver o mundo como múltiplo, não existe
só essas duas visões, existem um campo social discursivo que é múltiplo,
em constante transformação.

10. Em uma situação hipotética, se você fosse solicitada por algum aluno
a utilizar a linguagem neutra com ele, qual seria seu posicionamento?

Eu não consigo imaginar esse tipo de situação, você até me fez pensar. Eu
perguntaria, por que seria tão importante eu utilizar essa linguagem e não
me direcionar para eles, diretamente a partir do lugar que ele ocupa, e não

25
especificamente da linguagem neutra, eu chamaria pelo nome, ou
exatamente como ele se identifica, e não por uma terminologia , que ao
meu ver nem abrange ele como indivíduo, eu não diria rótulo, mas não
abarca ninguém, nem eu e nem você como um indivíduo único, com suas
pluralidades.

QUESTIONÁRIO ENTREVISTADO ELU

1. Qual sua idade, tempo de formação e quanto tempo atua como


professor de língua portuguesa? R> 59 anos, 35 anos de atuação na área
como professora e gestora, e o tempo de formação 30 anos mais ou
menos. 2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano
e qual a sua opinião sobre a utilização do pronome neutro? R> eu acho
possível né, que é um tema polêmico que alguns concordam ou discordam,
eu como professora de língua portuguesa, não vejo nenhuma dificuldade,
certo, agora teria que passar por um processo para haver essa mudança,
uma adaptação. Oficialmente, só existe no português, masculino e feminino
e quando a gente trabalha aquele sobrecomum, por exemplo, substantivo
sobrecomum como eu digo a pessoa é feminino e engloba todo mundo né
como ter algo que é masculino e engloba todo mundo. 3. Como sabemos, a
língua portuguesa e seu vocabulário são bastante fluidos, uma vez que
sempre observamos a mudança ou o surgimento de novas palavras. Nessa
perspectiva, como você enxerga a utilização do pronome neutro na
atualidade? R> eu acho viável, certo, eu acho viável. Como eu disse a
gente não pode é dar oficialmente porque não existe dentro da gramática
oficial, mas eu não vejo nenhum problema, eu acho que é uma maneira de
inclusão. Muita gente fala da questão, é uma questão de inclusão, tanto
que alguns especialistas não gostam dessa linguagem neutra, eles gostam
é uma linguagem inclusiva, tirar essa questão binária, só de masculino e
feminino e colocar uma linguagem inclusiva que atinja a todos, ou todas, ou
todes (haahahah) 4. Qual foi sua reação ao ver pela primeira vez a
utilização da linguagem neutra? R> eu tenho uma visão muito democrática,
não me assustei, porque a língua evolui e a gente enquanto professor, e
mesmo professor de língua portuguesa, temos que acompanhar os tempos.

26
Então, a maneira de você dar aula, não é a maneira que eu comecei há 30
anos porque têm os comportamentos, as necessidades, os gêneros vão
mudando, então, para mim é uma evolução que a linguagem também tem
que acompanhar. 5. Falar de linguagem neutra significa falar sobre gênero
e relações de poder. Para você quais as principais dificuldades que a
inclusão da linguagem neutra enfrenta para ser inserida como uma regra
gramatical? R> é porque tem que passar por todo o processo de aceitação,
é uma comparação com um acordo. O acordo ortográfico, foi acordado por
8 países e nem todo país aceitava, um país que tinha uma linguagem mais
pura, não achou legal, tanto que foi um processo. A lei foi aprovada e para
realmente se seguir, precisou de vários anos, então eu acho que existe a
possibilidade, porque é a mesma opinião: a língua ela tem que acompanhar
os tempos. Então, se não existe só masculino e o feminino, se existem
pessoas de outros gêneros, por que não incluir também na linguagem?
Acho que a linguagem não é estática, ela tem que evoluir de acordo com o
momento que se vive certo. 6. Você conseguiria utilizar outra forma de
linguagem inclusiva que abranja toda a população sem o marcador de
gênero e sem a utilização do pronome neutro? Se sim, de que forma? R>
eu usaria. Teria que fazer um estudo, uma pesquisa. Eu até pesquisei
nesse Manual aqui, eu achei excelente, porque tem a tabela aqui de todos
os pronomes e assim, toda transformação é consensual. As regras do
Novo Acordo, eu estudava há 20 anos as mesmas regras e de uma hora
para outra muda. O hífen é infinito, né, a gente aprende o hífen duma vez?
Não. Eu como professora de português e uma pessoa que acompanha ao
meu tempo, aos poucos, poderia facilmente incluir na minha escrita, na
minha fala. Inclusive, andei pesquisando que ela é muito mais usada na
fala do que na escrita, então a possibilidade de a gente usar é na fala é
bem mais fácil, então acho isso aí vai dar um caminho, um norte melhor
para a gente se adaptar e usar. 7. Para você, olhando do ponto de vista de
sua experiência em sala de aula, quais os benefícios e/ou malefícios que a
linguagem neutra poderia trazer para o cotidiano em sala de aula? R> o
benefício é acompanhar os tempos, ser contemporâneo, é manter a
inclusão. É processual, tudo na educação não se transforma de uma hora
para outra e a gente sabe que toda mudança é polêmica tem uns que

27
aceitam ou não aceitam, eu como muitos, não tenho nem teria nenhuma
dificuldade porque é uma questão de adaptação e acho que só assusta no
começo, par as pessoas não para mim, eu acho isso normal, havendo a
aceitação da lei, das regras, ficaria mais fácil no âmbito geral, mas eu
utilizar, não vejo nenhum problema eu só vejo benefício porque a gente vai
se adaptar ao momento que se vive. 8. Ao debater sobre linguagem neutra
há uma divisão de opiniões em que tal adesão é colocada como desserviço
no campo da língua portuguesa. Qual sua opinião profissional em relação a
afirmações dessa temática? R> toda mudança assusta, o acordo autora foi
o foi um terror, tem alguns países mais tradicionais que não achavam que
não tinha necessidade, mas foi uma maneira de unificar, então com a gente
pensando na questão da inclusão, eu acho que ela só vai trazer benefícios,
porque aí vai atingir todos os públicos, todas pessoas, às maneiras de se
falar. 9. Quando se propõe uma adesão da linguagem neutra, você
consegue pensar em um tipo de usuário que será beneficiado ou
prejudicado com a inclusão da mesma? Se sim, quem seriam esses
indivíduos? R> a grande questão da linguagem neutra é sair desse
tradicionalismo do masculino e do feminino, então quem não se sente
dentro desse padrão, acho que isso vão ser os mais beneficiados, que
muitas das vezes, essas pessoas estão à margem da sociedade, com
pessoas que ainda não têm esse pensamento de acompanhar seu tempo,
de ver e aceitar. Eu acho que o grande problema de quem não aceita, é
ainda viver no tradicionalismo e não entender que a língua se movimenta,
ela tem que se adequar de acordo com a necessidade, com o momento
que se vive, com o tempo moderno. Então, acho que só tem benefícios
para essas pessoas que vão se sentir incluídas dentro desse processo,
inclusive na linguagem, porque acredito que a linguagem não é estática,
ela tem um movimento de acordo com o que o mundo vai evoluindo 10.Em
uma situação hipotética, se você fosse solicitada por algum aluno a utilizar
a linguagem neutra com o mesmo, qual seria seu posicionamento? R>
usaria, com a ressalva que na fala como eu disse, ela é usada mais na fala,
tem até alguns casos que eu andei pesquisando aqui e que é impossível
que é o caso do x que é colocado em algumas palavras, o @, então estou
na fala isso aí é muito fácil, fazendo a ressalva, que oficialmente esse tipo

28
de linguagem ainda não existe da nossa gramática, mas que não teria
nenhuma dificuldade em utilizar e fazer essa inclusão dentro da sala de
aula, mesmo nas minhas conversas formais ou informais

QUESTIONÁRIO ENTREVISTADO ILI

1. Qual sua idade, tempo de formação e quanto tempo atua como


professora de língua portuguesa?

Minha idade é... 48 anos. Eu vou fazer agora em junho. Eu tenho desde
96, né? Eu me formei em... Eu me formei em 2003, mas desde quando
eu assumi o normal, eu fiz o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto,
normal e normal especial. E daí, com o curso normal, com o normalista,
eu resolvi fazer letras. Eu sempre gostei de literatura, de poesia, né? E aí
eu fui e entrei no curso de letras, já atuando na educação de jovens e
adultos, no Fundo de Ocupado de Trabalhador, junto ao Serviço Social da
Indústria, aqui em Sobral, no ano de 96. E o primeiro projeto que eu
trabalhei foi um desenvolvimento de linguagem, um projeto aí com cena
com as crianças, na primeira infância, que era um projeto piloto que o
César lançou. E aí eu comecei a minha vida como professora e depois, à
tarde, eu ensinava particular o ensino de reforço às crianças, né, que vem
da escola. Em 98, eu iniciei na educação de jovens e adultos, em 2003,
terminei a faculdade e aí fiz minha especialização em inglês com o ensino
do português, depois mestrado, doutorada e adentrei no campo do ensino
superior em 2003. Mais ou menos tipo isso, né?

2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano e qual


a sua opinião sobre a utilização do pronome neutro?

Eh, pensar na linguagem neutra, pensar na questão social, no


comportamento dos indivíduos na sociedade, né? Tendo em vista que tem
um autor, que é o Luiz Carlos Cagliari, ele vai trazer uma discussão muito
interessante sobre o desenvolvimento da linguagem desde a criança até
a formação da escola. Então, quando nós pensamos na linguagem, nós já
estamos tratando da questão da neutralidade, porque os sujeitos, eles são

29
plurais e diversos e quando a gente fala da linguagem, a gente não fala só
da escola, só do ensino, só da norma, só da regra, né? Tendo em vista
que dentro da gramática, quando a gente começa a estudar a gramática,
nós temos cinco ciências, a fonologia, a fonética, a morfologia, a sintaxe e
a semântica. Isso são ordens gramaticais da língua, mas não
necessariamente uma ordem do cumprimento da fala. Então, pensar na
sociedade é pensar nesse movimento de linguagem, né? Porque nós,
seres humanos, nós somos formados de linguagem. Agora, dentro de um
padrão escolar é que nós vamos aprendendo, eu não digo nem que é
aprender a ensinar ou entender a língua portuguesa. Quando nós
entramos na escola, na verdade, nós começamos a desaprender, né? A
gente começa a desaprender porque nós entramos dentro de um, vamos
dizer assim, de um farol que vai nos direcionar a normas, as regras, né?
Então, nós, enquanto sujeito social, nós não somos formados, nós
precisamos das regras e das normas para viver dentro de um
estabelecimento social, mas não necessariamente é essa linguagem que
vai me enquadrar, embora ela seja exclusiva ou inclusiva, né? Exclusiva
ou inclusiva, né? E entender isso, entender a diversidade, a pluralidade, a
própria questão sociolinguística, né? Tem uma disciplina que eu vi na
graduação que ela vai trabalhar a metalinguagem. Então, o grupo de
pastor, a própria igreja, quando ele vai chamando aquele grupo de
pessoas, então ali ele tem um curso de linguística, neurolinguística, vai se
comportando. Então, a gente vai dizer que essa linguagem é exclusiva,
ela exclui o outro, né? Porque ele não fala bonito, mas esse falar bonito
nem sempre é falar bem, né? Falar bem é estar dentro de um determinado
contexto e me enquadrar naquele contexto para que a mensagem chegue
ao outro. Então, pensar na neutralidade é exatamente pensar nessa
desordem social, né? Nessa diversidade que tem, que existe, que há, né?
Enquanto fazemos isso.

3. Como sabemos, a língua portuguesa e seu vocabulário são bastante


excluídos, uma vez que sempre observamos a mudança ou surgimento de
novas palavras. Nessa perspectiva, como você enxerga a utilização do
pronome neutro na atualidade?

30
Bem, eu penso que, como eu havia falado anteriormente, eu penso que
esse pronome, ele é importante, certo? Mas ele também não define o
movimento da linguagem, o movimento da sociedade. Porque, se nós
formos observar, nós estamos todo tempo aprendendo e, ao mesmo
tempo, desaprendendo, né? Quando eu penso que eu, dentro da escola,
dentro das minhas relações sociais, os grupos, as pessoas, elas estão a
todo instante se comunicando pelos seus códigos, pelos seus jargões, né?
Então, eu penso que essa diversidade plural, né? Ela é muito importante
para que a comunicação se recolha, desde que a gente respeita essa
diversidade e essa sociolinguagem, né? Que a gente vai trabalhar dentro
da linguagem, do campo da língua portuguesa, a gente chama
sociolinguística, o respeito à diversidade, né? Ao entendimento, ao
pensamento, ao raciocínio e organização da linguagem cultural desse
sujeito que também fala, né? Então, eu penso que a linguagem é muito
mais do que uma ordem, do que uma regra, né? E eu penso e acredito
que a gramática, enquanto um ponto de vista, vamos dizer assim,
organizacional, estrutural, ela é importante dentro de uma escrita. Mas na
linguagem verbal, na comunicação, na conversa que joga fora, no diálogo,
eu penso que esse respeito dessa neutralidade e dessa diversidade, ela
vai para além da ordem gramatical.

[00:07:10] Pessoa 2 Qual foi a sua reação ao


ver pela primeira vez a utilização da linguagem neutra?

[00:07:21] Pessoa 1 Eu sempre acreditei muito,


né? Tanto que uma das disciplinas que eu acredito muito, né? Hoje eu
estou à frente do curso de letras, enquanto coordenadora. Então, hoje eu
tenho 163 pólos em todo o país, eu tenho 330 alunos. Então, cada um com
a sua forma de falar. Então, aposta, abre aposta, né? Então, pega a
baçoura. Essas variações, eu sempre ouvi e achei, né? Assim, não que
eu achei estranho, mas eu achei diferente. Foi onde eu procurei estudar
para me compreender. Tendo em vista que a minha relação, enquanto
professora, é com o outro. Eu não faço esse movimento uni, eu faço esse

31
movimento bi. Bilateral, ele vai e volta. Então, quando eu compreendo
essa linguagem e não estranho, mas acho ela diferente, né? Eu começo a
compreender que essa diversidade existe. Você quer espirrar? Não, eu
quero me espirrar. Desculpa, desculpa. Eu queria atrapalhar, desculpa.
Eu pensava que você queria me espirrar. Ela espirrou. Muito estranho,
né?

[00:08:45] Pessoa 2 Falar de linguagem neutra


significa falar sobre gênero e as relações de poder. Para você, quais as
principais dificuldades que a inclusão da linguagem neutra enfrenta para
ser inserida como regra gramatical?

[00:09:01] Pessoa 1 Eu acredito que a barreira


maior, o impedimento maior é a não aceitação. Quando eu não aceito e eu
não compreendo que, de fato, essa cultura linguística existe. Eu penso que
isso seja uma das barreiras que nós precisamos romper. É uma relação de
poder, é uma relação social, porque, sobretudo, o outro também se
empodera com essa linguagem. Mesmo que, para mim, ela seja
definhada, seja menor, seja inferior. Não é o fato. E aí vem uma grande
questão, que é a questão da cultura científica e da cultura popular. Porque
o científico, a ciência, só existe, de fato, porque o popular vem. Então,
aquele saber é muito importante, desde que tenhamos um olhar de
compreensão. Quem é o sujeito que fala? Para quem ele fala? Como ele
fala? Em que contexto ele fala? Essas questões também são trabalhadas
dentro da neurolinguística. Quando eu falei anteriormente sobre as igrejas,
quando eu uso um discurso, eu lembro de uma ida minha para São Paulo,
quando a filha de um pastor, que é uma igreja que tem uma enorme
Assembleia de Deus, ela fez a Noite das Rosas. Todo dia, durante uma
semana, tinha uma noite com um tema, que essa Noite das Rosas ela
lotou. Era lotada a igreja, de uma rua a outra. E aí, como a gente entrou
para fazer exatamente, analisar a linguagem que ela atribuía, ou seja, a
maioria eram jovens, muitos casais separados. Então, ela usou a
neurolinguística. Quando ela observou para quem ela estava falando,
quem era o sujeito dela, quem era esse receptor que estava. Então, isso é

32
muito importante a gente entender. E eu penso que uma das barreiras, que
é o maior impedimento, é essa não compreensão. E esse impedimento da
norma gramatical sempre vai ter, porque a gramática é sobre ordem, sobre
regra. O que é que difere uma gramática do ensino fundamental com o
ensino médio? As normas, elas são as mesmas. O que vai diferenciar é o
nível de atividades. O nível de atividade do ensino fundamental para o
ensino médio, mas as normas e regras, elas se pré-estabelecem como
mesmo. Elas vão só alterando o nível de atividades. Enquanto que nós
sujeitos, que falamos a linguagem, nós não temos essa norma, porque o
nosso aparelho formador funciona diferentemente da gramática. Então,
nós somos livres. Agora, cabe a nós, dentro de determinados contextos,
obedecer dependendo do sujeito com quem a gente fala, com quem a
gente está se comunicando. Então, sempre vai ter barreiras. Às vezes, é
uma questão de controle de poder, sim, do sujeito. Muita gente utiliza a
linguagem ou utiliza o discurso e fala bonito diante de uma situação para
dizer que é o meu conhecimento. É sobre isso, sou eu que dou a ordem,
sou eu que falo. Isso é uma relação de poder para ludibriar quem escuta.

[00:12:55] Pessoa 2 Você conseguiria utilizar


outra forma de linguagem inclusiva que abrange toda a população sem o
marcador de gênero e sem a utilização do pronome neutro? Se sim, de
que forma?

[00:13:06] Pessoa 1 Eu não sei se eu saberia


usar. Porque eu acho que eu vou usar essa linguagem de acordo com o
sujeito que me faz essa abordagem. Se eu vou, por exemplo, para um
mercado, fazer uma compra, comprar uma carne, ou então mesmo dizer
assim, gente, hoje a gente vai ter uma aula no mercado. Uma aula de
antropologia, uma aula de sociologia. Para a gente compreender aquele
contexto de tudo aquilo que a gente consome durante o nosso alimento, o
nosso dia a dia, o nosso cotidiano, tudo aquilo que a gente consome, eu
tenho que primeiro escutar esse sujeito. Para me saber fazer essa
abordagem. Eu não sei se eu saberia, de acordo com o que ele viesse
para mim.

33
[00:13:55] Pessoa 2 Para você, olhando do
ponto de vista de sua experiência em sala de aula, quais os benefícios e
os malefícios que a linguagem neutra poderia trazer para o cotidiano em
sala de aula?

[00:14:09] Pessoa 1 Eu penso que uma sala de


aula, a universidade, a escola, é um campo de resistência. Então, há
sujeitos falantes, não há um sujeito que fala. São muitos sujeitos que
falam, são muitos municípios que se encontram. Há uma diversidade de
linguagem muito ampla, muito plural. E eu penso que esse falar, ele nos
ensina muito. E ele também é uma resistência diante do que a
universidade propõe, do que a escola propõe como realmente o certo.
Tem uma autora, que é Leila Wades Armendo, que vai trabalhar que não
há gênero textual puro. Nenhum gênero textual é puro. Então, como afirmar
que uma linguagem é pura? Ou criar uma ordem sobre esse discurso ou
sobre esse sujeito que fala? Então, dentro de uma norma, padrão, sempre
vai ser incompatível com o falar do cotidiano. Porque são pontos de vista
de distinção. Agora, dentro do campo acadêmico e na escola, isso é
prejudicial em que? Na própria escrita, que nós sabemos que nós temos
dificuldade, eu me incluo também, porque nós temos dificuldade de
escrever. E também eu percebo que o cenário tecnológico, dos recursos
mediáticos, eles também nos convidam a criar essas barreiras. Vc, pq.
Então, são, vamos dizer assim, linguagens implícitas que estão ali no texto,
muito presentes como esse falar. Então, esse meu falar, eu tenho que ter
essa postura de compreender quem fala e com quem eu falo, mas, ao
mesmo tempo, compreender que esse gênero escrito, ele é diferente da
fala. Então, sempre vai ser resistência, no meu ver, a linguagem falada
com a linguagem escrita.

[00:16:20] Pessoa 2 Ao debater sobre


linguagem neutra, há uma divisão de opiniões. Ao debater sobre
linguagem neutra, há uma divisão de opiniões, em que tal adesão é
colocada como um desserviço no campo da língua portuguesa. Qual sua

34
opinião profissional em relação às afirmações dessa temática?

[00:16:46] Pessoa 1 Assim, no campo


profissional, eu acredito que ela é de fundamental importância. A
linguagem falada, a linguagem do dia a dia, para que essa comunicação
chegue ao outro, ou para que eu me comunique com o outro e o outro
também seja entendido diante do que eu falo. Eu penso que isso é
importante e, cada vez mais, ela é tão importante, que ela está ficando,
vamos dizer assim, normal, como se fosse algo normal. A gente percebe
que dentro das empresas, qual o grande problema? Nós temos internet,
nós temos recursos, nós temos e-mail, nós temos computador. Há um
problema de comunicação a todo instante e o outro, por um equívoco, há
um problema de comunicação. Então, eu percebo que essa linguagem
neutra ainda precisa ser mais, vamos dizer assim, compreendida, não só
por quem fala, mas também por quem se permite falar. E eu percebo
também que no campo profissional, muitas vezes, as pessoas também se
fecham. O silêncio também é uma forma de comunicar o outro, não é?
Não é o fato de estar todo o tempo falando, mas o silêncio é uma resposta.
Ele é uma resposta que ele também fala muito. Agora, cabe a mim
compreender que isso também é um movimento de linguagem, esse
silenciar, esse calar. E eu percebo isso muito no campo profissional, às
vezes na sala de aula. Às vezes tem 40 alunos, mas tem 2, 3 que gostam
de estar no seu canto. Então, ele é uma linguagem, que ele também está
ali no movimento da vida. Eu acredito que isso é uma forma também de
representar algo e de dizer algo. E eu acredito muito também na
sensibilidade de ouvir o outro, na escuta sensível. Eu acho por isso que eu
percebo muito quando a pessoa é muito silenciosa. Eu entendo que isso é
algo que responde muito, mas muitas vezes nós não temos a eficácia ou a
sensibilidade de perceber esse tipo de linguagem.

[00:19:11] Pessoa 2 Quando se propõe uma


adesão da linguagem neutra, você consegue pensar em um tipo de usuário
que será beneficiado ou prejudicado com a inclusão da mesma? Se sim,
quem seriam esses indivíduos?

35
[00:19:25] Pessoa 1 No meu ver, os indivíduos
que são silenciados ainda são os que não se utilizam da norma curta da
língua. Esses são os definhados, são os esquecidos. São os que
precisam realmente, por isso que eu digo, a importância da valorização e o
respeito cultural e linguístico do outro. Porque é a partir desse saber,
vamos dizer popular, que eu posso reverberar e renascer ou proferir outras
linguagens. Sem eles, eu não tenho a capacidade. Por exemplo, quando a
gente escuta os mais velhos. Eu percebo que eu gosto muito de trabalhar.
No mestrado, eu trabalhei com a memória dos velhos ciganos. Como a
linguagem cigana é rica, a cultura em si cigana é muito rica, a linguagem,
a forma, diferentemente do português, uma expressão que é dita de uma
forma interpretada de três, quatro. Então, trabalhar com a memória, por
exemplo, dos velhos é uma riqueza. E eu acho que essas pessoas nos
próprios abrigos, nos hospitais, as crianças, também existem crianças que
se isolam do espaço escolar por questões de tratamentos. Eu acredito
que o desenho é uma forma também de expressar uma linguagem muito
bonita e que pode estar levando para essas crianças que vivem nesse
estado de saúde, que elas se isolam e você vai escutar muita coisa bonita
delas. Os mais velhos, as pessoas que também estão perdendo a
memória, como o Alzheimer. Eu acho que essas pessoas merecem uma
escuta sensível. E, sobretudo, as pessoas também que estão esquivadas
da sociedade ou esquecidas. Eu penso que são pessoas que ainda são
prejudicadas por não terem um olhar. As pessoas que vivem nos abrigos.
De tanta forma, não é só você chegar e perguntar, mas existem outras
formas de linguagem que elas podem ser expressadas. A fotografia. Eu
gosto muito de trabalhar com o desenho porque eu acho que ele fala muito.
É uma linguagem que dá oportunidade ao outro de um espaço de fala.

[00:21:54] Pessoa 2 Em uma situação


hipotética, se você fosse solicitada por algum aluno a utilizar a linguagem
neutra como mesmo, qual seria o seu posicionamento?

36
[00:22:05] Pessoa 1 Usar a linguagem neutra
com quem?

Com ele.

[00:22:08] Pessoa 2 Um aluno chega para você


e pede para você utilizar a linguagem neutra com ele.

[00:22:14] Pessoa 1 Qual a linguagem eu


utilizaria? Essa pergunta para mim é difícil. Nossa, como?

[00:22:22] Pessoa 2 Se um aluno chegasse


para você e pedisse para você utilizar a linguagem neutra com ele, qual o
seu posicionamento?

[00:22:31] Pessoa 1 Mas eu já uso essa


linguagem neutra. Eu penso que eu já uso essa linguagem neutra. Desde
que ele me entenda.

[00:22:41] Pessoa 2 É isso. Obrigada, viu?

[00:22:44] Pessoa 1 Tá bom, meu nome é


Liana.

[00:22:46] Pessoa 2 Foram dez perguntas.


Essas perguntas que foram feitas, a gente resguarda os dados do
entrevistado. A gente não coloca nome.

[00:23:02] Pessoa 1 Aí depois eles têm um


resultado?

[00:23:04] Pessoa 2 Sim.

[00:23:05] Pessoa 1 Aí depois é vendida?

37
[00:23:05] Pessoa 2 É. Se você quiser ver a
entrevista que a gente vai transcrever, a gente…

QUESTIONÁRIO ENTREVISTADO ELIX

1. Qual sua idade, tempo de formação e quanto tempo atua como professor
de língua portuguesa?

Eu tenho 36 anos, e atuo como professor da língua portuguesa a mais de


10 anos, 12 anos de magistério.

2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano e qual a


sua opinião sobre a utilização do pronome neutro?

Então vamos lá a uma diferença grande entre língua e linguagem quando


você fala língua neutra você está falando da escrita, quando você fala
linguagem aí você está falando da fala são coisas bem diferentes, a língua
ela é uma ordenação concreta de regras que vai para o papel e a
linguagem é o uso social comum para todos. J= Linguagem é mais a forma
de como nos comunicamos com a outra pessoa. R= Exatamente, então
veja eu sou professor de que ?. J= De língua portuguesa ?. R= A língua
portuguesa não sou professor de linguagem, então não cabe ao professor
de língua portuguesa chegar em você e dizer sou contra a linguagem
neutra, porque a linguagem é um uso específico inclusivo de uma
comunidade, assim como não posso chegar em uma favela e dizer que
aquela gíria daquele cidadão está ali é errada, eu também não chegar para
uma pessoa que não-binario se utiliza do pronome neutro dizer que ele não
pode usar é uma questão de liberdade, agora como se trata isso dentro da
perspectiva da língua aí a história é outra, então a linguagem ela pode e
deve ser para todos porque é uma pressuposição de liberdade, então não
posso em nenhum momento estipular proibir e nem coibir uma pessoa de
usar a linguagem porque ela fala como quer, agora existe uma certa

38
legislação descritiva e prescritiva dentro da gramática que ainda não aceita
a linguagem neutra dentro da sua escrita, aí nesse caso o tempo vai nos
dizer se vai ser aceito ou não.

3. Como sabemos, a língua portuguesa e seu vocabulário são bastante


fluidos, uma vez que sempre observamos a mudança ou o surgimento de
novas palavras. Nessa perspectiva, como você enxerga a utilização do
pronome neutro na atualidade?
R= Pronto o'que acontece a língua de fato passa por várias mudanças
essas mudanças pode acontecer por motivos socias, elas podem acontecer
inclusive políticos né que a gente acha que não deve acontecer mais ela é
sim motivada sim por questões políticas veja por exemplo no século 17 o
Brasil até então falava tupi guarani também falava, nigato né e veio uma
ordem da coroa portuguesa proibindo olha ninguém mais usa tupi guarani,
então foi extinto ficou somente o portugues de Portugal por assim dizer
mais você vai pro Paraguaio pessoal fala tanto o espanhol quanto o tupi
guarani né são bilíngues, então esse processo da fala envolve também
questões políticas e que a gente na verdade chama de glotofobia que
quando você envolve a língua vinculada à política certo, então se ela se
vincula com a política se ela se vincula a questões sociais se ela vincula a
questões regionais ela também se vincula a questões ideológicas, então é
um processo natural então quando você usa a determinação do pronome
neutro eu vejo como uma questão ideológica certo mais que ela é um fluido
natural do processo então ela vai acontecer de qualquer forma você têm
um determinado grupo de pessoas que tem uma necessidade de se
comunicar que não se sente representado né, por mais que o masculino
não seja um genero mais ai veja se eu tenho um determinado grupo né que
já não enxerga aquele processo acontecendo para a sua
representatividade é um direito dele de fazer essa alteração se ela vai ser
apresentativa ao mundo de pessoas não cabe a nois dizer que não pode
usar, agora claro estabelecer dentro da regra da lingua dentro da escrita ai
é outra conversa. Agora eu vejo com uma questão natural porque veja
assim como eu falo eu também naturalmente tendo a escrever são
processos naturais só que problema da escrita as coisas costumam

39
rastejar muito tempo e você tem também da nobreza da palavra o Silveira
bueno ele fala que as palavras elas tendem a ser modificadas a
dependendo do grau de importância então por exemplo ao longo do tempo
a gente foi palatalizado as palavras com L e com I, então antigamente do
latim dizia velea e ela se talatalizou ficou velha, aranea ficou aranha e hoje
em dia o pessoal fala como teia , vea, araia, palavras tendem a diminuir e
tendem a esticar. Então quando eu vejo questão dos pronomes neutros
dentro da linguagem acredito que vai ter um legado muito extenso de
aceitação bote aí mais de 500 anos no processo de evolução da língua
para que venha ser aceito dentro da gramática a não ser que haja uma
espécie de interposição das academias de letras, das academias da língua
portuguesa começarem a colocar dentro da escrita, do dicionário às vezes
um escritor muito famoso também que possa projetar esse tipo de escrita
pra ver uma certa aceitação social, mais eu acho muito dificil ainda na
atualidade.

4. Qual foi sua reação ao ver pela primeira vez a utilização da linguagem
neutra?

R= No começo achei estranho, mas obviamente quando a gente pensa


nesse processo da linguagem a gente já associa a escrita, então somente
depois que a gente passa a pensar, não é a linguagem então a linguagem
não cabe a mim ainda se envolver no processo. Agora dentro do sistema
comunicativo ainda vejo muita dificuldade dentro do processo das regras
estabelecidas no uso, uma dificuldade ainda de adaptabilidade que eu
acredito que dentro do sistema comunicativo processo da mudança é um
processo natural então ela acontece naturalmente, então a partir do
momento que você tem que falar projetando pensar antes pra ter um
cuidado de não cometer um deslize em usar o pronome neutro isso já vem
de uma forma natural não ser que haja um costume com o tempo isso vem
acontecer mais até pessoas não-binárias que se utilizam ainda sente um
pouquinho de dificuldade porque a um entrelaçamento neural que você vai
construindo a sintaxe das frases mentalmente até pra você gerar uma frase
natural dentro da linguagem neutra é difícil.

40
5. Falar de linguagem neutra significa falar sobre gênero e relações de
poder. Para você quais as principais dificuldades que a inclusão da
linguagem neutra enfrenta para ser inserida como uma regra gramatical?

R= Eita quando entra na regra gramatical realmente é complicada, eu


acredito que a principal dificuldade de inclusão é justamente o fato de que
a gramática ela tem sua construção com base no viés etimológico histórico
então veja oque acontece é o sociolinguístico eles optam por uma
gramática que pode seguir por dois viés o ele vai seguir por um viés
sincrônico ou seja ele vai pegar que a sociedade vai puxar tudo que aquela
sociedade fala ou ele vai puxar por um viés diacrônico que é a evolução
processual de toda a linha até chegar aqui, então ele pega o processo da
formação da linguagem lá no latim que vem a se arrastando ao longo do
tempo a se desembocar na atualidade, então as regras gramaticais elas
são construídas a partir dessa diacronia e não dessa sincronia, então
nunca olhar gramatical ele é associado ele é sempre diacrônico porque que
ele é importante ele ser diacrônico porque o fato dele escrever uma palavra
com S ou com Ç ou com SS tem uma resposta lá na diacronia não da
sincronia porque para o falante é tudo a mesma coisa sessão, seção quem
determina isso é a escala do tempo da evolução latina do processo então
quando eu vejo esse processo ta principal dificulade eu diria da questão
temporal porque veja se a agora que começou movimento de grupo que se
comunica de uma determinada forma até isso entrar uma analise do tempo
vai demorar seculos e seculos, então acho que a principal dificuldade é
questão temporal e diacronica da analise gramatical.

6. Você conseguiria utilizar outra forma de linguagem inclusiva que abranja


toda a população sem o marcador de gênero e sem a utilização do
pronome neutro? Se sim, de que forma?

R= Atualmente não utilizo a linguagem neutra, não é uma linguagem que


está dentro do meu vocabulário, tá certo então no caso eu uso o masculino
no plural aí ele já abrange todo o processo.

41
7. Para você, olhando do ponto de vista de sua experiência em sala de
aula, quais os benefícios e/ou malefícios que a linguagem neutra poderia
trazer para o cotidiano em sala de aula?

R= Olha aí vem outro ponto importante a linguagem neutra tem sim suas
desvantagens certo, porque veja ela atende uma parcela importante da
sociedade mais ela pode acabar também dificultando uma outra parcela,
exemplo alunos que têm dislexia no Brasil nós temos 10 por cento dos
alunos com dislexia então imagine por exemplo uma pessoa que já tem
dificuldade de entender a fala normal a fala normativa, então eu passo a
usar o pronome neutro então o pronome neutro vai gerar uma ambiguidade
interpretativa com ela e ela não vai conseguir entender o sistema
comunicativo, outra pessoa também uma pessoa surda ela se comunica
olhando nos seus lábios você passa a usar o pronome neutro vai haver
uma dificuldade também de interpretação, certo então eu acredito que a
linguagem neutra apresenta essa desvantagem principalmente para
pessoas que têm dislexia e pessoas que têm surdez.

8. Ao debater sobre linguagem neutra há uma divisão de opiniões em que


tal adesão é colocada como desserviço no campo da língua portuguesa.
Qual sua opinião profissional em relação a afirmações dessa temática?

R= É bem complexo mas veja só eu costumo geralmente dá esse tipo de


opinião 10 anos depois que sai alguma coisa, eu posso muito bem hoje
bater uma foto com você e amanhã olha como estou bonito daqui a 5 anos
eu posso olhar pra mesma foto e dizer assim nossa como eu era doido
nessa época e quando eu tiver bem velho eu posso olhar isso e dizer
nossa eu era feliz naquele tempo e eu não sabia, então certos movimentos
quando eles acontecem eles precisam de muitas vezes se deixar acontecer
para que depois a gente possa revisitar e dizer olha naquela época foi
assim aconteceu isso, aconteceu aquilo. Agora veja o'que eu acredito que
a linguagem acima de tudo ela deve ser um processo de inclusão e ela
nunca deve ser um processo de segregação você não pode seccionar e em

42
segregar alguém dentro da linguagem então muitas vezes a linguagem
neutra ela pode sim ser uma parte segregadora porque a pessoa passa se
utilizar e o outro não se utiliza vai haver um atrito social aí porque um não
pode exigir que o outro o utilize e o outro não pode exigir que ela não o
utilize, eu vejo a linguagem neutra na verdade com uma consequência de
uma série de atos que já vem acontecendo ao longo do tempo então veja
por exemplo nós temos uma carga social que às vezes tendência a chegar
pra você e dizer olha sabia que essa palavra ela é racista esse uso dessa
palavra é racismo se eu chegasse pra você e dissesse assim olha essa
cabeceira que vc usa ela se chama criado mudo, criado mudo é uma
palavra racista só que aí veja a palavra é e aí alguém inventou isso,
alguém criou essa coisa até hoje investigo de quem foi, que meu estudo e
entorno dentro da palavra como sou etimologista eu estudo a historia das
palavras o criado mudo não tem nada haver com escravidão alguem meteu
essa ideia que caiu como uma luva para sociedade e a gente vive hoje o
chamado cancelamento das palavras eu costumo dizer oque palavras não
são racistas, palavras não são segregadoras pessoas são as pessoas é
que são não a palavra então posso nenhum momento dizer que a palavra é
isso porque ela não é. Então isso foi acontecendo a sociedade foi
aceitando foi entendendo o pessoal foi cancelado na internet se você
palavra tal você está cancelado se você expressão tal tá errado então
começou haver um policiamento na fala das pessoas porque as pessoas
hoje não falam mais elas escrevem ne e no momento que você escreve
fica registrado e as pessoas vão e batem em cima ai mete o cancelamento
ai não pode falar criado mudo não falar feito nas coxas ah não pode falar
doméstica e começa a haver uma politização da fala então a linguagem
neutra ela também surgiu como um processo de consequência a isso por
ela ter surgido a partir desse movimento e que muitas vezes para alguns
torna invalido que a partir do momento que você analisa todo o contexto de
surgimento dela ela acaba perdendo suas bases de argumentação central
mais já no atual momento que ela se encontra eu já acredito que é invalido
também você querer sair derrubando e dizer que ela não tem cabimento
nenhum ela já se solidificou dentro do seu processso.

43
9. Quando se propõe uma adesão da linguagem neutra, você consegue
pensar em um tipo de usuário que será beneficiado ou prejudicado com a
inclusão da mesma? Se sim, quem seriam esses indivíduos?

R= A linguagem neutra tem sim suas desvantagens certo, porque veja ela
atende uma parcela importante da sociedade mais ela pode acabar
também dificultando uma outra parcela, exemplo alunos que têm dislexia
no Brasil nós temos 10 por cento dos alunos com dislexia então imagine
por exemplo uma pessoa que já tem dificuldade de entender a fala normal
a fala normativa, então eu passo a usar o pronome neutro então o pronome
neutro vai gerar uma ambiguidade interpretativa com ela e ela não vai
conseguir entender o sistema comunicativo, outra pessoa também uma
pessoa surda ela se comunica olhando nos seus lábios você passa a usar
o pronome neutro vai haver uma dificuldade também de interpretação,
certo então eu acredito que a linguagem neutra apresenta essa
desvantagem principalmente para pessoas que têm dislexia e pessoas que
têm surdez

10.Em uma situação hipotética, se você fosse solicitada por algum aluno a
utilizar a linguagem neutra com o mesmo, qual seria seu posicionamento?

R= Então veja quando é claro se surgir expressão que vai além do


processo e ofende a honra do outro ai com certeza, não vejo nenhum
problema porque eu acredito que entre a gramática que tá no papel e entra
a amizade com outra pessoa eu fico com a amizade, acho que a tudo a
uma negociação justamente essa questão como eu lhe disse que é uma
comunicação e essa comunicação vem de uma negociação, então se uma
pessoa pede para que eu por exemplo, utilize um pronome neutro com ela
eu não vejo um problema mais eu aviso logo eu vou errar várias vezes até
eu me acostumar

QUESTIONÁRIO ENTREVISTADO DELU

44
1. Qual sua idade, tempo de formação e quanto tempo atua como
professor de língua portuguesa?

Eu tenho trinta e seis anos e eu tô desde 2015 na educação básica.Eu sou


formado pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, E atualmente eu
também sou pós-graduado em gestão e também sou pós-graduando na no
programa de pré-leitura da UFMG.

2. O que você acha da utilização da linguagem neutra no cotidiano e


qual a sua opinião sobre a utilização do pronome neutro?

A questão da do da linguagem neutra no contexto dos estudos


linguísticos ou até mesmo na na sala de aula é algo que a gente
ainda está tentando em primeiro lugar, assimilar porque é uma
questão ampla, né? Que ela não está no que a gente chama Na
linguística de espinha dorsal dos estudos linguísticos, ela está numa
área que ela nem é periférica, mas está em uma área que se chama
da análise do discurso, Que está relacionado com questões de
ideologia, mas também tem uma questão importante que é a
linguagem ela constrói o mundo, né? E ela precisa construir um
mundo que seja intimamente verossímil parecido com o que a gente
está vivendo atualmente. E nós estamos num mundo que é pró-
diversidade. Apesar de ter todas essas questões relacionadas a
forças que tentam impedir que a diversidade se constitua no mundo,
a gente está num mundo em que as coisas estão acontecendo e a
linguagem precisa estar junto com isso. Eu acho que talvez, é nesse
aspecto que a questão linguagem neutra entra. É uma reivindicação
de identidade de pessoas que não se sentem contempladas por
esse princípio neutro que a língua portuguesa tem que é partir do
masculino. Então nós temos hoje, questões relacionadas a pessoas
que não se identificam nem com o masculino, nem com o feminino.
Então entre essa reivindicação está muito mais relacionada com
uma questão de se pertencer ao mundo, do que meramente uma
questão puramente linguística. Porque usar um pronome neutro, o
“ili”, por exemplo, que é uma tentativa de neutralização. Isso vai
fazer com que essas pessoas não binárias ou LGBTs ou qualquer
outra pessoa que não está dentro da cis hétero normatividade se
sinta contemplado, isso não vai mudar o preconceito, mas isso faz
com que a gente tenha um movimento de dizer essas pessoas
existem e a gente precisa fazer com que a linguagem tente
contemplá-las. É claro que isso é uma questão né? Outra é quando
vai pra dentro da língua, porque a língua também tem, sobretudo a

45
questão de que ela é variável e mutável, ela vai atender a dinâmica
social, só que que ela também tem sua questão estrutural, tem as
questões relacionadas à morfologia e a sintaxe da língua que a
gente precisa também respeitar alguns parâmetros, pra gente poder
estudar ela. Por exemplo, eu não tenho nenhum problema, estar
dentro dum universo de amigos que não se identificam com essas
questões de masculino e feminino eu não tenho nenhum problema
de utilizá-los, Porque a minha visão de linguagem, é que a
linguagem precisa contemplar as relações, então é evidentemente
que na sala de aula isso entra com muito cuidado. Pois, eu também
não posso ser
Irresponsável nesse aspecto. A língua muda por uso. Então as
primeiras coisas têm que ser utilizadas pra que elas entrem nos
princípios normativos também. É claro que dentro de um de um de
uma questão muito mais pragmática da língua você vai fazer uso de
o que a gente chama de linguagem inclusiva, por isso que em
algumas situações as pessoas falam boa noite a todas e a todo, isso
quer dizer na prática uma tentativa de inclusão pela linguagem, é
entender que se eu se eu neutralizo tudo pelo masculino então eu
vou trazer o feminino pro início como forma de dizer, “mulheres
existe, a reivindicação das mulheres é importante” Porque, por
exemplo, tem até uma frase interessante que diz assim, “se tiver três
mulheres e um cachorro andando na rua e elas e eles sofrerem um
acidente, você vai usar o eles”. Ou seja, as três mulheres são
apagadas e o cachorro ganha toda a visibilidade.

3. Como sabemos, a língua portuguesa e seu vocabulário são bastante


fluidos, uma vez que sempre observamos a mudança ou o
surgimento de novas palavras. Nessa perspectiva, como você
enxerga a utilização do pronome neutro na atualidade?

O pronome neutro é uma tentativa de além de neutralizar a língua,


ele também é uma forma de reconhecer a existência de muitas
pessoas, então eu acho válida a utilização do pronome neutro,
contanto que seja utilizada de forma consciente para que o
movimento não seja banalizado.

4. Qual foi sua reação ao ver pela primeira vez a utilização da


linguagem neutra?

46
Em relação à linguagem inclusiva isso já faz mais tempo. Porque
também, é uma área de interesse minha de estudos que é análise
do discurso, então esse debate é mais tranquilo porque está no
campo relacionado às ideologias, a linguagem comum, como a
prática social, que tem essa dinâmica social que está envolvida.
Então é um ponto e eu também faço parte de grupos que
reivindicam esse uso. Então automaticamente essas pessoas falam.
Todas as vezes que isso é colocado em debate eu tento ir
ponderando. Eu já tive essa conversa com outros amigos que são
da área, ou mesmo outras pessoas que colocaram esse debate em
questão, quando vai ser relacionado pro ensino aí a gente tem que ir
com muita cautela. Mas em relação ao uso no cotidiano, de
reconhecer essas identidades e essas pessoas, a existência dela.
Porque o mundo é feito de linguagem, por linguagem. Então a
linguagem pode ser inclusiva ou exclusiva, né vai depender de
quem, somos nós que vamos escolher. A gente quer reconhecer o
sujeito ou a gente quer excluir esses sujeitos? E aí também tem
outra questão importante, que as coisas uma coisa não precisa
acontecer pra outra também acontecer. Primeiro vamos resolver
questões maiores, depois a gente resolve isso, eu acho que isso
pode acontecer simultaneamente, sabe? Não tem nenhum problema
não. Dando as devidas ponderações a gente vai caminhando, não
precisa esperar uma coisa acontecer pra outra acontecer de jeito
nenhum.

5. Falar de linguagem neutra significa falar sobre gênero e relações de


poder. Para você quais as principais dificuldades que a inclusão da
linguagem neutra enfrenta para ser inserida como uma regra
gramatical?

Ela vai ter dificuldade porque primeiro precisa partir do uso, pra
entrar como regra gramatical pro ensino. Pra língua, tem que ter a
questão da recorrência, do grupo social começar a utilizar isso aos
poucos ser socialmente aceita.
Está relacionado com essas questões de poder, porque no final das
contas a linguagem é poder, se a gente domina a linguagem a gente
domina o mundo, e aí se eu se eu reconheço a existência dessas
pessoas eu vou ter que lidar com todas as questões que virão
depois disso. Aí a sociedade vai dizer “opa! não vamos reconhecer
isso não”. Agora em relação a ser incluída como norma gramatical
isso vai demandar tempo e inclusive dificuldades porque por
exemplo quem já viu algumas orações fazendo uso do “ille” e do
“elu”, vai percebendo que as coisas não são tão simples. Há

47
também essas questões de uso de arroba(@), do X na internet, e vai
ter o problema com as pessoas que têm deficiência auditiva, os
próprios computadores, por exemplo, não consegue ler arroba, etc.
Você vai entrando nessas questões técnicas, seja da língua, ou seja
das tecnologias. Então as coisas vão demandar um pouquinho mais
de tempo.

6. Você conseguiria utilizar outra forma de linguagem inclusiva que


abranja toda a população sem o marcador de gênero e sem a
utilização do pronome neutro? Se sim, de que forma?

Outras formas de fazer a linguagem inclusiva sem utilizar os pronomes


neutros é também pelo próprio manejo da linguagem, por exemplo, em vez
de falar alunos eu posso falar “estudantes” Isso é uma forma de incluir, né?
Porque ali você não vai marcar o gênero, por exemplo. Então existe
também um manejo que vai tanto pela sintaxe da liga como pelo
vocabulário também.

7. Para você, olhando do ponto de vista de sua experiência em sala de


aula, quais os benefícios e/ou malefícios que a linguagem neutra
poderia trazer para o cotidiano em sala de aula?

O primeiro obstáculo seria a abertura dos professores. Por mais que


a gente imagine que em uma escola, sobretudo, de educação
básica, mas isso também acontece no nível superior, é um espaço
de que lá vamos entender as coisas, isso não é verdade. Uma
escola é um espaço que chama de conservador, né? E aí você vai
perceber o primeiro impasse, porque pra você entrar num debate
você tem que estar informado sobre ele né? E tem pessoas que
acham que esse debate é irrelevante. Então eu particularmente já
não acho. Eu acho assim que eu preciso reconhecer a existência
das pessoas, então eu posso matar uma pessoa de diversas formas.
Dentre elas é anular. Apesar de que pra mim, pode ainda ser bem
confuso, eu confesso. Algumas questões relacionadas a esse
espaço da diversidade ainda me deixam, em dúvida, com o pé atrás.
A gente não pode banalizar as coisas, né? A gente tem questões
que são muito sérias, Por exemplo, pessoas trans e
travestis/transexuais e que reivindica o uso desse pronome. Existem
pessoas que fogem desse espaço do masculino, do feminino. Agora

48
também você não pode gerar um modismo. Porque você gera um
modismo esvaziado você vai pegando a pauta desses ideais, desses
indivíduos que de fato estão reivindicando um lugar, uma existência
no mundo. E isso eles estão fazendo isso reivindicando um
pronome. Mas não é o pronome que eles querem. Eles querem
existir, ser reconhecidos. Aí se você vai anular isso, você vai anular
os sujeitos também, né? Então, isso existe e você não pode
empobrecer o debate. Então, pra isso a gente não pode empobrecer
o debate e pegar coisas sérias e brincar com elas. Aí, às vezes, por
exemplo, você percebe, nos próprios movimentos, esse processo de
banalização. E se você banalizar você vai ajudar o algoz, né? A
gente não pode banalizar o debate, ele é importante, ele tem que ser
feito em cima de fundamentação, teórica, filosófica de boa vontade
também, né? Porque no final das contas essas questões têm que
partir de uma filosofia de, “pô, vamos viver no XXI, vamos esquecer
a Idade Média, deixar ela pra lá”. E assim, a gente precisa ter
conhecimento, não banalizar, fortalecer o debate em torno disso,
sensibilizar que as coisas não podem ser jogadas nesse lugar do “
Porque hoje eu quero ser tratada assim, amanhã quero ser tratada
assado”. As coisas não são assim. Porque quando você faz assim,
parece que gera uma modinha. Nós tivemos esse problema lá na
escola. Alguns alunos, por exemplo, querendo se auto-afirmar. Eu
estou falando de adolescente de treze, quatorze anos. Ele se diz,
“eu quero tratar de ser tratado pelo nome social”. Mas, existe uma
lei, dentro do município que tenta contemplar isso ou que contempla
isso. Mas as coisas não são assim. Eu não posso pegar o menino e
decidir o que hoje ele é Pedro, amanhã ele é Maria. Estou usando
essa questão de gênero pra poder exemplificar a linguagem. Aí você
vai fazer com que o menino ou a menina que seja um trans, que
esteja nesse processo sério, complexo, que mexe questões
familiares, emocionais, ele vai sofrer preconceito, bullying e tudo
mais. Se você não fizer a sensibilização da importância disso, você
vai empobrecer o debate e você vai fazer com que a gente reforce, e
dê armas pra quem quer atacar. Eu até achei interessante porque
hoje, teve algo bem curioso lá na escola. A escola entrega
absorvente pras meninas. É Um projeto, e aí na sala que tem um
menino que é um homem trans, ele sai pra pegar o absorvente,
óbvio. Então, na hora que ele e as meninas estavam saindo, os
meninos fizeram uma brincadeira relacionada, dizendo “sai também
pra pegar”. Aí eu falei, “gente, isso é uma piada machista, vocês
estão esquecendo que vocês têm um colega trans dentro da sala e
ele na condição dele, precisa utilizar absorvente. Vocês sabem que
homens cis não têm vagina e não menstruam. Então, se você faz
essa brincadeira, vocês constrangem o colega”. Só que vocês

49
sabem que homem cis não usa absorvente. Um homem, que não
tem vagina, não vai menstruar. Só que se você faz essa brincadeira
com o colega, você o constrange.

8. Ao debater sobre linguagem neutra há uma divisão de opiniões em


que tal adesão é colocada como desserviço no campo da língua
portuguesa. Qual sua opinião profissional em relação a afirmações
dessa temática?

Em geral quem está fazendo esse debate na grande maioria não é


estudioso da língua ou das linguagens, então isso aí já aponta a
pobreza do debate. Porque assim, se eu quero falar de psicologia eu
tenho que chamar um psicólogo e um especialista na área, então
esse livro que eu até citei,diz que tragamos pro debate quem
realmente tem um pouco mais de propriedade pra falar sobre isso.
Sobre a mudança, da língua, sobre as questões que são, quais são
os entraves, onde é que a gente pode avançar e onde é que a gente
não pode. Então essas pessoas não estão preocupadas com essa
eloqüência, essa língua conservada. Se a gente fizer isso a gente
acaba com a língua portuguesa, o pessoal não está preocupado
com isso. Eles estão muito mais preocupados em usar esse debate
como estratégia pra manter a exclusão mesmo, não reconhecer a
diversidade, de não reconhecer que nós estamos no XXI e hoje o
mundo é pro diversidade. Mesmo que você queira e existam forças
contrárias a isso e ela sempre vai existir, o mundo é pró-diversidade
de todas as questões, seja de gênero, de identidades, questões
raciais e étnicas. Não tem pra onde correr. Estão no mundo, às
pessoas elas estão tendo voz, se você é silenciado dentro da escola
e universidade, os alunos têm a internet, tem os grupos, têm as
redes sociais então você não consegue mais prender. Talvez o
desespero dessas pessoas seja por isso, porque antes era mais fácil
silenciar. Hoje você não consegue. Você consegue botar o debate
no mundo de diversas formas. E aí isso gera um medo, para quem
quer manter as coisas como estão.

9. Quando se propõe uma adesão da linguagem neutra, você


consegue pensar em um tipo de usuário que será beneficiado ou
prejudicado com a inclusão da mesma? Se sim, quem seriam esses
indivíduos?

50
No caso dessas propostas de neutralização, acho que as pessoas
com deficiência auditiva, e deficiente visual. Acho que tá muito mais
nesse campo.
Algumas pessoas irão se prejudicar em relação a isso. Eu acho que
os jovens são muito fáceis de lidar com tudo isso. Eles tiram isso de
letra. Eu acho que geral, são os adultos que complicam as coisas.
Vou complicar um pouquinho, mas os grupos de amigos que eles
lidam com a adversidade de uma forma tão tranqüila você vão
perceber muito mais preconceito na exceção, do que na regra e isso
acontece em geral o oposto com os grupos mais velhos, mais
tradicionais, mais conservadores em relação a isso. Porque essa
tentativa de conservadorismo dentro da língua é também uma forma
de querer fazer com que a sociedade permaneça do mesmo jeito,
não é uma defesa da língua. Eu vivi algo recente que eu achei muito
curioso, essas pessoas que fazem projetos de lei contra o uso da
linguagem neutra essas pessoas não se preocuparam quando a
biblioteca nacional pegou fogo, então o problema não é a língua, a
conservação da língua, sabe? É a preservação de valorizar arcaicos.
E outra coisa, é por isso que a questão de discurso entra aí, na
Ideologia. Tudo está por trás disso é uma ideologia conservadora
excludente de sociedades. Nada, além disso!

10. Em uma situação hipotética, se você fosse solicitada por algum aluno a
utilizar a linguagem neutra com o mesmo, qual seria seu
posicionamento?

É uma questão interessante de ser pensada NE? É assim na escola que eu


trabalho, por exemplo, nós temos um muito cuidado em relação a esse tipo
de auto-identificação dos alunos. Então se a pessoa se identifica como
homem, como menino, está muito mais nas questões de gênero, mas
quando vai pra linguagem a gente também tem que ter uma sensibilização,
porque na sala de aula, às vezes as pessoas vão banalizando. E a gente
não pode banalizar uma questão que é muito séria evidentemente, que a
gente vai ter que conversar pra saber de que forma ele já se auto-identifica,
se a família está por dentro disso. Por exemplo, na escola em que eu
trabalho eu tenho um aluno trans, homem trans, existe uma burocracia
para se ter o nome social, no caso da educação básica pra ter o nome
social tem que ser autorizado pela família. Mas, dentro dessa questão do
uso pessoal isso pode acontecer sem nenhum problema. Agora também

51
tem que ser conscientizado de que isso é uma questão entre eu e ele.
Entre o coletivo a gente tem que ir com calma Porque tem o ensino da
língua. Aí a gente pode problematizar isso, falar sobre a importância da
linguagem ser inclusiva. Isso é um ponto. Outro ponto é que a gente é pisar
no terreno que a própria lingüística, ainda tentando botar os pés, è tanto
que esse livro da linguagem neutra é o primeiro livro que está tentando
trazer à tona esse debate. E é um debate muito espinhoso. Exatamente
porque a língua não modifica por decreto de uma comunidade,
evidentemente que uma comunidade reivindica o uso, ela vai começar a
utilizar. Até então está restrito aquele espaço da daquele aquele grupo
social pra isso se transformar numa norma isso tem que ser feito uso muito
maior, porque não é assim que as coisas funcionam, um grupo, um
pequeno grupo pode utilizar, a gente pode se comunicar entre amigos, mas
o ensino disso na escola, Como é que a gente vai fazer isso? Até porque
não tem nem estudos ainda mais aprofundados a respeito disso, até quem
propõem o uso do pronome “ILE” ainda está muito no início desse debate.

52

Você também pode gostar