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DESIGN E SUSTENTABILIDADE

AULA 4

Prof. Jaime Ramos


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, vamos tratar das possibilidades e limitações do ecodesign e


da necessidade de transformações mais radicais nos sistemas de produção e
consumo atuais, para que seja possível alcançar não apenas a sustentabilidade
ambiental, mas também a sustentabilidade econômica e social. Falaremos
também sobre as possibilidades e limitações da criação de Sistemas de Produtos
e Serviços (a sigla mais conhecida é PSS, de Product-Service Systems) como
alternativa para o atendimento de necessidades funcionais e de bem-estar,
levando em conta também a redução de impactos ambientais das interações
humanas com o meio ambiente.

CONTEXTUALIZANDO

A maneira de encarar os problemas ambientais atuais tem evoluído. No


passado recente, predominavam as ações de remediação, ou seja, que visam a
controlar a poluição colocando filtros nas chaminés, ou adotando técnicas de
tratamento de efluentes para limpar a água contaminada. Hoje em dia, ganham
destaque as ações de prevenção nas quais o design pode dar uma grande
contribuição ao projetar soluções que eliminem ou reduzam danos ao meio
ambiente causados pelas ações humanas.
Falando em ações humanas, vimos anteriormente que o crescimento
populacional e os aumentos da renda média da população contribuem para
facilitar o acesso a bens de consumo e o atendimento às necessidade humanas,
mas trazem como consequência negativa a aceleração da extração de materiais
da natureza, além do aumento da poluição do ar, do solo e da água.
Segundo a Global Footprint Network (2019), para um ano de consumo, se
toda a população mundial vivesse como a dos Estados Unidos, seriam
necessários cinco planetas Terra, ou três, no caso da Alemanha; o Brasil está
dentro da média mundial, que é de 1,7 (o que já está acima da capacidade de
regeneração dos ecossistemas em nível global). No entanto, se todos seguissem
o mesmo padrão de consumo da população do Haiti, esse número seria de
apenas 0,41. Isso evidencia que, além de a humanidade estar ultrapassando a
capacidade do planeta de absorver impactos ambientais, existe ainda outro
grande problema: a desigualdade na distribuição dos recursos.
Considerando que a população deve continuar aumentando, que é
desejável que a renda per capita média continue aumentando, e que é
necessário que sejam reduzidas as desigualdades para que possamos viver em
uma sociedade mais justa, surge o grande desafio: como oferecer bem-estar e
atender às necessidades humanas sem ultrapassar a capacidade de
regeneração do planeta?

TEMA 1 – BENEFÍCIOS DO ECODESIGN

O ecodesign visa, basicamente, incluir na concepção de produtos ou


serviços estratégias para a redução de impactos ambientais desses sistemas.
Essa adoção de estratégias serve para reduzir os impactos ambientais do ciclo
de vida do produto, o que envolve a extração de materiais, a fabricação,
distribuição e descarte de materiais, bem como o uso da energia e as emissões
durante esse ciclo. O objetivo é a redução dos impactos ambientais, diminuindo
a extração de recursos naturais, as emissões para o meio, com vistas a
minimizar as consequências negativas para a contaminação do solo, do ar e da
água.

1.1 Uso mais eficiente dos recursos naturais

Do ponto de vista do meio ambiente, as vantagens do uso mais racional


dos recursos naturais passam pela redução da poluição, segurança climática e
preservação da biodiversidade. Do ponto de vista da empresa, isso traz reduções
dos custos com o consumo de materiais e energia, bem como ajuda a evitar as
eventuais multas e problemas de imagem perante os clientes, que podem ser
causados pela responsabilização por danos ao meio ambiente. Para o usuário,
ajuda a reduzir gastos com o consumo de energia e materiais durante a fase de
utilização.
O design pode contribuir para reduzir o uso de recursos naturais de
diversas maneiras. O design de embalagens pode desenvolver sistemas que
eliminem a necessidade de embalagens ou que pelo menos reduzam a
quantidade de materiais necessários para dar forma a essas embalagens. O
desenvolvimento de sistemas de refil é um exemplo disso. O usuário compra a
embalagem, feita com material resistente, uma única vez. Depois compra um
refil, que usa bem menos material que a primeira embalagem e faz o seu

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reenchimento. Dessa forma, ao descartar o refil, reduz o volume de material que
seria lançado no meio. Produtos concentrados ajudam também a reduzir o
volume das embalagens, os materiais nelas utilizados, e os impactos ambientais
do transporte.

Figura 1 – Refil

Crédito: Jefferson Schnaider.

Na Figura 1, por exemplo, o cliente compra a embalagem maior (de


três litros) e depois enche novamente com o conteúdo da menor (de 500 ml),
que funciona como um refil, com o produto concentrado. Depois, adiciona água
para completar e tem o sabão pronto para uso.
A criação de embalagens práticas e fáceis de usar, à prova de respingos,
também pode contribuir para reduzir desperdícios. Entretanto, a criação de
interfaces que estimulem o uso mais racional dos materiais e da energia também
faz parte das ações por um design mais amigo do meio ambiente.

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Figura 2 – Interface para máquina de lavar roupa via aplicativo móvel, que
possibilita o melhor controle de fatores como consumo de água e de energia

Crédito: Andrey Suslov/Shutterstock.

1.2 Agregar funcionalidade e eficiência

Soluções que usam menos material podem ser também mais práticas e
eficientes, assim como embalagens com menos materiais podem ser simples e
fáceis de abrir. A marca esportiva Puma desenvolveu um sistema de embalagens
para sapatos que elimina a necessidade das tradicionais caixas. O sistema é
composto por uma sacola contendo uma pequena quantidade de papelão dentro,
de modo a dar a ela forma de caixa, facilitando o transporte e o armazenamento.
Ao comprar, o cliente recebe o sapato dentro da sacola e a alma de papelão é
retirada e separada para a reciclagem. Isso reduz a quantidade de papelão da
caixa tradicional e a necessidade de fornecer uma sacola adicional para que o
cliente possa transportar sua compra.

Saiba mais

Conheça a embalagem especial da Puma no link a seguir. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=vwRulz8hPKI>. Acesso em: 26 set. 2020.

1.3 Promoção e competitividade

O compromisso com a sustentabilidade também é um dos fatores que


colabora no sucesso de muitos negócios. Com o aumento da responsabilidade
das empresas sobre as suas ações e a necessidade cada vez maior de
transparência perante o público, as corporações tem investido cada vez mais em
ações sustentáveis, não apenas do ponto de vista ambiental, mas também do
humano e social.

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A empresa de origem inglesa The Body Shop iniciou nos anos 1970 como
um pequeno empreendimento, mas com propostas ambiciosas para as suas
interações sociais e ambientais. Oferecia produtos (cosméticos) com o mínimo
de embalagens, sem componentes prejudiciais à saúde humana e sem testes
em animais. Comprava insumos de comunidades carentes na África e da
Amazônia, extraídos da floresta sem a necessidade de desmatamento. Com
essas propostas cresceu e se tornou uma empresa multinacional valiosa.
Segundo Vieira (2017), foi comprada pela empresa Natura em 2017 por 1 bilhão
de euros.
A Natura é uma empresa brasileira que também é destaque na busca da
sustentabilidade ambiental. Isso demonstra que a busca de soluções mais
sustentáveis do ponto de vista do meio ambiente também pode ajudar na
sustentabilidade econômica, garantindo a competividade e o sucesso de uma
empresa.

Figura 3 – Fachada de loja da The Body Shop

Crédito: Mrfiza/Shutterstock.

A Natura também tem ações de desenvolvimento social.

A linha Ekos utiliza ativos da biodiversidade brasileira e cujo


fornecimento e repartição de benefícios geraram, ao longo destes
anos, mais de 8,5 milhões em recursos. Em 2010 a marca estabeleceu
mais uma parceria com 8 novas comunidades, beneficiando 263
famílias. No total a empresa tem 26 comunidades parceiras nas regiões
Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil e no Equador, reunindo 2.084
famílias no seu processo de negócio (Lucca, 2002, citado por Vezzoli
et al., 2018)

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1.4 Oportunidade para a inovação

A inovação e a sustentabilidade têm uma ligação muito forte. Ambas estão


voltadas a mudar de alguma forma o futuro. A sustentabilidade ambiental se
preocupa com a sobrevivência no futuro. O design e a inovação só fazem sentido
se puderem contribuir para que esse futuro aconteça.
Restrições de projeto são um poderoso estímulo à criatividade, pois nos
obrigam a pensar diferentemente, a ver as coisas de outra forma, o que nos leva
a soluções inovadoras. A busca por sustentabilidade nos obriga a descobrir
soluções que normalmente são muito lógicas. Fazer mais com menos material e
impactos é um caminho que deve ser buscado quando tomamos consciência de
que esses recursos são finitos.

TEMA 2 – LIMITAÇÕES DE UM ECODESIGN

As estratégias mais conhecidas do ecodesign esbarram em algumas


limitações, as quais podem contribuir para a redução da extração de recursos
naturais e de emissões para o meio ambiente. No entanto, face à emergência
dos problemas ambientais atuais e futuros, será preciso fazer mais para
equilibrar impactos ambientais das ações humanas com a capacidade de
regeneração do planeta.
De acordo com o Ministério da Transição Ecológica (France, 2019), órgão
do governo francês, ao seguir uma abordagem de design ecológico relacionada
a um produto, é comum observar reduções no impacto ambiental entre 10% e
40% para vários indicadores (de um total de uma dúzia de indicadores
geralmente calculados na análise do ciclo de vida).
No entanto, como falamos no início, já ultrapassamos os limites do planeta
e, em função do crescimento populacional e melhor acesso a bens de consumo,
essa situação pode piorar nos próximos anos.

Várias escolas de pensamento constatam que, para criar uma


sociedade durável, deveríamos nos aproximar de um ponto em que
utilizássemos apenas 10% dos recursos que as sociedades industriais
hoje consomem. Para realizar essa transformação, mudanças radicais
são necessárias. (Unep, 2002 1, citado por Kazazian, 2005, p. 58)

1
UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Product-Service Systems and
Sustainability: Opportunities for Sustainable Solutions. Paris; Milan, 2002. Disponível em:
<http://www.unep.fr/shared/publications/pdf/WEBx0081xPA-ProductService.pdf>. Acesso em:
26 set. 2020.
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Pode parecer utópico imaginar que seja possível reduzir drasticamente a
extração de recursos naturais e as emissões para o meio ambiente. Como seria
possível fazer um automóvel gastando apenas 10% dos materiais ou
consumindo só 10% do combustível de um automóvel atual? Imaginar isso
dispondo da tecnologia atual e dentro do nosso sistema de produção e consumo
vigente, de fato, seria utópico.
Em contrapartida, se as mudanças tecnológicas forem acompanhadas de
mudanças de comportamentos de consumo, é possível ambicionar por
mudanças significativas nos paradigmas de produção e consumo atuais. Se, no
lugar de levar uma pessoa em um automóvel, passarmos a levar duas, já
teríamos uma redução de 50% no impacto ambiental por pessoa a cada
deslocamento.
Em alguns casos, essas mudanças já estão acontecendo. O trabalho
remoto, o ensino a distância e as compras on-line já permitem que a necessidade
de transporte, em alguns casos, seja eliminada ou reduzida significativamente.
O uso de aplicativos de carona permite também que algumas pessoas
compartilhem meios de transporte, reduzindo a necessidade de ter um carro
próprio.

TEMA 3 – MUDANÇAS DE PARADIGMAS DE PRODUÇÃO E CONSUMO

De acordo com Vezzoli et al. (2018):

Uma transformação profunda e radical em nosso modelo de


desenvolvimento é necessária, e o sistema de produção e consumo
nesta “sociedade sustentável” será profundamente diferente do que
temos entendido até o presente. Em outras palavras, a transição para
a sustentabilidade requer mudanças radicais no modo de produzir,
consumir e, de maneira geral, em nosso modo de viver.

Essa busca da sustentabilidade envolve mudanças nos atuais paradigmas


de produção e consumo, ainda baseados na obsolescência planejada e no
consumismo. Encontrar meios para reduzir desigualdades garantindo o conforto
e o bem-estar de uma população em crescimento e, ao mesmo tempo, fazer isso
com menos materiais e emissões para o meio ambiente é o grande desafio.
Atender às necessidades humanas usando menos recursos naturais
passa por evoluções tanto tecnológicas quanto culturais. A tecnologia auxilia na
produção de bens de consumo cada vez mais compactos e que incorporam
vários produtos e serviços, como é o caso dos telefones celulares. No entanto,

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a cultura do modelo “use e jogue fora” também precisa mudar. Passar de um
modelo estruturado na propriedade de bens para um voltado ao atendimento de
necessidades é outra mudança importante.
No modelo atual, o usuário adquire bens e os utiliza até o momento do
descarte. O fabricante é responsável pela produção e distribuição e seu interesse
em reduzir materiais e emissões limita-se a essas fases do ciclo de vida do
produto. O cliente é quem gerencia o uso de materiais e emissões durante a fase
de uso e descarte. Para se manter e expandir seus negócios, o fabricante precisa
aumentar a produção, vender cada vez mais, e, para isso, muitas vezes incentiva
o descarte prematuro.
Se, no lugar de vender produtos, o fabricante passar a vender soluções
que atendem à uma necessidade, o foco muda significativamente. Isso pode ser
feito com um sistema de locação de produtos ou serviços. Muitas empresas já
estão desenvolvendo estratégias nesse sentido. Em lugar de vender automóveis
(produto), que tal vender o transporte (atendimento a uma necessidade)?
Algumas empresas já fazem isso há bastante tempo. Por exemplo: a
empresa, no lugar de vender copiadoras, passou a vender cópias. Qual a
diferença que isso faz para o meio ambiente? Vendendo copiadoras, o fabricante
precisa vender sempre mais máquinas se quiser crescer no mercado. Se a
máquina quebrar ou ficar obsoleta, o cliente precisa comprar outra e, desse
modo, as vendas aumentam, o que é bom para empresa. Agora, se no lugar de
vender a máquina a empresa cobrar pelas cópias, passa a ser interessante para
ela fornecer uma máquina resistente, que necessite de pouca manutenção, que
possa ser atualizada e cujos insumos como o cartucho do toner possam ser
reaproveitados de alguma forma. A empresa pode ganhar menos na venda dos
produtos, mas ganha mais na venda dos serviços.

TEMA 4 – SISTEMAS DE PRODUTOS E SERVIÇOS (PSS)

O conceito de Sistema de Produto e Serviços promove uma mudança de


foco da venda de produtos para a venda de utilidade. Isso é feito por meio de
uma mistura de produtos e serviços capazes de atender às mesmas demandas
dos clientes com menos impacto ambiental. Essa abordagem de negócios atrai
cada vez mais a atenção como um novo modo de aplicar um conceito existente
para conquistar ganhos econômicos e, ao mesmo tempo, reduzir impactos
ambientais (Unep, 2002).
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4.1 Substituição do produto por um Sistema de Produto e Serviço

Uma empresa brasileira do setor dos eletrodomésticos apostou nessa


direção: no lugar de vender filtros de água, passou a fornecer o tratamento da
água. O cliente faz uma espécie de assinatura mensal e recebe o aparelho
instalado em casa; a empresa fica responsável pela manutenção e troca do
elemento filtrante. O Quadro 1 a seguir detalha as mudanças de foco na venda
de produtos para o foco na venda de soluções que aconteceu nesse caso.

Quadro 1 – Exemplo do purificador de água: mudanças de foco na venda de


produtos para o foco na venda de soluções

Venda de soluções – Sistemas de


Venda de Produto – Objetos físicos
Produtos e Serviços (PSS)
O usuário compra um purificador de água. O usuário aluga um purificador para limpeza
Paga pelo aparelho. da água. Paga para ter água pura.
O usuário é dono, usa e mantém. Quando A empresa é dona do purificador e
necessário, faz substituição de peças e responsável pela manutenção e qualidade
verifica a qualidade da água. da água.
O usuário tem de fazer um investimento O usuário paga mensalmente para ter água
inicial que pode ser significativo. A limpa. A verificação, manutenção e troca de
manutenção também gera custos que são peças é de responsabilidade da empresa.
pagos por ele.
O consumidor joga fora o purificador inutili- A empresa é responsável pelo descarte e
zado e arca com os custos de substituição e incentiva o reúso, podendo também fazer a
instalação de um novo aparelho. Se remanufatura e a reciclagem. Se necessário,
descartado de forma inadequada, aumenta fornece ao usuário um aparelho novo.
os impactos ambientais.
Fonte: Ramos, 2020.

Figura 4 – Purificador de água: sistema por assinatura

Crédito: Jefferson Schnaider.

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Observamos, no caso do produto exemplificado, que o fabricante é o
proprietário do produto até o final da sua vida útil. Para ele, é interessante que
esse produto dure bastante e que as trocas de refil sejam feitas só quando
realmente for necessário. Entretanto, como o fabricante é responsável pelo
descarte, ele tem também melhores condições de reaproveitar os matérias, seja
reutilizando componentes, seja reciclando corretamente os materiais.
Nesse caso, a empresa criou um sistema de logística reversa para que
peças descartadas dos produtos voltem ao sistema produtivo ou tenham uma
destinação adequada.
Produtos mais duráveis reduzem a necessidade de extração de novos
materiais e também dos descartes, o que é bom para o meio ambiente. O
reaproveitamento de materiais também reduz a pressão sobre a extração. A
garantia de manutenção do equipamento feita pela empresa oferece
comodidade para o cliente. Ainda, esse sistema de pós-venda de serviços
mantém o contato com o cliente, o que auxilia na sua fidelização e facilita
inclusive a oferta de outros serviços.

4.2 Sistemas de Produto e Serviço: uso coletivo

Do ponto de vista do usuário, o foco muda da posse de um bem que


atende a uma necessidade para o uso de um serviço que também atende àquela
necessidade. Essa transformação envolve mudanças culturais, pois a
associação entre bem-estar e a posse de meios materiais é muito forte na nossa
cultura. Por exemplo, a posse de um automóvel ainda é um sonho para muitas
pessoas, mas, se todos utilizassem o transporte individual, esse sonho poderia
ser um pesadelo para o meio ambiente.
Já disponíveis em várias cidades brasileiras, existem os sistemas de
compartilhamento de bicicletas. No lugar de comprar uma bicicleta, o usuário a
aluga via aplicativo do sistema, pagando somente pelo uso, sem a necessidade
de se preocupar com o estacionamento, pois, ao parar a bicicleta, esta torna-se
disponível para o próximo usuário. Assim, a produção de bicicletas poderia até
ser menor, já que, com o uso compartilhado, menos produtos são necessários.

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Figura 5 – Sistema de compartilhamento de bicicletas

Crédito: Dkai/Shutterstock.

Do ponto de vista da sustentabilidade, a ideia por trás dos Sistemas de


Produtos e Serviços é criar sistemas que possibilitem o atendimento às
necessidades dos usuários sem aumentar o volume de produção de produtos
físicos. Essa redução, como já vimos, é boa para o meio ambiente; para a
economia, isso poderia até provocar uma redução dos empregos na produção,
mas, em contrapartida, aumentaria a oferta de empregos no setor serviços,
gerando benefícios econômicos e sociais.
O desenvolvimento de Sistemas de Produtos e Serviços abre a
oportunidade para novos negócios. Segundo Vezzoli et al. (2018), uma empresa
italiana, a EGO (de guarda-roupas organizados ecologicamente), criou um
sistema de guarda-roupa compartilhado para mulheres. A usuária pode escolher
e retirar sete peças de roupa por semana ao mesmo tempo que devolve as da
semana anterior. As usuárias pagam uma taxa de inscrição e uma mensalidade.
A EGO se responsabiliza por lavar, passar e cuidar da manutenção das roupas,
gerenciando esses serviços e sendo também responsável pelo design e
gerenciamento das peças e de sua produção.
Nesse sistema, não interessaria fazer peças descartáveis. O ideal é que
elas sejam duráveis e possam ser usadas várias vezes, sem muita manutenção.
Isso reduz o impacto ambiental do descarte prematuro. O impacto ambiental de
lavar e passar a roupa também pode ser melhor gerenciado quando feito em
grande quantidade e dentro da empresa. Com o uso compartilhado, menos
peças precisam ser produzidas, o que também reduz a demanda por materiais.

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Ainda, atende a uma necessidade de diferenciação da cliente, que pode usar
uma peça de roupa diferente por dia, sem precisar comprá-las, lavá-las ou
passá-las. A empresa também tem à disposição roupas adequadas para a moda
e para o clima do momento.
Existem também produtos que compramos para atender a uma
necessidade momentânea. Por exemplo, para fazer aquele furo na parede, de
vez em quando, as pessoas compram furadeiras que, em alguns casos, são
usadas uma vez por ano, ou até menos que isso. Sistemas de locação de
ferramentas poderiam suprir essa necessidade e eliminar a compra de objetos
que não são usados com frequência, trazendo vantagens para os clientes
inclusive quanto à liberação de espaço de armazenamento nas residências.

TEMA 5 – OPORTUNIDADES E LIMITAÇÕES DOS PSS

A implantação de PSS cria oportunidades para o desenvolvimento de


novos negócios capazes de gerar benefícios, combinando sustentabilidade
ambiental com sustentabilidade econômica e social.
Novas tecnologias oferecem novas oportunidades para o design de novos
sistemas de produtos e serviços. A explosão no uso de aplicativos móveis abriu
as portas para a expansão de diversos serviços que já fazem parte do cotidiano.
Aplicativos para transporte, locação de imóveis, entrega de comida já provocam
mudanças nos negócios atuais. Nem todas essas mudanças trazem benefícios
para o meio ambiente, mas o design pode se aproveitar dessas oportunidades
para a criação de soluções mais amigas do meio ambiente.
Uma limitação é que, se por um lado o uso compartilhado reduz a
necessidade de produção de mais objetos, por outro, o fato de não ter a
propriedade do bem induz alguns usuários a não ter cuidado com eles, e, em
alguns casos, até a vandalizarem o objeto que não é seu. Isso provoca o
descarte prematuro de materiais, como todos os impactos ambientais dele
decorrentes.

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Figura 6 – Bicicleta de uso compartilhado destruída por vandalismo

Crédito: Lmascaretti/Shutterstock.

Para funcionar e dar certo um PSS ambientalmente sustentável, é


necessário que seja oferecido benefícios para o usuário, para o sistema
econômico e para o meio ambiente. Para tanto, é necessário buscar interesses
comuns entre o usuário e o fornecedor do serviço. Isso poderia ajuda países
como o Brasil a reduzir a desigualdade no acesso a alguns recursos. Por
exemplo, os Sistemas de Produto e Serviço que reduzam as despesas para o
usuário podem ajudar para que mais pessoas tenham as suas necessidades
atendidas.
Do ponto de vista da empresa, ainda existem dificuldades para a
implantação desse tipo de sistema, que, em geral, é orientado para a produção
e venda de produtos. Mudar isso implica mudanças culturais e na própria
estrutura de funcionamento da empresa, envolvendo também riscos financeiros.
Em alguns casos, a empresa precisaria criar um sistema de logística reversa
para que os objetos usados retornassem ao sistema produtivo ou fossem
encaminhados para o reaproveitamento.
Entretanto, as mudanças no sistema de produção e consumo tradicional
já estão ocorrendo, pressionadas pelas normas e pela legislação ambiental, que
aumenta a responsabilidade das empresas para todo o ciclo de vida do produto,
bem como pelas mudanças tecnológicas, por pressões e por mudanças na
sociedade.

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Com a pandemia da Covid-19, em 2020, mudanças no sistema de
produção e consumo que vinham ocorrendo lentamente foram aceleradas. Por
exemplo:

• as compras à distância com apoio da internet se expandiram para atender


à nova necessidade ou quase obrigatoriedade de ficar em casa. Pessoas
que nunca tinham feito compras on-line passaram a fazê-las;
• ensino a distância passou a ser o padrão. Muitas escolas tiveram de
mudar rapidamente do ensino presencial para o on-line;
• trabalho remoto: as atividades que poderiam ser feitas em casa saíram
dos escritórios das empresas para os chamados home offices;
• telemedicina foi liberada pela primeira vez;
• entregas em domicílio aumentaram exponencialmente.

Essas são apenas algumas das mudanças ocorridas em curto período de


tempo, as quais reduziram a necessidade de deslocamentos com efeitos visíveis
sobre a poluição nas grandes cidades. Evidentemente, essas ações foram
forçadas pela pandemia e nada disso foi pensado ou planejado para resolver
problemas ambientais. Em alguns casos, o impacto ambiental pode ter até
aumentado. Por exemplo, em lugar de se alimentar em restaurantes, muitas
pessoas passaram a pedir comida em casa, o que evita deslocamentos. Embora
a entrega também necessite deles, ela pode ser otimizada atendendo a vários
clientes em uma única rota. No entanto, o descarte de embalagens dessas
refeições aumentou significativamente.
De todo modo, é possível prever que, no futuro próximo, muitas dessas
mudanças poderão ser permanentes e que, se isso for planejado e pensando
também na sustentabilidade ambiental, poderemos ter avanços significativos
nessa área.

TROCANDO IDEIAS

Discuta com seus colegas sobre Sistemas de Produto e Serviço que já


existem na atualidade.

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NA PRÁTICA

Analise uma necessidade humana, os produtos que atendem a essa


necessidade hoje em dia e reflita se um Sistema de Produto e Serviço poderia
atender a essa nessa necessidade com menos impacto ao meio ambiente.

FINALIZANDO

Um design que busque soluções para as necessidades do presente dos


quase 8 bilhões de habitantes do planeta e que ao mesmo tempo leve em conta
as necessidades das futuras gerações é uma contribuição importante para a
construção de um mundo mais sustentável.
Essa percepção levou ao surgimento do ecodesign, que busca integrar a
proteção ambiental em cada uma das fases do ciclo de vida dos produtos desde
a extração de materiais até o descarte. Embora essa contribuição seja
importante, ela ainda pode ser insuficiente face aos problemas ambientais que
já enfrentamos hoje e que devem se agravar no futuro.
Mudanças nos paradigmas de produção e consumo atuais podem auxiliar
de forma significativa na busca pela sustentabilidade. Se as empresas mudarem
o foco da venda de produtos para a venda de resultados, isso poderia levar a
soluções que eliminem a necessidade da produção de tantos produtos como
acontece hoje.
As mudanças de paradigmas também fornecem um ambiente ideal para
a inovação e esse é um espaço em que os profissionais da área de design estão
acostumados a transitar. Para os designers, o foco precisa mudar da concepção
de produtos para a concepção de soluções. Essa mudança de foco também é
uma oportunidade para a inovação.
O processo de projeto precisa começar pela identificação de uma
necessidade e, para o atendimento dela, pode ser que um Sistema de Produto
e Serviço seja a solução. Esse processo vai além do produto físico e exige o
design do sistema no qual o produto pode ou não estar inserido. Os valores
estéticos, funcionais e de uso continuam sendo importantes, mas o designer
precisa projetar também as relações dos usuários com esse sistema, para que
ele funcione. Além disso, deve levar em conta aspectos culturais para identificar
possíveis barreiras e como superá-las.

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Finalizando, os Sistemas de Produto e Serviço que reduzem a
necessidade de objetos contribuem para a redução da extração de materiais e
também dos descartes. E Sistemas de Produto e Serviço que reduzem a
necessidade de transporte podem contribuir significativamente para a redução
das emissões derivadas da queima de combustíveis fósseis, grandes
responsáveis pelo aumento do efeito estufa e poluição do ar.

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REFERÊNCIAS

GLOBAL Footprint Network promotes real-world solutions that #MoveTheDate,


accelerating the transition to one-planet prosperity. Global Footprint Network,
Oakland, 23 jul. 2019. Disponível em: <https://www.footprintnetwork.org/2019/
07/23/press-release-july-2019/. Acesso em: 26 set. 2020.

FRANCE. Ministère de la Transition Ecologique et Solidaire. L’éco-conception


des produits. Paris, 7 fev. 2019. Disponível em: <https://www.ecologie.gouv.fr/
leco-conception-des-produits>. Acesso em: 26 set. 2020.

KAZAZIAN, T. Haverá a idade das coisas leves: design e desenvolvimento


sustentável. São Paulo: Senac, 2005.

UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Product-Service


Systems and Sustainability: Opportunities for Sustainable Solutions. Paris;
Milan, 2002. Disponível em: <http://www.unep.fr/shared/publications/pdf/WEBx0
081xPA-ProductService.pdf>. Acesso em: 26 set. 2020.

VEZZOLI, C. A. et al. PSS: Inovação e sustentabilidade. In: Sistema


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VIEIRA, R. Natura é a empresa mais sustentável do ano. Exame, 29 nov. 2017.


Disponível em: <https://exame.com/revista-exame/a-empresa-mais-sustentavel-
do-ano-natura/>. Acesso em: 26 set. 2020.

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