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MORADORES DE RUA
Resumo
Este estudo teve por objetivo compreender como se formula o processo de exclusão da
população adulta em situação de rua. Para tanto, realizou-se uma pesquisa exploratória e
quantitativa, do tipo estudo de caso. Fez-se uso do Cadastro Único para Programas Sociais,
ferramenta implantada pelo Governo Federal brasileiro e operacionalizada nos municípios
para diagnóstico e construção de políticas públicas. A pesquisa foi realizada em uma cidade
localizada no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Verificou-se que a amostra tem em
comum a pobreza, vínculos familiares fragilizados e vivenciam um processo de desfiliação
social. O desemprego e a falta de dinheiro não se constituem em absoluto para a fragilização
dos vínculos familiares. Referente aos motivos que levaram à condição de morar na rua a
dependência química foi à principal razão. Em segundo lugar, as desavenças familiares e
conflitos entre parentes consanguíneos ou cônjuges. Em seguida, aparecem o desemprego e a
perda de familiares, respectivamente. A maioria dos indivíduos não possui documentação,
situação essa que dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos benefícios
governamentais.
1
Especialista em Gestão Pública. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail:
madalenapaulino@yahoo.com.br.
2
Acadêmico do Curso de Administração. Bolsista de Iniciação Científica. Universidade Federal de Santa Maria.
Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: kriskfigueira@hotmail.com.
3
Mestre em Administração. Pesquisador. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail:
laerciobalsan@yahoo.com.br.
4
Doutor em Administração. Professor do Departamento de Ciências Administrativas do CCSH da Universidade
Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: mr.gmoura.ufsm@gmail.com
Triste realidade: compreendendo a exclusão social dos moradores de rua
Abstract
This study aimed to understand how is formulated the process of exclusion of adults
homeless. We carried out an exploratory, quantitative case study. Has been used the Single
Registry for Social Programmes, tool deployed by the Brazilian Federal Government and
operationalized in cities to diagnostic and construction public policies. The research was
conducted in a city in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. It was found that the sample has
in common misery, weakened family ties and experience a process of disaffiliation.
Unemployment and not enough money are not at all to the weakening of family ties.
Referring to what made the condition of living in the street drug addiction was the main
reason. Secondly, the family quarrels and conflicts among blood relatives or spouses. Next
came unemployment and loss of family members, respectively. Most individuals don’t have
documentation, a situation which makes it difficult to obtain formal employment and access
to government benefits.
1 INTRODUÇÃO
2 REVISÃO DA LITERATURA
A sociedade é uma multiplicidade de funcionamentos e desenvolver todos esses
processos de forma administrável não é tarefa fácil. Bem por isso que a sociedade é reduto de
desigualdades. Na sociedade há pessoas com ações altruístas, da mesma forma que há pessoas
com ações balizadas somente por interesses próprios. Segundo Rua (2009), a competição é
uma forma de interação social que compreende amplo processo de disputa por bens,
geralmente conforme regras admitidas pelas partes. Na continuação das idéias da autora em
tela, o conflito também faz parte da modalidade de interação social, mas de forma mais direta,
regido pelo confronto que implica choques para o acesso a recursos. Contudo, para a
sobrevivência e progresso, o conflito deve estar dentro de limites administráveis.
Os problemas sociais e a exclusão sempre existiram, desde quando a exploração do
homem pelo homem foi utilizada como meio de produção e organização social
(MENDONÇA, 2006). No entanto, ganha contornos específicos na nossa sociedade, que tem
acompanhado um crescimento acentuado de problemas sociais, os quais podem ser
considerados um sinal das mudanças sócio-político-econômicas (VARANDA et al, 2004). A
realidade brasileira revela pessoas que já nasceram em um contexto familiar cujos membros
estavam fora do mercado de trabalho e sem políticas de suporte social. As pessoas que
sobrevivem na pobreza estão distantes de uma suposta rede de proteção social e
experimentam vínculos sociais extremamente frágeis, que tendem a se fortalecer ou se romper
de acordo com as dificuldades que a realidade lhes apresenta e conforme o acúmulo de
experiências desestruturantes ao longo da vida (VARANDA et al, 2004).
A problemática, moradores de rua, não se encerra em si mesma, decorre de outras
questões que extrapolam a condição individual de cada pessoa. A sociologia analisa o
morador de rua como um sintoma do sistema capitalista. Seus estudos discorrem sobre a
pobreza e a exclusão social sob uma ótica sociológica e econômica, apontando para um
problema de ordem política, fruto da forma histórica de organização social (MENDONÇA,
2006).
O Decreto número 7.053 de 23 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009) conceitua os
moradores de rua como sendo um grupo populacional heterogêneo que possui em comum a
3 MÉTODO
facilidade de acesso e pela obtenção da concordância para o recrutamento dos sujeitos; e, (iv)
por apresentar moradores de rua.
Da pesquisa contou com uma amostra de 17 pessoas em situação de rua. O
procedimento da amostragem foi o não “probabilístico por conveniência” (GIL, 2010), uma
vez que os indivíduos foram selecionados a partir da acessibilidade dos pesquisadores.
A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: preparatória e levantamento de campo.
Na etapa preparatória foi realizada uma articulação com técnicos da proteção básica e especial
que trabalham com a população objeto de estudo; foi feito um mapeamento dos pontos de
pernoite de pessoas em situação de rua. A partir das informações levantadas com os órgãos
articulados e obtidas por meio da observação direta nas ruas, foram elaborados os roteiros de
percurso das equipes de campo a fim de realizarem a coleta dos dados.
A segunda etapa, levantamento de campo, ocorreu por meio do instrumento de coleta
de dados CadÚnico (Cadastro Único), versão 7, por ser considerado o melhor cadastro social,
atualmente, em uso no Brasil e o formulário suplementar 2 (pessoa em situação de rua) do
mesmo documento (BRASIL, 2010). Esse instrumento, composto por 20 perguntas, é
utilizado pelo Governo Federal para identificação e caracterização de famílias com baixa
renda possibilitando conhecer a realidade socioeconômica, trazendo informações de todo o
núcleo familiar, das características do domicílio e das formas de acesso a serviços públicos
essenciais. Também se constitui num instrumento essencial de integração de programas
sociais. Sendo esse, a ferramenta de base para a construção de serviços, projetos e programas
em nível estadual e municipal (BRASIL, 2011). O CadÚnico possibilita o cadastramento da
população em situação de rua. Para viabilizar a integração de ações, reúne as informações
dessa população em um único banco de dados e permite também ações articuladas entre todas
as áreas e instâncias de governo, para o implemento de ações efetivas que possibilitem a
construção da autonomia das pessoas em situação de rua.
A equipe de campo foi constituída por Assistentes sociais, psicólogos, estagiários do
Serviço social, cadastradores do CadÚnico, motorista e guarda municipal, totalizando 11
pessoas. Os servidores da guarda municipal acompanharam os profissionais de gestão da
Assistência Social, fornecendo informações importantes sobre a localização dos pontos de
pernoite e as características da população objeto de estudo.
VEREDAS FAVIP – Revista Eletrônica de Ciências - V. 6, n. 1 – janeiro a junho de 2013 – p. 131
Madalena Peixoto Paulino | Kristina Kieling Figueira|
Laércio André Gassen Balsan | Gilnei Luiz de Moura
4 ANÁLISE DE RESULTADOS
profissionais qualificados e com formação aumenta a distância entre esses sujeitos e empregos
respaldados legalmente por direitos trabalhistas.
Os dados demonstram que, aqueles que pararam no ensino fundamental, 87%,
cursaram da 5ª série para cima. Apenas 13 % pararam antes da quarta série, conforme pode
ser observado na Figura 1. Esses dados são preocupantes uma vez que a oferta de cursos
públicos profissionalizantes exige escolaridade mínima dos participantes, tornando um grande
desafio às políticas educacionais, que têm o compromisso de reintegrar essas pessoas aos
bancos escolares.
7%
6%
27% 2ª série
20% 4ª série
5ª série
20% 6ª série
20% 7ª série
8ª série
6%
Até 6 meses
13%
44% 6 meses e 1 ano
1 a 2 anos
31%
5 a 10 anos
6%
Mais de 10 anos
Problemas com
11% familiares/companheiro
22%
11% Alcoolismo/drogas
17% Desemprego
39%
Preferência/opção própria
outro (falecimento de
familiar)
Ao serem perguntados se vivem com sua família na rua, (100%) dos constantes na
amostra disseram que não, vindo ao encontro dos achados de Silva (2006). Quando
perguntados se têm contato com parentes que vivam fora da rua, 4 indivíduos disseram que
nunca têm contato, a grande maioria (8) disseram que quase nunca, 4 disseram que ao menos
uma vez por ano e apenas um dos indivíduos disse ter contato todos os dias. Em geral, esses
dados demonstram que os sujeitos da amostra vivem na rua sem a presença de membros do
seu núcleo familiar, confirmando a ruptura dos vínculos familiares. Ressalta-se que os dados
desta pesquisa não mostram a qualidade desses relacionamentos.
A maior parte, dos sujeitos da amostra, (88%), disse que já trabalhou com a carteira
assinada, sendo que, somente, (12%), nunca trabalharam com a carteira assinada. Esses dados
expressam que um grande número já exerceu atividade com direitos trabalhistas e contribuiu
para a previdência. Atualmente, ninguém está trabalhando com carteira assinada. Importante
ressaltar que apenas 1 dos indivíduos apresenta alguma deficiência permanente que limita as
suas atividades habituais. Por meio da Figura 4, pode-se observar que todas as atividades
exercidas com o objetivo de percepção monetária são advindas da chamada economia
informal, com o maior número de guardador de carro. Catador de material reciclável (23%) e
Serviços gerais (13%). Somente (14%) pedem dinheiro, desmistificando o preconceito de que
VEREDAS FAVIP – Revista Eletrônica de Ciências - V. 6, n. 1 – janeiro a junho de 2013 – p. 135
Madalena Peixoto Paulino | Kristina Kieling Figueira|
Laércio André Gassen Balsan | Gilnei Luiz de Moura
4% Guardador de carro/flanelin
14% 32% catador de material recicláv
14% serviços gerais/limpeza/ou
Pede dinheiro
13% Não responde
23%
Outros
*
Este quesito admite múltipla marcação.
Figura 4: Atividades exercidas para percepção monetária.
Fonte: Dados da pesquisa.
Obs.: Leia-se na legenda, respectivamente: Guardador de carro/flanelinha; catador de material
reciclável; serviços gerais/limpeza/outros; pede dinheiro; Não responde; outros.
Em relação à renda mensal, sete (7) pessoas referiram-se a seus ganhos, ficando a
média de ganho mensal desses indivíduos, no último mês da pesquisa, em torno de R$ 294,00.
A maioria das pessoas em situação de rua não possui documentação (mais da metade),
situação essa que pode acarretar ausência de identidade pessoal dos sujeitos. Por meio da
Figura 5, observa-se que os documentos apresentados ou referidos foram: Certidão de
Nascimento (50%), CPF (17%), R.G. (17%), Titulo de eleitor e Carteira de Trabalho (6%). A
falta da documentação dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos programas
governamentais (Benefício de Prestação Continuada, Programa Bolsa Família – CadÚnico e
projetos e serviços em nível municipal).
Certidão de
Nascimento/Casamento
CPF
8%
8%
Documento de Identidade (RG)
17% 50%
Titulo Eleitoral
17%
Carteira de Trabalho e
Previdência Social
*
Este quesito admite múltipla marcação.
Figura 5: Tipo de documentação que os indivíduos possuem.
Fonte: Dados da pesquisa.
Por fim, verificou-se que somente (31%) dos entrevistados são originários do
Município em que foi realizada a pesquisa (nasceram e permanecem). A maioria dos
indivíduos, (69%), realizou processos de migração de outros municípios do mesmo Estado,
sendo a maioria de Municípios adjacentes, em razão da proximidade geografia local.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sociais fragilizados, com ruptura e na maioria com violação de direitos em todos os níveis
apresentados. De outro lado, é necessário, como ponto crucial, a sensibilização de gestores
comprometidos em desenvolver políticas públicas para todos, principalmente, à população
que mais necessita de ações governamentais.
Corroborando com Silva (2006), este estudo encontrou diversas causas de se ir para a
rua. Observa-se que, ao analisar a realidade dos moradores de rua, eles têm em comum a
pobreza, vínculos familiares fragilizados ou interrompidos, que vivenciam um processo de
desfiliação social pela ausência de trabalho assalariado e das proteções derivadas ou
dependentes dessa forma de trabalho. Tem-se, ainda, que estar atento para outras
especificidades que perpassam a população de rua, como: gênero, raça/cor, idade e
deficiências físicas e mentais, para a construção efetiva de políticas públicas que possam
atender às diversas e complexas necessidade desses sujeitos, que articulam estratégias de
sobrevivência do jeito que lhes é possível.
Verificou-se que o desemprego e a falta de dinheiro não se constituem em absoluto
para a fragilização dos vínculos familiares. Referente aos motivos que levaram à condição de
morar na rua, a dependência química foi à principal razão. Em segundo lugar, as desavenças
familiares e conflitos entre parentes consanguíneos ou cônjuges. Em seguida, aparecem o
desemprego, a perda de familiares e a preferência de morar na rua, respectivamente.
Observou-se que, em sua maioria, os moradores de rua não são migrantes, pois são
naturais do próprio município; os demais, de municípios adjacentes. Ainda, parcela
significativa de moradores de rua é formada por desempregados, sobrevivendo de trabalho
informal de baixa remuneração, não lhes permitindo pagar um aluguel ou comprar uma casa.
Para agravar o problema, a maioria dos indivíduos não possui documentação, situação essa
que dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos benéficos governamentais como o
bolsa família por exemplo.
Apesar de possuir características gerais, Silva (2006), ensina que o fenômeno possui
particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. Sendo assim, sugere-se novos
estudos em outras regiões do país. Outra lacuna deixada pelo estudo foi a ausência de
moradores de rua do sexo feminino na amostra. Sendo assim, sugere-se um estudo com
moradores de rua do sexo feminino, pois provavelmente os motivos delas morarem nas ruas
podem ser diferentes dos homens, como por exemplo, os resultados indicados por Tyler;
Whitbeck; Hoyt; Cauce (2004) que sugerem que as mulheres, vão para a rua, pela primeira
vez, devido à vitimização sexual, geralmente por algum conhecido ou familiar. Outra
limitação do estudo decorre da própria natureza exploratória que não permite a generalização
dos dados. Apesar dessas limitações e do fato de ser um estudo de caso, este trabalho
apresenta um tema de grande importância e que vem despertando o interesse social. Tal fato
abre várias opções de pesquisas, que poderão vir a explorar objetos de estudo não
contemplados nesta investigação.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, C. H. Migrações e vidas nas ruas. In: BURSZTYN, M. (Org.) No meio da rua:
nômades, excluídos e viradores. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
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ESCOREL, S. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
MATTOS, R. M.; FERREIRA, R. F. Quem vocês pensam que (elas) são? Representações
sobre as pessoas em situação de rua. Revista Psicologia & Sociedade. v. 16, n. 2, p. 47-58,
2004.
TYLER, K.; WHITBECK, L. B.; HOYT, D. R.; CAUCE, A. M. Risk factors for sexual
victimization among male and female homeless and runaway youth. Journal of
Interpersonal Violence, v. 19, n. 5, p. 503–520, 2004.