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ESTUDOS E PESQUISAS Nº 54

Geografia da pobreza extrema e vulnerabilidade à fome

Sonia Rocha e Roberto Cavalcanti de Albuquerque *

Seminário Especial
Fome e Pobreza
Rio de Janeiro, setembro de 2003

* Respectivamente, Economista, Coordenadora de Projetos do Instituto Brasileiro de Economia, IBRE, da Fundação


Getúlio Vargas, FGV e Diretor Técnico do Instituto Nacional de Altos Estudos, Inae-Fórum Nacional.
Versão Preliminar – Texto sujeito à revisões pelo(s) autor(es).
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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

AGRADECIMENTO

Os autores deste estudo agradecem ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, nas
pessoas de seu presidente, Eduardo Pereira Nunes, da diretora de Pesquisas, Maria Martha Malard
Mayer, da coordenadora de Métodos e Qualidade, Sonia Albieri, bem como dos técnicos Ari
Nascimento Silva e Bruno Cortez, pelo imprescindível apoio à elaboração deste trabalho, em
especial na construção da malha espacial de Unidades de População Homogênea , UPHs, para o
estado do Rio de Janeiro.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Introdução

A permanência, na agenda nacional da última década, da questão da pobreza ensejou importantes


avanços seja em sua melhor compreensão, seja no desenho de políticas destinadas a enfrentá-la. E
tanto a ampla e razoavelmente atualizada base de dados estatísticos quanto o crescente acervo de
estudos e pesquisas vêm possibilitando convergências de pontos de vista e a formação de alguns
consensos básicos sobre esse grave problema.

Três desses consensos são mais relevantes aos objetivos deste trabalho.

O primeiro deles consiste na constatação de que a persistência da pobreza vincula-se aos elevados
níveis de desigualdade entre as pessoas, não só no que tange à renda, mas também à educação e ao
acesso aos demais serviços públicos e benefícios sociais propiciados pelo Estado, em seus
diferentes níveis. Especificamente no que respeita à pobreza enquanto insuficiência de renda e
considerando-se o nível do PIB per capita alcançado pelo Brasil, constituem, internacionalmente,
aberrações tanto a grande parcela da população do país com rendimento per capita abaixo da linha
de pobreza – 57,7 milhões, 35% da população1 – quanto os 21,7 milhões de pessoas (12,9% dos
brasileiros) em situação de pobreza extrema que são identificados neste estudo.

O segundo consenso diz respeito à heterogeneidade da pobreza no Brasil. Ela decorre da dimensão
territorial e demográfica do país, dos grandes desequilíbrios regionais e do modo como se foi
historicamente configurando o complexo mosaico social brasileiro. Basta observar que se incluem
entre os pobres tanto pessoas que participam do mercado formal de trabalho – o caso da maioria dos
pobres ocupados da região metropolitana de São Paulo – quanto pessoas que vivem quase
exclusivamente de atividades de auto-subsistência, estando, portanto, virtualmente à margem da
economia de mercado: o caso de grande parte dos pobres das áreas rurais atrasadas. Essa
heterogeneidade exige que se levem em conta situações de pobreza muito diferenciadas, seja na
formulação e execução de políticas visando à sua redução, seja no monitoramento e avaliação de
seus resultados.

O terceiro consenso refere-se à necessidade de focalização eficaz das políticas antipobreza. Em


particular, dado que a pobreza medida segundo o critério da renda corresponde a mais de 1/3 da
população brasileira, afigura-se altamente relevante delimitar, e conhecer melhor, sua condição
mais crítica, a de pobreza extrema, ou indigência.

Esses três consensos fundamentam e motivam este estudo, que se organiza em três partes, além
desta introdução e da conclusão.

Ele apresenta em sua primeira parte panorama, o quanto possível atual e detalhado, da pobreza
extrema no país: a parcela dos pobres com renda insuficiente até mesmo para atender às
necessidades alimentares básicas. Esse painel retrata a geografia da pobreza extrema por
municípios, a unidade federada básica, e foi elaborado com base nos dados do Censo Demográfico
de 2000, o mais recente conjunto de informações estatísticas que permite o exame de situações de
pobreza nesse nível de desagregação espacial. Na delimitação da pobreza extrema, adotou-se a
abordagem tradicional, que recorre ao nível de renda como critério diferenciador de pobres e não-
pobres.

Na segunda parte do trabalho são apresentados dois estudos de caso extraídos de duas pesquisas,
ainda em andamento, que deverão, uma vez concluídas, cobrir todo o Brasil.

1
Rocha, 2003, p. 240 (dados estimados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Pnad, de 2001).

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Um deles concebe, para o estado do Rio de Janeiro, organização do território alternativa à malha
municipal. Ela equivale a uma nova geografia da pobreza extrema naquele estado, ferramenta
adicional ao conhecimento de suas diversificadas situações de pobreza e à formulação de políticas
sociais nelas focalizadas. Essa organização espacial alternativa, integrada por unidades territoriais
de tamanhos e características populacionais relativamente homogêneos, apresenta muitas vantagens
em relação à rede municipal, sabidamente muito heterogênea nesses dois aspectos. Malgrado seja
comum gerar, por municípios, indicadores de pobreza, no caso dos municípios mais populosos, em
especial os metropolitanos, eles mascaram realidades intramunicipais muito diferentes.
Freqüentemente, subáreas desses maiores municípios, de portes populacionais várias vezes
superiores aos de muitíssimos outros municípios, abrigam grandes contingentes de pessoas em
situação de pobreza extrema, além de revelarem proporções de pobreza muito superiores às médias
municipais respectivas. Afigura-se, pois, importante identificar essas subáreas, de modo a se poder
levá-las na devida conta no desenho de políticas antipobreza.

O outro estudo de caso constrói, por municípios e para o Nordeste (que detém mais da metade da
pobreza extrema do país), um índice sintético de nível de vida para os mais pobres dentre os pobres,
integrado por indicadores do atendimento de necessidades básicas gerados a partir de dados que
independem das informações sobre rendimento. Esse indicador compósito – o Índice do Nível de
Vida, INV –, bem como seus componentes (educação, habitação, informação e lazer), possibilitam
o exame, sob outra ótica, das diversas situações de pobreza e permite enriquecedor confronto com
os indicadores de renda utilizados na primeira parte.

A terceira parte do estudo aborda as pessoas em situações de pobreza extrema como o segmento da
população brasileira potencialmente mais vulnerável à fome crônica e à subnutrição. E explora os
caminhos críticos através dos quais o Programa Fome Zero – o carro-chefe da atual política social
brasileira – poderá, em integração com outras medidas de ação pública, gradativamente atendê-las.

Geografia da Pobreza Extrema

A mensuração da pobreza extrema

A abordagem, sob a ótica da renda, utilizada para delimitar, por municípios, a população em
situação de pobreza extrema no Brasil, tem como base os dados do Censo Demográfico de 2000.

Essa metodologia requer o cálculo de parâmetros de valor, as chamadas linhas de pobreza, pontos
de corte (cut-off points) que permitem distinguir, em uma dada população e segundo o critério da
renda, pobres de não-pobres.

Neste caso, trata-se, evidentemente, de linhas de pobreza extrema. Sua estimativa fundamenta-se
nas estruturas de consumo alimentar observadas nas populações de baixa renda do país. A partir
delas se estabelecem as cestas básicas capazes de atender, aos menores custos, as necessidades
nutricionais médias. Os valores, em reais, dessas cestas básicas, são as linhas de pobreza extrema. E
as pessoas com renda familiar per capita abaixo desses valores são consideradas em situação de
pobreza extrema.2

Por reconhecer-se que existem significativas discrepâncias entre os padrões de consumo e os níveis
de preços ao consumidor vigentes seja nas grandes regiões do país, seja nos meios metropolitano,
urbano não-metropolitano e rural, foram estabelecidas linhas de pobreza extrema que levam em
conta esses diferenciais. Utilizam-se ao todo 27 linhas: para o Norte metropolitano (Belém e

2
Para uma descrição do procedimento de construção das linhas de pobreza extrema (ou indigência), ver Rocha, 1997.

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Manaus), urbano e rural; para o Nordeste metropolitano (Fortaleza, Salvador e Recife), urbano e
rural; para Minas Gerais-Espírito Santo metropolitano (Belo Horizonte), urbano e rural; para o Rio
de Janeiro metropolitano, urbano e rural; para São Paulo metropolitano (São Paulo e Campinas),
urbano e rural; para o Sul metropolitano (Curitiba e Porto Alegre), urbano e rural; e para o Centro-
Oeste metropolitano (Brasília e Goiânia), urbano e rural. Os valores dessas linhas são apresentados
em Anexo.3

Pobreza extrema: os resultados

Tomando-se por base essas 27 linhas diferenciadas, foram obtidos os indicadores habituais de
insuficiência de renda – proporção de pobres, razão do hiato da renda e hiato quadrático – para os
5.507 municípios brasileiros (ver o Apêndice Indicadores de Pobreza Extrema4).

A Tabela 1 apresenta esses resultados, agregados por grandes regiões e segundo a situação dos
domicílios.5

Tabela 1
Indicadores de Pobreza Extrema
Brasil, Grandes Regiões e Situação dos Domicílios – 2000
No. Pobres Hiato
Proporção (%) Razão do Hiato
(mil) Quadrático
Brasil 21.735 12,87 0,656 0,072
Norte 2.415 18,79 0,696 0,115
Nordeste 11.481 24,14 0,625 0,124
Sudeste 5.451 7,57 0,693 0,047
Sul 1.533 6,14 0,658 0,036
Centro-Oeste 855 7,40 0,720 0,048

Metropolitano 5.420 9,40 0,670 0,056


Urbano 8.531 10,51 0,647 0,058
Rural 7.784 25,91 0,656 0,143
Fonte: IBGE, Censo Demográfico – 2000 (Tabulações especiais).

Observe-se inicialmente que, em 2000, a proporção de pessoas em condição de pobreza extrema no


Brasil era de 12,9%, correspondentes a 21,7 milhões de pessoas.6 A razão do hiato de renda, que é
medida da intensidade de pobreza, indica que as pessoas em pobreza extrema tinham renda média
equivalente a apenas 35% do valor da linha de pobreza extrema. O hiato quadrático, indicador
sintético que leva em conta simultaneamente as três dimensões da pobreza extrema – proporção de
pobres, intensidade da pobreza e desigualdade de renda entre os pobres –, é de 0,07.
Embora o conjunto de indicadores de pobreza para todos os municípios conste do Apêndice já
referido, cabe sintetizar e analisar sinteticamente seus resultados. Isto é feito considerando-se

3
As estimativas de pobreza e de pobreza extrema realizadas anualmente utilizam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, Pnad, cuja amostra não permite distinguir, como metrópoles, Manaus, Campinas e Goiânia.
4
Esse Apêndice, extenso, pode ser consultado na Internet (www.forumnacional.org.br).
5
Sobre as propriedades e outras características dos índices mencionados, ver Foster; Greer; Thorbecke.
6
Cabe destacar que os resultados do Censo Demográfico não são compatíveis com os obtidos anualmente a partir da Pnad. Como
sabido, as rendas captadas pelo Censo são geralmente mais baixas do que as obtidas a partir da Pnad devido ao maior vulto da
operação censitária e, conseqüentemente, aos menores graus de especialização e precisão da operação de coleta. Pesquisa semelhante
à deste estudo, mas feita com base nas Pnads para 1999 e 2001 registrou para o Brasil 13,6 milhões e 15,7 milhões de pessoas em
situação de pobreza extrema, respectivamente, com proporções de pobres de 8,7% no primeiro caso e 9,5% no segundo. Cabe referir
que a Pnad, diferentemente do Censo, não considera a população rural da região Norte. Cf. Rocha, 2003, Anexos 7 e 11.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

apenas o indicador de proporção de pessoas em pobreza extrema. Por um lado, ele é de mais fácil e
imediata compreensão. Por outro lado, na medida em que sua variância é maior do que a da razão
do hiato, ele tanto diferencia melhor os municípios quanto se acha altamente correlacionado ao
indicador sintético de pobreza, o hiato quadrático.7
A classificação dos municípios brasileiros pelo tamanho de sua população total, constante da Tabela
2,8 revela que, nas três classes de menor população – até 20 mil habitantes –, se enquadram quase ¾
do número total de municípios brasileiros (73,2%): aproximadamente ¼ em cada uma dessas
classes. Sua população, porém, tomada em conjunto, corresponde a menos de 20% da população
total do país. Nesses municípios menores e naqueles da classe seguinte (entre 20 e 50 mil
habitantes), a participação do número de pessoas em condição de pobreza extrema no total do Brasil
é mais elevada que sua participação no conjunto da população do país. Por essa razão, são negativos
para essas quatro primeiras classes os desvios entre as participações percentuais dessas duas
variáveis (Tabela 2, última coluna). Esse desvio médio é mais acentuado na classe de 10 a 20 mil
habitantes, onde alcança 56%. Nos 1.386 municípios dessa classe residem 11,7% da população
brasileira, mas se encontram 18,2% das pessoas em situação de pobreza extrema. Nos 299
municípios de população entre 50 e 100 mil, a situação é de virtual equilíbrio: eles detêm pouco
mais de 12% tanto da população quanto do número de pessoas em pobreza extrema do país. Nos
municípios com população superior a 100 mil habitantes, porém, a situação se inverte: eles têm
participação na população brasileira bem superior àquela no número total de pessoas em pobreza
extrema. Assim, muito embora esse último subconjunto de municípios apresente proporção média
de pobreza extrema relativamente baixa, eles detêm, em decorrência de seu porte demográfico,
grandes contingentes de pessoas em pobreza extrema: no total, mais de 1/3 da pobreza extrema do
país. Paradoxalmente, são os maiores municípios que também abrigam a maior parte das pessoas
com os níveis de renda mais elevados. Esse contraste entre pobreza e riqueza ilustra muito bem
quão grave é a questão da desigualdade social brasileira.

Tabela 2
Distribuição dos Municípios, da População Residente e da Pobreza Extrema,
segundo Classes de Tamanho
Classes de Tamanho Municípios Populaçãoa Pobres
Desviob
(População) No. % No. % No. %
Até 5 mil 1.330 24,15 4.483.757 2,65 684.278 3,15 -0,186
De 5.001 a 10 mil 1.314 23,86 9.392.896 5,56 1.721.792 7,92 -0,424
De 10.001 a 20 mil 1.386 25,17 19.731.060 11,68 3.963.232 18,23 -0,561
De 20.001 a 50 mil 954 17,32 28.591.117 16,93 5.324.093 24,50 -0,447
De 50.001 a 100 mil 299 5,43 20.732.304 12,28 2.646.987 12,18 0,008
De 100.001 a 500 mil 194 3,52 39.906.158 23,63 3.409.840 15,69 0,336
De 500.001 a 2 milhões 24 0,44 21.144.068 12,52 2.018.073 9,28 0,258
Mais de 2 milhões 6 0,11 24.900.310 14,74 1.966.748 9,05 0,386
Total 5.507 100,00 168.881.672 100,00 21.735.045 100,00 0,000
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).
(a) Pobres mais Não-Pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e pensionista.
(b) Desvio relativo entre a participação na população e no número de pobres.

7
O índice de correlação entre a proporção de indigentes e o hiato quadrático obtido para o conjunto de municípios brasileiros (2000)
foi de 0,918.
8
Para essa classificação, utilizou-se, como indicador de tamanho, a população total considerada na pesquisa, o que exclui as pessoas
que têm, nas famílias, as situações de empregado, parente de empregado e pensionista. Por essa razão, a população total obtida é
ligeiramente inferior à população residente recenseada em 2000.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

O Mapa 1 permite que se tenha uma visão holística da geografia da pobreza extrema no Brasil. Ele
classifica os municípios brasileiros por faixas, com base na proporção de pessoas em pobreza
extrema na população (%). Note-se a concentração das proporções de pobreza mais elevadas (acima
de 25%) no Nordeste e Norte do país. E a dominância das proporções menores (até 10%) no
Sudeste e Sul e na parte do Centro-Oeste contígua a essas duas últimas grandes regiões
(correspondente aos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul).

Um corte arbitrário, feito, a partir da Tabela I do Apêndice, com o objetivo de identificar os 100
municípios brasileiros (1,8% do total deles) com as proporções mais elevadas de pessoas em
condição de pobreza extrema, permitiu a construção da Tabela 3. Ela evidencia que essa situação
mais crítica ocorre em municípios de menor expressão demográfica. As proporções chegam a
70,7% nos municípios de Centro do Guilherme e Belágua, ambos no estado do Maranhão, e se
mantêm ainda superiores a 50% no município de Pariconha, Alagoas (50,3%), o centésimo em
ordem decrescente do indicador.9 Todos esses 100 municípios têm populações inferiores a 50 mil,
sendo que apenas nove deles possuem entre 20 e 50 mil habitantes. Observe-se, porém, que os
municípios com menos de 5 mil habitantes não se encontram sobre-representados na Tabela 3,
como se poderia esperar. E que, para o conjunto das quatro classes de tamanho, ocorre um razoável
equilíbrio entre as participações na população e no número de pessoas em pobreza extrema.

Tabela 3
Distribuição dos 100 Municípios com Proporção de Pobres Mais Elevada e da
População e Número de Pessoas em Pobreza Extrema, segundo Classes de Tamanho

Municípios Populaçãoa Pobres


Classe de Tamanho
(População) % na % no % na % no % na
No. No. No.
Classe Total Classe Total Classe

Até 5 mil 23 1,73 239.026 23,31 5,33 147.739 26,13 21,59

De 5.001 a 10 mil 34 2,59 391.650 38,19 4,17 214.382 37,91 12,45

De 10.001 a 20 mil 34 2,45 322.745 31,47 1,64 166.925 29,52 4,21

De 20.001 a 50 mil 9 0,94 72.156 7,04 0,25 36.451 6,45 0,68

Total 100 1,82 1.025.577 100,00 0,61 565.497 100,00 2,60

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).


(a) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e pensionista.

A Tabela 4 revela que 78 desses 100 municípios se encontram no Nordeste, embora a proporção
média de pessoas em pobreza extrema nas três regiões se situe em níveis semelhantes, pois não se
observam desvios significativos entre as participações delas na população total e no número de
pessoas em pobreza extrema (Tabela 4). De qualquer modo, a presença de apenas quatro municípios
do Sudeste dentre aqueles com proporções de pobres mais elevadas – e de nenhum no Sul ou no
Centro-Oeste – é mais uma evidência das grandes desigualdades regionais existentes no Brasil.

9
Guaribas, Piauí, o município-símbolo do Programa Fome Zero, não consta desses 100 municípios. Com 6.371 habitantes e 2.322
pessoas em situação de problema extrema, ele apresentou proporção de pobres de 48,2%. Cabe, porém, alertar que o ordenamento da
Tabela 3 é apenas indicativo, sua robustez estatística dependendo de teste de hipótese quanto ao indicador para cada município em
relação ao indicador para qualquer outro município.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 4
Distribuição dos 100 Municípios com Proporção de Pobres Mais Elevada, e da
População e Número de Pessoas em Pobreza Extrema, Segundo Regiões
Municípios Populaçãoa Pobres
Regiões
No. No. % No. %
Norte 18 178.592 17,41 97.489 17,24
Nordeste 78 823.554 80,30 455.286 80,51
Sudeste 4 23.432 2,28 12.722 2,25
Sul - - - - -
Centro-Oeste - - - - -
Total 100 1.025.577 100,00 565.497 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).
(a) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e
pensionista.

O Mapa 2 permite visualizar a localização desses 100 municípios.

Quando a população desses 100 municípios com maiores proporções de pobres é repartida segundo
a situação dos domicílios, fica evidente que, além da preponderância da população rural (68% do
total), típica aos municípios de pequeno porte, há diferenciação importante no que concerne à
proporção de pobres, que é de 62% no meio rural e 40% no urbano (Tabela 5). Sendo de lembrar,
no entanto, que, especialmente no caso dos municípios pequenos, a distinção entre o urbano e o
rural é muito tênue: a definição oficial do IBGE, adotada aqui, classifica como urbana a população
residente na sede dos municípios e dos demais distritos, independentemente da natureza das
atividades produtivas por elas exercidas. Em muitos casos, mormente nos pequenos municípios, a
população considerada como urbana exibe, na verdade, características gerais muito pouco urbanas
stricto sensu.

Tabela 5
Distribuição da População e das Pessoas em Pobreza Extrema dos 100
Municípios onde a Proporção de Pobres é Mais Elevada,
segundo a Situação do Domicílio

Situação do Populaçãoa Pobres Proporção de


Domicílio No. % No. % Pobres (%)
Metropolitano 0 0,00 0 0,00 -
Urbano 325.406 31,73 130.024 22,99 40,00
Rural 700.171 68,27 435.473 77,01 62,20
Total 1.025.577 100,00 565.497 100,00 55,14
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).
(a) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de
empregado e pensionista.
A ocorrência das maiores proporções de pobres nos municípios de pequeno porte demográfico, com
apenas 1,03 milhão de habitantes, mas com 565,5 mil pessoas em pobreza extrema, revela aspecto
da questão social brasileira especialmente sério. À falta quase absoluta de meios municipais para
enfrentar esse problema aliam-se características – como a baixa densidade da pobreza e a grande
dispersão espacial desses municípios – que dificultam a operacionalização de intervenções
antipobreza, da parte de entidades supralocais, voltadas ao enfrentamento de carências múltiplas e
interdependentes, as quais o baixo nível de renda apenas sinaliza.
Por outro lado, malgrado a gravidade de situações associadas à ocorrência de proporções de pessoas
em pobreza extrema superiores a 50% da população, a participação desse contingente de pessoas,
no total da pobreza extrema brasileira sendo de somente 2,6%, evidencia a necessidade de outros
critérios orientadores de uma atuação mais abrangente de política social.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Com vistas a esse propósito, atente-se para a Tabela 6, que distribui, por classes de tamanho
populacional, os 100 municípios com o maior número de pessoas vivendo em pobreza extrema. Eles
abrigam 61,7 milhões de habitantes, 36,6% da população do país e 29% da pobreza mais crítica (6,2
milhões de pessoas). Incluem-se nesse subgrupo os treze municípios brasileiros com mais de um

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milhão de habitantes, além de 16 dos 17 municípios entre 500 mil e um milhão de habitantes. Note-
se a relação inversa entre o tamanho da população e a proporção de pobreza extrema que se verifica
para esses 100 municípios: ela está implícita no fato de o desvio relativo entre a participação na
população e no número de pobres declinar monotonicamente, à medida que aumenta o tamanho
demográfico das classes de população (Tabela 6, última coluna). Assim, quanto maior o porte
demográfico do município, maior a população em pobreza extrema, embora ela tenda a representar
uma proporção declinante da população total. Se, portanto, as políticas antipobreza focarem
também essas maiores concentrações de pobreza, poderão lograr melhores resultados quantitativos
com mais rapidez e, possivelmente, menores custos.

Tabela 6
Distribuição dos 100 Municípios onde o número de pessoas em Pobreza Extrema
é Mais Elevado, segundo Classe de Tamanho
Municípios Populaçãoa Pobres
Classe de Tamanho
% na % no % na % no % na Desviob
(População) No. No. No.
Classe Total Classe Total Classe
De 20.001 a 50 mil 1 0,10 48.364 0,08 0,17 22.415 0,36 0,42 -3,58
De 50.001 a 100 mil 14 4,68 1.113.319 1,80 5,37 365.262 5,85 13,80 -2,24
De 100.001 a 500 mil 56 28,87 15.050.466 24,37 37,71 1.894.072 30,32 55,55 -0,24
De 500.001 a 1 milhão 16 94,12 11.499.195 18,62 95,82 1.128.037 18,06 98,27 0,03
1.000.001 a 2 milhões 7 100,00 9.143.697 14,81 100,00 870.181 13,93 100,00 0,06
Mais de 2 milhões 6 100,00 24.900.310 40,32 100,00 1.966.748 31,48 100,00 0,22
Total 100 1,82 61.755.351 100,00 36,57 6.246.715 100,00 28,74 -

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).


(a) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e pensionista.
(b) Desvio relativo entre a participação na população e no número de pobres.

Quase a metade desses 100 municípios com maior número de pessoas em pobreza extrema situa-se
no Nordeste: eles detêm 27,4% da população e 42,2% do número de pessoas em pobreza extrema, o
que evidencia proporções de pobres mais elevadas do que nas demais regiões (Tabela 7). Cabe
observar ainda que o Sudeste tem participação muito próxima da nordestina (41%) no número de
pessoas em pobreza extrema deste subgrupo de municípios, o que reflete as situações de pobreza
que se verificam nas regiões metropolitanas primazes do país, de grande expressão demográfica:
São Paulo e o Rio de Janeiro.

Tabela 7
Distribuição dos 100 Municípios onde o Número de Pessoas em Pobreza Extrema
é Maior, e das Respectivas População e Número de Pobres, Segundo Regiões
Municípios Populaçãoa Pobres
Regiões
No. No. % No. %
Norte 11 4.664.581 7,55 681.723 10,91
Nordeste 48 16.894.203 27,36 2.638.120 42,23
Sudeste 34 32.715.325 52,98 2.560.710 40,99
Sul 3 3.234.715 5,24 141.169 2,26
Centro-Oeste 4 4.246.526 6,88 224.993 3,60
Total 100 61.755.351 100,00 6.246.715 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).
(a) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e pensionista.

A Tabela 8 explicita mais claramente a importância relativa da pobreza extrema metropolitana no


conjunto de municípios de maior tamanho demográfico: ela representa 71% do total de pessoas em

11
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

pobreza extrema desse subgrupo de municípios. Esse percentual é compreensivelmente inferior à


participação dos municípios metropolitanos na população correspondente (77%), em claro contraste
com o que ocorre no meio rural.

Tabela 8
Distribuição da População dos 100 Municípios onde o Número de Pessoas em
Pobreza Extrema é maior, e das Respectivas População e Número de Pobres,
segundo a Situação do Domicílio
Situação do População (1) Pobres
Domicílio No. % No. %
Metropolitano 47.399.387 76,75 4.414.066 70,66
Urbano 12.974.461 21,01 1.411.118 22,59
Rural 1.381.504 2,24 421.532 6,75
Total 61.755.351 100,00 6.246.715 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).
(1) Pobres mais não-pobres, exclusive pessoas na família nas condições de empregado, parente de empregado e pensionista.

O Mapa 3 localiza no Brasil esses 100 municípios com os maiores contingentes de pobreza extrema.
As situações-limite analisadas acima – de um lado, os municípios menos populosos, mas com
proporções criticamente elevadas vivendo em pobreza extrema; do outro lado, os municípios de
grande expressão demográfica e que concentram elevados contingentes de pobreza extrema –
remetem necessariamente à questão da enorme heterogeneidade de porte e características
econômico-sociais dos municípios brasileiros. Essa heterogeneidade tem implicações relevantes
seja nas comparações intermunicipais, seja para fins do desenho e implementação de políticas
públicas. Por isso, um padrão de repartição espacial do território brasileiro em unidades de tamanho
populacional semelhante e de feições sociais e econômicas mais homogêneas teria, para esses dois
propósitos, vantagens significativas. É o que se pretende demonstrar adiante, propondo, para o
estado do Rio de Janeiro, uma nova espacialização do território como ferramenta para a análise das
situações de pobreza extrema e atuação melhor focalizada das políticas antipobreza em particular e
das políticas sociais em geral.

Dois estudos de caso

Uma nova geografia da pobreza extrema: o caso do Rio de Janeiro


As unidades de população homogênea

A heterogeneidade de tamanho demográfico dos municípios brasileiros – o menor deles, Borá, SP,
com 795 habitantes; o maior, o município de São Paulo, com 10,3 milhões de habitantes10 – torna
problemática, entre essas unidades, a comparação de indicadores de níveis de desenvolvimento para
fins de diagnóstico e orientação de políticas públicas. Isto porque esses indicadores refletem valores
médios municipais, encobrindo a diversidade interna de situações intramunicipais, que tende a
ampliar-se à medida que aumenta o porte demográfico dos municípios. Os municípios com as
maiores populações, em especial os metropolitanos, exibem, em seus territórios, um verdadeiro
mosaico social, com subáreas de grande expressão populacional, equivalentes muitas vezes a
dezenas de municípios de menor porte, além de muito desiguais no que respeita a suas
características econômico-sociais. Ademais, muitas dessas subáreas comumente concentram
grandes contingentes de pobreza, além de proporções de pobres muito superiores às médias dos
municípios de que fazem parte.

10
Fonte: Censo Demográfico, 2000.

12
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Afigura-se, portanto, atraente, e mesmo necessário, conceber uma repartição espacial do território
brasileiro que minimize esse problema e seja útil a uma mais fina focalização das políticas sociais,
sobretudo daqueles voltadas à redução da pobreza extrema. Por essa razão, é oportuna uma divisão
espacial do país em unidades de peso populacional e características econômico-sociais semelhantes.

13
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Uma malha de unidades com tamanho populacional semelhante, cobrindo todo o Brasil, já existe.
Ela é formada pelos setores censitários dos Censos Demográficos, definidos, para cada novo Censo,
como áreas mínimas para a operacionalização da coleta de dados.11 Porém, tanto o seu nível de
desagregação – para o Censo de 2000 estabeleceram-se 215.811 setores censitários –, quanto o fato
de não terem eles representatividade estatística em decorrência do tamanho populacional reduzido,
tornam inviável sua utilização como unidades de área para diagnóstico econômico-social e
formulação e operação de políticas públicas.
Uma outra malha nacional, também concebida pelo IBGE, é composta pelas Áreas de Ponderação,
Aponds. Seu propósito, em tudo semelhante ao que se busca neste estudo, foi subdividir os
municípios (a partir de um dado tamanho populacional), identificando neles áreas com número
semelhante de habitantes e relativa homogeneidade socioeconômica. Tornando essas áreas
individualmente mais adequadas como unidades estatísticas relevantes para fins de planejamento.12
As Aponds foram formadas mediante a agregação de setores censitários contíguos de um mesmo
município, segundo critérios de homogeneidade. Os municípios pequenos (com menos de 800
domicílios particulares na amostra do Censo) não foram subdivididos, formando uma única Apond.
Nos municípios de maior expressão demográfica, cada Apond tem no mínimo de 400 domicílios
particulares ocupados, de modo a assegurar um grau de precisão razoável para estimativas básicas
derivadas dos resultados dos censos demográficos. A malha de 9.336 Aponds constitui hoje um
precioso instrumento de divulgação de informações do Censo de 2000. Contudo, a heterogeneidade
de tamanho populacional dessas áreas – a menor Apond tem 795 habitantes e corresponde ao
município de Borá, SP; a maior, com 152.432 habitantes, é subdivisão do Município de Cachoeiro
do Itapemirim, ES – apenas atenua a desvantagem na comparação entre áreas que se dá com o uso
da malha municipal.
Projeto de pesquisa atualmente em andamento visa a obter, mediante agregação de Aponds, uma
malha espacial para o Brasil constituída por unidades territoriais mais homogêneas quanto ao
tamanho populacional, mas assegurando simultaneamente a necessária representatividade estatística
para a estimação dos indicadores fundamentais para o monitoramento das condições de vida de suas
populações.13 A malha espacial resultante, atualmente em construção, leva em conta critérios de
homogeneidade socioeconômica e contigüidade espacial e será uma ferramenta útil toda vez que for
relevante dispor, para o Brasil como um todo ou quaisquer outros espaços subnacionais, de
unidades de área relativamente homogêneas e com tamanho populacional semelhante.
As áreas territoriais que integrarão essa malha estão sendo provisoriamente chamadas de Unidades
de População Homogênea, UPHs.
Com o objetivo de ilustrar as vantagens e implicações da malha de UPHs para o diagnóstico e a
execução de políticas sociais focalizadas, toma-se aqui, como exemplo, o estado do Rio de Janeiro,
em análise sucinta de seus indicadores de pobreza extrema, por municípios e UPHs.
Uma nova malha espacial para o Rio de Janeiro

O estado do Rio de Janeiro tem importância e peculiaridade especiais no contexto nacional: por
motivos de ordem histórica, por um lado; e, por outro lado, em virtude da localização, em seu
território, de uma das duas metrópoles primazes brasileiras.

11
Cada setor censitário, a área a ser coberta por um recenseador, corresponde a cerca de 250 domicílios nas áreas urbanas e a 150 nas
áreas rurais.
12
Para uma descrição detalhada dos critérios e procedimentos utilizados na delimitação das Aponds ver Silva; Matzenbacher; Cortez.
13
Esse projeto de pesquisa vem sendo desenvolvido em conjunto pelo IBGE (Diretoria de Pesquisas, Departamento de Metodologia,
Demet), FGV (BRE) e Inae-Fórum Nacional. Participam do projeto Ari Nascimento Silva e Bruno Cortez (pelo Demet/IBGE), Sonia
Rocha (pelo IBRE/FGV) e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (pelo Inae-Fórum Nacional). Ari Nascimento Silva, um dos
responsáveis pelo projeto das Aponds, vem adaptando e aperfeiçoando o instrumental desenvolvido anteriormente, a fim de que as
unidades territoriais resultantes da agregação das Aponds tenham entre 80 e 160 mil habitantes, aproximadamente, atendendo a
critérios de tamanho mínimo e relativa homogeneidade socioeconômica.

14
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

A região metropolitana do Rio de Janeiro, formada por 19 dos 91 municípios do estado e com 10,8
milhões de habitantes, responde por 75,6% da população fluminense. E, o que mais releva para os
propósitos deste estudo, ela detém 82,2% das pessoas em condição de extrema pobreza do estado,
podendo-se afirmar que a pobreza extrema no estado do Rio de Janeiro é, essencialmente, uma
questão metropolitana.

Da divisão do estado do Rio de Janeiro em Áreas de População Homogênea resultaram 138 UPHs,
com tamanhos variando de 73.114 habitantes (a UPH correspondente ao Município de São João de
Meriti) a 155.181 habitantes (uma das UPHs do município de Duque de Caxias). Essas UPHs
podem ser classificadas em três tipos diferenciados.

As UPHs de tipo A são formadas por dois ou mais municípios contíguos e de menor expressão
demográfica, de modo a que a UPH resultante tenha no mínimo 80 mil habitantes. No estado do Rio
de Janeiro, são 21 UPHs deste tipo. É o caso, por exemplo, das UPHs formadas por Angra dos Reis
e Parati ou por Araruama e Saquarema.

As UPHs de tipo B correspondem, cada uma, a um só município. Elas são em número de seis, como
a correspondente ao município de Japeri, por exemplo.

As UPHs do tipo C resultam da divisão da área dos municípios mais populosos. Foram repartidos,
no Estado do Rio de Janeiro, os municípios do Rio de Janeiro (em 56 UPHs), Nova Iguaçu (em 10
UPHs), São Gonçalo (8 UPHs), Duque de Caxias (7 UPHs), São João de Meriti (5 UPHs), Belfort
Roxo, Campos e Niterói (cada um deles em 4 UPHs), Petrópolis (em 3 UPHs), Barra Mansa,
Itaboraí, Magé, Nova Friburgo e Volta Redonda (em 2 UPHs cada um) A formação dessas UPHs
não respeitou necessariamente os limites de distritos, subdistritos e bairros, priorizando, ao
contrário, os critérios de homogeneidade sócio-econômica, contigüidade e tamanho populacional.

No processo de delimitação das UPHs, buscou-se, na medida do possível, obter Unidades


inteiramente metropolitanas ou inteiramente não-metropolitanas. Dados os critérios de construção já
mencionados, isto não se tornou viável, no estado do Rio de Janeiro, em dois casos: o da UPH que
reúne o município metropolitano de Tanguá e o não-metropolitano de Rio Bonito; e o da UPH
formada pelo município metropolitano de Guapimirim e pelo não-metropolitano de Cachoeiro do
Macacu.

O Mapa 4 apresenta as UPHs correspondentes aos tipos A e B. As UPHs do tipo C, resultantes de


subdivisões municipal não puderam ser representadas, os seus municípios aparecendo em branco,
mas com a indicação do número respectivo de UPHs.14

Com a finalidade de ilustrar o significado das Unidades de População Homogênea para o


diagnóstico de situações de pobreza extrema e o desenho e execução de políticas sociais
focalizadas, vale comparar os indicadores habituais de pobreza construídos para os municípios do
Rio de Janeiro com aqueles obtidos para as UPHs, que conformam, na verdade, uma nova geografia
para esse Estado.

Como já feito anteriormente, será destacado nessa comparação o indicador de proporção de pobres,
embora todo o conjunto de indicadores de pobreza extrema (vista sob o enfoque da renda) esteja
apresentado tanto nas tabelas a seguir, como na Tabela II do Apêndice.

14
As malhas digitalizadas dos municípios do estado e das UPHs em um dado município são incompatíveis, problema que será
solucionado ao longo da pesquisa, tanto para o Rio de Janeiro quanto para o país como um todo.

15
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

A proporção média de pessoas vivendo em condição de pobreza extrema no Rio de Janeiro é de


8,7%, portanto bem abaixo da média nacional. Em nível municipal, são evidentes as discrepâncias
verificadas para esse indicador, que varia de 21,9% em Japeri a 3,1% em Santa Maria Madalena. A

16
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 9 apresenta os casos-limite,15 de modo a enfatizar não só a amplitude da variação


intermunicipal desse e dos demais indicadores de pobreza extrema para os municípios do Rio de
Janeiro, mas também as diferenças de tamanho demográfico, com as já referidas implicações no que
respeita à heterogeneidade interna a cada município de maior porte populacional.

Tabela 9
Indicadores de Pobreza Extrema Estado do Rio de Janeiro e Municípios
Selecionados – 2000
Razão do Hiato População
Estado e Municípios Proporção (%)
Hiato Quadrático Residente
Estado do Rio de Janeiro 8,69 0,668 0,0514 14.391.282
Proporções Mais Elevadas:
Japeri 21,91 0,651 0,123 83.278
Belford Roxo 15,93 0,653 0,091 434.474
Seropédica 15,59 0,569 0,073 65.260
Queimados 15,54 0,647 0,087 121.993
Itaboraí 14,53 0,632 0,080 187.479
Magé 14,53 0,625 0,077 205.830
Duque de Caxias 14,45 0,659 0,084 775.456
Tanguá 13,72 0,562 0,065 26.057
Itaguaí 13,59 0,588 0,067 82.003
São Francisco de Itabapoana 13,57 0,602 0,069 41.145
Nova Iguaçu 13,16 0,660 0,076 920.599
Guapimirim 12,307 0,589 0,061 37.952
Proporções mais Baixas:
Santo Antonio de Pádua 4,45 0,591 0,023 38.692
Rio Bonito 4,44 0,692 0,028 49.691
Cantagalo 4,41 0,811 0,034 22.152
Macaé 4,41 0,757 0,031 132.461
Petrópolis 4,29 0,702 0,028 286.537
Casimiro de Abreu 4,19 0,757 0,029 12.595
Duas Barras 3,91 0,602 0,019 10.334
Itatiaia 3,91 0,785 0,030 24.739
Bom Jardim 3,85 0,713 0,025 22.651
Teresópolis 3,80 0,646 0,022 138.081
Itaocara 3,65 0,632 0,019 23.003
Nova Friburgo 3,17 0,687 0,020 173.418
Santa Maria Madalena 3,05 0,341 0,008 10.476
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).

Com a divisão do Estado do Rio de Janeiro em UPHs, os indicadores espacializados de pobreza


extrema revelam quadro bem diferente,16 a despeito da coincidência óbvia, representada pelo

15
Todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro se encontram na Tabela II do Apêndice.
16
Embora seja feita referência ao ordenamento dos resultados da proporção de pobres, vale lembrar que este ordenamento é
meramente indicativo, sua robustez estatística dependendo de teste de hipótese quanto ao indicador para cada município ou UPH em
relação ao indicador para qualquer outro município ou UPH. Indicadores para todas as UPHS do Estado do Rio de Janeiro são
apresentados na Tabela II do Apêndice.

17
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

município de Japeri, ele próprio uma UPH, que se apresenta com os indicadores mais adversos
(Tabela 10). No mais, os resultados obtidos para as UPHs permitem distinguir áreas críticas de
incidência de pobreza extrema dentro de municípios populosos, antes mascaradas pelos resultados
médios municipais conhecidos. Por exemplo: UPHs de municípios grandes e reconhecidamente
pobres, como Belfort Roxo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, apresentam indicadores de pobreza
mais críticos que qualquer outro município do Estado do Rio de Janeiro como um todo (Tabela 9).
No caso de Belfort Roxo, revelam-se diferenciações internas relevantes: enquanto a proporção de
pobres de todo o município é de 15,9%, a da UPH em situação mais crítica alcança 21,9%. De um
modo geral, os resultados segundo UPHs permitem discriminar e localizar as situações mais
adversas de pobreza dentro dos grandes municípios da Baixada Fluminense, periferia metropolitana
do Rio de Janeiro, tornando-a patente como o lócus por excelência da pobreza extrema no Estado.

Tabela 10
UPHs Selecionadas no Estado do Rio de Janeiro – 2000
Proporção Razão do Hiato
UPHs Selecionadas Descrição
(%) Hiato Quadrático
Proporções mais Elevadas

Japeri Município de Japeri 21,91 0,651 0,123

N. Aurora, Recantus, Xavantes, S. Francisco


Belford Roxo 2 / 4 21,30 0,612 0,111
de Assis, Itaipu, Shangri-lá e Maringá

Duque de Caxias 3 / 7 Aponds 30, 31, 34, 37, 43, 44, 45, 46 e 47 20,15 0,645 0,114

Vila da Cava, Corumbá, Figueiras, Rancho


Nova Iguaçu 4 / 10 Fundo, Iguaçu Velho, Geneciano, Grama, Pq. 18,03 0,636 0,098
Ambaí e URG XII
Prados Verdes, Jd. Guandu, Paraíso, Km 32,
Nova Iguaçu 2 / 10 17,49 0,648 0,098
Campo Alegre, Lagoinha, Marapicu e Ipiranga
Proporções mais Baixas:

Rio de Janeiro 39 / 56 Cachambi, Méier e Todos os Santos 1,96 0,744 0,013

Rio de Janeiro 35 / 56 Copacabana e Leme 1,80 0,903 0,016

Gávea, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa e


Rio de Janeiro 41 / 56 1,53 0,822 0,012
Leblon
Laranjeiras, Botafogo-Sorocaba/Humaitá e
Rio de Janeiro 20 / 56 1,40 0,872 0,012
Botafogo-Sorocaba/Metrô

Rio de Janeiro 53 / 56 Barra da Tijuca 1,31 0,937 0,012

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).

A Tabela 11 ilustra bem as potencialidades da espacialização pelas UPHs com base nos resultados
para o município de Nova Iguaçu. Embora esse município tenha indicadores médios de pobreza
extrema elevados (a proporção de pobres é 13,2%) quando cotejados aos do Estado (proporção de
6,8%), a diversidade intramunicipal é acentuada, com sua área central apresentando proporções de
pobres equivalentes e até inferiores às estaduais. Essa heterogeneidade interna não é, no entanto,
peculiaridade dos municípios mais pobres. O próprio município do Rio de Janeiro, onde a
proporção de pobres se situa globalmente abaixo da média estadual, apresenta a maior
heterogeneidade interna dentre os municípios do Estado, com muitas UPHs com indicadores tão
adversos quanto os que se verificam em UPHs de municípios globalmente muito mais pobres
(Tabela 12).

18
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 11
Indicadores de Pobreza Extrema Município de Nova Iguaçu e Suas UPHs
Proporção Razão do Hiato
Descrição
(%) Hiato Quadrático
Município de Nova Iguaçu 13,16 0,660 0,076
-
UPHs:
Vila da Cava, Corumbá, Figueiras, Rancho Fundo,
Nova Iguaçu 4 / 10 Iguaçu Velho, Geneciano, Grama, Pq. Ambaí e 18,03 0,636 0,098
URG XII
Prados Verdes, Jd. Guandu, Paraíso, Km 32,
Nova Iguaçu 2 / 10 17,49 0,648 0,098
Campo Alegre, Lagoinha, Marapicu e Ipiranga
Sta Rita, Cacuia, Rodilândia, Inconfidência,
Nova Iguaçu 3 / 10 Riachão, Carlos Sampaio, Tinguazinho, V. 16,61 0,680 0,099
Guimarães, Austin-Setores 58/59 e Dutra-Austin
Jd. Nova Era, Jd. Palmares, Danon, Rosa Ventos,
Nova Iguaçu 1 / 10 Jd. Pernambuco, S53e4sub18, Da Palhaçada, 15,46 0,654 0,089
Valverde e Cabuçu
V. Emil, Edson Passos, Cosmorama, Santa
Nova Iguaçu 10 / 10 12,72 0,647 0,073
Terezinha e Chatuba
Ponto Chic, Ambaí, Nova América, Camary, Três
Nova Iguaçu 6 / 10 Corações, Pq. Flora, Botafogo, Miguel Couto e 12,25 0,663 0,072
Boa Esperança
Banco de Areia, Sto Elias, Rocha Sobrinho,
Nova Iguaçu 8 / 10 11,64 0,688 0,073
Jacutinga e Mesquita
Da Cerâmica, Ouro Verde, Jd. Alvorada,
Nova Iguaçu 5 / 10 Comendador Soares, Dutra-Comendador Soares e 10,66 0,614 0,056
Dutra-Posse
Dutra-Centro-Norte, Da Viga, Rancho Novo, V.
Nova Iguaçu 9 / 10 Operária, Eng. Pequeno, Da Prata, Jd. Tropical, 10,13 0,667 0,060
da Posse e Kennedy
Dutra-Centro-Sul-Centro, Dutra Centro-sul-Jardim
Iguaçu, Centro, Da Luz, Califórnia, V Nova,
Nova Iguaçu 7 / 10 6,98 0,718 0,046
Juscelino, Caonze, Sta Eugênia, Chacrinha e
Moqueta
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).

Os níveis de vida da pobreza extrema: o caso do Nordeste

Um índice do nível de vida, construído principalmente com base em indicadores não-monetários de


padrões de bem-estar, pode ser complemento indispensável, além de tornar-se alternativa útil, às
pesquisas que intentam delimitar e caracterizar – apenas, ou principalmente, sob o enfoque da renda
– as situações de pobreza em geral, e de pobreza extrema em particular. Complemento
indispensável na medida em que esses índices, medindo as carências socioeconômicas básicas
associadas às variadas condições de pobreza, bem como sua intensidade relativa, apontam
insuficiências que podem ser remediadas através de políticas sociais específicas e melhor
focalizadas. E alternativa útil como um outro critério, não necessariamente excludente ao da renda,
de delimitação das várias condições do ser pobre.17

17
A pesquisa sobre os índices sintéticos de desenvolvimento, iniciada nos anos 1960 pelo Instituto das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Social (United Nations Institute for Social Development, Unrisd), com sede em Genebra (cf. Drewnowski &
Scott), ganharam destaque, nos anos 1990, com a divulgação, pelo Pnud, do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, que
instituiu o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), integrado por indicadores de renda, de educação e de saúde (Cf. UNDP) e
muito semelhante, metodologicamente, ao índice proposto por Morris e Liser (1977). No Brasil, o Ipea, em colaboração com o
Fórum Nacional, vem se dedicando ao assunto desde fins da década de 1980. O livro A questão Social no Brasil (São Paulo, Nobel,
1991, organizado por João Paulo dos Reis Velloso), publicou um dos estudos resultantes dessa cooperação (cf. Albuquerque &
Villela), estudo esse que contém, além do IDH para o Brasil, regiões e estados, um Índice do Nível de Vida, INV, para 1970, 1980 e
1998 e um Índice de Desenvolvimento Relativo, IDR, para esses mesmos anos.

19
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 12
Indicadores de Pobreza Extrema Município do Rio de Janeiro e UPHs Selecionadas
Razão do Hiato
Descrição Proporção (%)
Hiato Quadrático
Município do Rio de Janeiro- 7,17 0,689 0,044
Proporções mais Elevadas
Sta. Cruz (Urucaina-Cesáro Melo, dir., Ces.
Rio de Janeiro 23 / 56 15,28 0,700 0,095
Melo, esq. Guandu e meio-ac-primeira)
Rio de Janeiro 1 / 56 Paciência, Santa Cruz, Acurucania e Guandu 14,18 0,679 0,085
Guaratiba, Barra da Guaratiba e Pedra de
Rio de Janeiro 54 / 56 13,65 0,634 0,075
Guaratiba
Rio de Janeiro 46 / 56 Sepetiba e Sta. Cruz esq., FelipeCardoso 12,72 0,646 0,072
Rio de Janeiro 50 / 56 Cpo. Grande 1 e Cpo. Grande 5 12,56 0,665 0,073
Proporções mais Baixas:
Rio de Janeiro 39 / 56 Cachambi, Méier e Todos os Santos 1,96 0,744 0,013
Rio de Janeiro 35 / 56 Copacabana e Leme 1,80 0,903 0,016
Gávea, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa e
Rio de Janeiro 41 / 56 1,53 0,822 0,012
Leblon
Laranjeiras, Botafogo-Sorocaba/Humaitá e
Rio de Janeiro 20 / 56 1,40 0,872 0,012
Botafogo-Sorocaba/Metrô
Rio de Janeiro 53 / 56 Barra da Tijuca 1,31 0,937 0,012

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 (Tabulações Especiais).

Estudo em andamento, envolvendo a Fundação Getúlio Vargas e o Inae-Fórum Nacional,18 está


construindo, por municípios, a partir do Censo Demográfico de 2000, um novo Índice do Nível de
Vida para o Brasil, constituído exclusivamente de componentes não-monetários. Os dados
preliminares dessa pesquisa são apresentados a seguir, apenas para as pessoas em pobreza extrema
(identificadas, conforme visto anteriormente, segundo a abordagem de renda), tomando-se como
exemplo o Nordeste, região que detém 53% dos muitos pobres do país (Tabela 1).

O Índice do Nível de Vida, INV

Esse novo INV é integrado por três componentes, cada um deles medindo o grau relativo de
atendimento de um conjunto necessidade básicas.

O primeiro deles, o componente educação, é obtido a partir dos indicadores percentual de pessoas
alfabetizadas (I1), percentual de pessoas com quatro anos, ou mais, de escolaridade (I2) e percentual
de pessoas com oito anos, ou mais, de escolaridade (I3).19 O segundo componente, habitação, é
obtido a partir dos indicadores percentual de pessoas em domicílios com abastecimento d’água (I4),
percentual de pessoas em domicílios com energia elétrica (I5), e percentual de pessoas em
domicílios com geladeira (I6). E o terceiro, informação e lazer, é formado pelo indicador percentual
de pessoas em domicílios com televisão (I7).

O cálculo do INV dá-se em três etapas: Na primeira estima-se, para cada indicador, Ii, com relação
a cada unidade espacial (município, estado, região, país, em todos os casos apenas para as pessoas
em pobreza extrema), j, uma medida do grau de atendimento, MIij, definida como:

18
Coordenado por Sonia Rocha (pelo Ibre-FGV) e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (pelo Inae-Fórum Nacional).
19
Esses percentuais são calculados sobre a população de 15 anos e mais.

20
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

max I ij − I ij
j
MI ij = 1 − .
max I ij − min I ij
j j

Na segunda etapa, constrói-se para cada componente, ci, com relação a cada situação social, j, uma
medida de atendimento, Cij, que é a média simples das medidas de atendimento de cada indicador:

n
1
Cij =
n
∑ MI
j =1
ij .

Na terceira etapa, obtém-se o INV, que é expresso por valores situados, necessariamente, entre zero
e um, apresentados com três casas decimais. Quanto mais se aproxima de um, melhor o grau de
atendimento relativo do indicador, componente ou do INV, que é medida sintética do grau de
atendimento dos três componentes:

n
1
INVij =
n
∑C
i =1
ij .

Os níveis de vida: resultados

Os dados obtidos, por municípios do Nordeste, para os INVs e seus componentes, bem como para
as rendas médias mensais das pessoas em pobreza extrema, constam do Apêndice (Tabela III). E o
20
Mapa 5 os situa, por faixas de municípios, no Nordeste.

A Tabela 13 apresenta os INVs para as pessoas em situação de pobreza extrema obtidos para o
Brasil e o Nordeste e seus estados, juntamente com alguns indicadores de pobreza extrema
enquanto insuficiência de renda, já apresentados e discutidos anteriormente. As participações
percentuais do Nordeste e seus estados no número total das pessoas em pobreza extrema (Tabela 13,
coluna 2) são sempre maiores do que as participações correspondentes na população (coluna 1).
Portanto, os desvios relativos entre esses dois valores são sempre negativos (coluna 3). Em três
estados, Maranhão, Alagoas e Piauí, os valores constantes da coluna 1 equivalem a mais do dobro
daqueles da coluna 2, ou seja, nesses estados a proporção de pobres (coluna 4) é mais de duas vezes
superior à do Brasil (coluna 5). E quatro estados (Maranhão, Alagoas, Piauí e Ceará) têm
proporções de pobreza extrema mais elevadas do que a do Nordeste.

20
Cabe ressaltar que os INVs, índices quantitativos, nada nos dizem sobre a qualidade dos serviços e bens que os integram. Por
exemplo, sobre a qualidade da educação, da oferta domiciliar de energia (quantos pontos, ou “bicos”, de luz disponíveis por
habitação), os padrões técnicos das geladeiras ou aparelhos de televisão encontrados nos domicílios.

21
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

22
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 13
Pobreza Extrema: Indicadores Selecionados Nordeste, por Estados, e Brasil
No. De Índice do Nível de
População Proporção
Pobres a Vida, INV
Discriminação Desvio
% do
Brasil=100 Brasil=100 % Brasil=100 Índice
Brasil
Maranhão 3,34 7,80 -1,339 30,10 233,88 0,396 68,77
Piauí 1,67 3,47 -1,075 26,71 207,52 0,377 65,47
Ceará 4,37 8,47 -0,937 24,92 193,66 0,518 89,95
Rio G. do Norte 1,64 2,47 -0,511 19,45 151,11 0,600 104,19
Paraíba 2,03 3,35 -0,650 21,23 164,99 0,558 96,90
Pernambuco 4,67 8,34 -0,784 22,95 178,36 0,624 108,36
Alagoas 1,67 3,55 -1,129 27,40 212,91 0,487 84,57
Sergipe 1,05 1,67 -0,587 20,43 158,73 0,566 98,29
Bahia 7,71 13,69 -0,776 22,86 177,59 0,507 88,04
Região Nordeste 28,16 52,82 -0,876 24,14 187,60 0,511 88,74
Brasil 100,00 100,00 0 12,87 100,00 0,576 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000 (Tabulações Especiais).
(a) Desvio relativo entre a participação na população e no número de pobres.

As colunas 6 e 7 dessa mesma Tabela 13 apresentam os dados obtidos para os INVs. Dois deles
superam o INV das pessoas em pobreza extrema do país como um todo (0,576): o INV relativo a
Pernambuco (0,624) e o relativo ao Rio Grande do Norte (0,600).21 E os INVs mais baixos (e
inferiores ao do Nordeste, 0,511) são os do Piauí (0,377, o menor deles), Maranhão (0,396),
Alagoas (0,487) e Bahia (0,507).

A correlação relevante entre os indicadores dessa tabela dá-se entre a proporção de pobres e o
INV.22 Mesmo nesse nível elevado de agregação, é grande a variância dos INVs, refletindo níveis
de vida médios das pessoas em pobreza extrema bastante diferenciados entre os estados.

Os INVs por classes de tamanho dos municípios do Nordeste constam da Tabela 14. Note-se
(colunas 1 a 4) que é nos municípios de até 50 mil habitantes (em número de 1.643, 92% dos
municípios nordestinos) que as participações do número de pessoas em pobreza extrema no total
regional superam as participações na população, os desvios relativos entre essas percentagens
sendo, portanto, negativos e as proporções de pessoas em pobreza extrema, superiores à media do
Nordeste (24,1%, coluna 5). São esses mesmos municípios que apresentam os menores INVs
(situados entre 0,390 e 0,432, com coeficiente de variação, V, de 7,5%), resultantes dos valores
menores para os componentes educação (entre 0,344 e 0,350, com V de apenas 1,4%), habitação
(entre 0,372 e 0,419, V de 9,1%) e informação e lazer (entre 0,447 e 0,531, V de 12,3%). Nessas
quatro classes de tamanho é o componente educação que apresenta os valores mais baixos, o
componente informação e lazer (integrado apenas por um indicador, a disponibilidade domiciliar de
televisão), exibindo os valores mais elevados. Vale ainda referir que esses 1.643 municípios detêm
65% do número de pessoas em pobreza extrema do Nordeste (7,5 milhões de pessoas). Os 395
municípios (22% dos municípios nordestinos) que integram a classe de 20 a 50 mil habitantes
abrigam 31% da pobreza extrema regional (3,5 milhões de pessoas).

21
Tabela 12, última coluna.
22
Coeficiente de correlação, R, de 0,825. O co-relacionamento entre os vários indicadores e índices será examinado com maior
detalhe adiante. Note-se, porém, que o coeficiente de correlação, R, obtido, para os estados do Nordeste, entre o INV e a renda média
das pessoas em pobreza extrema é muito baixo: 0,067.

23
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Tabela 14
Indicadores de Pobreza Extrema Selecionados, por Classes de Municípios: Nordeste
Número de Número de
População Proporção Índice do Nível de Vida, INV, e Componentes
Classes de Municípios Pobres a
Desvio de Pobres
Municípios Informação
((% do NE) (%) do NE (%) do NE (%) INV Total Educação Habitação
e Lazer
Até 5.000
14,67 1,98 2,68 -0,357 32,76 0,390 0,350 0,372 0,447
Habitantes
De 5.000 a
10.000 22,40 6,11 8,37 -0,370 33,07 0,414 0,344 0,402 0,498
Habitantes
De 10.000 a
20.000 32,81 17,69 23,62 -0,335 32,24 0,408 0,345 0,383 0,495
Habitantes
De 20.000 a
50.000 22,12 24,58 30,87 -0,256 30,32 0,432 0,348 0,419 0,531
Habitantes
De 50.000 a
100.000 5,43 13,43 12,53 0,067 22,53 0,527 0,429 0,525 0,627
Habitantes
De 100.000 a
500.000 2,07 14,83 9,98 0,327 16,26 0,681 0,573 0,701 0,770
Habitantes
Mais de 500.000
0,50 21,39 11,94 0,442 13,48 0,838 0,780 0,870 0,865
Habitantes
Nordeste 100,00 100,00 100,00 0,000 24,14 0,511 0,435 0,503 0,593

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000.


(a) Desvio relativo entre a participação na população e no número de pobres.

Em contrapartida, os 143 maiores municípios, integrantes das três classes de tamanho acima de 50
mil habitantes, detendo quase metade da população do Nordeste (49,6%, 23,6 milhões), detêm
34,5% da pobreza extrema regional (4 milhões de pessoas, aproximadamente). Nessas classes, as
participações na população são maiores do que as participações respectivas no número de pessoas
em pobreza extrema, os desvios relativos sendo crescentemente positivos e as proporções de pobres,
23
decrescentes. Os INVs são crescentemente mais elevados (indo de 0,527 a 0,838 ), apresentando
muito maior variância (V de 53%). O componente educação, quando confrontado com os demais
componentes, continua tendo valores mais baixos (entre 0,429 e 0,780), mas cresce mais
rapidamente com o tamanho das classes de municípios e seu V é o mais alto: 69% (os componentes
habitação e informação e lazer têm, respectivamente, Vs de 58% e 37%).

As principais constatações dessa breve análise apontam, por um lado, para um melhor nível de vida
das pessoas em pobreza extrema dos municípios de maior porte populacional, mais urbanos e onde
são geralmente menores as proporções de pobres. Sugerindo que uma minoria, embora expressiva,
de pessoas em pobreza extrema consegue tirar partido das múltiplas relações de complementaridade
que se abrem em seu relacionamento com contingente populacional maior, de menos pobres e de
não-pobres, para obter mais bem-estar.24 Pois a renda média das pessoas em pobreza extrema desses
maiores municípios, de R$ 11,7 mensais (a preços de 2000), explica pouco essa melhoria. Ela
supera em apenas 17% a dos menores municípios (R$ 10 mensais), além de estar fracamente
correlacionada ao INV. Indicam, por outro lado, que, embora o componente educação tenda em
geral a deprimir o INV, ele explica pouco suas variações no caso dos menores municípios, mas é o

23
Observe-se que esse INV médio, correspondente à classe de mais de 500 mil habitantes (integrada por 9 municípios,
metropolitanos ou capitais de estado) é superior ao do Brasil, calculado para o total da população (pobres e não-pobres), que é 0,796.
O mesmo fenômeno ocorre para os componentes educação e habitação.
24
Cf., a esse propósito, Albuquerque.

24
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

componente mais determinante dos diferencias entre os INVs dos municípios mais populosos
(Tabela 14).

A Tabela 15 apresenta matriz de correlações entre 13 indicadores de pobreza extrema obtidos para
os 1.786 municípios do Nordeste: indicadores demográficos (população total e número de pobres),
de renda (proporção de pobres, razão do hiato de renda, hiato quadrático e renda média) e
indicadores de nível de vida (INV, componentes educação, habitação e informação e lazer e
subcomponentes alfabetização, quatro anos ou mais de estudo e oito anos ou mais de estudo).

Tabela 15
Indicadores de Pobreza Extrema por Municípios,
2000 – Nordeste: Matriz de Correlações
Demográficos De Renda Índice do Nível de Vida, INV
Educação
Número
Proporção Razão do Hiato Renda 4 Anos 8 Anos Habitação, Informação e
População de INV Total MÉDIAS
de Pobres Hiato Quadrático Média Total Alfabetização de de Lazer
Pobres
Estudo Estudo
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
1 0,965 -0,186 0,034 -0,115 0,060 0,248 0,268 0,183 0,243 0,330 0,238 0,164 0,253
2 0,965 -0,089 0,060 -0,035 0,047 0,193 0,223 0,147 0,199 0,288 0,182 0,120 0,212
3 -0,186 -0,089 0,330 0,835 -0,374 -0,578 -0,401 -0,312 -0,405 -0,393 -0,562 -0,514 0,415
4 0,034 0,060 0,330 0,751 -0,959 0,067 0,095 0,060 0,102 0,106 0,040 0,050 0,221
5 -0,115 -0,035 0,835 0,751 -0,754 -0,338 -0,214 -0,164 -0,215 -0,214 -0,344 -0,302 0,357
6 0,060 0,047 -0,374 -0,959 -0,754 0,067 0,018 0,017 0,014 0,018 0,092 0,053 0,206
7 0,248 0,193 -0,578 0,067 -0,338 0,067 0,687 0,470 0,732 0,718 0,939 0,922 0,497
8 0,268 0,223 -0,401 0,095 -0,214 0,018 0,687 0,903 0,957 0,870 0,511 0,414 0,463
9 0,183 0,147 -0,312 0,060 -0,164 0,017 0,470 0,903 0,792 0,612 0,282 0,204 0,346
10 0,243 0,199 -0,405 0,102 -0,215 0,014 0,732 0,957 0,792 0,832 0,572 0,486 0,463
11 0,330 0,288 -0,393 0,106 -0,214 0,018 0,718 0,870 0,612 0,832 0,596 0,491 0,456
12 0,238 0,182 -0,562 0,040 -0,344 0,092 0,939 0,511 0,282 0,572 0,596 0,850 0,434
13 0,164 0,120 -0,514 0,050 -0,302 0,053 0,922 0,414 0,204 0,486 0,491 0,850 0,381
14 0,253 0,212 0,415 0,221 0,357 0,206 0,497 0,463 0,346 0,463 0,456 0,434 0,381 0,362
Fonte: IBGE, Centro Demográfico, 2000.

O coeficiente de correlação, R, entre os dois indicadores demográficos, de 0,965, é elevado e


positivo em virtude da mútua implicação, já referida, entre eles. Dentre os indicadores de renda,
aquele que se relaciona melhor com os demais é o hiato quadrático, com R médio de 0,780,
correlacionando-se positivamente com a proporção de muitos pobres e a razão do hiato de renda e
negativamente com a renda média. Dentre os indicadores de nível de vida, é o INV que se inter-
relaciona melhor, e positivamente, com todos os seus componentes e com os subcomponentes
relativos à educação (R médio de 0,745).

O que mais releva, porém, examinar são as correlações entre indicadores de conjuntos diversos. O
indicador de população, que exprime o tamanho demográfico dos municípios, apresenta em geral
correlações baixas, mais significativas com o indicador oito anos ou mais de estudo (R de 0,330) e,
decorrentemente, com o componente educação (R de 0,268) e o INV (R de 0,248). O que
possivelmente reflete o fato de ser maior a oferta de educação pública de nível médio, acessível à
pobreza extrema, nos maiores municípios.25 Dentre os indicadores de renda, o indicador proporção
de pobres relaciona-se significativamente com o INV (R de -0,578, o sinal negativo refletindo o fato de
que quanto menor for a proporção de pobres, maior tende a ser o INV). bem como com seus
diversos componentes.

Note-se, finalmente, que é insignificante a correlação entre a renda média e o INV: R de 0,067,
apenas. Muito embora não se deva ver relações unívocas de causa e efeito na maior ou menor

25
O mesmo ocorre, compreensivelmente, com o indicador número de muitos pobres (em decorrência de sua alta correlação com o
tamanho da população do município).

25
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

correlação entre variáveis econômico-sociais, cabe notar que a renda das pessoas em pobreza
extrema é, por definição, insuficiente ao atendimento de suas necessidades alimentares básicas.
Sendo, portanto, outros os fatores que estariam favorecendo a melhoria do nível de vida das pessoas
em pobreza extrema. Elas estariam sendo capazes de adotar estratégias de sobrevivência e melhoria
do bem-estar propiciadores de serviços e bens que suas rendas não justificariam. Essas estratégias
seriam mais viáveis nas maiores cidades e onde a pobreza extrema é minoritária. Forçando as
portas, apenas entreabertas, da rede pública de educação em busca da escola. Contemplando
expedientes pouco ortodoxos (para não dizer clandestinos) no provimento domiciliar de energia
elétrica e abastecimento d’água. Envolvendo a aquisição de uma geladeira ou televisão usadas em
troca de determinada prestação de serviços sem contrapartida monetária ou resultante de um ganho
inesperado.

Vulnerabilidade à fome
26
Em Geografia da fome , livro pioneiro e de repercussão mundial, o médico e cientista social
pernambucano Josué de Castro (1908-1973) identificou no Brasil dos anos 1940 três grandes áreas
de fome, compreendidas como "aquelas em que pelo menos a metade da população apresenta
27
nítidas manifestações carenciais no seu estado de nutrição". As duas primeiras, a Área da
Amazônia e a Área da Mata do Nordeste (o Nordeste açucareiro) foram consideradas áreas de
"fome endêmica", ou crônica; a última, a Área do Sertão do Nordeste, área "de epidemia de fome".
28
Ou de fome aguda intermitente . Na Amazônia, onde o alimento básico era a farinha de mandioca
(complementada por feijão, peixe e rapadura), o déficit calórico oscilava entre 40% e 20%, estando
29
associado a deficiências em proteínas, sais minerais e vitaminas. Sendo elevada a mortalidade
geral, altíssima a mortalidade infantil, comuns a anemia e as avitaminoses, endêmicos o
impaludismo e as verminoses.30 No Nordeste açucareiro, a alimentação consistia habitualmente em
feijão com farinha, charque, café e açúcar, complementados por pouco leite e pouquíssimas frutas e
31
verduras O déficit calórico era da ordem de 40%, sendo elevadas as deficiências protéicas,
prejudicando o crescimento; elevadas as carências minerais, especialmente de ferro,
desencadeadoras de anemia; elevadas as avitaminoses, embora sem repercussões nosológicas
generalizadas. E sendo muito baixa a expectativa de vida da população, alta a mortalidade por
tuberculose, alarmante a mortalidade infantil (entre 350 e 450 mortes, até um ano de idade, por mil
nascidos vivos). No Sertão do Nordeste, onde as epidemias de fome estavam associadas ao
fenômeno das secas, a base da alimentação era o milho, complementado pelo feijão, a farinha de
mandioca, o leite, a carne, a batata doce, o inhame, a rapadura e o café. Tratava-se, portanto, de
alimentação vista como caloricamente suficiente e sem falhas qualitativas graves. As secas, porém,
desorganizavam completamente a economia regional, instalando a fome, que flagelava
completamente os sertanejos mais pobres. Sem água, sem alimentos, só lhe restava a retirada: as
"levas de retirantes (...), figuras grotescas de famintos (...), suas pernas de graveto carregando
enormes ventres estufados pela hidropisia, dando ironicamente a impressão de plenitude e
saciedade".32 O quadro nosológico decorrente (os edemas de fome e outros distúrbios tróficos, as

26
Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1946. Cita-se aqui a 15a. edição brasileira (cf. Castro).
27
Op. cit., p.35-8.
28
Loc. cit. As duas outras áreas que, segundo Castro, completavam o "mosaico alimentar brasileiro", as Áreas do Centro-Oeste e do
Extremo Sul, não apresentavam "deficiências alimentares tão pronunciadas, a ponto de arrastarem a maioria da coletividade aos
estados de fome". Note-se que, para esse autor, não é a intensidade excepcional das carências alimentares que "assinala e marca a
área, mas a extensão numérica em que o fenômeno incide na população".
29
Op.cit., p.53-91.
30
Loc. cit. Em Manaus, a mortalidade infantil (até um ano) era de 239 por mil nascidos vivos.
31
Op. cit., p.118-54.
32
Op. cit., p.212. A análise do Sertão do Nordeste encontra-se nas p. 156-246.

26
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

síndromes diarréicas, as oftalmias, levando à cegueira, a pelagra, as imunodepressões abrindo a


porta a doenças infecciosas) se fazia mais agudamente presente entre as crianças retirantes.

Decorrido mais de meio século, embora as situações alimentares das três áreas de fome
identificadas por Josué de Castro permaneçam as mais problemáticas do país, é fora de dúvida que
houve nelas importantes avanços. Com efeito, déficits calóricos do porte dos por relatados por
Castro não são mais encontrados, os valores médios para essas regiões situando-se em torno de
2.200 calorias. O déficit específico de proteínas tampouco perdura hoje – seja porque as
recomendações nutricionais atuais são menos exigentes, seja pela evidente melhoria nos padrões de
consumo de proteínas animais e vegetais –, os casos clínicos associados a essa deficiência tendo
virtualmente desaparecido. E as insuficientes provisões de minerais, salvo a de ferro, e de vitaminas
(com a possível exceção da vitamina A) afiguram-se quase inteiramente superadas.33 Podendo-se
afirmar que a anemia, particularmente em crianças, gestantes e nutrizes, é hodiernamente o
problema nutricional brasileiro de maior magnitude.34

Eis que, ao longo desses anos todos, em particular a partir dos anos 1970, as cestas de consumo
alimentar básico passaram por transformações importantes e, no que aqui mais releva, se foi
superando a mesmice alimentar nas maiores concentrações de pobreza urbana do Nordeste e, em
geral, do meio rural. Foi grande, inclusive nessas áreas, o aumento do consumo de gorduras, de
carne (de frango, principalmente), leite, frutas e verduras, derivados do trigo. A ponto de verificar-
se expressivo declínio no nanismo nutricional e, paradoxalmente, aumento de vulto na prevalência
de sobrepeso e obesidade em todas as regiões e camadas da população. E houve,
concomitantemente, grande elevação na expectativa de vida ao nascer (que evoluiu, no Nordeste,
onde ela sempre foi mais baixa, de 40 anos em 1960 para 65 anos em 2000), na mortalidade infantil
(hoje da ordem de 30/mil nascidos vivos no Brasil e de 50/mil no Nordeste) e, não menos
importante, uma grande redução na proporção de pobres do país: de 68% da população em 1970
para 21% em 1999; e de 87% para 29% no mesmo período, no caso do Nordeste.35

Pobreza extrema e fome

Mesmo que a pobreza extrema seja conceituada neste estudo como insuficiência de renda para
atender às necessidades alimentares básicas, não se pode presumir que os 21,7 milhões de pessoas
em situação de pobreza extrema do Brasil padeçam de fome, subalimentação ou desnutrição –
tampouco que tenham carências severas, de proteínas, minerais, vitaminas. Somente inquérito
domiciliar amplo de consumo alimentar, apoiado em avaliações antropométricas, clínicas e análises
laboratoriais (níveis sanguíneos de nutrientes ou seus metabólicos, por exemplo) autorizaria essa
36
assertiva.

Poder-se-ia, contudo, dizer que o expressivo contingente de brasileiros de renda tão baixa
identificado neste estudo – as pessoas em situação de pobreza extrema – estaria sob risco de fome:
no sentido de ser mais vulnerável a condições de subnutrição; ou de ter mais probabilidade de viver
em estado de insegurança alimentar.37

33
Cf. Batista Filho & Vidal Batista.
34
Idem.
35
Cf. Rocha, 2003, p. 83 e 215 (utilizando-se linhas de pobreza calculadas com fundamento em cestas básicas baseadas no Endef).
36
Cf. Batista Filho & Vidal Batista, p.42. Note-se, porém, que, em evidente superestimativa, a FAO calcula em 16,7 milhões o
número de subnutridos no Brasil, ou seja, cerca de 10% da população (1998-2000). Contudo, essa cifra situa o país a considerável
distância da África Central (45 milhões, 57% da população) ou da África Sub-Saariana (195 milhões, 33%). Cf. FAO.
37
O caso do Nordeste semi-árido quando da ocorrência de secas prolongadas gerando situações – igualmente diferenciadas, espacial
e socialmente – de fome aguda é grave, mas peculiar e intermitente.

27
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Sendo, pois, nessas condições – de vulnerabilidade nutricional e de insegurança alimentar – que a


pobreza extrema pode ser considerada, cabe a pergunta: quantos são, realmente, as pessoas em
situação de pobreza extrema no país?
38
Há pouco ou nenhum consenso a esse respeito. O documento básico do Programa Fome Zero
estima a “pobreza extrema” ou indigência do país (o “público beneficiário” do então chamado
Projeto Fome Zero39) em 44 milhões (1999), correspondentes a 27,8% da população total do país.40
Para esse mesmo ano, a proporção de pobreza extrema foi estimada, em outros estudos, em 8,7%,
18,1% e 29%.41

Público-alvo

Pouco interessa aos propósitos deste estudo examinar as razões dessas discrepâncias, bastando
referir que elas se devem essencialmente às estimativas das linhas de pobreza adotadas em cada
pesquisa. O que releva aqui é postular uma ação antipobreza eficaz e direcionada aos mais pobres
dentre os pobres. E são muitas as razões que estão a favor dessa opção radical: razões de eqüidade
(que impõem focalização nos mais pobres), mas também financeiras e operacionais.

Note-se, a propósito das questões financeira e operacional, que para atender, com suplementação
mensal de renda familiar de R$ 50,00 destinada a suprir carências alimentares, um público-alvo de
44 milhões, equivalentes a 9.324 mil famílias, seriam necessários R$ 466,2 milhões por mês, ou R$
42
5,6 bilhões anuais. Sem considerar os custos administrativos necessários a essa complexa
operação, focalizada em uma subpopulação disseminada por todo o território nacional.

Observe-se ainda a esse propósito, por ser altamente relevante, que o Programa Fome Zero não se
restringe a essa suplementação de renda. Ele é, corretamente, uma proposta de intervenção
abrangente: integrando políticas estruturais (geração de emprego e renda, previdência social
universal, incentivo à agricultura familiar, intensificação da reforma agrária, bolsa-escola e renda
mínima); políticas específicas (programa cupom de alimentação, cestas básicas emergenciais,
manutenção de estoques de segurança, ampliação do Programa de Alimentação do Trabalhador –
PAT, combate à desnutrição infantil e materna, educação para o consumo e educação alimentar); e
políticas diferenciadas para as áreas rurais, as pequenas e médias cidades e as regiões
metropolitanas.

Impactos

Não se subestime, contudo, o impacto do chamado Cartão-Alimentação de R$ 50,00 mensais – que,


na forma como está sendo concedido, poderia, mais propriamente, ser visto como uma
suplementação da renda familiar dos mais pobres com efeitos ainda por serem constatados sobre
alimentação. Exercício feito com base nos dados da Pnad de 2001 – utilizando-se a mesma
metodologia adotada neste estudo para delimitar os mais pobres – concluiu que os 15,7 milhões de
pessoas em pobreza extrema daquele ano se reduziriam para 10,3 milhões, caso todas as suas

38
Ver Instituto Cidadania.
39
Doc. cit., p. 71.
40
Doc. cit., Tabela 12, p. 76.
41
Doc. cit., Tabela 11, p.74. Neste estudo, recorde-se, a pobreza extrema no Brasil foi estimada, para 2000 e com base no Censo
Demográfico, em 21,7 milhões (12,9% da população total).
42
O projeto do Plano Plurianual de Investimentos, PPA, em elaboração pelo Governo Federal, tem como meta a inclusão, até 2006,
de 11,4 milhões de famílias (com renda per capita de menos de R$ 100 mensais) nos programas de suplementação de renda (Jornal
do Brasil, 03.09.2003, A4).

28
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

famílias tivessem esse benefício. Ou seja, o número de pessoas em pobreza extrema se reduziria
34% e a proporção de pobreza extrema despencaria de 9,5% para 6,3%.

Entretanto, o que se está sugerindo aqui é uma maior focalização, ou seja, atendimento prioritário
aos mais pobres dentre os pobres: aqueles com rendas mais baixas e níveis de vida mais precários.

De outra parte, uma significativa redução do número de pobres, atraente que possa ser, não deve, no
médio prazo, ser meta obsessiva a perseguir. Para os mais pobres dentre os pobres, aportes de renda
de R$ 50,00, ou até mais, nem sempre vão resgatá-los da pobreza, em seu sentido estatístico: isto é,
serão insuficientes para elevar suas rendas de modo a alcançar, ou transpor, uma certa (ia-se se
dizendo incerta) linha de pobreza. Porém, a verdade é que, quanto menores forem as rendas das
pessoas beneficiadas, maiores os impactos esperados dessas transferências de renda: sobre a
condição alimentar muitas vezes; sobre o bem-estar das famílias beneficiadas quase sempre. Mais
uma razão, e forte, para reduzir, segundo critérios de renda e nível de vida mais baixos, o público-
alvo das intervenções públicas de redução da pobreza.

Caminhos críticos

Cabe ainda considerar, mesmo após corte que priorize a pobreza em sua realidade mais crítica, a
escolha da trajetória de implementação das políticas sociais a ela direcionadas. Essa é também uma
decisão estratégica crucial e depende dos objetivos políticos que se pretenda alcançar.
No nível municipal (o Brasil tinha 5.507 municípios em 2000), a escolha da trajetória, ou seja, a
definição da estratégia de implementação de um programa nacional antipobreza, não é tarefa trivial.
Ela é mais simples quando se elege apenas um objetivo – por exemplo, a proporção de pobreza
extrema, privilegiando o atendimento dos municípios com maior proporção de pessoas em pobreza
extrema. Dessa escolha, porém, pode resultar estratégia que retarde, no tempo, o alcance de um
número aceitável de pessoas beneficiadas, ou o atendimento a grandes contingentes municipais ou
metropolitanos de pobres – e esses podem ser, também, objetivos politicamente relevantes.
Sabe-se, por exemplo, que os menores municípios do país tendem a ser os mais carentes. Mas, caso
se viesse a adotar trajetória que lhes conferisse prioridade, já se verificou, a partir da Tabela 2, que,
atendidos quase 50% dos municípios do país (os municípios de até 10 mil habitantes), se estaria
43
assistindo a apenas 11% da pobreza extrema nacional (2,6 milhões de pessoas).
O Gráfico 1 retrata a base de dados, obtida neste estudo, da pobreza extrema em nível municipal no
Brasil, sobre a qual uma estratégia desejável poderia ser traçada. Nele se pode verificar que as altas
proporções de pobreza extrema (acima de 30%) são característica de municípios com pequenos
contingentes de pobres (até 41,9 mil pessoas, o caso de Codó, no Maranhão, município com mais de
100 mil habitantes). Esses 1.135 municípios, localizados na área A do Gráfico 1, correspondem a
16,8 % do número de municípios brasileiros e detêm 9,6% da população (16,22 milhões) e 28,6%
(6,22 milhões) do número de pessoas em pobreza extrema do país. Eles integrariam o primeiro
segmento da estratégia. O segundo segmento (para a área B do Gráfico) seria formado por outro
conjunto de municípios, ordenados segundo critério que maximizasse o número de pobres atendidos
por faixas decrescentes, definidas pela proporção de pobres.
Dado que a eventual dispersão espacial dos municípios contemplados por esses critérios pode
determinar a elevação de custos operacionais e financeiros, bem como do tempo necessário à

43
Isto porque, embora as proporções de pobres mais altas ocorram em municípios de pequeno porte demográfico (do Nordeste e do
Norte, principalmente), muitos pequenos municípios (do Sul e Sudeste, sobretudo) têm baixa ou nenhuma proporção de pobres. Esse
fato contribui para a baixa correlação, por municípios, entre proporção e número de pobres.

29
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

execução do programa, a identificação de agrupamentos, ou clusters, de municípios poderia ser


também considerada na definição da estratégia.
O Gráfico 2 ilustra, para o Nordeste, a construção de trajetórias construídas com fundamento em um
conjunto de cinco indicadores relevantes para a implementação de programas focalizados na
pobreza extrema: o Índice do Nível de Vida, INV das pessoas em pobreza extrema, a renda média
por municípios dessas pessoas, o número e a proporção de pobres e o número de municípios (no
Gráfico, a renda média municipal, normalizada, está representada no eixo horizontal e o INV, no
44
vertical). Dentre os 1.786 municípios do Nordeste, 624 (34,9% do total da região) situam-se no
quadrante A do Gráfico 3: eles apresentam tanto renda quanto INV abaixo da média regional,
abrigam 21,3% da população do Nordeste e 32,1% das pessoas em pobreza extrema (3,68 milhões),
com proporção de pobreza extrema de 36,4%. Estão no quadrante B (renda mais alta e INV mais
baixo) 542 municípios (30,3%), que detêm 18,1% da população e 22,8% das pessoas em pobreza
extrema (2,62 milhões), com proporção de pobres de 30,4%. No quadrante C (renda mais baixa e
INV mais alto) encontram-se 348 municípios (19,5%), que respondem por 30,7% da população,
45
22,4% das pessoas em pobreza extrema (2,57 milhões) e proporção de pobres de 17,6% . E no
quadrante D (renda e INV mais altos) situam-se 272 municípios (15,2%), que contam com 29,8%
da população, 22,7% da pobreza extrema (2,61 milhões) e proporção de pobres de 18,4%. No
estabelecimento de uma estratégia de execução de um programa antipobreza, os municípios
situados no quadrante A seriam prioritários, vez que atendem aos cinco critérios considerados:
maior número de municípios, renda média mais baixa, INV mais baixo, maior número de pobres e
maior proporção de pobres. Em seqüência ao quadrante A, o quadrante B desatende apenas ao
critério renda mais baixa e o quadrante C, aos critérios número de municípios, INV mais baixo,
maior número de pobres e maior proporção de pobreza. Admitidos pesos iguais aos cinco critérios,
B seria, pois, preferível a C. Em relação ao quadrante C, o quadrante D desatende aos critérios
maior número de municípios e renda mais baixa, porém atende aos critérios maior número de
pobres e maior proporção de pobreza. Portanto, a seqüência ABDC implica em valorizar mais os
critérios maior número de pobres e maior proporção de pobreza, tomados conjuntamente. E a
seqüência ABCD, os critérios maior número de municípios e renda mais baixa.
O Gráfico 3 ilustra bem, com o caso do estado do Rio de Janeiro, as vantagens, sobre a malha dos
municípios, da configuração espacial constituída por Unidades de População Homogênea, UPHs.
Ele plota, nos eixos vertical e horizontal, as mesmas variáveis do Gráfico 1: a proporção e o número
de pessoas em extrema pobreza. Porém, como as UPHs têm tamanho populacional relativamente
homogêneo, em particular quando comparadas aos municípios, a correlação entre a proporção e o
número de pobres tende a ser elevada46. Por essa razão, a eleição do critério maior proporção de
pobres define trajetória que serve também ao propósito de atendimento do maior número de pobres:
no estado do Rio de Janeiro, as 35 UPHs com maior proporção de pobres (cerca de ¼ do total
delas) abrigam 514,8 mil pessoas em pobreza extrema, 41% dos 1.243,5 mil fluminenses nessa
condição.

44
Observe-se, porém, que o indicador razão do hiato de renda poderia ser utilizado alternativamente ao de renda média, porquanto é
uma boa proxy dele.
45
Lembre-se que a pobreza extrema foi definida enquanto insuficiência de renda, sendo, portanto, relevante observar que esse
quadrante C, que tem INV mais alto, apresenta, também, a mais baixa proporção de pobres.
46
O coeficiente de correlação, R, entre essas duas variáveis é de 0,916 para as UPHs do estado do Rio de
Janeiro.

30
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Integração de ações

Se a escolha do caminho crítico na execução de ações públicas de redução de pobreza é decisão


crucial, não menos importante é compatibilizá-las, articulá-las, integrá-las. Assim evitando

31
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

inconsistências, superposições, desencontros, quase sempre acompanhados de pouca clareza quanto


a objetivos e públicos-alvo, além de dificuldades operacionais, custos mais elevados e menores
eficácia e efetividade.

O Programa Fome Zero bem que poderia, em virtude mesmo de sua abrangência – e do relevo que
lhe vem sendo conferido politicamente –, atuar como instância catalisadora dessa necessária
racionalização programática e executiva.

Cabe observar, de passagem, que o maior dos programas de transferência de renda do país é o
representado pelas aposentadorias rurais, financiadas com recursos da Previdência Social e
concedidas independentemente da capacidade contributiva dos beneficiários. Em 2002, os 6,9
milhões de benefícios pagos pelo INSS no meio rural envolveram dispêndios de R$ 17,1 bilhões
para receitas de apenas R$ 2,3 bilhões, ou seja, geraram transferências líquidas de R$ 14,8 bilhões
47
(equivalentes a 21% das receitas previdenciárias totais). Não fosse esse importante aporte de
recursos, seria muito mais grave o quadro de pobreza – e de pobreza extrema – no campo e nos
pequenos núcleos urbanos brasileiros, em particular do Nordeste.

No que mais releva ao Programa Fome Zero, vale referir, por serem mais focalizadas, um primeiro
grupo de ações: a Merenda Escolar e, mais recentes, programas como o Bolsa-Escola, do Ministério
da Educação; o Bolsa-Alimentação, do Ministério da Saúde – sem mencionar inúmeras outras
iniciativas federais mais específicas, setorial ou espacialmente, algumas delas também co-
48
financiadas pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza . E, num segundo grupo de ações,
considerar a atuação pública, de natureza genérica, nas áreas da saúde, educação, assistência social
e – não menos importante – de geração de ocupação e renda, com dispêndios que somaram, em
49
2001, 50,4 bilhões.

Não se postula, evidentemente, para toda essa pletora de programas um comando único. Mas cabe
buscar, conforme o caso, seja sua compatibilização, seja mais integração entre eles – em uma
palavra, um esforço mais efetivo e duradouro de coordenação toda vez que se direcionar a atuação
pública para o combate à pobreza.

Com esse propósito, o Programa Fome Zero poderia articular-se administrativamente com aquele
primeiro grupo de programas focalizados – propósito esse que, sabe-se, já vem em parte
perseguindo. Com relação ao segundo grupo – as ações genéricas de política social –, caberia
assegurar à população-alvo dos programas antipobreza os serviços de saúde, com prioridade para o
atendimento materno-infantil e a educação básica de qualidade (com ênfase no ensino fundamental
e supletivo).

O mais importante, porém, é buscar uma melhor inserção econômica dos mais pobres: através de
atividades produtivas capazes de gerar renda suficiente ao atendimento de suas necessidades
básicas. Daí a importância que assumem os programas de ocupação e geração de renda em nível
municipal, conformes a um velho e sempre repetido aforismo: se vale dar o peixe, mais vale ensinar
a pescar.50 Por meio deles, capacitam-se os pobres a tornarem-se, eles próprios, sujeitos de sua
própria história. E se vai além do mero assistencialismo, propiciando inserção econômica
viabilizadora da inclusão social e de mais amplo exercício da cidadania.

47
Ver Ministério da Previdência Social.
48
O Fcep financiou, em 2001, 21 programas, quase todos preexistentes.
49
Cf. Ipea.
50
Provérbio esse citado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no pronunciamento de lançamento do Programa
Fome Zero (30.01.2003).

32
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Isoladamente, o crescimento sustentado e a estabilidade de preços revelaram-se, no passado,


efetivos na redução da pobreza. Juntos, poderão criar ambiente ainda mais propício para esse
último, mas essencial propósito. Sobretudo quando acompanhados de programas antipobreza bem
concebidos e melhor focalizados.

Na diversidade do mosaico social brasileiro, entretanto, mesmo em anos de chumbo para o


crescimento e a estabilidade – e na ausência de políticas antipobreza focalizadas – um bom número
de municípios brasileiros conseguiu avançar muito na redução da pobreza. Caso exemplar é o de
Toritama, no Agreste semi-árido de Pernambuco. Toritama é uma pequena comuna, com 21,8 mil
habitantes e apenas 711 pessoas em pobreza extrema (3,27% da população, a menor proporção de
pobreza extrema do Nordeste). São relativamente boas as condições de vida desses pobres
(componentes habitação e informação e lazer do INV de 0,883 e 0,841, respectivamente),
relativamente elevada sua renda média (R$ 14,2/mês, comparados com R$ 10,5/mês para o
Nordeste). Embora o nível educacional dessas pessoas seja baixo (componente educação do INV:
0,179; Nordeste: 0,435), há na cidade ocupação para quase todos, inclusive para trabalhadores,
igualmente desqualificados, que para lá se dirigem, todos os dias, vindos de municípios vizinhos. É
que em Toritama se desenvolve, há mais de dez anos, quase inteiramente por iniciativa local, a
microindústria de confecções. De boa qualidade, a produção, altamente competitiva, é
comercializada, a baixos preços, em todo o Nordeste e no país.

Caso emblemático, Toritama está dizendo: a solução para a pobreza e suas seqüelas (a insegurança
alimentar entre elas) é mais emprego e mais renda. São as pessoas promovendo suas próprias
inserções econômico-sociais. É o homem assumindo melhor destino.

Conclusão

Sob risco de repetição, conviria concluir, sintetizando.

A dimensão da pobreza extrema revelada neste estudo (21,7 milhões de pessoas, 12,9% da
população) é incompatível ao nível de desenvolvimento já alcançado pelo Brasil.

O país dispõe dos meios para reduzi-la rápida e drasticamente, através de políticas antipobreza
eficientes e bem focalizadas.

No desenho e implementação dessas políticas, é preciso levar em conta a grande heterogeneidade


das situações de pobreza extrema, rurais, urbanas, metropolitanas, bem como a grande diversidade,
por regiões, estados e municípios, no número e na proporção de pessoas em pobreza extrema.

Seis aspectos relacionados à questão da pobreza extrema nacional e seu combate, abordados neste
estudo, merecem especial destaque.

Os indicadores municipais de pobreza extrema evidenciam que seus níveis mais críticos ocorrem
nos municípios de pequena expressão demográfica do Nordeste e Norte. Mas os grandes
contingentes de pessoas em situação de pobreza extrema encontram-se nos maiores municípios,
inclusive nas duas maiores regiões metropolitanas, São Paulo e o Rio de Janeiro. Esses contingentes
disfarçam-se nos indicadores usuais de pobreza, mesmo municipais: eles são valores médios que
encobrem, nos municípios de grande porte demográfico, grandes desigualdades distributivas
internas.

A heterogeneidade de tamanho populacional dos municípios brasileiros recomenda a adoção, para


fins de diagnóstico e de formulação e execução de políticas sociais focalizadas, de unidades
espaciais mais homogênea em dois sentidos: no porte demográfico principalmente, mas também nas
características econômico-sociais. Com esse propósito, apresentou-se neste trabalho exemplo de
33
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

nova malha territorial para o estado do Rio de Janeiro, integrada pelas Unidades de População
Homogênea, UPHs. Ela é muito útil para identificação, nos maiores municípios e em particular nas
regiões metropolitanas, de subáreas com elevadas proporções de pobreza extrema e contingentes
importantes de pessoas nessa condição.

Conquanto a renda seja universalmente utilizada para medir a riqueza e a pobreza, no caso da
pobreza extrema e em países continentais e de grande diversidade socioeconômica como o Brasil,
outros indicadores, não-monetários, podem ser de grande auxílio a uma melhor avaliação das
condições de vida dos mais pobres. Neste estudo, um índice do nível de vida, o INV, aplicado, a
título de exemplo, ao Nordeste (com mais da metade da pobreza extrema do país), permitiu
aprofundar o conhecimento das diversas situações da pobreza regional, revelando-se de grande
importância para fins de focalização e diferenciação das políticas sociais.

Embora a pobreza extrema seja definida como a parcela da população do país com renda
insuficiente para atender às necessidades alimentares básicas, não se pode afirmar que os 21,7
milhões de brasileiros em pobreza extrema padecem de fome crônica. Eles seriam, entretanto, mais
vulneráveis à subalimentação, à desnutrição e, especialmente, a situações de insegurança alimentar.
Por essa razão – mas, sobretudo, porque são os mais pobres dentre os pobres – esses brasileiros
devem constituir o público-alvo prioritário das políticas nacionais de redução da pobreza.

Na definição da trajetória de implementação dessas políticas, um conjunto de indicadores de


pobreza extrema deve ser considerado: entre eles, a proporção e o número de pessoas em pobreza
extrema, os níveis de renda e de vida dessas pessoas, e o número de municípios contemplados. A
eficácia da estratégia de execução adotada deve refletir-se na melhoria, no menor prazo e a menores
custos, desses indicadores, em particular daqueles que são mais relevantes.

Para ser efetiva e duradoura, a redução da pobreza extrema envolve um conjunto articulado e
consistente de ações focalizadas cujo objetivo-fim é capacitar as pessoas mais pobres a assegurar –
mediante esforço próprio e, principalmente, através de ocupação produtiva geradora de renda
suficiente – a inclusão econômica, social e política. A assistência social deve ser concebida como
objetivo-meio. É legítima, mas deve ser encarada como transitória.

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GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

ANEXO
Linhas de Pobreza Extrema
(Valores de julho de 2000)

Regiões e
R$
Situações do Domicílio
Norte
Manaus 36,03
Belém 30,02
Urbano 29,55
Rural 19,67
Nordeste
Fortaleza 32,01
Recife 41,61
Salvador 38,66
Urbano 28,23
Rural 24,52
Minas Gerais /Espírito Santo
Belo Horizonte 33,04
Urbano 28,48
Rural 22,85
Rio de Janeiro
Metrópole do Rio de Janeiro 43,15
Urbano 31,32
Rural 24,74
São Paulo
Metrópole de São Paulo 44,29
Campinas 40,22
Urbano 36,14
Rural 28,42
Sul
Curitiba 31,89
Porto Alegre 35,67
Urbano 30,57
Rural 24,11
Centro-Oeste
Brasília 34,29
Goiânia 33,40
Urbano 29,07
Rural 21,88
Fonte: Rocha (1997), com base na POF.

35
GEOGRAFIA DA POBREZA EXTREMA E VULNERABILIDADE À FOME

Bibliografia Citada

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37

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