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de vida humana de acordo com a lógica do mercado , reinado seguido de uma profunda
crise sistêmica (idem).
Nesse novo tempo , a matriz dominante quanto à relação com o futuro mudou
significativamente. Na fase anterior de predomínio do capitalismo industrial, a estrutura
temporal foi marcada pela linearidade e pela abertura utópica fomentada pela noção de
progresso: por um lado, tratava-se de se buscar produzir mais dentro de um mesmo
intervalo de tempo, visando-se obter maiores quantidades e de modo mais rápido; por
outro lado, essa aceleração articulava-se a um horizonte aberto do porvir e à fé no
avanço constante em direção ao aperfeiçoamento social, crença esta que vigorou até
meados do século passado.
A dinâmica gerada pela economia-mundo capitalista passou a ser cada vez mais
presentista, efetivando-se numa experiência do tempo assentada, por um lado, em
fluxos de aceleração, de novidade (como também de obsolescência) e mobilidade e, por
outro, na estagnação social de amplas populações, cujo projeto (se assim pode-se dizer)
é o da sobrevivência. A celeridade já não evoca um futuro radioso, ao mesmo tempo em
que se testemunha a debilitação de projetos a longo prazo, típica da racionalidade
competitiva neoliberal:à oàfutu oàdasà ia çasà ãoà à aisài te p etadoàe àge alàdeà odoà
individual – como um desejo de promoções e de bem-estar social – mas como uma
uestãoàdeàso evidaà oletiva à Nowotny, 1992:51, trad. A.). As velocidades relativas da
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se não fosse exercido nem pela repressão nem pela ideologia. Livre ,
o devedor não tem, no entanto, outra escolha a não ser inscrever suas
ações, suas escolhas no caminho definido pelo reembolso da dívida que
contraiu (...). As modalidades de gestão da dívida comprometem as
gerações por vir. E conduzindo os governos a prometer e honrar suas
dívidas, o capitalismo se apodera do futuro (Lazzarato, 2012).
Do ponto de vista sistêmico, uma questão que se pode extrair é: como nossa
arquitetura tem enfrentado essa condição em que, socialmente, algo de realmente
significativo se desfez? Nessa condição, a noção de espaço público tem sido atacada em
seu núcleo, uma vez que a ideia de democratização de práticas coletivas tem sido
substituída pela ideia do risco associado a essas práticas, muitas vezes acompanhadas
de duras repressões: Esta osà vive doà u aà so iedadeà se u it ia deà is o ,à
argumenta Pauloà á a tes,à ujoà gove oà à aà so ató iaà deà u à se -número de
estratégias preventivas, nos moldes do Direito Penal do Inimigo, pelo menos como
ponto de fuga normativo . A mesma lógica parece reger algo como uma situação de
perene emergência econômica (...) (2014:318).
Nesseà ovoàte poàdoà u do , pode-se dizer que, entre nós, o campo do projeto
de arquitetura e suas fabulações sofreu um ataque matricial, perdendo muito do seu
possível estofo sociopolítico, em prol de um pragmatismo exasperado. Além disso, o
fato dos projetos públicos terem diminuído consideravelmente, tem favorecido a
hegemonia do privado, tradicionalmente pouco afeito à valorização do social em nossa
cultura, o que tem criado uma condição bastante delicada para a atuação de nossos
arquitetos e urbanistas.
Esse cenário contemporâneo, se, por um lado, tem acarretado entre nós este
acantoamento do potencial cultural da arquitetura e de suas ficções (entendidas aqui
como criações imaginárias calcadas no real) –- por outro, contraditoriamente, tem sido
campo de atuação e matéria-prima de uma profícua produção de ficções artísticas,
transformando sensivelmente os espaços urbanos em que se envolvem.
Tomado em amplo espectro, o que se tem visto nas últimas cinco décadas no
país é um florescimento qualitativo notável desse âmbito artístico, produzindo novas
formas estéticas e gerando uma pluralidade tanto de produtores quanto de
espectadores, de modo a reconfigurar completamente a cena urbana neste campo da
cultura. Vetores de proposição e atuação artística que nos anos sessenta e setenta
estavam apenas despontando, transmutaram-se num espaço de produção diversificado,
amplo e rizomático.
Um dos eixos políticos que atravessa trabalhos como esses é uma insistência em
se repensar o comunitário, o engajamento de coletividades, ao mesmo tempo em que
formulam-se sínteses críticas e um investimento no potencial de latências coletivas,
antepondo-se a injunções que desestabilizam a vida socialmente. Neles, o porvir de um
outro modo de viver é ensaiado no presente, tomando corpo, mostrando-se em uma de
suas facetas.
O espetador que essa peça trabalha é muito próximo daquele que Rancière
de o i aà o oàoà espe tado àe a ipado :à àoàseuàolha ,àsuaàsu jetividade,à e ó ia,à
ideário e suas montagens – e não as falas ou representações dos atores – que darão
conta (ou nâo) de elaborar este percurso cênico como uma experiência artística e crítica.
No registro escrito por um deles, lê-se:
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Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MB4jJXSqugo – acesso janeiro de 2016.
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têm, a seu modo, constituído essas cenas, oxigenando-nos. Resta-nos a imensa tarefa
social de reconfigurar tais ficções, em relação à arquitetura.
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Referências
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(orig.:2003).
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