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TRISTE REALIDADE: COMPREENDENDO A EXCLUSÃO SOCIAL DOS

MORADORES DE RUA

Madalena Peixoto Paulino1


Kristina Kieling Figueira2
Laércio André Gassen Balsan3
Gilnei Luiz de Moura4

Resumo

Este estudo teve por objetivo compreender como se formula o processo de exclusão da
população adulta em situação de rua. Para tanto, realizou-se uma pesquisa exploratória e
quantitativa, do tipo estudo de caso. Fez-se uso do Cadastro Único para Programas Sociais,
ferramenta implantada pelo Governo Federal brasileiro e operacionalizada nos municípios
para diagnóstico e construção de políticas públicas. A pesquisa foi realizada em uma cidade
localizada no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Verificou-se que a amostra tem em
comum a pobreza, vínculos familiares fragilizados e vivenciam um processo de desfiliação
social. O desemprego e a falta de dinheiro não se constituem em absoluto para a fragilização
dos vínculos familiares. Referente aos motivos que levaram à condição de morar na rua a
dependência química foi à principal razão. Em segundo lugar, as desavenças familiares e
conflitos entre parentes consanguíneos ou cônjuges. Em seguida, aparecem o desemprego e a
perda de familiares, respectivamente. A maioria dos indivíduos não possui documentação,
situação essa que dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos benefícios
governamentais.

Palavras-chave: Políticas Públicas. Exclusão social. Moradores de rua.

VEREDAS FAVIP – Revista Eletrônica de Ciências - V. 6, n. 1 – janeiro a junho de 2013

1
Especialista em Gestão Pública. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail:
madalenapaulino@yahoo.com.br.
2
Acadêmico do Curso de Administração. Bolsista de Iniciação Científica. Universidade Federal de Santa Maria.
Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: kriskfigueira@hotmail.com.
3
Mestre em Administração. Pesquisador. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail:
laerciobalsan@yahoo.com.br.
4
Doutor em Administração. Professor do Departamento de Ciências Administrativas do CCSH da Universidade
Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: mr.gmoura.ufsm@gmail.com
Triste realidade: compreendendo a exclusão social dos moradores de rua

Abstract

This study aimed to understand how is formulated the process of exclusion of adults
homeless. We carried out an exploratory, quantitative case study. Has been used the Single
Registry for Social Programmes, tool deployed by the Brazilian Federal Government and
operationalized in cities to diagnostic and construction public policies. The research was
conducted in a city in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. It was found that the sample has
in common misery, weakened family ties and experience a process of disaffiliation.
Unemployment and not enough money are not at all to the weakening of family ties.
Referring to what made the condition of living in the street drug addiction was the main
reason. Secondly, the family quarrels and conflicts among blood relatives or spouses. Next
came unemployment and loss of family members, respectively. Most individuals don’t have
documentation, a situation which makes it difficult to obtain formal employment and access
to government benefits.

Keywords: Public Policy. Social exclusion. Homeless.

1 INTRODUÇÃO

Em face das mudanças no mundo do trabalho, advindas, principalmente, da


reestruturação produtiva, do aumento do desemprego e do trabalho precário, houve a elevação
dos níveis de pobreza e consequentemente o aumento do número de moradores de rua
(SILVA, 2006; ARISTIDES; LIMA, 2009).
De acordo com Silva (2006), o fenômeno da população em situação de rua vincula-se
à estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores que o determinam.
Além de ser tarefa desafiadora (ARAÚJO, 2003), a realização de estudos sobre população de
rua, de acordo com Silva (2006), pode subsidiar a continuidade de ações responsáveis e
criativas tanto da parte do Estado quanto da sociedade civil no enfrentamento da problemática
em questão.
Entende-se que esse tema é importante e pertinente por estarem imbricados
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sentimentos de pertencimento e não pertencimento em relação à família e à sociedade,


gerando um processo de exclusão e abandono que torna esses seres humanos invisíveis para
as políticas públicas. De mesmo modo, Silva (2006) afirma que as pessoas atingidas por esse
fenômeno são estigmatizadas e enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e
valor moral atribuído pela sociedade.
A relevância desta pesquisa se reforça na necessidade de instrumentalizar a gestão de
diversos municípios que estão engajados na construção e aperfeiçoamento de políticas
públicas dirigidas à população em situação de rua. Ainda, para Silva (2006) existe uma
tendência à naturalização do fenômeno, acompanhada de poucos estudos científicos sobre o
tema e da inexistência de políticas públicas para enfrentá-lo.
Entende-se que através do conhecimento dessa realidade é possível planejar, de forma
articulada, entre as secretarias municipais, propostas de ação com vistas à inclusão social e
laboral dessas pessoas, garantindo os direitos respaldados na Constituição Federal da
República Federativa do Brasil (BRASIL, 1998).
Conhecer esse universo determinado pela exclusão, daqueles que estão marginalizados
pela sociedade, nos traz a reflexão de que o atendimento à população em situação de rua deve
ser pensado de forma a não ser apenas compensatório, mas no qual se busque identificar as
fontes das dificuldades, as possibilidades de mudanças e de todos os recursos, tanto familiares
e sociais, quanto do Estado, que possam vir a colaborar para a construção de uma sociedade
mais humana e igualitária, com políticas que atuem na garantia de direitos.
Sendo assim, a presente pesquisa remete ao conhecimento de como se formula o
processo de exclusão da população adulta em situação de rua. Com base nesse objetivo geral,
foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: (i) aprofundar o conhecimento sobre a
população em situação de rua; (ii) verificar as causas da ruptura familiar e os motivos que
levam o indivíduo a morar na rua; e, (iii) conhecer o perfil da população em situação de rua.
Pretende-se por meio deste estudo, muito mais do que descrever objetos, conhecer a
trajetória de vida, experiência sociais dos sujeitos o que, de acordo com Martinelli (1994),
pressupõe uma disponibilidade e real interesse de vivenciar a experiência da pesquisa.

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2 REVISÃO DA LITERATURA
A sociedade é uma multiplicidade de funcionamentos e desenvolver todos esses
processos de forma administrável não é tarefa fácil. Bem por isso que a sociedade é reduto de
desigualdades. Na sociedade há pessoas com ações altruístas, da mesma forma que há pessoas
com ações balizadas somente por interesses próprios. Segundo Rua (2009), a competição é
uma forma de interação social que compreende amplo processo de disputa por bens,
geralmente conforme regras admitidas pelas partes. Na continuação das idéias da autora em
tela, o conflito também faz parte da modalidade de interação social, mas de forma mais direta,
regido pelo confronto que implica choques para o acesso a recursos. Contudo, para a
sobrevivência e progresso, o conflito deve estar dentro de limites administráveis.
Os problemas sociais e a exclusão sempre existiram, desde quando a exploração do
homem pelo homem foi utilizada como meio de produção e organização social
(MENDONÇA, 2006). No entanto, ganha contornos específicos na nossa sociedade, que tem
acompanhado um crescimento acentuado de problemas sociais, os quais podem ser
considerados um sinal das mudanças sócio-político-econômicas (VARANDA et al, 2004). A
realidade brasileira revela pessoas que já nasceram em um contexto familiar cujos membros
estavam fora do mercado de trabalho e sem políticas de suporte social. As pessoas que
sobrevivem na pobreza estão distantes de uma suposta rede de proteção social e
experimentam vínculos sociais extremamente frágeis, que tendem a se fortalecer ou se romper
de acordo com as dificuldades que a realidade lhes apresenta e conforme o acúmulo de
experiências desestruturantes ao longo da vida (VARANDA et al, 2004).
A problemática, moradores de rua, não se encerra em si mesma, decorre de outras
questões que extrapolam a condição individual de cada pessoa. A sociologia analisa o
morador de rua como um sintoma do sistema capitalista. Seus estudos discorrem sobre a
pobreza e a exclusão social sob uma ótica sociológica e econômica, apontando para um
problema de ordem política, fruto da forma histórica de organização social (MENDONÇA,
2006).
O Decreto número 7.053 de 23 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009) conceitua os
moradores de rua como sendo um grupo populacional heterogêneo que possui em comum a

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pobreza extrema, os vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia


convencional regular, e, que, utilizam os logradouros públicos e áreas degradadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades
de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória.
Os moradores de rua sofrem com a exclusão social que segundo Escorel (1999) é um
processo em que os indivíduos são reduzidos a um estado cuja única atividade é a sua
preservação biológica, estando impossibilitados do exercício de suas potencialidades.
Para Paugam (1999), a exclusão social é um processo de fragilização e ruptura dos
vínculos sociais. As pessoas saem das malhas da proteção social e deparam-se com situações
de grau crescente de marginalidade. Escorel (1999) ensina que a posição de excluídos sociais,
mantém o indivíduo prisioneiro do próprio corpo, uma vez que sua existência fica limitada a
sobrevivência singular e diária.
Somado a isso, Mattos e Ferreira (2004) esclarecem que a sociedade tem diversas
representações pejorativas sobre os moradores de rua. Essas representações são determinantes
na formação da identidade dos moradores de rua e acabam por atrofiar sua possibilidade de
autonomia (MATTOS; FERREIRA, 2004).
Entretanto, a violência simbólica não é a única resposta da sociedade e dos cidadãos
domiciliados ao fenômeno. Como tem se constatado nos últimos anos, o conjunto dessas
tipificações a respeito dos moradores de rua suscita no cidadão domiciliado não só indiferença
total, mas também violência física (MATTOS; FERREIRA, 2004).
Não bastando, existe um processo de substituição do Estado como principal provedor
de políticas sociais. As políticas sociais passam a ser conduzidas não pela demanda social,
mas pelas normas do mercado, que concebem os problemas sociais como processos exógenos
e desvinculados do seu sistema (MENDONÇA, 2006). Essa substituição joga nas mãos das
ONGs, instituições religiosas, e da iniciativa privada, a tarefa de cuidar das políticas sociais.
Contudo, por não possuírem uma articulação, esses setores produzem uma série de ações
isoladas, sem alcançar a resolução do problema. Nesse contexto, o termo políticas sociais,
então, entendido como políticas públicas tornam-se cada vez menos utilizado, quando não,

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inadequadamente empregado, diante de iniciativas sociais caracterizadas por ações


emergenciais e descontínuas (MENDONÇA, 2006).
Essa concepção acaba por conduzir o trabalho pelo prisma do clientelismo, do
assistencialismo e do religioso, confirmando àqueles que recebem o serviço sua submissão e
dependência a uma lógica perversa e legitimadora das desigualdades e da exclusão social
(MENDONÇA, 2006).
Rua (2009) esclarece que política pública envolve diversas decisões e requer
estratégias para implementar tais decisões. A citação da autora traz uma reflexão importante,
para que se tenham resultados positivos, na qual as políticas públicas devem estar voltadas
para o trabalho em condição de igualdade, substituindo a competição pela cooperação;
atuando com base em interesses comuns, compartilhados e negociados em comum acordo;
assumir uma predisposição coletiva, para agir em determinada direção, para dar valor a certos
procedimentos, defendendo-os ou dando sustentação a eles sempre com o parâmetro de
melhor atender as necessidades sociais da população, na perspectiva do interesse público.
Historicamente, as ações para população em situação de rua feitas pelo Estado são
vistas de forma isolada e fragmentada. É necessário quebrar esse paradigma e estabelecer o
desenvolvimento de políticas intersetoriais. Para respaldar o processo de ruptura desse modelo
fragmentado de ações, a Política Nacional para a População em Situação de Rua (BRASIL,
2009a) esclarece que é objetivo dessa política:

I - Estruturação da rede de acolhida, temporária de acordo com a


heterogeneidade e diversidade da população em situação de rua e, em
consonância, com o Sistema Único de Assistência Social, os conceitos
preconizados na Política Nacional de Assistência Social e com as demais
políticas, particularmente, aquelas estruturantes (Trabalho, Habitação, Saúde
e Educação) que possibilitem processos de saída das ruas (BRASIL, 2009a).

O processo de inclusão social dessa população é carregado de desafios metodológicos


e operacionais que devem ser, incansavelmente, construídos. Pensar a política pública é ir
além da articulação e ação de agentes, é assumir a perspectiva da totalidade de ação pública,
superando a fragmentação e a sobreposição de ações governamentais.
Na perspectiva de democratização do Estado, a descentralização político-

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administrativa é a forma de “promover a socialização dos grupos excluídos, a ampliação de


direito a autonomia e a revalorização dos poderes locais [...] redistribuição e o uso mais
eficiente dos recursos públicos” (JACOBI, 1998, p. 37). Esse é o processo de descentralização
que o autor defende, por acreditar que, assim, pode-se recuperar a dimensão política da
economia e devolver ao cidadão um espaço social de cidadania.
É fato que muitos municípios têm dificuldades para assumir um papel inovador e
eficiente na democratização da gestão das políticas públicas, devido aos limitados recursos de
arrecadação desses municípios. Mas, também, é notório, os esforços que muitos outros
municípios fazem para implantar programas e serviços, principalmente, na área da assistência
social, saúde, educação e trabalho.
Entende-se, portanto, a descentralização não somente como um modelo administrativo
com fim em si mesmo, mas facilitador do processo de reordenamento do sistema, tornando-se
gerador de maior eficiência, e, estratégico para a concretização dos princípios como
universalidade, equidade, cidadania e participação na gestão do Estado.

3 MÉTODO

Para alcançar os objetivos delineados neste estudo, realizou-se uma pesquisa


exploratória, de caráter quantitativo. É um estudo exploratório, pois tem por objetivo
proporcionar maior familiaridade com o objeto do estudo fornecendo uma visão geral sobre o
tema (GIL, 2010). A estratégia utilizada foi o estudo de caso, que permite examinar aspectos
variados do problema. De acordo com Yin (2010), o estudo de caso investiga um fenômeno
em seu contexto real permitindo uma melhor apreensão da realidade. Para tanto, este estudo
foi realizado em um município da região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul – RS.
Os critérios para a escolha do município focal devem-se aos seguintes fatores: (i) por
ofertar atendimento de abrigamento; (ii) por ter uma política de Assistência social e
atendimento à população de rua em um Centro de Referência Especializado articulado com os
serviços já previamente oferecidos nos Centro de Referência de Assistência Social; (iii) pela

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facilidade de acesso e pela obtenção da concordância para o recrutamento dos sujeitos; e, (iv)
por apresentar moradores de rua.
Da pesquisa contou com uma amostra de 17 pessoas em situação de rua. O
procedimento da amostragem foi o não “probabilístico por conveniência” (GIL, 2010), uma
vez que os indivíduos foram selecionados a partir da acessibilidade dos pesquisadores.
A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: preparatória e levantamento de campo.
Na etapa preparatória foi realizada uma articulação com técnicos da proteção básica e especial
que trabalham com a população objeto de estudo; foi feito um mapeamento dos pontos de
pernoite de pessoas em situação de rua. A partir das informações levantadas com os órgãos
articulados e obtidas por meio da observação direta nas ruas, foram elaborados os roteiros de
percurso das equipes de campo a fim de realizarem a coleta dos dados.
A segunda etapa, levantamento de campo, ocorreu por meio do instrumento de coleta
de dados CadÚnico (Cadastro Único), versão 7, por ser considerado o melhor cadastro social,
atualmente, em uso no Brasil e o formulário suplementar 2 (pessoa em situação de rua) do
mesmo documento (BRASIL, 2010). Esse instrumento, composto por 20 perguntas, é
utilizado pelo Governo Federal para identificação e caracterização de famílias com baixa
renda possibilitando conhecer a realidade socioeconômica, trazendo informações de todo o
núcleo familiar, das características do domicílio e das formas de acesso a serviços públicos
essenciais. Também se constitui num instrumento essencial de integração de programas
sociais. Sendo esse, a ferramenta de base para a construção de serviços, projetos e programas
em nível estadual e municipal (BRASIL, 2011). O CadÚnico possibilita o cadastramento da
população em situação de rua. Para viabilizar a integração de ações, reúne as informações
dessa população em um único banco de dados e permite também ações articuladas entre todas
as áreas e instâncias de governo, para o implemento de ações efetivas que possibilitem a
construção da autonomia das pessoas em situação de rua.
A equipe de campo foi constituída por Assistentes sociais, psicólogos, estagiários do
Serviço social, cadastradores do CadÚnico, motorista e guarda municipal, totalizando 11
pessoas. Os servidores da guarda municipal acompanharam os profissionais de gestão da
Assistência Social, fornecendo informações importantes sobre a localização dos pontos de
pernoite e as características da população objeto de estudo.
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A abordagem foi realizada no turno da manhã, nas primeiras horas. Para a


aproximação inicial, foi feita a oferta de sanduíche e café, sendo que nesse horário eles
estavam acordando. A preferência pelo horário de abordagem foi de entendimento dos
pesquisadores, porque nesse momento eles estariam sem a influência de substâncias
psicoativas e com melhores condições de responder com clareza às perguntas realizadas.
Alguns cuidados metodológicos foram adotados: a pesquisa não foi realizada em
períodos atípicos, como nos fins de semana, à noite, em dias próximos às festas e eventos ou
em outras situações que pudessem provocar deslocamentos incomuns. O trabalho de campo
foi conduzido em período diurno, quando em geral, a população ainda estava acomodada nos
pontos de pernoite que foram mapeados na etapa do pré-campo. A participação de
trabalhadores da Secretaria de Desenvolvimento Social, profissionais já conhecidos da
população de rua, contribuiu para a abordagem adequada dos indivíduos, não tendo recusa à
aplicação do questionário.
Após a coleta dos dados, o processo de análise iniciou-se com a informatização dos
mesmos em arquivo eletrônico por meio do software Excel. Após a tabulação dos dados, foi
realizada uma conferência em 100% da digitação. Os dados obtidos por meio do CadÚnico
foram quantitativamente analisados de forma quantitativa, por meio de estatística descritiva e
distribuição de frequência.

4 ANÁLISE DE RESULTADOS

Em relação ao perfil da amostra, foram pesquisados moradores de rua do sexo


masculino com idades entre 22 anos e 43 anos (idades retornadas somente por aqueles que
sabiam sua data de nascimento), encontrando-se em idade economicamente ativa. Em relação
à raça/cor 12 indivíduos eram da cor branca, 4 preta e 1 da cor parda. Apesar de nenhum dos
indivíduos estarem frequentando a escola ou algum curso profissionalizante, todos sabiam ler
e escrever. Em relação à escolaridade, a imensa maioria (88%) parou de estudar ainda no
ensino fundamental, sendo que, somente, (12%) chegaram ao ensino médio. A busca de

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profissionais qualificados e com formação aumenta a distância entre esses sujeitos e empregos
respaldados legalmente por direitos trabalhistas.
Os dados demonstram que, aqueles que pararam no ensino fundamental, 87%,
cursaram da 5ª série para cima. Apenas 13 % pararam antes da quarta série, conforme pode
ser observado na Figura 1. Esses dados são preocupantes uma vez que a oferta de cursos
públicos profissionalizantes exige escolaridade mínima dos participantes, tornando um grande
desafio às políticas educacionais, que têm o compromisso de reintegrar essas pessoas aos
bancos escolares.

7%
6%
27% 2ª série
20% 4ª série
5ª série
20% 6ª série
20% 7ª série
8ª série

Figura 1: Último ano/série que concluiu com aprovação, no ensino fundamental.


Fonte: Dados da Pesquisa.

Em relação ao pernoite, registrou-se que a maioria costuma dormir na rua (94%).


Apenas (6%) refere utilizar outros lugares para dormir, não esclarecendo os mesmos.
Por meio da Figura 2, observa-se que a maioria da amostra (44%) está na rua a menos
de seis meses. De 6 meses a 1 ano (6%). De um ano a dois anos (31%) e, enquanto (19%) dos
indivíduos completaram os outros períodos.

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6%
Até 6 meses
13%
44% 6 meses e 1 ano

1 a 2 anos
31%
5 a 10 anos
6%
Mais de 10 anos

Figura 2: Tempo que o indivíduo vive na rua.


Fonte: Dados da Pesquisa.

Referente aos motivos que levaram à condição de morar na rua, a dependência


química foi à principal razão (39%). Ou seja, drogas lícitas ou ilícitas, que causam
dependência, como o álcool, maconha, cocaína, crack, entre outras, afastaram os entrevistados
do convívio familiar e do domicílio que antes servia como moradia. As desavenças familiares
e conflitos entre parentes consanguíneo ou cônjuges levaram ao rompimento dos vínculos
familiares de (22%) da amostra. O desemprego foi responsável por (17%). Por perda de
familiares (11%) e por preferência (11%). Observa-se que, com esses dados, o desemprego e a
falta de dinheiro não se constituem em absoluto para a fragilização dos vínculos familiares.
Contrapondo este estudo, de acordo com um estudo feito por Aristides; Lima (2009), o
principal motivo que leva as pessoas à situação de rua é o desentendimento e/ou a perda da
família, seguido pela doença que os incapacitava para o trabalho, tornando-os vulneráveis a
morar nas ruas.

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Problemas com
11% familiares/companheiro
22%
11% Alcoolismo/drogas

17% Desemprego
39%
Preferência/opção própria

outro (falecimento de
familiar)

Figura 3: Principais motivos pelos quais os sujeitos passaram a morar na rua.


Fonte: Dados da pesquisa.
Obs.: Leia-se na legenda, respectivamente: Problemas com familiares/companheiro;
Alcoolismo/drogas; Desemprego; Preferência/opção própria; outro (falecimento de familiar).

Ao serem perguntados se vivem com sua família na rua, (100%) dos constantes na
amostra disseram que não, vindo ao encontro dos achados de Silva (2006). Quando
perguntados se têm contato com parentes que vivam fora da rua, 4 indivíduos disseram que
nunca têm contato, a grande maioria (8) disseram que quase nunca, 4 disseram que ao menos
uma vez por ano e apenas um dos indivíduos disse ter contato todos os dias. Em geral, esses
dados demonstram que os sujeitos da amostra vivem na rua sem a presença de membros do
seu núcleo familiar, confirmando a ruptura dos vínculos familiares. Ressalta-se que os dados
desta pesquisa não mostram a qualidade desses relacionamentos.
A maior parte, dos sujeitos da amostra, (88%), disse que já trabalhou com a carteira
assinada, sendo que, somente, (12%), nunca trabalharam com a carteira assinada. Esses dados
expressam que um grande número já exerceu atividade com direitos trabalhistas e contribuiu
para a previdência. Atualmente, ninguém está trabalhando com carteira assinada. Importante
ressaltar que apenas 1 dos indivíduos apresenta alguma deficiência permanente que limita as
suas atividades habituais. Por meio da Figura 4, pode-se observar que todas as atividades
exercidas com o objetivo de percepção monetária são advindas da chamada economia
informal, com o maior número de guardador de carro. Catador de material reciclável (23%) e
Serviços gerais (13%). Somente (14%) pedem dinheiro, desmistificando o preconceito de que
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as pessoas que estão em situação de rua são pedintes.

4% Guardador de carro/flanelin
14% 32% catador de material recicláv
14% serviços gerais/limpeza/ou
Pede dinheiro
13% Não responde
23%
Outros

*
Este quesito admite múltipla marcação.
Figura 4: Atividades exercidas para percepção monetária.
Fonte: Dados da pesquisa.
Obs.: Leia-se na legenda, respectivamente: Guardador de carro/flanelinha; catador de material
reciclável; serviços gerais/limpeza/outros; pede dinheiro; Não responde; outros.

Em relação à renda mensal, sete (7) pessoas referiram-se a seus ganhos, ficando a
média de ganho mensal desses indivíduos, no último mês da pesquisa, em torno de R$ 294,00.
A maioria das pessoas em situação de rua não possui documentação (mais da metade),
situação essa que pode acarretar ausência de identidade pessoal dos sujeitos. Por meio da
Figura 5, observa-se que os documentos apresentados ou referidos foram: Certidão de
Nascimento (50%), CPF (17%), R.G. (17%), Titulo de eleitor e Carteira de Trabalho (6%). A
falta da documentação dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos programas
governamentais (Benefício de Prestação Continuada, Programa Bolsa Família – CadÚnico e
projetos e serviços em nível municipal).

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Certidão de
Nascimento/Casamento
CPF
8%
8%
Documento de Identidade (RG)
17% 50%
Titulo Eleitoral
17%
Carteira de Trabalho e
Previdência Social

*
Este quesito admite múltipla marcação.
Figura 5: Tipo de documentação que os indivíduos possuem.
Fonte: Dados da pesquisa.

Por fim, verificou-se que somente (31%) dos entrevistados são originários do
Município em que foi realizada a pesquisa (nasceram e permanecem). A maioria dos
indivíduos, (69%), realizou processos de migração de outros municípios do mesmo Estado,
sendo a maioria de Municípios adjacentes, em razão da proximidade geografia local.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho emergiu da necessidade de se construir conhecimentos que servissem de


suporte para estudos futuros e para a qualificação de políticas públicas que atendam com
dignidade e respeito os seres humanos, que devido a processos de fragilização, hoje se
encontram em situação de rua.
O processo de pesquisa evidenciou alguns aspectos da dinâmica da realidade de rua
tornando visíveis àquelas pessoas da sociedade que tradicionalmente são tidas como invisíveis
ou excluídas. Do mesmo modo, que o estudo de Araújo (2003) esse estudo levou a repensar as
desigualdades, a banalização e a injustiça social.
Pontua-se, primeiramente, que essas pessoas, são seres humanos como todos, mas em
extrema vulnerabilidade, em risco social, com os processos subjetivos, pessoais, familiares e

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sociais fragilizados, com ruptura e na maioria com violação de direitos em todos os níveis
apresentados. De outro lado, é necessário, como ponto crucial, a sensibilização de gestores
comprometidos em desenvolver políticas públicas para todos, principalmente, à população
que mais necessita de ações governamentais.
Corroborando com Silva (2006), este estudo encontrou diversas causas de se ir para a
rua. Observa-se que, ao analisar a realidade dos moradores de rua, eles têm em comum a
pobreza, vínculos familiares fragilizados ou interrompidos, que vivenciam um processo de
desfiliação social pela ausência de trabalho assalariado e das proteções derivadas ou
dependentes dessa forma de trabalho. Tem-se, ainda, que estar atento para outras
especificidades que perpassam a população de rua, como: gênero, raça/cor, idade e
deficiências físicas e mentais, para a construção efetiva de políticas públicas que possam
atender às diversas e complexas necessidade desses sujeitos, que articulam estratégias de
sobrevivência do jeito que lhes é possível.
Verificou-se que o desemprego e a falta de dinheiro não se constituem em absoluto
para a fragilização dos vínculos familiares. Referente aos motivos que levaram à condição de
morar na rua, a dependência química foi à principal razão. Em segundo lugar, as desavenças
familiares e conflitos entre parentes consanguíneos ou cônjuges. Em seguida, aparecem o
desemprego, a perda de familiares e a preferência de morar na rua, respectivamente.
Observou-se que, em sua maioria, os moradores de rua não são migrantes, pois são
naturais do próprio município; os demais, de municípios adjacentes. Ainda, parcela
significativa de moradores de rua é formada por desempregados, sobrevivendo de trabalho
informal de baixa remuneração, não lhes permitindo pagar um aluguel ou comprar uma casa.
Para agravar o problema, a maioria dos indivíduos não possui documentação, situação essa
que dificulta a obtenção do emprego formal e o acesso aos benéficos governamentais como o
bolsa família por exemplo.
Apesar de possuir características gerais, Silva (2006), ensina que o fenômeno possui
particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. Sendo assim, sugere-se novos
estudos em outras regiões do país. Outra lacuna deixada pelo estudo foi a ausência de
moradores de rua do sexo feminino na amostra. Sendo assim, sugere-se um estudo com

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Triste realidade: compreendendo a exclusão social dos moradores de rua

moradores de rua do sexo feminino, pois provavelmente os motivos delas morarem nas ruas
podem ser diferentes dos homens, como por exemplo, os resultados indicados por Tyler;
Whitbeck; Hoyt; Cauce (2004) que sugerem que as mulheres, vão para a rua, pela primeira
vez, devido à vitimização sexual, geralmente por algum conhecido ou familiar. Outra
limitação do estudo decorre da própria natureza exploratória que não permite a generalização
dos dados. Apesar dessas limitações e do fato de ser um estudo de caso, este trabalho
apresenta um tema de grande importância e que vem despertando o interesse social. Tal fato
abre várias opções de pesquisas, que poderão vir a explorar objetos de estudo não
contemplados nesta investigação.

VEREDAS FAVIP – Revista Eletrônica de Ciências - V. 6, n. 1 – janeiro a junho de 2013 – p. 139


Madalena Peixoto Paulino | Kristina Kieling Figueira|
Laércio André Gassen Balsan | Gilnei Luiz de Moura

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