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PROPÓSITO
Compreender como se produzem situações de vulnerabilidade na sociedade em que vivemos é
importante para desenvolver um pensamento crítico da estrutura social e suas dinâmicas.
PREPARAÇÃO
Levando-se em conta a riqueza e as múltiplas possibilidades de análise do tema, é importante
ter à mão um bom Dicionário de Teoria Política ou de Ciências Sociais. Sugerimos o Dicionário
de Política, de Norberto Bobbio, e o Dicionário de Sociologia, da UFSC/Repositório. Ambos
disponíveis em formato virtual.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
Reconhecer as dinâmicas de exclusão estruturantes da sociedade
MÓDULO 3
Contrastar o problema social da população de rua com o instituto legal da dignidade humana
INTRODUÇÃO
Propomos caminharmos juntos, tendo à frente um desafio: refletir sobre a vulnerabilidade
em suas diversas dimensões, desenvolvendo um olhar crítico voltado para as estruturas
da sociedade em que vivemos.
Por que alguns problemas como a fome e a pobreza são tão antigos apesar de todos os
avanços técnicos e tecnológicos? Será que, em nossa vida diária, conseguimos enxergar ou
pensar com clareza sobre a parte oculta deste imenso “iceberg” que é a exclusão social? Quais
são os desafios de uma sociedade mais inclusiva? E por onde começar a pensar e a trabalhar
um tema tão complexo?
Abordaremos as relações possíveis entre diversidade e igualdade, para que você seja capaz,
ao final deste estudo, de desvincular a ideia de exclusão e injustiça social do fenômeno da
variedade e multiplicidade de perfis individuais e grupos nas sociedades contemporâneas.
Também encontraremos ferramentas para relacionar as condições de vulnerabilidade e a
noção de inclusão social. E assim, compreenderemos o princípio moral e jurídico norteador das
discussões feitas sobre este tema.
MÓDULO 1
DIVERSIDADE
Instituto de Estudo da Religião – foi fundado há 50 anos e apresenta, em seu site, uma série de
documentos, pesquisas e publicações que permitem ampliar a análise social no campo
religioso-cultural-social. Um exemplo clássico de diversidade.
Em cada uma dessas tribos ela observava os comportamentos culturais relacionados ao valor
da masculinidade e, em função dos contornos específicos que cada uma das culturas dava aos
papéis sociais do homem na comunidade, tinha-se como resultado um temperamento
específico, uma espécie de tônica relacional entre homens e mulheres que conduzia as
interações humanas ali.
MARGARETH MEAD
Assim, enquanto os tchambuli pareciam operar uma espécie de inversão dos nossos papéis
sociais atribuídos a homens e mulheres (as mulheres ocupavam-se da pesca e negociação de
excedentes, enquanto os homens mostravam-se emocionalmente frágeis e se ocupavam de
atividades artísticas e estéticas), entre os mundugumor os valores relacionados à
masculinidade, como a virilidade e a coragem, dominavam toda a cultura e, entre os arapesh,
os mesmos valores não eram tão expressivos.
Mas, além de toda a variedade cultural, existem ainda múltiplas características individuais,
físicas e psicológicas que tanto se constituem através das culturas nas quais o indivíduo está
inserido quanto são interpretadas pela cultura fazendo com que um indivíduo ocupe
determinada posição na sociedade e goze de certo status social.
Podemos entender que as culturas são teias de significados (GEERTZ, 2015). Mas isso nos
leva a perguntar:
Que significados culturais são tecidos, atualmente, por exemplo, a respeito do corpo de uma
pessoa com algum tipo de deficiência física?
Você pode responder a essas perguntas imaginando como seria a vida de uma pessoa
deficiente física nesses três contextos culturais. E você pode pensar ainda que, mesmo em
cada um desses contextos, seria interessante conhecer mais especificamente a posição do
sujeito – indivíduo que tem nome, mora em tal lugar e exerce determinado papel social –,
naquela cultura, a fim de imaginar como seria a sua vida. Por exemplo:
Seria concebível que, há alguns séculos, pessoas deficientes pudessem participar de
competições esportivas?
Podemos dizer que, no mundo globalizado atual, a diversidade se coloca como uma questão
muito importante. Pessoas de diversas partes do mundo estão em contato, os fluxos de
deslocamentos e a comunicação nunca foram tão intensos. Há também um avanço tecnológico
sem precedentes que pode, como nos faria pensar a foto, concorrer para a inclusão de
pessoas com as mais diversas formas de vida e necessidades.
Isso nos remete a um segundo conceito fundamental no contexto do tema estudado. Vejamos!
DESIGUALDADE
Podemos caracterizar a desigualdade social como o problema relacionado à distribuição dos
recursos e do acesso aos serviços. De fato, os avanços técnicos e tecnológicos não estão
disponíveis a todas as pessoas independentemente da sua posição na sociedade. Para
seguirmos em diálogo com tópico anterior, basta mencionar que o equipamento da atleta, na
foto, custa caro demais para a imensa maioria da população. Nossa sociedade é marcada pela
desigualdade em diversos níveis: de renda, de direitos, de status.
Isso tem a ver com pessoas que pertencem a diferentes classes sociais, religiões, residentes
em vários locais do Brasil e do mundo, homens e mulheres, com orientações sexuais distintas,
com corpos sãos e doentes, com ou sem deficiência, pertencentes a diversas gerações;
velhos, jovens.
Mas como cada uma dessas pessoas, com as suas especificidades, consegue ter acesso aos
bens, serviços, a uma vida digna e o quanto conseguem fazer valer os seus direitos?
Uma sociedade desigual é aquela que não garante igualdade ou justiça no acesso aos bens,
serviços e a uma vida digna.
DESIGUALDADE
DIFERENÇA
É hora, então, de percebermos que desigualdade não é o mesmo que diferença. Vimos que
as sociedades atuais são plurais, convivemos com o diferente o tempo todo, muito mais do que
nas sociedades dos séculos anteriores. Desde que você acorda até o momento em que vai
dormir, provavelmente interage, ou pelo menos cruza na rua, com pessoas que têm uma vida
muito diferente da sua e uma em relação à outra: o padeiro e o motorista de ônibus; o dono e
os funcionários de uma pequena loja; o morador de rua.
Isso porque, na sociedade globalizada, as diferentes tarefas estão divididas entre muitas
pessoas para que as coisas funcionem. Chamamos isso de divisão social do trabalho. As
formas de trabalho são também muito diversas, e cumpridas por milhões e milhões de
indivíduos.
Se você pensar no sistema feudal, por exemplo, ou em uma tribo indígena de pequeno porte,
verá que o trabalho pode ser muito menos variado, se comparado à maneira como o trabalho é
dividido na sociedade capitalista contemporânea.
SOCIEDADES DE
SOLIDARIEDADE MECÂNICA
Em sociedades que ele chama de “simples”, o “vínculo de solidariedade” que dá aos indivíduos
o sentimento de pertencerem a uma mesma sociedade é de tipo mecânico. É a identificação
que mantém as pessoas como partes de um mesmo grupo. Entre os yanomami, por exemplo,
os homens caçam e as mulheres cultivam a terra. Isso quer dizer que um homem yanomami se
identifica com outro homem yanomami, que desempenha a mesma tarefa que ele para que sua
sociedade funcione.
SOCIEDADES DE
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA
Nas sociedades ditas complexas, de solidariedade de tipo orgânico, o trabalho é muito
estratificado, com funções variadas e muito especializadas. E, nesses casos, o que mantém as
pessoas unidas e a sociedade coesa é a complementaridade de funções.
Podemos concluir, até agora, diante do exposto, que vivemos em uma sociedade plural, onde
a divisão social do trabalho é imensa. Nela, cada um dos indivíduos que vemos na rua, em um
dia comum, tem um trabalho bastante específico e que depende dos papéis desempenhados
por todos os demais indivíduos para funcionar.
Mas isso valeria para todos os indivíduos? Se sim, qual é o papel do morador de rua, por
exemplo, no funcionamento social?
Ele não tem um papel na cadeia produtiva, a não ser o de garantir que haja sempre mais gente
do que as funções sociais conseguem absorver, sejam essas funções o trabalho remunerado
ou as instituições sociais como a família, as instituições de saúde ou o Estado.
Podemos definir cidadania como a qualidade de ser cidadão. E quem é o cidadão? Cidadão é o
indivíduo socialmente inserido. Como parte de uma sociedade, um indivíduo se torna sujeito de
direitos e deveres. Provavelmente, você já ouviu o provérbio que tenta resumir a questão: “o
direito de um acaba onde o do outro começa”.
DIREITOS CIVIS
Fincaram raízes e se espalharam pelo mundo após a Revolução Francesa, com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, um documento que listava, na forma de
artigos, prerrogativas relacionadas às liberdades individuais. Assim é que, tomando por base
nossa Constituição, podemos citar, como exemplos de direitos civis: o direito de ir e vir, a
liberdade de expressão, a liberdade de culto.
DIREITOS POLÍTICOS
São aqueles que se referem à participação do povo no processo político e foram sendo
gradualmente conquistados desde o século XIX como resultado das reivindicações dos
movimentos sociais: movimento feminista, movimento negro e movimentos de trabalhadores,
organizados por meio de sindicatos. São exemplos de direitos políticos: o voto universal, o
direito a manifestar-se pacificamente e o direito de organização e participação em partidos
políticos.
DIREITOS SOCIAIS
Graduada em História pela Universidade de São Paulo, Neri de Barros Almeida é doutora em
História Social pela mesma instituição e livre-docente pela Universidade Estadual de
Campinas. Realizou pesquisas de pós-doutorado nas universidades do Porto (Portugal) e Lyon
2 (França) e no Centre Nationale de la Recherche Scientifique (CNRS/França).
De fato, só faz sentido pensar em Direitos Humanos ao admitir que eles não são negociáveis
caso a caso e em função do contexto.
DIREITOS HUMANOS
“Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum”. (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, 1789, art. 1º).
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, art. 1º).
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade”. (Constituição Federal do Brasil, 1988, art. 5º).
O que sustenta os dispositivos legais, fazendo com que atravessem as barreiras do Estado-
Nação e estejam presentes em regramentos e pactos internacionais, é o princípio geral da
igualdade, que vai sendo gestado lentamente ao longo da história do Ocidente. Esse princípio
vai inspirando tanto as formas pelas quais os Estados se organizam (estabelecendo-se como
princípio democrático) quanto os contornos morais da cultura como um princípio que deva ser
buscado. Vai se estabelecendo também como palavra de ordem dentro do próprio regime
científico de produção do conhecimento, desde que o sujeito de conhecimento se torne o
homem comum, não mais o sacerdote dos regimes de saber mágicos ou religiosos.
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre cidadania e direitos humanos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Que peso devemos dar a uma “escolha” feita em um universo de possibilidades tão restrito?
EXEMPLO
Pesquisas apontam que, quando perguntadas sobre que motivos levam essas mulheres a se
prostituir, elas respondem que a prostituição lhes dá muito mais dinheiro e ainda mais
flexibilidade de horário que outras atividades igualmente precarizadas.
Mas como garantir que essa opção de trabalho seja uma escolha legítima, uma vez que essas
mulheres se encontram na pobreza e enfrentam dificuldades para manter seu próprio sustento
e de suas famílias?
No limite, podemos pensar no quão válida é a “escolha” de alguém que toma alguma atitude
sob coação. Um caixa de banco, por exemplo, no caso de um assalto e sob a mira de uma
arma, faz uma escolha ao entregar o dinheiro para o assaltante. Ele poderia ter feito a escolha
de ser morto a colaborar com o criminoso. Mas poderíamos esperar isso dele?
Da mesma maneira, muitas discussões sobre a vulnerabilidade social passam por questionar
as próprias escolhas dos vulneráveis, considerando que tais pessoas fazem suas escolhas sob
grande pressão. Há, por exemplo, uma polêmica atual sobre a forma de nascimento de
crianças no Brasil. No nosso país, as taxas de nascimento por cirurgia cesariana são, segundo
o Ministério da Saúde (CONITEC, 2015), de 55,5% ao ano enquanto, segundo a comunidade
médica internacional, a taxa ideal de cesáreas em cada país não deveria ultrapassar 15% dos
nascimentos. Acontece que a duração de uma cirurgia cesariana é muito menor do que o
tempo de duração médio de um parto normal. O que faz com que seja muito mais rentável,
para um obstetra e para as empresas dos planos de saúde, optar pela cirurgia, ainda que se
reconheça que o parto normal é fisiologicamente mais saudável e indicado para os
nascimentos.
Durante o trabalho de parto, as parturientes, sob a dor das contrações uterinas, ficam
vulneráveis às sugestões médicas. Pedem que seja feita cesariana, pedem anestesias que
atrasem as contrações, pedem injeção de hormônio para acelerar o nascimento, entre outras
práticas médicas interventivas. Movimentos sociais envolvidos com a questão dos direitos que
dizem respeito aos nascimentos e às parturientes têm denunciado, sistematicamente, o que
chamam de “violência obstétrica” — que seriam abusos médicos da condição da mulher no
parto. Essa discussão tem a ver com as reflexões em torno do juízo de consentimento e poder
de escolha de uma pessoa em situação de fragilidade por qualquer motivo que seja.
Podemos admitir que esses indivíduos sejam capazes de escolher, de opinar e de consentir
sobre os assuntos que dizem respeito à sua condição de vulneráveis?
Se, por um lado, parece justo considerar que suas escolhas têm o peso das circunstâncias que
envolvem precariedade, violência e ausência de cuidado devido, por outro, descredibilizar
essas escolhas pode, às vezes, significar apenas subtrair mais um direito das pessoas em
situação de vulnerabilidade.
INCLUSÃO SOCIAL
A inclusão social é um movimento contrário em relação àquele movimento que constitui a
segregação ou a exclusão social. A inclusão social passa por políticas públicas e práticas
cotidianas que visam à ampliação do acesso aos bens e serviços disponíveis para os cidadãos
— passa mesmo por amplificar a própria cidadania real.
Mas existe uma distinção conceitual entre:
EXCLUSÃO
SEGREGAÇÃO
Tanto a exclusão quanto a segregação são processos sociais que nos afastam de uma
sociedade igualitária, fazendo com que proliferem as situações de vulnerabilidade. E a
vulnerabilidade é, como vimos, um entrave filosófico à consolidação da democracia, uma vez
que lança sombras sobre o poder de consentimento e o sentido do agir dos indivíduos.
Podemos lembrar agora a pergunta que encerra o tópico anterior. Devemos admitir que a
melhor resposta para aquela difícil questão seja a que vai ao sentido de localizar quais são as
dinâmicas que estruturam a sociedade, gerando excluídos, segregados, vulneráveis e
violentados em diversos níveis.
Por que existe, afinal, o morador de rua? O pobre? O desempregado? A mulher agredida pelo
cônjuge?
Será que podemos depositar sempre e apenas nos próprios indivíduos a responsabilidade por
esses incidentes? Se sim, por que esses são fenômenos de grande escala, recorrentes?
Será culpa da mulher que sofreu violência conjugal o fato de ter sido agredida? Será verdade o
que dizem, que ela “certamente fez por merecer”?
Uma interessante discussão, a respeito da relação entre “gênero” e “violência”, é feita por
Maria Filomena Gregori para pensar sobre o movimento, na história recente do Brasil, de
relações envolvendo dominação, vulnerabilidade e expectativa de um ordenamento social justo
e inclusivo que respeite a equidade e a igualdade das mulheres em relação aos homens:
REFLEXÃO
Para pensar os paradoxos que envolvem as relações violentas, em uma abordagem que não
abandona as dinâmicas concretas e experienciais de que elas são revestidas, adotamos a
perspectiva que acredita na coexistência de vários núcleos de significado que se sobrepõem,
se misturam e estão permanentemente em conflito.
Na situação das relações familiares, por exemplo, cruzam-se concepções sobre sexualidade,
educação, convivência e sobre a dignidade de cada um. Cruzam-se também posições
definidas por outros marcadores ou categorias de diferenciação que implicam variadas
posições de poder: geracionais ou etárias, marcadores raciais e também os relativos à classe e
à ascensão social.
Exercer uma posição é agir em função de várias dessas concepções, posições e marcadores,
combinando-os mesmo quando são conflitivos. Desse modo, importa salientar que ao tratar de
posições de gênero é preciso considerar que, certamente, existem padrões legitimados
socialmente importantes na definição de identidades e condutas.
Contudo, é preciso ter em mente que eles devem ser vistos como construções, imagens,
referências compostas e adotadas de modo bastante complexo, pouco linear e nada fixo.
(GREGORI; GUITA, 2008).
A inclusão social, pensada em uma lógica de garantia de direitos, significa então admitir que
existe um limite. O limite, nesse caso específico, seria: ainda que a mulher “mereça”, o marido,
ou quem quer que circunstancialmente se encontre na posição do agressor — posição
conferida, mesmo no âmbito das relações matrimoniais, conforme as autoras argumentam, por
diferentes marcadores sociais além do gênero —, esta pessoa não pode dar o tapa, o soco, o
chute. Não pode agredir! Esse é o limite que separa a civilização da barbárie. O limite da lei.
Faremos, outra vez, a pergunta:
Quais são as dinâmicas que estruturam, na sociedade, essa modalidade típica de violência que
é a doméstica? O que, na cultura e na história, criou as condições necessárias para a
recorrência desse evento?
Diversos elementos devem ter concorrido para isso. A narrativa cultural segundo a qual a
mulher é um ser biologicamente mais frágil, bem como a fragilidade legal dos direitos das
mulheres, ao longo da história, com certeza devem entrar nessa conta. Basta dizer que, no
Brasil, apenas no início da década de 1930, as mulheres tiveram o seu direito ao voto
reconhecido. E toda a cultura ocidental, que se desenvolveu tendo por referência a Antiguidade
clássica, é herdeira de tradições democráticas nas quais não se consideravam nem as
mulheres, nem os escravos ou os estrangeiros como cidadãos.
A família patriarcal é um modelo institucional que esteve na base da formação social brasileira
desde a nossa colonização, marcada pelo instituto jurídico do “pátrio poder”, que depositava,
na figura do pai, o papel de chefe e administrador do grupo familiar.
O sociólogo Pierre Bourdieu é autor de uma obra, atualmente considerada clássica nas
Ciências Sociais, chamada A dominação masculina, na qual ele analisa o funcionamento das
relações entre homens e mulheres na família e também na escola, na Igreja e no Estado.
Ele conclui que, na nossa sociedade, “as mulheres são bens simbólicos que circulam em um
mercado de trocas protagonizado pelos homens” (BOURDIEU, 2002).
PIERRE BOURDIEU
Considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas, Pierre
Bourdieu (1930-2002) é um dos mais importantes pensadores do século XX. Sua produção
intelectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensa variedade de objetos e
temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitado quanto um clássico. Crítico mordaz
dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, Bourdieu construiu um importante
referencial no campo das ciências humanas.
Para retomarmos a questão dos nascimentos, apontada no tópico anterior, faremos também a
mesma pergunta, que nos serve de eixo para a discussão do tópico presente:
Quais são as dinâmicas que estruturam, na sociedade, esta modalidade típica que é a violência
obstétrica?
Entendemos que o debate sobre inclusão social passa pela discussão de fenômenos violentos,
nas suas mais diversas manifestações, porque, afinal de contas, a exclusão e a segregação
tanto produzem situações de violência quanto, ao nos afastar de uma sociedade justa e
igualitária, são dinâmicas violentas.
Para perceber que a questão não é simples, vale lembrar a Lei nº 17.137, de 23 de agosto de
2019 (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), apresentada pela deputada estadual
Janaina Paschoal, que permitia à parturiente optar pela cesariana ou pelo parto normal, dando
à mulher o direito a essa escolha. Em menos de um ano, em 1 de julho de 2020, a lei foi
considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ainda há quem, de um
lado, afirme que a lei valorizava a mulher, sua escolha e saúde. E, por outro, quem afirme que
a cesariana é mero instrumento rentável.
No caso do Brasil, as discussões que giram em torno da inclusão social intensificaram-se nos
últimos anos, graças ao fôlego que os movimentos sociais têm ganhado com debates e
denúncias feitos pelas redes sociais. Movimentos de mulheres vêm se popularizando, com
múltiplas bandeiras e reivindicações. O Movimento Negro tem feito, nos últimos vinte anos,
uma importante discussão sobre a política de cotas raciais e sociais, atualmente vigente em
parte dos processos seletivos para vagas de empregos, de escolas, bolsas e benefícios em
universidades públicas e privadas.
Essa política de ação afirmativa tem sido levada, inclusive, para o debate sobre a inclusão de
diversas outras minorias de direitos, como os deficientes físicos e as mulheres.
Em 2012, foi criada a Lei de Cotas, pelo Governo Federal, para promover a inclusão no ensino
superior de estudantes oriundos de escolas públicas, de famílias de baixa renda, negros,
indígenas e pessoas com deficiência.
Na educação, aliás, fala-se muito na inclusão de crianças com deficiências físicas e mentais e
em uma transformação da instituição escola no sentido de acolher os perfis mais variados de
alunos, passando por um apelo pela necessidade de atenção aos mais diversos perfis e
urgências do público discente.
RESUMINDO
Os referidos vieses (cada um dos quais merecia um módulo próprio de discussão) são:
MOTOR
VISUAL
LEGENDA:
Falta de transporte;
Medo da exclusão;
Vergonha de me expor;
Condição financeira;
Medo de me machucar;
Outros.
Outro dado importante! Segundo Rezende (2016), o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) demonstra que a taxa mais alta registrada de mulheres, em cargos de direção, está
na casa dos 30%, embora sejam a maioria da população.
A questão da pobreza e da inclusão dos estratos mais baixos da população tem sido muito
representada nas grandes cidades pelas discussões a respeito das populações residentes em
favelas. Mas, em áreas rurais, há formas comuns de ocupação irregular, como as palafitas.
MÓDULO 3
POPULAÇÃO DE RUA
A pobreza absoluta significa a total ausência de rendimentos e, portanto, que essas pessoas
não têm condições de se manter, não têm renda que as permita se alimentar, se deslocar ou se
vestir dignamente.
A falta de moradia, por sua vez, está especialmente relacionada à fragilização dos vínculos
familiares e sociais. Essas pessoas não encontram maneiras de se sustentar em suas redes
de relações nucleares, seja por serem oriundas de famílias que já vivem em condições de
extrema pobreza quanto por enfrentarem situações de violência sistemática ou, ainda, por
sofrerem com dependência química ou doença mental sem o devido tratamento médico ou
acompanhamento especializado.
A população de rua é, talvez, o mais imediato exemplo de exclusão social, e seu crescimento
indica uma intensificação das dinâmicas de exclusão. Segundo os dados recentes do IPEA, a
população de rua tem aumentado muito nos últimos anos. Mais que dobrou, segundo o
levantamento feito em 2012. Quase alcança a marca de 222 mil habitantes que estão
distribuídos, principalmente, pelas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, nas grandes cidades
brasileiras. Essas informações, dado o contexto sanitário da pandemia de COVID-19 em 2020,
nos lembram do quanto estamos ligados por este vínculo que Durkheim (2010) chamou de
“solidariedade social” e as mazelas de um grupo tendem a se tornar as mazelas de muitos, ou
de todos.
Poderíamos confirmar esse raciocínio pensando em problemas como a violência urbana. A
partir do momento em que se cria um estado cultural de violência nas cidades, passamos todos
a viver em uma cidade mais perigosa e estaremos, portanto, expostos a perigos. Mas, no caso
da pandemia, em que os governos do mundo inteiro adotaram políticas de isolamento social
para conter a disseminação do vírus, a importância de ter quase 222 mil pessoas que,
simplesmente, não têm onde morar, passa a afetar mesmo aqueles que têm casa, comida,
trabalho, conforto e que estão em isolamento. Nesse contexto, medidas assistenciais foram
adotadas em caráter emergencial pelos governos das capitais do país, como o abrigamento, a
higiene e a alimentação dessas pessoas.
Outras pesquisas como essa, que procuram compreender o problema social da população de
rua durante a pandemia, focalizaram o grupo de crianças e adolescentes em situação de rua.
Constitui grave violação dos Direitos Humanos que crianças sem qualquer tutela dos pais,
responsáveis ou do Estado, estejam nas ruas expostas à violência, ao trabalho precoce, ao
racismo estrutural e à própria luta pela sobrevivência.
É o caso da pesquisa que nos serve de referência teórica para este tópico: o trabalho do
antropólogo doutor Tomás Henrique de Azevedo Gomes Melo.
Melo (2016) aborda a transformação do perfil da população de rua nos últimos vinte anos em
cidades grandes do Sul e Sudeste em virtude do surgimento e crescimento de dependentes
químicos do crack. Assim como o sistema capitalista de produção prevê um “exército de
reserva” — uma mão de obra pauperizada que o mercado não consegue absorver, e que se
torna um grupo de desempregados crônicos e disponíveis para o trabalho mal remunerado —,
os dependentes de crack, em situação de rua, com seu contato direto e frequente com o tráfico
para a compra da droga, acabam constituindo um exército de reserva para o tráfico,
disponíveis para prestar pequenos serviços e realizar favores em troca de dinheiro ou da
própria droga.
Dentre os valores cultivados pela Política Nacional para a População em Situação de Rua
estão o respeito e a promoção da igualdade e da diversidade. E entre suas principais diretrizes,
a tentativa de promover campanhas de conscientização da população em geral a respeito da
condição do morador de rua, o compromisso de cumprimento dos Direitos Humanos e o
incentivo à pesquisa sobre esse problema social a fim de que se pudessem desenhar
caminhos para minoração dessa antiga mazela social:
A escassez dessas políticas ainda, ou a invisibilidade desse problema social, mantém o quadro
geral no qual iniciativas da sociedade civil prestam assistência a essa população com medidas
emergenciais que se esgotam em si mesmas.
DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana é um princípio moral que norteia o conjunto de direitos fundamentais dos
indivíduos. Juridicamente falando, a dignidade seria uma qualidade inerente ao ser humano,
sendo essa condição naturalmente marcada por uma busca e manutenção de nossa própria
dignidade.
REFLEXÃO
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos (SARLET, 2007).
A dignidade é uma busca pessoal e social por respeito, a consciência que temos de nosso
próprio valor, “imprecificável”, segundo Immanuel Kant (2004). Tem a ver com nossa honra e
autoridade.
É como se buscássemos instintivamente manter nossa dignidade como pessoas para que um
“ser humano”, um ser cultural, possa habitar nosso corpo animal. É, pois, a dignidade que nos
distingue dos animais ao procurarmos manter a coerência nos nossos atos e nas nossas
palavras e com a tentativa permanente de evitação do sentimento de vergonha.
Para Kant, é a dignidade que limita a autonomia, ou seja, é a ética contida na noção de
dignidade que impõe freio à liberdade dos homens. A liberdade, como autonomia, traduz-se
então no primeiro princípio da República. E a dignidade da pessoa é o que o filósofo chamaria
de um imperativo categórico, isto é, um princípio categoricamente imperativo, ou necessário,
para o bem viver. Nossa razão, como seres humanos e pensantes, capazes de calcular, nos
garante que o estabelecimento do respeito à dignidade, ou a dignidade como limitadora da
autonomia, seja um caminho fecundo para a civilidade e a vida.
(WEYNE, 2007)
Poderíamos até dizer que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao
mesmo tempo da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que
inspira a ordem jurídica. Mas a verdade é que a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a
põe como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático
de Direito, se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da
República, da federação, do país, da democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um
princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural.
Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional (SILVA,
1998).
É uma questão de dignidade humana tornar urgente que os transportes estejam adaptados às
pessoas com deficiências motoras, para que elas tenham condições de superar suas próprias
limitações físicas. É, no fim das contas, a atenção ao cumprimento do princípio da dignidade
humana que pode fazer com que a diversidade não seja marcada por movimentos
socioculturais de exclusão e para que as diferenças não nos pareçam mais sinônimo de
desigualdade, mas uma forma, justamente, de alcançar a igualdade por meio da inclusão.
Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre o atendimento à população de rua.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Elaboramos, no estudo que fizemos até aqui, uma apreciação socioantropológica dos assuntos
relacionados à vulnerabilidade na sociedade, abordando aspectos da cultura por meio de
exemplos e conceitos.
PODCAST
Agora, a professora Natânia Pinheiro de Oliveira Lopes encerra o tema falando sobre a
vulnerabilidade e sociedade.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Néri de Barros. Ser ou não ser a favor dos direitos humanos. Direitos Humanos
Unicamp, 2018.
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral da ONU. Paris, dez. 1948.
DURKHEIM, Èmile. Da divisão do trabalho social. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
GREGORI, Maria Filomena; GUITA, Grin Debert. Violência e gênero – novas propostas,
velhos dilemas. In: Rev. Bras. Ci. Soc. v. 23, n. 66. São Paulo, 2008.
MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967.
MELO, Tomás. Mundos que refugam, ruas como refúgio: reconfigurações no perfil social da
população em situação de rua. In: Revista Florestan Fernandes. Ano 3, n. 1, 2016, p. 10-31.
MENDONCA, João Martinho de. Margaret Mead, Bali e o Atlas do comportamento infantil:
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REZENDE, Daniela Leandro. Mulher no poder e na tomada de decisões. In: Retrato das
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In: Revista de Direito Administrativo. v. 2012. 1998, p. 89-94.
WEYNE, Bruno Cunha. Dignidade da pessoa humana na filosofia moral de Kant. In:
THEMIS – Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado do Ceará. v. 5, n. 1, 2007, p.
15-41.
EXPLORE+
Para uma discussão sobre a falsa oposição entre “integração” e “diferença”, leia o artigo
do sociólogo Renato Ortiz: Diversidade cultural e cosmopolitismo.
Veja uma discussão detalhada sobre as disputas em torno das formas de parto no artigo
de Sara Sousa Mendonça: Modelos de assistência obstétrica concorrentes e ativismo
pela humanização do parto.
CONTEUDISTA
Natânia Pinheiro de Oliveira Lopes
CURRÍCULO LATTES