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Meio ambiente, resíduos, colaboração e cultura faça você mesmo.

Por: Edison Cabeza, Designer de produto e Mestre em Design Unesp.


Técnico e Educador do laboratório Maker do Projeto Arrastão.

A questão ambiental:

Aproveitando o dia mundial do meio ambiente que foi instituído pela organização das
nações unidas (ONU), em dezembro de 1972 e cujo objetivo principal é de conscientizar as
populações ao redor do mundo a respeito da importância de proteger os recursos naturais e
para que os povos adquiram uma postura consciente sobre a preservação do planeta, foi
decidido fazer um aporte a esta discussão desde o ponto de vista da colaboração e a
cultura maker sem esquecer as questões do lucro e os resíduos.

Ao contrário da maioria das espécies naturais, os humanos se caracterizam por fabricar


artefatos para seu benefício ou para adaptar o entorno natural às suas necessidades.
Nossos avós viveram a época em que existia um sapateiro, um alfaiate, um ferreiro e um
marceneiro no bairro que fabricava coisas para a comunidade, as pessoas faziam suas
roupas, sapatos e até suas próprias casas, a maioria dos materiais usados eram produzidos
no entorno, a maioria deles era biodegradável ou era usado e reaproveitado muitas vezes;
mas a industrialização tirou nossa capacidade para fazer coisas, seja por falta de tempo,
falta de ferramentas, conhecimento técnico perdido ou simplesmente porque é mais fácil
comprar no mercado. Assim, os humanos fomos degradados à condição de meros
consumidores de objetos feitos e embalados com materiais industrializados criados e
usados indiscriminadamente, obviando suas consequências para o ambiente.

Esse consumismo exacerbado criou outro problema: os mares, rios e córregos, viraram
esgotos e cemitérios de plástico, as florestas começaram a desaparecer, muitas espécies
de animais se extinguiram, guerras por recursos naturais surgiram e o planeta se
esquentou; por isso, a sobrevivência da humanidade no planeta terra, está sendo
questionada. É preciso fazer mudanças radicais na forma em que nos relacionamos com o
mundo ou as consequências serão catastróficas.

Devemos fazer um balanço entre o lucro rápido numa economia de crescimento infinito, que
faz da contaminação um negócio rentável ou em salvar o planeta com recursos finitos;
crescimento econômico infinito e recursos limitados quebram as leis fundamentais da
natureza. A fundação Minderoo fez um estudo1 que demonstra que 100 companhias
produzem o 90% de todos os resíduos plásticos descartáveis gerados globalmente, uma
pequena fração de empresas, detêm o destino da crise mundial do plástico em suas mãos.
Enquanto ao uso da água, segundo a ANA2 (agência nacional de águas), “em 2010 a
irrigação foi responsável por 72% da vazão consumida; o uso dos animais por 11%; o uso
urbano por 9%, o industrial por 7% e o rural (o consumo das pessoas e a não a atividade
agrícola) por 1% do total consumido “ (ver figura 1) não é suficiente cumprir um papel de
bom cidadão ao deixar a garrafinha PET no local certo ou consertar o vazamento da

1
https://cdn.minderoo.org/content/uploads/2021/05/18065501/20210518-Plastic-Was
te-Makers-Index.pdf
2
http://www2.ana.gov.br/Paginas/imprensa/noticia.aspx?id_noticia=12365
torneira, é necessário cobrar ações efetivas de quem mais contamina, tanto como cidadãos,
como consumidores.

Figura 1. Consumo de água no Brasil. Fonte: ANA

Frear a problemática ambiental atual, requer um esforço gigante que involucra a Estados,
companhias e grandes organizações multilaterais, para que conjuntamente se criem
mudanças sistemáticas desde uma abordagem holística para lidar com a poluição em toda
a cadeia do valor, com foco na prevenção ao invés da cura; forneçam soluções eficazes,
que vão desde a criação de vida sustentável à redução de desperdício; pressionar pelo uso
e criação de materiais que sejam responsáveis durante seu ciclo de vida, desde a extração
e produção até o uso final; melhorem os sistemas de reciclagem, compostagem e descarte
que sustentem a saúde das pessoas e do planeta.

A natureza pode servir como inspiração para novos sistemas de produção sustentável, as
árvores jogam toneladas de folhas no chão, mas essas folhas são aproveitadas por outros
seres vivos, que as utilizam e dão vida ao solo e o entorno, por meio de matéria orgânica
compostada, o que pareceria lixo a simples vista é o início do sistema que sustenta a vida
nas florestas.

Os indivíduos além das pequenas ações individuais recomendadas como reciclagem,


poupança no uso de água e energia, devem ter uma ação comunitária forte, formar
cidadãos críticos que compreendam a complexidade do tema ambiental, que criem
parcerias entre cidadãos, trabalhadores, governos, expertos, líderes empresariais para
tomar decisões sobre o presente e futuro do design de materiais, manufatura e gestão de
resíduos; apoiar e melhorar as condições dos trabalhadores e catadores de materiais
recicláveis e o sistema de operação para uma transição justa para uma economia de
materiais nova e segura; pressionar os Estados para tramitar leis de produção responsável,
que responsabilize às companhias pelo custo dos impactos de todo o ciclo de vida dos seus
produtos e embalagens, investir junto com as empresas e universidades pesquisas para
inovar e projetar melhores materiais e sistemas. Os primeiros Estados que logrem produzir
de forma amigável com o planeta, serão as potências econômicas no longo prazo. É claro,
se conseguirmos sobreviver até lá.

Novas tecnologias, inovação, colaboração e propostas ambientais.

Neil Gershenfeld professor do MIT (Instituto tecnológico de Massachusetts) aponta que não
existe uma separação entre a ciência da computação e a ciência física, com isso, é possível
mediante programas processar tanto os átomos como os bits, ou seja, linguagens de
computador podem ser convertidas em objetos físicos e viceversa, tipo o teletransporte nos
filmes e séries de ficção científica. O mais interessante do assunto é que esse tipo de
tecnologias são mais acessíveis para as pessoas que gostam de pôr mãos na massa
(Makers). O arrastão por exemplo tem um labmaker com algumas dessas tecnologias
disponíveis para as comunidades da periferia da Zona Sul de São Paulo.

O acesso cada vez mais popularizado de tecnologias de fabricação digital, permitem uma
dinâmica acelerada de inovação e criação de valor, que permite a cada indivíduo,
comunidade e mesmo empresas a desenvolver suas soluções ao invés de se limitar às
soluções que o mercado tradicional oferece. Assim, usuários, fabricantes e projetistas,
podem se juntar para criar, projetar, fabricar produtos e serviços, adaptados a suas
necessidades particulares e com benefícios para todos. Isso é um retorno ao modelo da
indústria artesanal de produção e consumo que não se via desde os primeiros dias da
produção industrial, e também é uma oportunidade de criar soluções desde a base da
pirâmide, para melhorar nossa relação com a natureza.

Ações colaborativas para um mundo sustentável

A capacidade de transformar e projetar nosso entorno, de juntar pessoas numa causa


comum, possibilita a exploração de soluções para reverter alguns danos causados pelo
modelo de desenvolvimento atual; várias ações nesse sentido serão apresentadas,
focando em propostas relacionadas à cultura Fazendo junto (DIT - Do it together) e a faça
você mesmo (DIY - Do it Yourself) que são potencializadas com as tecnologias da internet
e de fabricação digital.

A gambiarra

A gambiarra é típica e muito presente na cultura popular brasileira, que numa sociedade
precária oferece uma respiro econômico e ao mesmo tempo é uma luta contra a
obsolescência programada e é a forma mais criativa de alargar a vida dos produtos, que de
outra forma terminariam no aterro sanitário. (ver figura 2)
Figura 2. A gambiarra evoluiu. Fonte:
https://i.pinimg.com/originals/d3/d2/93/d3d2934dc708f2d8a0dbcadb7ba50143.jpg

Precious Plastic3

Para um mundo onde só 10% do plástico é reciclado, o designer holandês Dave Hakkens
criou uma proposta de 4 máquinas (ver figura 3) para triturar garrafas de plástico e
transformá-las em fios e placas que podem ser convertidas em vasos, luminárias,
brinquedos entre outros. O melhor de tudo é que o passo a passo, lista de materiais,
modelo de negócio em toda a cadeia produtiva é de código aberto (open source) ou seja,
que qualquer pessoa interessada no projeto pode usar, modificar, e compartilhar essa ideia.
Assim, o projeto pode ser usado livremente para abrir um pequeno negócio, usar num
projeto social ou educativo; o site de Precious Plastic garante a conexão com uma rede
mundial que faz parte do projeto, isso garante um desenvolvimento e aprendizagem
colaborativo.

3
https://preciousplastic.com/index.html
Figura 3. Basic machines, fonte: https://preciousplastic.com/

Jardinagem de guerrilha

Consiste em plantar em terrenos abandonados ou áreas sem o devido cuidado, negligenciadas


pelas prefeituras ou seus donos legais (ver figura 4). Assim, terrenos que estavam
abandonados, criando problemas de mosquitos, de segurança e cheios de entulho, se
convertem em jardins que produzem comida, flores ornamentais ou frutas disponíveis para as
comunidades que circundam o terreno intervenido.

Aproveitando o espaço disponível na cidade, as hortas urbanas se convertem numa excelente


alternativa para suprir a demanda de alimentos atrelada ao crescimento populacional, evitando
assim desmatamentos desnecessários, ao mesmo tempo que se descentraliza a produção de
alimentos, trazendo como vantagens a diminuição dos custos em transporte desde os locais de
produção até o consumidor final, evitando assim a emissão de gases de efeito estufa. Enquanto
aos aspectos econômicos, a jardinagem de guerrilha serve para movimentar a economia local,
gerar novos empregos e fonte de renda para os moradores dos terrenos intervenidos, por outro
lado, ao eliminar os intermediários, a margem de lucro aumenta fazendo viável um cultivo
orgânico, sem agrotóxicos, isso melhora a saúde da comunidade ao mesmo tempo que é criada
coesão social na comunidade.
Figura 4. Horta Comunitária no Jardim Takebe, Crédito: Marcos Luiz

SO+MA4
É um programa de fidelidade para criar novos hábitos e ampliar as oportunidades nas
comunidades de baixa renda. A iniciativa tem por objetivo criar novos hábitos e um
ambiente empreendedor nas comunidades da periferia, com tecnologia e engajamento. A
so+ma é uma plataforma que utiliza materiais recicláveis como moeda de troca. Promove a
conscientização e o impacto ambiental, além de colaborar com a geração de renda das
comunidades da região.

Fonte: https://www.facebook.com/somavantagens

4
https://www.somavantagens.com.br/
PIMP my carroça5

É um movimento que atua desde 2012 para tirar os catadores de materiais recicláveis da
invisibilidade – e aumentar sua renda – por meio da arte, sensibilização, tecnologia e
participação coletiva. A missão do projeto é a de criar e desenvolver ações criativas e
colaborativas a fim de impactar positivamente no reconhecimento e remuneração justa dos
catadores e catadoras de materiais recicláveis perante a sociedade civil, poder público e
privado, no Brasil e no mundo.

Fonte:
https://super.abril.com.br/blog/planeta/pimp-my-carroca-acao-que-tuna-carrocas-para-valoriz
ar-catadores-chega-a-curitiba/

Cataki6

É um aplicativo que conecta pessoas e empresas com catadoras e catadores de


recicláveis. De tudo o que é reciclável, só é aproveitado o 2% e os e as catadores coletam
cerca de 90% de tudo que é reciclado no Brasil. Trabalhadores autônomos são a base da
pirâmide de um setor não regulado e não reconhecido que sobrevivem com a venda do que
coletam. Plástico e papelão, por exemplo, valem cerca de R$ 0,20 / kg, e o vidro cerca de
R$ 0,05 / kg. O Cataki existe para aproximar geradores e catadores de resíduos,
aumentando a reciclagem e a renda.

5
https://pimpmycarroca.com
6
https://www.cataki.org/pt/
Fonte: https://www.cataki.org/pt/

Open Source Ecology7


Marcin Jakubowski con un Ph.D em física de fusão da Universidade de Wisconsin, frustrado pela falta
de relevância dos temas urgentes do mundo na sua formação, fundou uma rede de agricultores,
engenheiros e colaboradores que estão desenvolvendo o Set de construção da aldeia global (GVCS),
de código aberto, baixo custo, com uma plataforma de alto rendimento tecnológico que permita a
fácil fabricação, de 50 diferentes máquinas industriais que são necessárias para segundo eles para
construir uma civilização sustentável com todas as comodidades modernas. As CGVS reduzem as
barreiras de entrada na agricultura, na construção e fabricação de podem ser vistas como um grupo
de LEGO de tamanho similar ao conjunto de ferramentas modulares que podem criar economias
inteiras .

7
https://www.opensourceecology.org
Fonte: https://www.opensourceecology.org/gvcs/

Como comunidade podemos aportar um grão de areia na solução da problemática


ambiental, assim, o projeto Arrastão com seu núcleo de empreendedorismo Arrastart e seu
Labmaker, abre suas portas para trabalhar comunitariamente em soluções em prol do
ambiente.

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