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Anthony Giddens

Sociologia
a
6. Edição

Tradução de
Alexandra Figueiredo
Ana Patrícia Duarte Baltazar
Catarina Lorga da Silva
Patrícia Matos
Vasco Gil

Coordenação e revisão científica de


José Manuel Sobral

F U N D A Ç Ã O CALOUSTE G U L B E N K I A N
Serviço de Educação e Bolsas
Capítulo 2: Cultura e Sociedade

Neste capítulo, vamos analisar a unidade e a diversi- dade onde teve lugar o desenvolvimento cultural.
dade da cultura e vida humana nos vários tipos de Muito frequentemente, discute-se separadamente a
sociedade em que os seres humanos vivem. O con- cultura e a sociedade, como se estivessem bastante
ceito de c u l t u r a é uma das noções usadas com mais desligadas, quando, na verdade, estão intimamente
frequência em Sociologia. Quando, em conversas interligadas. Ao longo do capítulo, atentaremos à
quotidianas, usamos a palavra «cultura», pensamos forma como a mudança social afectou o desenvolvi-
muitas vezes nela como se representasse as «coisas mento cultural humano. Na parte final, examinare-
mais elevadas do espírito» - a arte, a literatura, a mos alguns factores que contribuem para a mudança
música e a pintura. Quando os sociólogos usam o social e analisaremos as mudanças particularmente
termo, incluem também essas actividades, mas mui- profundas que tiveram lugar na era moderna.
tas outras coisas mais. A cultura refere-se aos modos
de vida dos membros de uma sociedade, ou de grupos
pertencentes a essa sociedade; inclui o modo como se O conceito de cultura
vestem, as suas formas de casamento e de família, os Quando os sociólogos falam do conceito de cultura,
seus padrões de trabalho, cerimónias religiosas e acti- referem-se a esses aspectos das sociedades humanas
vidades de lazer. que são aprendidos e não herdados. Esses elementos
Podemos distinguir conceptualmente entre «cultu- da cultura são partilhados pelos membros da socieda-
ra» e «sociedade», mas há conexões muito estreitas de e tomam possível a cooperação e a comunicação.
entre essas duas noções. Uma sociedade é um siste- Eles formam o contexto comum em que os indiví-
ma de interpelações que envolve os indivíduos duos de uma sociedade vivem as suas vidas. A cultu-
colectivamente. A Grã-Bretanha, a França e os Esta* ra de uma sociedade engloba tanto os aspectos intan-
dos Unidos da América, neste sentido, são socieda* gíveis - as crenças, as ideias e os valores que consti*
des. Delas fazem parte milhões de pessoas. Outras, tuem o teor da cultura - como os aspectos tangíveis -
como as primeiras sociedades de caçadores recolec- os objectos, os símbolos ou a tecnologia que repre-
tores, podem conter apenas trinta ou quarenta pes- sentam esse conteúdo.
soas. O que une as sociedades é o facto de os seus
membros se organizarem em relações sociais estrutu-
radas segundo uma única cultura. As culturas não Valores e normas
podem existir sem sociedades. Mas, do mesmo As ideias que definem o que é importante, útil CHI
modo, nenhuma sociedade pode existir sem cultura. desejável são fundamentais em todas as culturas.
Sem cultura, não seriamos «humanos» sequer, no Essas ideias abstractas, ou valores, atribuem signifi-
sentido em que habitualmente usamos o termo. Não cado e orientam os seres humanos na sua interacção
teríamos linguagem para nos expressarmos, nenhum com o mundo social. A monogamia - a fidelidade a
sentido de autoconsciência, e a nossa capacidade de um único parceiro sexual - é um exemplo de um
pensar e raciocinar estaria severamente limitada. valor proeminente na maioria das sociedades ociden-
As variações culturais entre seres humanos estão tais. As n o r m a s são as regras de comportamento que
relacionadas com os diferentes tipos de sociedade. reflectem ou incorporam os valores de uma cultura.
Neste capítulo, procederemos a uma comparação e As normas e os valores determinam entre si a forma
confronto entre as principais formas históricas de como os membros de uma determinada cultura se
sociedade, com o objectivo de interrelacionar os dois comportam. Em culturas em que se valoriza grande-
aspectos fundamentais da existência social humana: mente a aprendizagem, por exemplo, as normas cul-
os diferentes valores culturais e artefactos produzidos turais encorajam os alunos a despender grande ener*
pelos seres humanos, e os diferentes tipos de socie- gia no estudo, apoiando os pais que fazem sacrifícios
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em prol da educação dos filhos. Numa cultura que principais objectivos para o Japão do século XXI.
valoriza a hospitalidade, as normas culturais podem Face à recessão económica* ao crescimento do índice
estimular expectativas quanto à dádiva de presentes de criminalidade e a uma grande taxa de desemprego,
ou ao comportamento social de convidados e anfi- o primeiro ministro do Japão constituiu essa comis-
triões. são com a missão de traçar um novo caminho do país
As normas e os valores variam muitíssimo entre para as décadas seguintes. As principais conclusões a
culturas. Algumas valorizam grandemente o indivi- que chegou a comissão surpreenderam muita gente:
dualismo, enquanto outras podem enfatizar as neces- os japoneses teriam de abandonar alguns do seus
sidades colectivas. Um simples exemplo ilustra bem valores nucleares, para o país poder enfrentar eficaz-
tal. A maioria dos alunos britânicos sentir-se-iam mente os seus males sociais actuais. A comissão con-
indignados se descobrissem um colega a copiar num cluiu que a cultura japonesa valoriza demasiado a
exame. Na Grã-Bretanha, copiar do colega do lado conformidade e a igualdade, e assinalou a necessida-
vai contra os valores fundamentais da realização indi* de de reduzir «o excessivo nível de homogeneidade e
vidual, da igualdade de oportunidades, do trabalho uniformidade» na sociedade. Apontou algumas face-
árduo e do respeito pelas regras. N o entanto, os estu- tas da vida japonesa que reflectem essa conformida-
dantes russos sentir-se-iam intrigados com esta noção de: praticamente todos os alunos japoneses do ensino
de ultraje dos seus colegas britânicos. A entreajuda primário vestem uniformes azuis-escuros idênticos
entre colegas num exame é reflexo do quanto os rus- que mascaram sinais de individualidade; também os
sos valorizam a igualdade e a resolução colectiva de funcionários, de uma forma geral, permanecem nos
problemas face à autoridade. Pense na sua reacção escritórios após a sua hora de saída, mesmo que não
face a este mesmo exemplo. O que será que revela tenham necessidade de o fazer, devido a uma regra
acerca dos valores da sua sociedade? implícita acerca de sair do emprego mais cedo.
Segundo a comissão concluiu, esses valores impedi-
Mesmo no seio de uma sociedade ou comunidade, ram os japoneses de adoptar noções de estratégias
os valores podem ser contraditórios: alguns grupos ou individuais de poder consideradas essenciais para o
indivíduos podem valorizar crenças religiosas tradi- futuro.
cionais . enquanto outros podem aprovar o progresso e
a ciência. Há pessoas que preferem o sucesso e o con- Os valores e as normas culturais estão profunda-
forto material, outras favorecem a simplicidade e uma mente interiorizados, sendo pois demasiado cedo
vida pacata. Nesta época em que vivemos marcada para dizer se uma normativa governamental conse-
pela mudança, repleta de movimentos globais de pes- guirá alterar os valores tradicionais do Japão. No
soas, bens e informação, não é de estranhar que depa- entanto, a expressão comum japonesa que diz que
remos com casos de valores culturais em conflito. «um prego saído deve ser martelado», sugere que
levará muito tempo e exigirá muito esforço até que os
valores culturais japoneses de conformidade e discri-
Normas e valores culturais em mudança ção percam a sua força.
As normas e os valores culturais mudam frequente- Muitos dos nossos hábitos e comportamentos
mente ao longo do tempo. Muitas das normas que estão enraizados em normas culturais. Como se verá
hoje tomamos como assentes nas nossas vidas - no capítulo 4 («Interacção Social e Vida Quotidia*
como ter relações sexuais antes do casamento e haver na»), os gestos, movimentos e expressões são forte-
uniões de facto - contradizem valores que até há mente influenciados por factores culturais. Um bom
algumas décadas atrás eram partilhados por muitos. exemplo é representado pelo sorriso das pessoas -
Os valores que regem a nossa vida íntima evoluíram especialmente em contextos públicos - de diferentes
gradual e naturalmente durante muitos anos (ver o culturas. Entre os Inuit (esquimós) da Gronelândia,
capítulo 7, «Famílias»). Mas que dizer de instâncias por exemplo, não existe a sólida tradição de sorrir em
em que os comportamentos e as normas culturais se público que se verifica em muitas regiões da Europa
alteraram de uma forma deliberada? e da América do Norte. Tal não significa que os Inuit
Em Janeiro de 2000, uma comissão governamen- sejam pessoas frias ou hostis, mas que sorrir ou ser
tal japonesa publicou um relatório que enumerou os simpático para com desconhecidos não é simples*
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mente uma prática comum. No entanto, à medida que to e práticas humanas é extraordinária. As formas acei-
a industrialização se expande na Gronelândia, alguns tes de comportamento variam grandemente de cultura
patrões têm tentado incutir o sorriso como um valor para cultura, contrastando frequentemente de um
cultural. Acreditam que sorrir e ser gentil para com os modo radical com o que as pessoas das sociedades
clientes é essencial às práticas comerciais numa lógi- ocidentais consideram «normal». Por exemplo, no
ca de mercado. Os clientes que são atendidos com um Ocidente moderno as crianças de doze ou treze anos
sorriso e com palavras gentis acabam, com mais pro- são consideradas demasiado novas para casar. No
babilidade, por se tornar clientes habituais. Hoje em entanto, em outras culturas são arranjados casamentos
dia, em muitos supermercados da Gronelândia, são entre crianças dessas idades. No Ocidente, comemos
mostrados aos empregados vídeos educativos sobre ostras, mas não comemos gatinhos e cachorros, e tanto
técnicas de atendimento cortês, tendo-se chegado ao uns como outros são considerados, em algumas partes
ponto de empregados de algumas cooperativas terem do mundo, iguarias gastronómicas. Os Judeus não
sido mandados frequentar acções de formação no comem carne de porco, enquanto os Hindus, embora
estrangeiro! A inauguração de restaurantes de fast- comam porco, evitam a carne de vaca. Os Ocidentais
-food, como a cadeia McDonalds, introduziu pela pri- consideram o acto de beijar uma parte natural do com-
meira vez uma abordagem de estilo ocidental nos ser- portamento sexual, mas em muitas outras culturas esse
viços. Os empregados do McDonalds foram instruí- acto ou é desconhecido ou considerado de mau-gosto.
dos no sentido de se apresentarem, de cumprimenta- Todos estes diferentes tipos de comportamento são
rem os clientes e de sorrirem frequentemente. Os aspectos das grandes diferenças culturais que distin-
empregados começaram por sentir alguma descon- guem as sociedades umas das outras.
fiança perante estas exigências, entendendo este esti-
As sociedades de pequena dimensão, como as
lo de atendimento como falso e artificial. No entanto,
sociedades de «caçadores-recolectores», tendem a ser
com o tempo a ideia de sorrir em público - pelo
culturalmente uniformes ou monoculturais. Algumas
menos no local de trabalho - tomou-se mais aceite.
sociedades modernas, como o Japão, permaneceram
relativamente monoculturais e caracterizam-se por
elevados níveis de homogeneidade cultural. A maio-
Diversidade cultural
ria das sociedades industrializadas, pelo contrário,
Não são só as crenças culturais que variam de cultura são cada vez mais culturalmente diversificadas, ou
para cultura. Também a diversidade do comportamen- multiculturais. Como se verá mais adiante, durante a
discussão do fenómeno da migração global no capí-
tulo 9 («Raça, Etnicidade e Migração»), processos
como a escravidão, o colonialismo, a guerra, a migra-
ção ou a globalização contemporânea, levaram a que
populações iniciassem processos de migração e se
instalassem em novas localizações. Tal conduziu à
emergência de sociedades que são culturalmente mis-
tas, ou seja, a sua população é constituída por um
determinado número de grupos de diferentes origens
culturais, étnicas e linguísticas. Nas sociedades
modernas, por exemplo, muitas comunidades subcul-
turais vivem lado a lado - negros oriundos das índias
Ocidentais, paquistaneses, indianos naturais do Ban-
gladesh, italianos, gregos e chineses habitam, hoje
em dia, algumas zonas centrais de Londres.
Um choque cultural entre Ocidente e Oriente: cachorros
que são tratados como animais domésticos na Europa Quando falamos em subculturas não nos referi*
poderiam ser vendidos como uma iguaria para uma famí» mos apenas a grupos étnicos ou linguísticos minori-
Ha na China. tários de uma sociedade, mas a qualquer segmento da
população que se distinga do resto da sociedade em
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virtude dos seus padrões culturais. A variedade de por evitar o etnocentrismo, que consiste em julgar as
subculturas é enorme, podendo incluir naturistas, outras culturas tomando como medida de compara-
góticos, hackers informáticos, hippies, rastas, fãs de ção a nossa. Dada a ampla variação das culturas
Hip-Hop ou apoiantes de um clube de futebol. Algu- humanas, não é surpreendente que as pessoas prove-
mas pessoas podem identificar*se claramente com nientes de uma cultura achem frequentemente difícil
uma determinada subcultura, enquanto outras podem aceitar as ideias ou o modo de comportamento das
mover-se de uma forma fluida entre um certo núme- pessoas de uma diferente.
ro de diferentes subculturas. Aplicar o relativismo cultural - isto é, analisar
A cultura desempenha um papel importante na per- uma situação segundo os padrões de outra cultura,
petuação das normas e valores de uma sociedade, ofe- suspendendo os nossos valores culturais bem enrai-
recendo também oportunidades importantes de criati- zados - pode ser algo repleto de incerteza e desafios.
vidade e de mudança. As subculturas e as contracul- Não apenas porque se pode revelar difícil ver as coi-
turas - grupos que rejeitam a maior parte das normas sas de um ponto de vista completamente diferente,
e dos valores vigentes numa sociedade - podem pro- mas também porque às vezes se levantam questões
mover pontos de vista alternativos à cultura dominan- inquietantes. O relativismo implica que julguemos
te. Os movimentos sociais e os grupos de pessoas que todos os costumes e comportamentos como sendo
partilham os mesmos estilos de vida constituem for- igualmente legítimos? Existirão padrões universais
ças poderosas de mudança no interior das sociedades. que todos os seres humanos deveriam seguir? Atente
Desta forma, as subculturas oferecem às pessoas a no exemplo seguinte.
possibilidade de se expressarem e agirem de acordo Nos anos que se seguiram à retirada militar da
com as suas opiniões, aspirações e valores. União Soviética do Afeganistão, a região foi assolada
por conflitos e pela guerra civil. Grande parte do país
passou a ser controlada pelos Taliban, um grupo que
Etnocentrismo
tinha como objectivo construir uma sociedade pura
Todas as culturas têm um padrão de comportamento de acordo com os princípios islâmicos*. Durante o
próprio, que parece estranho a pessoas de outros con- governo Taliban, as mulheres afegãs foram sujeitas a
textos cultivais. Se já viajou ao estrangeiro, é-lhe pro- regras muito estritas em todos os aspectos das suas
vavelmente familiar a sensação resultante de se vidas, incluindo o modo de vestir, os seus movimen-
encontrar inserido numa cultura nova. Certos aspectos tos em público e os seus assuntos privados. Quando
da vida quotidiana que, em determinada cultura, são saíam de casa, as mulheres deviam estar cobertas dos
inconscientemente tomados como assentes podem, pés à cabeça e usar uma burka para esconder a cara.
em outras partes do mundo, não fazer parte do dia-a* As mulheres perderam o direito a trabalhar fora do lar
-dia. Mesmo países que partilham a mesma língua e o direito à educação. A versão taliban da lei islâmi-
podem ter hábitos, costumes e modos de comporta- ca Sharia é por muitos eruditos muçulmanos conside-
mento bem diferentes. A expressão choque cultural é rada rigorosa. Apesar das críticas da comunidade
adequada! É frequente as pessoas sentirem-se deso- internacional e de campanhas empenhadas em favor
rientadas, quando se inserem numa cultura nova, pois das mulheres afegãs, os Taliban defendiam que a sua
perdem os pontos de referência que lhes são familia- política face à mulheres era essencial ao propósito de
res e que ajudam a entender o mundo que as rodeia, e construir uma sociedade pura onde as mulheres eram
ainda não aprenderam a orientar-se na nova cultura. respeitadas ao máximo e a sua dignidade venerada.

As culturas podem ser extremamente difíceis de Será esta política taliban em relação às mulheres
entender quando vistas de fora. Não é possível com- aceitável no começo do século XXI? Não há solução
preender crenças e práticas se as separamos das cul-
turas de que fazem parte. Uma cultura tem de ser
estudada segundo os seus próprios significados e * Nota do revisor científico: O regime dos Taliban foi derruba-
do pela afiança entre os seus opositotres e forças externas, nomea-
valores - um pressuposto essencial da Sociologia.
damente norte-americanas, devido ao facto de apoiarem a Al-
Esta ideia é também conhecida como relativismo -Qaeda, organização responsável pelos atentados nos E U A , em 11
cultural. Os sociólogos esforçam-se o mais possível de Setembro de 2001.
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Música Reggae
Quando um conhecedor de música Pop-Rock ouve típico d e um grupo de escravos, o Burru, foi aberta-
uma canção é muitas vozes capaz d e distinguir a s mente tolerado pelos senhores europeus, pois aju-
influências estilísticas que lhe estão subjacentes. dava a impor o ritmo d e trabalho. A escravatura foi
No fundo, todo e qualquer estilo musical representa finalmente abolida na Jamaica em 1834, mas a tra-
uma forma particular d e combinar ritmo, melodia» dição d o s ritmos Burru continuou viva, mesmo
harmonia e palavras. E embora nâo seja preciso ser quando muitos homens desta etnia emigraram d e
um génio para perceber a s diferenças entre grunge, zonas rurais para o s bairros de lata de Kingston.
hard rock, techno e hip-hop» muitas vezes o s músi- Foi nestes bairros que começou a emergir um
cos combinam vários estilos musicais quando com- novo culto religioso que s e haveria de revelar crucial
põem uma música. Identificar os componentes des- para o desenvolvimento da música reggae. Em
tas combinações pode revelar-se difícil, mas para 1930, um homem chamado Haile Selassié foi
o s sociólogos da cultura é algo que vale a pena. Os coroado imperador da Etiópia, em África. Enquanto
diferentes estilos musicais tendem a emergir de o s opositores do colonialismo europeu de todo o
grupos sociais diferentes, pelo que estudar a manei- mundo festejaram a subida a o trono de Selassié,
ra como o s estilos s e combinam e fundem é uma um certo número de p e s s o a s da índias Ocidentais
boa forma d e cartografar o s contactos culturais começaram a acreditar que ele era um deus, que
entre o s grupos sociais. teria sido enviado à Terra para conduzir à liberdade
Alguns sociólogos da cultura centraram a sua o s oprimidos d e África. Um dos nomes por que
atenção na música reggae, pois esta é um exemplo Haile Selassié era conhecido era «Príncipe Ras
do processo pelo qual contactos entre grupos Tafari», e aqueles que nas índias Ocidentais lhe
sociais conduzem à criação d e novas formas musi- prestavam culto chamavam-se a si próprios «Rasta-
cais. As raízes do reggae podem ser atribuídas à farians». O culto fundiu-se rapidamente com a tradi-
África Ocidental. No século XVII, um grande núme- ção Burru, e a música rastafarian acabou por mistu-
ro de africanos daquela região foram escravizados rar a percussão Burru com temas bíblicos d e opres-
por colonialistas britânicos e levados d e barco para s ã o e libertação. Na década de 50 do século XX,
trabalhar nas plantações d e açúcar d a s índias Oci- músicos d a s Índias Ocidentais começaram a cruzar
dentais. Embora os ingleses tenham tentado impe- ritmos e letras rastafarians com elementos do jazz
dir os escravos africanos d e tocar a s u a música tra- americano e do rhythnVnHues negro. Essa combi-
dicional, temendo que isso servisse de incitamento nação acabou por dar origem à música «ska» e,
à revolta, o s escravos conseguiram manter viva a mais tarde, no final da década seguinte, ao reggae
tradição d e percussão africana, integrando-a por - estilo caracterizado pela sua batida relativamente
vezes nos estilos musicais europeus q u e o s senho- lenta, pela ênfase no baixo, pelas s u a s histórias que
res impunham. Na Jamaica, um estilo de percussão giram em torno d a pobreza urbana e do poder da

fácil para esta questão, tal como para dezenas de logo é o de evitar respostas precipitadas, procurando
outros casos em que as normas e os valores culturais analisar as situações complexas com cuidado e a par-
não coincidem. Por um lado, é importante o esforço tir do maior número de ângulos possível.
para não aplicar os nossos próprios padrões culturais
a pessoas que vivem em contextos muito diferentes. Socialização
Por outro lado, é inquietante ter que aceitar explica-
ções culturais para situações que vão contra as normas Como já se tornou claro, a cultura pertence a esses
e valores que temos como assentes. O papel do soció- aspectos da sociedade que são aprendidos e, portanto.
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tf

consciência social colectiva. Muitos músicos de reg- A globalização fez aumentar a Intensidade d e s s e s
gae, como Bob Marley, obtiveram s u c e s s o comer- contactos. Hoje em dia um jovem músico da Escan*
cial e, por volta dos a n o s 70, p e s s o a s em todo o dinávia pode, por exemplo, crescer a ouvir música
mundo ouviam este estilo de música. Nas d é c a d a s feita em caves de Notting Hill, em Londres, e ao
d e 80 e 90, deu-se a fusão do reggae com o hip-hop mesmo tempo pode ser fortemente influenciado
(ou rap}, para produzir sons novos - como os d e pela actuação via satélite, a partir da Cidade do
grupos como o s Wu-Tang Clan ou os Fugges (Heb- México, de uma banda mariachi. S e o número d e
díge 1997). contactos entre grupos é um factor determinante na
A história da música reggae é assim a história do velocidade da evolução musical, pode acontecer
contacto entre diferentes grupos sociais, e dos sig* que, à medida que o processo d e globalização s e
nificados - políticos, espirituais e p e s s o a i s - continue a desenvolver, s e verifique num futuro pró-
expressos por e s s e s grupos através da sua música. ximo uma profus&o de novos estilos musicais.

não inatos. A socialização é o processo através do qual adultos. No entanto, os animais superiores têm de
as crianças, ou outros novos membros da sociedade, aprender os modos de comportamento apropriados -
aprendem o modo de vida da sociedade em que vivem. as crias são, frequentemente, à nascença completa-
Este processo constitui o principal canal de transmis- mente desamparadas, e necessitam do cuidado dos
são da cultura através do tempo e das gerações. mais velhos. A criança humana é a mais desampara-
Os animais menores da escala da evolução são da de todas as crias. Uma criança não consegue
capazes de tratar de si muito pouco tempo após nas- sobreviver sozinha e sem ajuda, pelo menos durante
cerem, com pouca ou nenhuma ajuda por parte dos os primeiros quatro ou cinco anos de vida. A sociali-
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O laço entre mãe e filho está na base de muitos processos de socialização primária, mais tarde substituídos por agentes
mais formais de socialização secundária, como a escola.

zação é, portanto, o processo pelo qual as crianças gerações entre si. A socialização deve ser vista, então,
indefesas se tomam gradualmente seres auto-cons- como um processo vitalício em que o comportamento
cientes, com saberes e capacidades, treinadas nas for- humano é configurado de forma contínua por interac-
mas de cultura em que nasceram. A socialização não ções sociais, permitindo que os indivíduos desenvol-
é uma espécie de «programação cultural», em que a vam o seu potencial, aprendam e se ajustem.
criança absorve de forma passiva as influências com Os sociólogos referem-se muitas vezes à sociali-
as quais entra em contacto. Até os recém-nascidos zação como algo que ocorre em duas fases amplas,
têm necessidades e exigências que afectam o com- que envolvem um certo número de diferentes agên-
portamento daqueles que são responsáveis por tratar cias de socialização - grupos ou contextos sociais
deles: as crianças são, desde o início, seres activos. onde ocorrem importantes processos de socialização.
A socialização liga as diferentes gerações entre si. A socialização primária decorre durante a infância e
O nascimento de uma criança modifica a vida daque* constitui o período mais intenso de aprendizagem
les que são responsáveis pela sua educação - e eles cultural. É a altura em que a criança aprende a falar e
próprios consequentemente passam por novas expe* aprende os mais básicos padrões comportamentais
ríências de aprendizagem. Ter filhos, normalmente, que são os alicerces de aprendizagens posteriores.
Liga as actividades dos adultos às crianças para o resto Nesta fase, a família é o principal agente de sociali-
da vida de ambos. As pessoas mais velhas continuam zação. A socialização secundária decorre desde um
a ser pais quando se tomam avós, formando então um momento mais tardio na infância até à idade adulta.
outro conjunto de relações que ligam as diferentes Nesta fase, outros agentes de socialização assumem
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alguma da responsabilidade que pertencia à família. nifica que seja negada individualidade ou livre arbítrio
As escolas* os grupos de pares, instituições, os meios aos seres humanos. Pode parecer que somos simples-
de comunicação e eventualmente o local de trabalho, mente o resultado dos moldes pré-concebidos que a
tornam-se forças de socialização de um indivíduo. sociedade tem preparados para nós. Alguns sociólogos
Nestes contextos, as interacções sociais ajudam as tendem, de facto, a escrever desta forma acerca da
pessoas a aprender as normas, valores e crenças que socialização. No essencial, esta perspectiva é errónea.
constituem os padrões da sua cultura. O facto de estarmos envolvidos em interacções com os
outros, desde que nascemos até morrermos, condicio-
na certamente as nossas personalidades, os nossos
Papéis sociais
valores e comportamentos. No entanto, a socialização
Por intermédio do processo de socialização, os indi- está também na origem da nossa própria liberdade e
víduos aprendem os seus papéis sociais - expectati- individualidade. Cada um de nós, no decurso da socia-
vas socialmente definidas seguidas pelas pessoas de lização, desenvolve um sentido de identidade e a capa-
uma determinada posição social. O papel social de cidade para pensar e agir de fornia independente.
«médico», por exemplo, envolve um conjunto de Para a sociologia, o conceito de identidade é mul-
comportamentos que devem ser seguidos por todo e tifacetado, podendo ser abordado de muitas maneiras.
qualquer médico, independentemente das suas opi- De uma forma geral, a identidade está relacionada
niões pessoais ou maneiras de ver. Na medida em que com os entendimentos que as pessoas têm acerca de
todos os médicos partilham este papel, é possível quem são e do que é importante para elas. Estes enten-
falar em termos genéricos de um modo de comporta- dimentos formam-se em função de determinados atri-
mento profissional dos médicos, independente dos butos que são prioritários em relação a outras fontes
indivíduos específicos que ocupam essas posições. geradoras de sentido. O género, a orientação sexual, a
Alguns sociólogos, especialmente os associados à classe social, a nacionalidade ou a etnicidade são
corrente funcional is ta, vêem os papéis sociais como algumas das principais fontes de identidade. Os soció-
partes constantes e algo inalteráveis da cultura de logos referem-se sobretudo a dois tipos de identidade:
uma sociedade, tornando-os factos sociais. De acordo a identidade social e a identidade pessoal. Embora
com esta perspectiva, os indivíduos aprendem as analiticamente distintas, estas formas de identidade
expectativas ligadas às posições sociais na cultura estão intimamente relacionadas. Por identidade
onde estão inseridos, desempenhando estes papéis social entendem-se as características que os outros
em grande medida tal como foram definidos. Os atribuem a um indivíduo. Estas podem ser vistas
papéis sociais não implicam negociação ou criativi- como marcadores que indicam, de um modo geral,
dade - pelo contrário, condicionam e orientam o quem essa pessoa é. Ao mesmo tempo, posicionam
comportamento dos indivíduos. Através da socializa- essa pessoa em relação a outros indivíduos com quem
ção, os indivíduos interiorizam os papéis sociais e partilha os mesmos atributos. Estudante, mãe, advo-
aprendem a desempenhá-los. gado, católico, sem-abrigo, asiático, disléxico, casa-
do, etc., são exemplos de identidades sociais. Muitos
No entanto, este ponto de vista é errado. Sugere que
indivíduos têm identidades sociais que abrangem
os indivíduos se limitam a desempenhar papéis, sem
mais do que um atributo. Uma pessoa pode simulta-
intervirem na sua criação e negociação. Na verdade, a
neamente ser mãe, engenheira, muçulmana e vereado-
socialização é um processo pelo qual os seres humanos
ra. O facto de se ter múltiplas identidades sociais
se tomam agentes. Eles não são simplesmente sujeitos
reflecte as muitas dimensões da vida de uma pessoa.
passivos à espera de serem instruídos ou programados.
Embora esta pluralidade de identidades sociais possa
Os indivíduos concebem e assumem papéis sociais, no
constituir uma fonte potencial de conflitos, a maioria
decurso de um processo de interacção social.
das pessoas organiza o sentido e a experiência das
suas vidas à volta de uma identidade principal que é
Identidade relativamente contínua no tempo e no espaço.

Os contextos culturais onde nascemos e crescemos As identidades sociais implicam, então, uma
influenciam o nosso comportamento, mas tal não sig- dimensão colectiva, estabelecendo as formas pelas

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