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Cidadania&MeioAmbiente 3
E D I T O R I A L
portal Ecodebate, sempre privilegiamos a informação, não necessari- Subeditor Henrique Cortez
henrique@camaradecultura.org
amente a notícia. Em meados do século passado, os editores norte- Projeto Gráfico Lucia H. Carneiro
americanos diziam que a manchete de hoje embrulha peixe amanhã e lucia@camaradecultura.org
Revisão Adilson dos Santos
isto, conceitualmente, ainda é verdade. JP14455/65/09
Nesta edição, por exemplo, colocamos em debate temas como o João Alfredo Telles Melo
José Goldemberg
ecossocialismo, a sustentabilidade do sistema energético, o aproveita- Rogério Grasseto Teixeira da Cunha
mento de dejetos orgânicos, as mudanças climáticas e seu impacto na Relatório PNUD
pobreza, as ameaças ambientais do PAC, o desperdício de alimentos, Marcilene Ferreira
Henrique Cortez
agricultura orgânica e sustentável e a democratização do acesso à água. Marcelo Leite
Joel Henrique Cardoso
Diversos autores e diversos temas, mas todos significativos para o de- Frei Beto
bate e para melhor compreensão de nossa realidade e de nossos desafi- Norbert Suchanek
os. Temas e autores selecionados de acordo com o nosso compromisso Correio da Bahia
de socializar a informação e conforme nossa compreensão de que o
desenvolvimento sustentável deve ser socialmente justo, economica-
mente inclusivo e ambientalmente responsável.
Acreditamos que a sociedade, nacional e planetária, pode transformar Visite o portal EcoDebate
as crises em oportunidades e, ao nosso modo, nos esforçamos em ofe- [Cidadania & Meio Ambiente]
www.ecodebate.com.br
recer as informações necessárias e com a qualidade adequada para Uma ferramenta de incentivo ao
que as oportunidades sejam realmente possíveis. conhecimento e à reflexão através de
notícias, informações, artigos de opinião
Desejamos a todos uma boa leitura, lembrando que a revista também e artigos técnicos, sempre discutindo
cidadania e meio ambiente, de forma
está disponível para leitura e/ou download em http:// transversal e analítica.
www.ecodebate.com.br/revista.asp
22 Carbono inorgânico
A conversão da agricultura mundial para padrões orgânicos – que excluem pesticidas e
fertilizantes à base de nitrogênio – ainda é utópica, mas vital se quisermos mudar os
paradigmas de produção de alimentos. Por Marcelo Leite
AQUECIMENTO GLOBAL,
I
G
O
E ECOSSOCIALISMO
C
E
O autor analisa a
Revolução Ecológica
ora em curso no
planeta, que objetiva
o surgimento de uma
nova sociedade
ecossocialista
radicalmente
democrática e capaz
de superar a atual crise
social e ambiental.
por João Alfredo Telles Melo
foto:Eduardo Amorim
6
E
m artigo recente, intitulado A Ecologia da Destruição, John
Bellamy Foster – autor de A Ecologia de Marx, materialis-
mo e natureza (Civilização Brasileira), um dos livros mais
importantes para os ecossocialistas – chama a atenção para o
fato de que “é uma característica da nossa época que a devasta-
ção global pareça sobrepor-se a todos os outros problemas, ame-
açando a sobrevivência da terra como a conhecemos”.
A CATÁSTROFE ANUNCIADA
A grande repercussão do quarto relatório do IPCC (Painel Inter-
governamental de Mudanças Climáticas, da ONU, em sua sigla
em inglês) – em que milhares de cientistas não só constataram a
relação direta entre fenômenos climáticos intensos, decorrentes
foto:Harry Firmo
do aquecimento global com a emissão dos chamados gases de
efeito estufa (GEE) pelas atividades industriais, energéticas e
agrícolas, mas também apontaram projeções catastróficas para
este século, caso não haja uma drástica mudança na matriz ener-
gética e no padrão de consumo – deu foros de cientificidade ao
documentário A Verdade Inconveniente, do ex-vice-presidente
“ O Brasil é o quarto maior
emissor de gases
estadunidense Al Gore, que recebeu o Oscar deste ano e tam-
bém, juntamente com o próprio IPCC, o prêmio Nobel da Paz.
do efeito estufa pelas
Portanto, com exceção da minoria dos chamados céticos, dentre
queimadas e desmatamentos
os quais se encontram cientistas sérios como o brasileiro Aziz
Ab´Saber, e organizações bancadas pelo Governo Bush e pelas
grandes indústrias de petróleo e carvão mineral no mundo, há
uma ampla maioria – amplíssima, diria – de gente da comunidade
de florestas.
”
das geleiras e calotas polares, a desaparição de espécies, a subi-
científica (e aqui se perfilam brasileiros da maior respeitabilidade, da do nível do mar, a desertificação e seus profundos impactos
como José Goldenberg, Carlos Nobre e Luis Pinguelli Rosa), de sobre a humanidade, que poderá conviver – aliás, já está convi-
movimentos ambientalistas, de governos e até de setores empre- vendo – com os chamados “refugiados ambientais” (vítimas de
sariais que, a partir dos dados do IPCC, procuram encontrar saí- enchentes, tornados, secas, furacões, que, nos últimos tempos,
das para a crise planetária, manifestada hoje pelo aquecimento têm atingido populações tão diversas como as asiáticas, as das
global que ameaça a vida na Terra. Abram-se aqui parênteses pequenas ilhas do Pacífico, ou mesmo, nas terras do Império
para aduzir que a aposta dos céticos – em sua versão séria e não Americano, com o Katrina, em New Orleans, e o incêndio que
comprometida com os interesses do capital petroleiro e mineiro – devastou a Califórnia nos últimos meses deste ano).
é uma aposta perdida em suas duas possibilidades, a saber:
Se voltarmos ao nosso país – o quarto maior emissor de GEE
Se estiverem errados (quando afirmam que o fenômeno do pelas queimadas e desmatamentos de florestas –, o que se pre-
superaquecimento é natural e que as previsões do IPCC estão nuncia é gravíssimo. Se em todo o planeta, no próximo século,
equivocadas), eles podem, de forma involuntária, estar contri- ultrapassarmos a linha perigosa de acréscimo de 2oC na tempera-
buindo com o lobby das grandes corporações petrolíferas e tura média da Terra, metade de nossa Floresta Amazônica (a mais
mineiras, impedindo a mudança do padrão energético para as importante cobertura vegetal tropical do planeta) se transforma-
fontes renováveis, e serem co-responsáveis pela catástrofe rá em savana, causando profundos impactos não só na própria
que se prenuncia. temperatura da terra, como no regime de chuvas em todo o he-
misfério sul. Para o Nordeste brasileiro, as previsões não são
Se estiverem certos (o que não é muito provável, dado o menos sombrias. O nosso semi-árido, que, mais uma vez, convi-
amplo consenso científico alcançado depois de quase 20 anos ve com uma estiagem prolongada, se transformaria em região
de IPCC), estão atrasando a evolução para a despoluição do árida, num quase deserto, sem água e sem produção agrícola.
planeta. Ou seja, ainda que, numa hipótese quase absurda,
não esteja ocorrendo o aquecimento provocado pelas ativi- Estaríamos diante do apocalipse? Paulo Artaxo, um dos cientis-
dades humanas, no mínimo o alerta do IPCC questiona o modo tas brasileiros do IPCC, tenta nos tranqüilizar: “O aquecimento
de produção e o modo de vida humana no planeta e nos induz global não é o fim do mundo, de jeito nenhum”, mas adverte:
a mudanças profundas e necessárias. “Um dos pontos cruciais do relatório do IPCC é a urgência da
diminuição da emissão dos gases do efeito estufa. Se não fizer-
A TERRA EM SURSIS: ATÉ QUANDO? mos isso, a temperatura vai subir de forma a trazer danos para
Voltando ao tema, vou me permitir não mais ter que detalhar, mas os ecossistemas e zonas costeiras sem precedentes na história
apenas listar, em parte, o extenso e impactante elenco de fenô- da humanidade”. Para ele – e o IPCC – esse corte deveria ser em
menos climáticos e de suas resultantes sobre a vida no planeta, torno de 50 a 70 por cento. (Caros Amigos, edição especial: “Aque-
como o acréscimo da temperatura média da terra, o derretimento cimento Global, a busca de soluções”.)
Cidadania&MeioAmbiente 7
©Greenpeace/Alberto César
Manaquiri (Amazonas) - Seca em 2005
foto:Tatiana Cardeal
Essa distinção entre riqueza natural – objetivo maior de todos os
movimentos ecológicos – e riqueza material – que advém da es-
cassez e, para deleite do sistema mercantil, transforma os bens
ambientais em mercadoria – também é tratada por Foster, em ou-
tro belo texto, chamado Revolução Ecológica, onde se vale do
filósofo grego Epicuro, que declarava: “Quando medida pelo
propósito natural da vida, a pobreza é grande riqueza, riqueza
ilimitada é grande pobreza.”
Portanto, para Foster,
“o livre desenvolvimento humano, surgindo num clima de limi-
tação e sustentabilidade naturais, é a verdadeira base da ri-
“ecologismo
As lutas socioambientais do
popular têm uma
queza, de uma riqueza para a existência multilateral; a busca
sem limites de riqueza é a fonte primária do empobrecimento e
importância fundamental não só
sofrimento humanos. É desnecessário dizer que tal preocupa-
ção com o bem-estar natural, em oposição a necessidades e
para os ecossocialistas, mas para
estímulos artificiais, é a antítese da sociedade capitalista e a
pré-condição de uma comunidade humana sustentável”.
Cidadania&MeioAmbiente 9
A
É hora de promover o
I
desenvolvimento de
G
tecnologias de armazenagem
R
a contribuição de uma
N
energéticas renováveis.
por José Goldemberg
POR UM
SISTEMA
ENERGÉTICO SUSTENTÁVEL
OS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS vão, petróleo e gás. Estes combustíveis fo- OS EXCLUÍDOS DO CONFORTO
Existe uma crença generalizada de que os ram as molas propulsoras do extraordinário Dois terços da humanidade não têm aces-
avanços científicos e tecnológicos dos úl- progresso técnico do século 20, mas o pro- so aos confortos da civilização moderna –
timos 200 anos resolveram muitos proble- blema é que esse progresso neles baseado que se baseia, justamente, no uso de com-
mas da humanidade, como a eliminação de não pode durar, por diversas razões. bustíveis fósseis –, o que é inaceitável do
doenças, o aumento da vida média das pes- ponto de vista moral e constitui uma fonte
soas, e permitiram estender conforto e As reservas de combustíveis fósseis são fi- de instabilidade social e política permanen-
prosperidade a um terço do gênero huma- nitas e as atuais reservas de petróleo não te, gerando, inclusive, imigração ilegal para
no (cerca de 2 bilhões de pessoas), o que deverão durar mais de 40 ou 50 anos. Os a Europa e a América do Norte. Além dis-
não tem precedentes na história. Roma, no problemas geopolíticos para conseguir aces- so, combustíveis fósseis estão “envene-
seu esplendor, deu aos romanos um exce- so a esses recursos estão se tornando cada nando” a atmosfera com suas emissões de
lente nível de vida, mas à custa do traba- vez maiores, em razão da dependência cres- gases responsáveis pela poluição local e
lho de cerca de 100 milhões de outros se- cente dos Estados Unidos de petróleo im- pelo aquecimento global (e pelas mudan-
res humanos escravizados. Apenas 1% da portado e do aumento de consumo na China ças do clima decorrentes) – as manifesta-
população mundial da época se beneficiou e em outros países em desenvolvimento. As ções mais claras desse problema.
dos confortos da Cidade Imperial. guerras do Oriente Médio têm muito que ver
com isso, como assinalou recentemente o Em outras palavras, o progresso técnico que
Essenciais para esses avanços são fontes insuspeito Alan Greenspan, que foi presi- alcançamos no século 20 não é sustentável
apropriadas de energia, 80% da qual pro- dente do Federal Reserve (Fed, o Banco Cen- a médio prazo e o problema precisa ser re-
vêm hoje de combustíveis fósseis – car- tral dos Estados Unidos) de 1988 a 2006. solvido nas próximas décadas, ou seja, pela
10
■ Para os países em desenvolvimento a es-
tratégia é adotar, cedo – no seu processo
de crescimento –, as melhores e mais efici-
entes tecnologias (evitando repetir o cami-
nho seguido no passado pelos países in-
dustrializados, quando se industrializaram).
Em outras palavras, os países em desenvol-
vimento podem saltar na frente, adotando
as melhores tecnologias existentes.
■ Usar de forma crescente energias reno-
Cidadania&MeioAmbiente 11
P A
Na guerra contra o
M
I
aquecimento global
E N E R G I A L
e o uso desvairado
de recursos naturais,
a conversão de
dejetos orgânicos
em biogás
e biofertilizante –
tanto em escala
doméstica quanto
foto: Mostlysunny1 industrial – é uma
opção comercialmente rentável, além de
eficaz contribuição à redução do gás
metano na atmosfera.
A palavra “porco”
costuma evocar idéias negativas nas pes-
BIODIGESTORES:
dos padrões de qualidade) em modificar a
imagem do animal, é fato que os suínos ge-
ram uma quantidade enorme de dejetos, pro-
blema amplificado pela sua produção alta-
mente intensiva. Se não tratados adequa-
àLUZ
qualidade da água para consumo humano,
disseminação de doenças, mortandade de
peixes, com outros efeitos em cascata.
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do a decomposição de qualquer cura razoável. Mas os projetos
matéria orgânica (e dejetos não precisam ser cuidadosamente
passam de matéria orgânica pura) planejados de acordo com as ca-
se dá na presença de oxigênio, o racterísticas e tamanho das pro-
resultado principal é a liberação priedades, e é necessária assis-
de gás carbônico para a atmosfe- tência técnica qualificada aos
ra. Isto, por si só, não interfere na produtores. Como isto não ocor-
conta do efeito estufa, pois este reu, esta primeira leva de biodi-
volume de gás carbônico (mais gestores acabou se esvaindo.
aquele resultante do consumo e
digestão da carne) é equivalente Com a entrada em vigor do Proto-
ao que foi retirado da atmosfera colo de Kyoto houve um interes-
pelas plantas que produziram a se renovado pelos biodigestores.
ração dos animais. Mas na ausên- Como eles permitem uma redução
cia de oxigênio, os microorganis- na emissão de gases do efeito es-
mos decompositores produzem tufa em relação a outros métodos
outras substâncias, entre elas o de tratamento de dejetos, sua im-
gás metano, aparentado quimica- plantação pode permitir a comerci-
mente ao gás de cozinha, que foto:Cecília alização de créditos de carbono,
possui um efeito de aquecimento ou seja, dejetos virando dinheiro.
da atmosfera vinte vezes maior que o do O interesse é tanto que, em diversas propri-
gás carbônico. Neste caso, a “conta do
aquecimento” não fecha.
www.vale.com
16
Cidadania&MeioAmbiente 17
O Direito Ambiental no Brasil é o direito da prudência
D I R E I T O A M B I E N T A L
foto: Abnoqueir
PAC
e
MEIO AMBIENTE por Marcilene Ferreira
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M E I O
DESPERDÍCIO
A
DE ALIMENTOS
M B I E N T E
É CRISE AMBIENTAL Foto: Mr Kris
por Henrique Cortez
A
relação entre o desperdício de ali- culo usada pelo Ministério do Meio Ambi- portantes emissores de metano – um gás
mentos e as mudanças globais foi ente do Reino Unido. Qualquer que seja com potencial de aquecimento vinte vezes
proposta pelo jornal inglês The este valor absurdo, ele é inaceitável, tanto maior do que o CO2. Nos aterros e lixões, o
Independent na edição de 02/11/2007, ao em termos sociais como econômicos e metano é produzido pela fermentação da
analisar o colossal desperdício alimentar ambientais. Socialmente é injustificável matéria orgânica, e o desperdício de ali-
no Reino Unido. jogar fora a comida que poderia alimentar mentos influencia a emissão, potencializan-
mais de 20 milhões de brasileiros. do a produção do gás.
Citando informações do Ministério do Meio
Ambiente inglês, ficou-se sabendo que, anu- ALIMENTO É ÁGUA Assim, quando evitamos o desperdício
almente, são desperdiçados 6,7 milhões de O desperdício também afeta o meio ambi- de alimentos através da compra do estri-
toneladas de alimentos, ao custo de 200 a ente porque, em primeiro lugar, alimento tamente necessário, na quantidade neces-
400 libras por família – o que equivale a um é água. A compreensão do que seja água sária e preparando de modo adequado,
terço de todo o alimento consumido no virtual indica que um quilo de carne bo- estamos obtendo três ganhos diretos:
Reino Unido. Considerados todos os cus- vina “inclui” de 10 a 20 mil litros de água.
1 – reduzimos gastos em nossos or-
tos (transportes, embalagem, manuseio, re- Um quilo de arroz de um mil a dois mil
çamentos domésticos;
frigeração, descarte, etc.), o desperdício cus- litros de água. Um mero e simples filé com
2 – induzimos o aumento da oferta
ta 8 bilhões de libras ao ano. fritas equivale a “consumir” pelo menos
em relação à demanda e, assim,
dois mil litros de água.
também a redução do preço por to-
No caso brasileiro, as pesquisas indicam
nelada de alimento, o que pode re-
que também desperdiçamos 30% de todo Neste sentido, o desperdício de alimen-
duzir o contingente dos que não con-
o alimento produzido. O último dado tos é um gigantesco desperdício de água,
seguem pagar pelo alimento; e ao
confiável é do IBGE que, em 1999, informa- que vem a ser um dos mais sérios proble-
mesmo tempo
va que tínhamos desperdiçado 39 milhões mas socioambientais do século 21.
3 – estamos contribuindo para a re-
de toneladas de alimentos. O IBGE estima-
dução da produção de metano.
va que tal desperdício seria suficiente para Em segundo lugar, é um potente emissor
alimentar 19 milhões de brasileiros(1). de metano. Qual é a emissão de metano Como a fome de mais de 850 milhões de
pelos alimentos jogados nos aterros sani- pessoas em todo o mundo parece não ser
Este desperdício ocorre ao longo de toda a tários e lixões? 65% do lixo domiciliar no suficiente para sensibilizar muitas pesso-
cadeia produtiva, da colheita/criação/abate Brasil é composto por matéria orgânica, as, quem sabe o aquecimento global ve-
ao transporte, processamento, embalagem, essencialmente resíduos alimentares (fo- nha a ser um argumento mais forte para
armazenamento e distribuição até as nos- lhas, talos, cascas, gordura animal, restos incentivar a redução do desperdício. Po-
sas mesas. Nosso desperdício, de 1999 para de alimentos preparados, etc.). De qual- demos e devemos eliminar o desperdício
cá, certamente aumentou... e muito. quer forma, mesmo considerando apenas de alimentos. O planeta, a sociedade e o
o lixo doméstico, fica claro que o desperdí- nosso bolso agradecem. ■
Já em 1999, o desperdício brasileiro em cio de alimentos é uma parte substancial
(1) Ver artigo Reduzir desperdício de
relação aos britânicos era muito maior em do lixo descartado pelos brasileiros. alimentos exige mudança de atitude de
termos absolutos, mas também era maior mercado e consumidores,
em termos relativos, porque nossa popu- Em termos de aquecimento global, sem- in http://www.ecodebate.com.br/
lação é três vezes maior e desperdiça quase pre pensamos no metano a partir da emis- Principal_vis.asp?cod=6515&cat=
seis vezes mais que a do Reino Unido. são dos animais ruminantes, dos campos
Nem sei quantos bilhões de reais custa de arroz, dos pântanos e dos reservatóri- Henrique Cortez – coord. do EcoDebate
este desperdício, seguindo a lógica de cál- os. No entanto, os aterros e lixões são im- henriquecortez@ecodebate.com.br
Cidadania&MeioAmbiente 21
A G R O E C O L O G I A
foto: Lillies
de alimentos para proteger
a humanidade e o planeta.
AGRICULTURA ORGÂNICA E BIOTECNOLOGIA Seu ponto de partida é o paradoxo do sis- mitigar os efeitos do aquecimento global e
A inércia das idéias feitas é a saúva do tema alimentar internacional, que tem uma da escassez de água que rondam o planeta.
conhecimento – ou acabamos com ela, ou face dupla:
ela ainda acabará conosco. O lugar-co- ■ Primeira: o suprimento de comida é su- Seria imprudente tomar essas afirmações
mum sobre baixa produtividade e alto ficiente para alimentar toda a humanida- por verdades comprovadas. Elas estão
custo da agricultura orgânica (agroeco- de, mas 854 milhões de pessoas passam sujeitas, no entanto, a corroboração em-
logia pode ser um nome menos tautológi- fome no mundo. pírica. Só que a agroecologia permanece
co) é o correlato perfeito da noção não ■ Segunda: o uso de insumos químicos restrita a 2% da produção agrícola mun-
menos precária de que só a biotecnologia na agricultura não pára de crescer, mas a dial, se tanto, e não passa de um gueto
(transgênicos na vanguarda) poderá livrar produção de grãos caiu por dois anos exótico nas escolas de agronomia. Nelas
o mundo da fome. consecutivos (1% de 2004 a 2005 e 2,7% imperam as saúvas biotecnológicas, que
de 2005 a 2006). podam sem cessar os brotos de um pro-
Nenhuma das afirmações acima foi ainda grama de pesquisa comparativa – perfei-
adequadamente testada e provada até A turma da conferência em Roma pode ser tamente racional – sobre a sustentabili-
agora, mas ambas estão na base das no- quixotesca, mas não rasga estatísticas. dade dos estilos agrícolas concorrentes.
ções predominantes sobre a agricultura. Reconhece no documento a necessidade
Enquadrado por essa moldura de aço, o de aumentar a produtividade da agricultu- Diz uma velha máxima do ativismo políti-
debate público não encontra espaço para ra em 56% até 2030, só que vê um papel co que é preciso ser pessimista na análi-
apreciar conclusões divergentes, como as para a agroecologia nesse desafio. Pelas se e otimista na ação. Há momentos si-
que emergiram da Conferência Internaci- simulações, a conversão da agricultura nistros, porém, em que a realidade mono-
onal sobre Agricultura Orgânica e Segu- mundial para padrões orgânicos – que ex- poliza toda a margem para o pessimismo
rança Alimentar, realizada em Roma, entre cluem pesticidas e fertilizantes à base de e ainda condena o otimista à análise, lo-
os dias 3 e 5 de maio deste ano. O relató- nitrogênio – resultaria num suprimento de daçal que separa um oceano de boas in-
rio final do encontro organizado pela FAO 2.640 a 4.380 quilocalorias diárias por pes- tenções e medidas sensatas da terra fir-
(Organização das Nações Unidas para soa. O mínimo recomendado é 2.200. me em que homens de carne e osso car-
Alimentos e Agricultura) pode ser obti- bonizam o próprio futuro. ■
do, em espanhol, no endereço ftp:// Não se trata de trocar seis por meia dúzia.
ftp.fao.org/docrep/fao/meeting/012/ Os defensores da agricultura orgânica sus- MARCELO LEITE é autor de Promessas
J9918S.pdf. Os 350 participantes de 80 tentam que suas práticas consomem 33% a do Genoma (Ed.da Unesp, 2007) e de Clones
Demais e O Resgate das Cobaias, da série de
países, filiados a 66 governos, 45 ONGs, 56% menos energia que a convencional, ficção infanto-juvenil Ciência em Dia (Ed.
24 institutos de pesquisa e 31 universida- dobram a quantidade de carbono seqües- Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia
des, remaram com esforço contra a cor- trado no solo, reduzem 48% a 60% as emis- (www.cienciaemdia.zip.net). Artigo publicado
na Folha de S.Paulo - 28/10/2007 e em
rente, sem nenhuma garantia de que che- sões de CO2 e retêm 20% a 40% mais água http://www.ecodebate.com.br/
gariam a algum lugar. no solo. Ou seja, são muito melhores para default.asp?pagvis=6604
22
Reservas Legais
P R OT E Ç Ã O
e Áreas de
Preservação
Permanente: vitais
RLs, APPs e
para o equilíbrio e
AGRICULTURA
foto: Eridiane
a manutenção da
A MBIENTAL
produtividade dos
sistemas que elas
integram.
por Joel Henrique Cardoso
SUSTENTÁVEL
LEGISLAÇÃO NEGLIGENCIADA Agora, apesar de que seja incoerente a posição dessas áreas, com aplicação de pro-
Por exigência legal, as propriedades ru- tomada de decisão dos agricultores de gramas de educação ambiental sobre a im-
rais devem conservar a vegetação de ocor- eliminarem a vegetação dos ecossistemas portância dos ecossistemas naturais para
rência natural nas áreas definidas como naturais, bem cabe dizer que pouco ou áreas cultivadas a todos os agricultores,
de preservação permanente (APP) e de nada tem sido feito para que estes consi- definição de prazos para ajustamento de
reserva legal (RL). gam perceber a importância dessas áreas conduta para os irregulares e criação de ins-
em suas propriedades. Desde uma pers- trumentos de política pública que recom-
As APPs são aquelas áreas impróprias pectiva mercadológica, manter a vegeta- pensem a averbação de reserva legal.
para o cultivo ou criação por serem muito ção nativa por exclusivo civismo, signifi-
declivosas ou por servirem como área pro- ca reduzir a área plantada e, conseqüen- Estas ações significariam um passo impor-
tetora de corpos de água. As RLs, como o temente, perder dinheiro. tantíssimo na direção de um modelo de agri-
próprio nome indica, são áreas reserva- cultura mais sustentável, principalmente
das para o desenvolvimento espontâneo No entanto, conforme tem sido verifica- no que diz respeito à formação, que seria
da vegetação de um determinado local. do nos trabalhos em agricultura de base um momento ímpar para se questionar as
ecológica, a exemplo das pesquisas reali- práticas da agricultura convencional, que
Estas determinações constam no Código zadas na Estação Experimental Cascata da defende altas produtividades a qualquer
Florestal Brasileiro (CFB) desde 1964, mas Embrapa Clima Temperado, as RLs e APPs custo e desconhece os princípios ecológi-
infelizmente a maioria das propriedades têm papel estratégico para a saúde dos cos que sustentam a importância dos ecos-
não cumpre com o estabelecido na lei. cultivos, criações e pessoas que residem sistemas naturais como espaços regulado-
em uma determinada área rural. res das condições ambientais e de conser-
Apesar do gradativo avanço dos índices vação da biodiversidade.
de desmatamento e substituição de ecos- Os ecossistemas naturais têm a capacidade
sistemas naturais, somado às muitas de estabilizar os fluxos de energia e ciclos As demais ações que orientam para a re-
flexibilizações da lei que têm ocorrido des- materiais, propiciando as condições ideais cuperação e manutenção das RLs e APPs
de então, os setores da sociedade mais di- para a vida. Como exercício pedagógico, estão previstas em lei e possuem um apa-
retamente afetados por este regulamento poder-se-ia dizer que a manutenção das RLs rato institucional fiscalizatório e de regis-
não se acanham em demandar ajustes que e APPs em uma unidade de produção equi- tro já devidamente organizado para levar
lhes permitam reduzir as áreas de interesse vale ao mesmo princípio que recomenda a a cabo a meta de ajustamento de conduta
público, ainda que se viva em um momen- manutenção da floresta Amazônica – maior dos inadimplentes e compensação dos
to de profunda reflexão frente à crise ambi- floresta natural do mundo. Ambas contri- adimplentes que tenham ou queiram suas
ental ocasionada pelo modo de produção buem de forma decisiva para o equilíbrio e áreas averbadas.
e consumo das sociedades atuais. manutenção da produtividade dos sistemas
que elas integram, estando as RLs e APPs É certo que sem resolver questões apa-
A um primeiro olhar, parece inacreditável no nível sistema local (agroecossistemas), rentemente pontuais, como é o caso das
que algo tão relevante como as RLs e APPs assim como a floresta Amazônica está para RLs e APPs, dificilmente se alcançará
seja passível de questionamento nos dias o sistema global (biosfera). metas tão ousadas como a tão propalada
atuais. No entanto, o fato é que, mais do agricultura sustentável. ■
que questionada, essa legislação é negli- AÇÕES DE CONSCIENTIZAÇÃO
genciada e sua efetiva aplicação ainda está Mantendo-se as devidas proporções, as
Joel Henrique Cardoso é pesquisador em
num horizonte distante, ou seja, a maioria RLs e APPs têm uma importância tão estra- Sistemas Agroflorestais da Embrapa Clima
dos proprietários rurais que não possui RL tégica para o futuro da agricultura brasileira Temperado. Artigo publicado no Jornal da
ou APP não tem sido devidamente cobra- quanto a Amazônia tem para o futuro da Ciência, SBPC, JC e-mail 3400,
de 29 de novembro de 2007 e no
da, e aqueles que as mantêm não recebem humanidade. Portanto, faz-se necessária http://www.ecodebate.com.br/
nenhum prêmio social. uma ação agressiva na direção da recom- Principal_vis.asp?cod=6873&cat=
Cidadania&MeioAmbiente 23
O Programa
S E M I - Á R I D O
1 milhão de
Cisternas
prova que
o povo do
semi-árido
é capaz de
dirigir seu
próprio destino
e encontrar
meios de
resolver seus
problemas
quando lhe são garantidos meios e políticas de
A SEDE
de ÁGUA e
CIDADANIA
por Frei Beto - fotos: FEBRABAN
Cidadania&MeioAmbiente 25
VELHO CHICO
ENTREVISTA
LUTA
EM DEFESA DA
foto:Fábio Pozzebom/ABr
VIDA
Por Norbert Suchanek C&MA – QUAL O OBJETIVO DA PRESENÇA DA CARAVANA NO RIO
DE JANEIRO?
Toinho Pescador - Sabemos que no Rio de Janeiro também há
A Caravana em Defesa do Rio São rios, pescador, trabalhador, índios... que estão sofrendo os mes-
mos problemas que nós lá no Rio São Francisco. Gostaríamos
Francisco e do Semi-árido esteve na que os cariocas ficassem do nosso lado contra esse projeto de
transposição das águas, que tem de ser debatido com toda a
sede da Associação Brasileira de comunidade ribeirinha que vive do São Francisco.
Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, O PROJETO JÁ INICIADO PELO GOVERNO LULA DEVE CUSTAR MAIS
para apresentar sua visão DE 6 BILHÕES DE REAIS E AINDA É PRATICAMENTE DESCONHECIDO NO
BRASIL E NO MUNDO. QUAL SUA VISÃO DO PROJETO?
estratégica do questionado projeto TP – Um projeto faraônico. Dizem que vão tirar água do Rio São
Francisco para salvar o povo do Nordeste que sofre com a seca.
de transposição das águas do Velho Mas, isso não é verdade porque os estados incluídos no projeto
Chico. Durante o encontro, Toinho têm água! O que está faltando é a distribuição da água, que
existe em abundância. Como disse o Padre Cícero: o sertão vai
Pescador (Antonio Gomes dos virar mar. O sertão tem Orós, tem Castelão, milhares de açudes. É
a prova de que tem água! E por que não tem água no lado norte
Santos) – 75 anos, pescador do Ceará? Porque não há interesse pelos pobres. A mesma coisa
acontece lá no Baixo São Francisco: o rio passando e numa dis-
artesanal, vice-presidente da tância de 10-12 quilômetros o povo bebe água de carro-pipa. Isto
Federação dos Pescadores de quer dizer que não há uma política de distribuição de água para
as comunidades ribeirinhas. Então por que vai-se gastar tanto
Alagoas e membro titular do Comitê dinheiro abrindo um canal de 700 quilômetros quando tem gente
morrendo de sede em menos de 10 quilômetros?
Hidrográfico do Rio São Francisco –
POR ISSO O SENHOR E CIENTISTAS COMO O PROFESSOR AZIZ
concedeu entrevista ao jornalista AB´SABER SÃO CONTRA A TRANSPOSIÇÃO.
Norbert Suchanek. Este projeto é dispensável. Eu nasci no Rio São Francisco, criei
nove filhos, ainda adotei um menino. Todos estão vivos e foram
alimentados pelo rio porque tinha peixe em abundância! Tanto
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peixe que não precisava nem de tarrafa nem de rede. Era um en-
contro dos peixes caindo dentro do nosso barco. Hoje, nem mes-
mo com os melhores artifícios se pega peixe. É cada vez pior. QUANTOS PESCADORES HÁ HOJE EM SUA COMUNIDADE?
Estamos, eu e 15 mil pescadores no Baixo São Francisco, abaixo
A DIMINUIÇÃO DO PESCADO SERIA DEVIDO ÀS GRANDES BARRAGENS E das hidrelétricas de Paulo Afonso e Xingó. Eu ensinei meus fi-
AO ESGOTO SEM TRATAMENTO DESPEJADO NO RIO? lhos a pescar, e hoje nenhum deles tem condições de criar um
Como fazer um projeto de transposição sem se fazer uma revitaliza- filho pescando na linha. Um de meus filhos trabalha hoje como
ção? Só que uma revitalização verdadeira, não a da propaganda do vigilante. Além de poluído, a cheia não chega mais. Sem cheia,
governo Lula. Sem estações de tratamento de todos os esgotos não há piracema! O rio só reproduz umas duas ou três qualidades
não se pode falar em revitalização. A água dos esgotos deve voltar de peixe. Surubim não aparece mais. Lá no Baixo São Francisco
limpa e pura para o rio. Essa é a verdadeira revitalização! não aparece mais pirá, corvina e outros peixes.
Outra questão fundamental: a da terra. Como revitalizar as águas
sem primeiro fazer a reforma agrária ampla, que dê terra e assistência A SEU VER, COMO A TRANSPOSIÇÃO VAI AFETAR A VIDA DAS
técnica para que o homem se fixe. Não é só dizer “Tome a terra!” É dar COMUNIDADES NAS CERCANIAS DO RIO SÃO FRANCISCO? QUAL
a terra e também capacitar. O pescador é um marginalizado: não teve SERÁ O EFEITO DA TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS?
como estudar. Como ele vai enfrentar uma burocracia tão grande Vai piorar ainda mais. O pescado diminuiu em variedade e quanti-
quanto a que temos aí?! Quando o pescador se desemprega do rio, dade por causa das barragens. Depois, veio o desmatamento, que
ele não tem como se empregar; pode até virar um assaltante! E se assoreou o rio. Hoje, não entra mais navio de navegação; mal dá
isso acontece é porque o governo o tirou do trabalho! Mas há ainda para os barcos de pescadores e as barcas para atravessar o povo.
outros problemas que têm de ser encarados e resolvidos. O São Francisco praticamente não é mais navegável. E quando se
fizer a transposição, aí na certa vai abaixar mais porque vai vazar!
PODERIA CITAR QUAIS SÃO? As lagoas marginais não mais se encherão pela falta de volume de
A questão do aquecimento global, do dizer que o álcool vai salvar água, e elas são os viveiros e criadouros dos peixes. Tudo está na
o mundo do problema da poluição. Ora, no momento em que se mão dos latifundiários, que vão plantar e queimar cana, acabando
desmata, para onde vão os animais? E os animais não fazem parte com passarinhos. Tudo vai embora e aí é a desgraça total!
da nossa vida? Então, planta-se cana, ganha-se muito dinheiro,
mas há fome para os que moram no local desmatado. O grande O SENHOR É CONTRA A PLANTAÇÃO DE CANA E A PRODUÇÃO DE ETANOL?
latifúndio desmata ou queima por perversidade uma floresta não Sou contra a plantação de cana principalmente nas margens do
para assentar o homem no campo, a fim de que ele possa viver. rio e nas lagoas marginais. Já tem cana demais plantada! Derru-
Mas só tem multa, certo? Quando o IBAMA multa em 2 milhões baram as nossas matas e plantaram cana. Mesmo aumentando a
um latifúndio que desmatou, me parece que ele incentivou a derru- área plantada, a cana não dará emprego. Nem hoje ela gera em-
bada da floresta! Por tudo isso é que estamos nesta luta e quere- prego na comunidade. O que gera emprego é a pesca no rio e as
mos o apoio de toda a sociedade para fazer a verdadeira revitaliza- plantações de arroz, milho, feijão, batata, inhame, quiabo e árvo-
ção, e parar com esse negócio de transposição! res frutíferas nas margens do rio. Cana precisa de muita terra,
certo? E aí os restos de nossas matas vão embora! Para nós,
ACREDITA QUE SUA MENSAGEM SERÁ OUVIDA? pescadores, plantar cana é desempregar mais o povo, como já
Meu recado é para o presidente da República: faça uma revitali- acontece no Mato Grosso do Sul. Hoje, não temos mais madeira
zação correta! 503 municípios despejam todo o esgoto no rio. lá em Alagoas para fazer um barco! Só se fizer barco de cana! E a
Queremos que o Lula vá lá nas margens do Rio São Francisco gente tinha madeira de primeira!
conversar com a gente, ribeirinhos, principalmente os do Baixo
São Francisco. Nosso rio era uma empresa navegável! Hoje, não É O DISCURSO DO PROGRESSO...
navega mais porque o rio está assoreado. Vejo falar em progresso, mas só a ganância aumenta. Onde estão
os peixes que moravam no rio? Onde estão o presu e o xingó?
PARECE QUE OS GRANDES BENEFICIÁRIOS DA TRANSPOSIÇÃO SÃO A Aonde estão as capivaras, os canarinhos, os curiós e o nosso
INDÚSTRIA DO CONCRETO QUE GANHA FAZENDO A OBRA E A sabiá? Já não tem mais a madeira, já não tem mais para tirar. Já não
AGROINDÚSTRIA, PRINCIPALMENTE A DO ETANOL... tem mais o tatu. Já não tem mais o mocó. E quando tudo se vai, os
Vai servir para plantar cana e criar camarão industrial. O verdadei- pobres estão na pior. ■
ro camarão se cria no rio e no mar! Por isso desmataram os man-
guezais lá na beira do Rio Jaguaribe. Lá no Ceará do Ciro Gomes
derrubaram os manguezais e fazem lagoas para criar camarão. Norbert Suchanek é
Tem centenas de lagoas improdutivas porque a carcinicultura jornalista e escritor
formado na Alemanha.
matou tudo quanto foi camarão. E ainda assim continuam com
Residente no Rio de
esta insistência em produzir esse camarão para mandar lá para o Janeiro, já publicou
exterior. Quem primeiro tem de comer o camarão é quem é da terra, vários artigos sobre a
e só depois mandar para fora. Nós também tínhamos manga-rosa, transposição do Rio
maria, espada, comum, cecília... manga gostosa. A CODEVASF São Francisco e os
problemas atuais do
(Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) der-
povo no Nordeste do
rubou nossas mangueiras para plantar manga de exportação. Só Brasil. Email:
que a manga não é mais igual a nossa. n.suchanek@online.de
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O
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NÃO
são esparsas e o clima predominante é o do
semi-árido, existem instalados, hoje, equi-
pamentos e infra-estrutura pública para irri-
gação em 60 mil hectares. No entanto, cerca
de 30.880 hectares dessa terra estão para-
IRRIGAÇÃO
Sem irrigação, pequenos produtores só
podem esperar a chuva, que nem sempre é
suficiente, para o plantio de subsistência
de feijão, milho e mandioca.
Enquanto a União projeta gastar bilhões com Neste ano de seca, a perda da produção
foi de mais de 50% no Ceará, onde 152 dos
transposição das águas do Rio São Francisco, 184 municípios do estado decretaram situ-
ação de emergência pela estiagem. Pelos
políticas públicas de distribuição de água cálculos do governo, 127 mil pessoas não
têm o que comer no estado pela perda da
mal-estruturadas e especulação imobiliária safra. As explicações para a ineficiência
do uso das áreas já prontas para irrigar
geram terras ociosas no semi-árido. são várias. Para o diretor-geral do DNOCS,
Elias Fernandes, em alguns casos há falta
d’água, e em outros, há falta de interesse
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“emAR$6,6
transposição do Rio São Francisco está orçada
bilhões, quase o dobro dos R$3,48 bilhões
investidos na área de irrigação em 30 anos.
”
de agricultores ou empresários em inves- ção instalados pelo Governo Federal – 2003), os estados do Nordeste setentrio-
tir, dificuldades para conseguir crédito ou Companhia de Desenvolvimento dos Va- nal (Ceará, Rio Grande do Norte, Para-
mesmo problemas de gestão. les do São Francisco e do Parnaíba íba e Pernambuco) têm população esti-
(Codevasf). Dos 100 mil hectares instala- mada em cerca de 21,5 milhões de pes-
Além disso, segundo agricultores, há tam- dos, 81.200 hectares estão sendo cultiva- soas, sendo 10,3 milhões residentes em
bém indícios de especulação imobiliária, dos. Segundo o diretor da área de gestão região semi-árida, com sérios problemas
principalmente em áreas que serão bene- dos empreendimentos de irrigação do ór- de abastecimento. Segundo o Comitê da
ficiadas pelo projeto de transposição do gão, Raimundo Deusdará Filho, entre os Bacia Hidrográfica do São Francisco, o
Rio São Francisco e que terão seu poten- motivos para não haver cultivo nos res- Projeto de Transposição atende a menos
cial hídrico triplicado, quando a obra esti- tantes 18.800 hectares de terras figuram a de 20% da área do semi-árido e 44% de
ver pronta. Um desses perímetros do troca de culturas agrícolas, questões de sua população continuará sem acesso
DNOCS, o Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro mercado e problemas de gestão. ao precioso líquido”, afirma João Suas-
do Norte (200 km de Fortaleza), apresenta suna, da Fundação Joaquim Nabuco.
grande contraste: largas áreas de caatin- TRANSPOSIÇÃO X
ga bem ao lado de canais cheios d’água PROJETOS DE IRRIGAÇÃO Os movimentos contrários à transposição
usados para irrigar apenas 2.800 hectares Somente a transposição do Rio São Fran- pregam justamente a transferência do me-
cultivados por empresas. cisco, iniciada este ano pelo governo fede- gainvestimento para pequenos projetos,
ral, está orçada em R$6,6 bilhões, quase o principalmente aqueles já formatados pela
A área total do projeto é de 5.400 hectares dobro dos R$3,48 bilhões investidos na área Agência Nacional de Águas (ANA), sob o
e há outros 9.800 para serem implementa- de irrigação, em 30 anos, conforme o Banco título Atlas Nordeste, e as obras para o meio
dos. Não é barato instalar uma infra-es- Mundial (Bird). As vozes contrárias à trans- rural defendidas pela ONG Articulação para
trutura de irrigação, de acordo com rela- posição alertam que a obra não surtirá efei- o semi-árido (ASA). Segundo o Atlas, cer-
tório do Banco Mundial de 2004, intitula- to social significativo, e argumentam que o ca de 70% da água retirada da transposição
do Impactos e externalidades sociais da dinheiro seria mais bem utilizado se investi- irá para o agronegócio e 26% para as cida-
irrigação no semi-árido brasileiro. O cus- do em projetos menores de irrigação. des onde já existem outras soluções. Ob-
to médio desses empreendimentos é de servam ainda que outros estados padecem
US$10 mil por hectare, segundo o banco, Conforme a publicação Transposição: águas de recursos para a finalização de perímetro
mas há casos em que os custos são bem da ilusão, editada pelo Projeto Manuelzão/ irrigados, como a Bahia, cujos projetos Baixio
maiores, como o do Jaguaribe-Apodi, que UFMG, o fluxo de água máximo previsto no de Irecê e Salitre, apesar de incluídos no
chegou a custar US$15 mil por hectare e é projeto de transposição só poderá ser reti- Programa de Aceleração do Crescimento
tido como um insucesso por esse estudo. rado quando o reservatório de Sobradinho (PAC), não foram concluídos.
estiver acima de 94% do volume útil e os
Em 30 anos, o país investiu cerca de US$2 rios e açudes da bacia receptora – Nordeste MST OCUPA ÁREAS
bilhões (R$3,48 bilhões) em obras de irri- setentrional – estiverem com nível de água Terras do perímetro irrigado Jaguaribe-
gação, segundo o banco. A construção abaixo da média. Os dois fatores só aconte- Apodi, na divisa do Ceará com o Rio Gran-
de um perímetro irrigado inclui a instala- cem a cada 12 anos. de do Norte, são disputadas por empresas
ção de canais para levar a água de um de fruticultura, pequenos agricultores nati-
reservatório às terras irrigáveis, máquinas “Uma análise acurada mostra que o pro- vos e até pelo MST. Dos 5.400 hectares do
para seu bombeamento, estações eleva- jeto está bastante descolado da realidade perímetro já implementados, 2.600 estão sem
tórias, equipamentos para a distribuição da região, pois não leva em consideração cultivo algum. Diante das terras ociosas e
da água (como os pivôs que fazem a água a existência, em praticamente todos os dos canais d’água que passam no meio de-
jorrar do alto), microaspersores e man- estados, de uma importante infra-estru- las, 160 agricultores que já foram irrigantes
gueiras para gotejamento (que permitem tura hídrica ociosa”, afirmou o doutor em da área, mas que tiveram de entregar seus
um menor desperdício de água), além de Hidrologia e Irrigação e professor da Uni- lotes para cobrir dívidas, ameaçam até inva-
galpões para a estocagem da produção. versidade Federal do Rio Grande do Nor- di-las para começar a trabalhar.
te, João Abner Guimarães. Desde 2000, a
Além das áreas do DNOCS, há no Nor- proposta teve orçamentos variados, que Água não é problema na região, garantida
deste meridional, ao longo do Rio São oscilaram de R$2,7 bilhões a R$20 bilhões. pelo Rio Jaguaribe, que foi perenizado pelo
Francisco, outros 25 projetos de irriga- “Conforme estatísticas da Sudene (de açude Orós. O que impede que as terras
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estejam sendo totalmente cultivadas é, para
NOTA DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO os agricultores, a especulação imobiliária,
DE SOLIDARIEDADE AO BISPO DE BARRA, DOM FLAVIO CAPPIO pois a área será beneficiada pela transpo-
sição do São Francisco. “Um hectare de
terra valia antes R$40. Depois, já foi vendi-
do por R$1.400”, informa José Maria Filho,
da Associação dos Ex-Irrigantes do Proje-
to Jaguaribe-Apodi. “Essa terra é muito
fértil. É só ter água.” Os 160 agricultores
estavam entre os beneficiados do períme-
tro quando o projeto começou a ser im-
plantado, no final dos anos 80.
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