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BAGNO, Marcos. Mitos 1 a 4. In: Preconceito Linguístico 48ª e 49ª edição.

São
Paulo, Brasil, 1999.

Autores: Victória Cristina, Nicolas Gomes, Maria Isabel, Ariane Magalhães,


Larissa Dias.

Esta é uma obra que engloba vários fenômenos da linguagem e seus usos no
Brasil, porém, sem dúvidas, o mais importante são as explicações que Marcos Bagno
traz em Preconceito Linguístico. Com uma escrita leve e acessível, o autor desbanca e
questiona costumes de séculos vinculados com a língua portuguesa brasileira. Provando
de uma vez por todas que a linguagem utilizada está intrinsecamente ligada com o senso
de identidade de um povo. No primeiro capítulo do livro, Bagno discorre sobre oito
mitos presentes no português brasileiro, e este trabalho se propõe a resenhar os quatro
primeiros.

O mito introdutório “O português apresenta uma unidade linguística


surpreendente” é considerado um dos mais graves pelo autor, visto que está enraizado
em nossa cultura e é até perpetuado por muitos intelectuais. Uma consequência desse
pensamento é o impacto na educação, fazendo com que toda a diversidade seja ignorada
e sobreposta pela norma padrão nas instituições de ensino.

A verdade é que no país são faladas mais de duzentas línguas diferentes. No


Brasil temos um caráter multilíngue por diversas razões complexas em níveis científicos
e sociais sendo essas: a ciência linguística, a qual explica que toda língua é heterogênea;
a grande extensão territorial brasileira, que faz com que o país tenha uma grande
variedade e diversidade, assim criando diferenças regionais; a desigualdade social.

Sendo, atualmente, o 9º país mais desigual do mundo, o abismo social também


pode ser refletido na linguagem usada para a comunicação. Na opinião do grupo, esse
entendimento é essencial para explicar a exclusão de tantas variantes ricas da língua
português brasileira. Por não serem pertencentes a classe alta, essas se tornam
desvalorizadas e marginais, desse modo o senso comum as interpreta como “erradas”.

O impacto disso no usuário das variantes na margem é, claramente, negativo.


Bagno os descreve com o termo “sem-língua”, pois a que é falada por essas pessoas não
é reconhecida, nem respeitada de modo estrutural, o que resulta na exclusão e alienação
de pessoas pobres. Essas podem ser vistas se manifestando na falta de entendimento do
povo para com seus direitos, pois simplesmente não conseguem ter acesso à língua
utilizada em documentos oficiais e órgãos públicos.

Em conclusão, esse abismo formado pela diferença de renda vai muito além dos
níveis superficiais. A exclusão através da língua é discreta, porém é incrivelmente
potente como pode ser entendido pelo mito inicial do autor. Sendo a educação
democratizada e inclusiva os resultados poderiam ser diferentes, o estudante tem que
trabalhar e aceitar sua realidade em sala de aula, não a de intelectuais mortos há eras
atrás. Essa mudança iria ajudar o conhecimento a se tornar palatável para quem está em
processo de aprendizagem, afirma Bagno.

O segundo mito é um dos mais interessantes, esse reflete sobre “Brasileiro não
sabe português / Só em Portugal se fala bem português”. Pelo título já pode-se perceber
que o capítulo trata como a herança colonial impacta a mente do povo até agora. É
interessante perceber que para comprovar de onde vêm esse pensamento, o autor traz
matérias de revistas, opiniões de grandes intelectuais acadêmicos para demonstrar que a
camada dominante e a estrutura propagam essa ideia de que português brasileiro é o
“errado” como um fato.

Assim, com dados e comparações o autor questiona o conceito de “certo” e


“errado” nessa parte do texto. O que deve ser desbancado na mente dos falantes
brasileiros é a ideia ultrapassada de que o “colonizador é melhor que o colonizado”,
Bagno usa o exemplo dos EUA e como seria infundado falar que o inglês deles é errado,
apenas por diferir da língua falada na Inglaterra. Assim, se tal pensamento não é
comum, não há razão de o fazer quando Portugal e Brasil são colocados lado a lado.

Analisando e provando que a superioridade do colonizador é errada, podem-se


apresentar os fatos para a nossa relação com a linguagem. A ideia de superioridade
linguística é rompida quando é considerado que nenhuma língua é homogênea e a
utilizada em Portugal possui suas próprias variações, os portugueses podem falar e
escrever “errado”, como expõe o autor. Desse modo, não há fundamento para essa
idealização puritana em razão de que o próprio português de Portugal não é “puro”.

Em conclusão, às duas línguas são diferentes e a brasileira é marginalizada por


razões sócio-históricas muito além do nosso controle. Razões estas que infelizmente
veículos de comunicação, instituições de ensino... bem, o sistema insiste em perpetuar.
Bagno defende uma ideia simples que deveria ser natural: se não somos portugueses,
não há sentido falar a língua de Portugal

Um fator notável é que a estruturação do texto e os mitos se completam e um


fenômeno é a causa ou explica o outro. O terceiro capítulo é ligado com o segundo e se
chama “Português é muito difícil”, esse também é o pensamento de muitos brasileiros
porque as regras gramaticais adotadas não condizem com o português brasileiro, pois
são baseadas no de Portugal.

Baseando-se nesse fato, não é surpresa que os alunos em sala de aula não se
identifiquem com a gramática normativa tradicional, o que está em apostilas e no
quadro não corresponde com o que é falado, utilizado nem com a evolução linguística.
Para melhorar esse âmbito, Bagno sugere a ideia intrigante de que o ensino deveria se
focar mais no desenvolvimento da escrita e da expressão oral. Esse se realizando de
forma interativa faria o processo de aprendizagem mais dinâmico e interessante para o
aprendiz, trazendo segurança e associação com a fala.

Ainda em sala de aula, há o fator classificatório da gramática normativa. Bagno


enfatiza como essa visão empobrece a língua, porque a torna um mero elemento
passível de categorização. Os esforços desse ensino são desperdiçados, dado que
conforme o texto, todo falante possui sua gramática internalizada, além do fato que
esses fatores categóricos não tomam parte na real utilização da língua cotidiana. Nota-se
que as reais experiências práticas dos alunos não são consideradas no ensino.

O tema recorrente social volta a aparecer quando o autor afirma que o mito
também se dá como um mecanismo de controle das camadas privilegiadas, podendo
fazer ponte com a história da linguagem indiana onde um determinado grupo tinha a
função de impedir que a “gramatica” não se corrompa pelo contato com os integrantes
das castas ditas como inferiores.

Logo podemos chegar à conclusão de que o português brasileiro não é difícil,


ele apenas não é levado em conta num contexto acadêmico, deixado de lado por uma
versão datada de outro país, versão apenas perpetuada pelas camadas dominantes para
manutenção de status.

O quarto mito traz consigo uma discussão muito relevante de um pensamento


comum, o de que “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. Como já foi vimos,
muitas das percepções da língua estão interligadas com situações sociais brasileiras e
essa é a mais forte.

É importante trazer as comparações feitas pelo autor para provar que os


fenômenos fonéticos que carregam tanto estigma para pessoas de camadas baixas,
acontecem com as camadas mais altas da mesma forma. O autor cita o fenômeno do
rotacismo, onde R e o L foram sendo modificados ao longo da história do português
padrão, e dessa forma quem fala “Cráudia, chicrete e pranta” não pode ser cobrado de
saber que essas palavras são pronunciadas com um “L”, pois não conhecem esse
encontro consonantal. Bagno ainda compara esse fenômeno com “o TH de throw ou o I
de live” advindos do inglês, provando que todas as línguas o sofrem.

Dessa forma, há apenas a explicação social de que as camadas mais altas


escolheram ao redor da história quem ficou por baixo para ridicularizar e os meios de
comunicação tomaram para si e propagaram essa ideia, criando-se assim um senso
comum. Há um exemplo concreto desse fenômeno mostrado por Bagno através do
preconceito com a linguagem nordestina, essa que é uma grande vítima do estereótipo
vil colocado porque é uma área economicamente mais pobre por razões geográficas e
históricas.

Analisando de uma forma puramente linguística, o autor retoma um tema


muito trabalhado no curso superior de Letras, a mutabilidade da língua. Todos os
dialetos marginais são, na verdade, normais, apenas a linguagem e quem a utiliza
evoluindo de acordo com aspectos sociais e do meio. Conseguinte, esse preconceito
pode ser associado não a língua, mas sim ao falante.

Em suma, o que pode se retirar é que a linguagem está ligada de forma


intrínseca com a parte social, pois ela é viva. Para a educação ser verdadeiramente
democrática primeiramente ela tem que dialogar com a realidade ao redor dos alunos de
classes mais baixas. Dessa forma, a visão de colônia enraizada pode ser desconstruída e
o povo brasileiro pode caminhar para achar um verdadeiro senso de identidade.

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