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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Texto Transcrito de:


A Genealogia de um Novo Paradigma
- Manoel Cabral de Castro
* Mestre e Doutor em Ciências Sociais
(USP).
* Pós-doutor École des Hantes Études em
Sciences Sociales*

ANTECEDENTES

Há quase uma década o desenvolvimento sustentável vem


sendo debatido, semanticamente, mais como bandeira política do que
como objetivo social.

A carga político – emocional com que se vem tratando o


assunto decorre de um emaranhado de problemas mundiais, no qual
despontam a desordem econômica, a explosão demográfica e a
saturação do meio ambiente. Nessa arena de conflitos e interesses, as
transformações de final e início de séculos podem, com facilidade, ser
comparadas às que ocorreram a partir da primeira revolução industrial,
isso porque, “nossas sociedades estão deslocadas pela agonia de uma
ordem que, ainda por um longo tempo, poderá sobreviver a sua própria
morte sepultando – nos sob seus aparelhos inertes” (GORZ, 1988, p.13).

No centro dessas ocorrências, está a condição, sempre


questionada, do trabalho produtivo como valor central nas sociedades
industriais seja pela crescente redução da oferta de trabalho, seja pela
precarização dos postos oferecidos, o que acirra a disputa por vagas,
aumentando a desregulamentação e fazendo crescer a informalidade.

A realidade é que não temos, no plano global, uma


civilização de produtores e trabalhadores. Para a maioria dos povos o
trabalho não é o principal suporte social, nem o “principal fator de
*
Revista Economia e Empresa – Instituto Presbiteriano Mackenzie, Universidade Mackenzie. Vol.3 – n° 3,
julho/setembro 1996.
socialização, nem a ocupação principal de cada um, nem a principal fonte
de riqueza e bem – estar, nem o sentido e centro de nossas vidas”
(GORZ, 1991, p.52).

A partir daí é preciso aceitar que o trabalho como processo


generalizado e altamente significativo bate de frente, nas sociedades
industriais, com a busca do desenvolvimento “como expressão máxima
da crença no processo e na contínua melhoria do bem-estar” (CASTRO,
1996, p.23). Chega-se, assim, à simbiose desenvolvimento + progresso
socioeconômico + desenvolvimento.

Como o crescimento assume, muitas vezes, formulações


perversas, é preciso exorcizar a idéia de que o desenvolvimento com
base nos avanços tecnológicos e científicos é “sempre capaz de garantir
o desabrochar das potencialidades humanas, da liberdade e dos poderes
dos homens” (MORIN, 1994, p.441).

Assim, uma nova concepção do desenvolvimento torna-se


indispensável como forma de reduzir os efeitos da crise mundial (ricos x
pobres) e encontrar soluções para a pobreza estrutural que assola mais
de uma centena de países. Para Sachs cabe à ONU enfrentar “o mais
importante desafio intelectual dos próximos anos que será a renovação
do pensamento sobre desenvolvimento” (SACHS, 1995, p.12).

Castro (1996, p.24) afirma:

Despojadas desde o Renascimento de uma providencia a que


possam confiar o seu destino, as sociedades e os indivíduos que
as integram não podem abdicar da decisão de moldar seu
futuro. Ora, o desenvolvimento, até hoje, constitui uma poderosa
alavanca de que dispõem para organizar o futuro como projeto
social.

As reflexões, até aqui propostas, nos autorizam a buscar o


entendimento do que seja desenvolvimento sustentável.
CONSTATAÇÕES

A busca de um novo paradigma de concepção do


desenvolvimento, com base em processos de produção que mantenham
a sustentabilidade apoiada nos recursos materiais e humanos, tem sido
banalizada pelos discursos vazios das autoridades mundiais.

Esse estado de coisas pode ser confirmado pelas seguintes


constatações: a) desenvolvimento e desenvolvimento sustentável são
termos vulgarizados ao longo do tempo; b) apesar da ênfase dada, os
resultados efetivos ficaram muito aquém do que prometeram os
discursos e os tratados internacionais. Isso porque “uma visão estreita e
elitista levou a supor que, uma vez ocorrido o crescimento rápido das
forças de produção, ter-se-ia um processo completo de desenvolvimento
que se espargiria espontaneamente para todas atividades humanas”
(SACHS ap. CASTRO, 1996, p.25), e, c) após os abalos decorrentes da
questão ecológico/ambiental e pela crise social da idéia corrente de
desenvolvimento, já não mais há como adiar a reconversão desse
conceito, o que se torna um grande desafio nesse início de século.

O que falta é, a partir de analises diferenciadas, estabelecer


uma teoria que dê conta das tendências de globalização do capitalismo
nas áreas não econômicas, e que reflitam políticas e ações globais que
dominem o econômico em favor da humanidade.

As considerações anteriores têm duas conseqüências,


segundo o que afirma Castro (1996, p.26):

... uma é que são os movimentos da realidade sócio histórica


acelerados pelo frenesi do desenvolvimento que expõem as
dificuldades e deficiências dos conceitos utilizados na explicação
deste processo, acarretando a crise dos mesmos. A outra é que
esse entrechoque entre teoria do desenvolvimento e dinâmica é,
por sua vez, revelador da dimensão do conceito que estava
esquecida e que é preciso ser levada em conta.

Com essa visão cabe registrar os dois momentos de crise


que abalaram a concepção vigente de desenvolvimento até meados da
década de noventa.

O primeiro momento crítico estabeleceu-se a partir da


constatação de grandes áreas geográficas do planeta submetidas a um
rigoroso subdesenvolvimento que se instalou, paralelamente, ao esforço
de reconstrução da Europa (30 anos gloriosos) logo após a Segunda
Guerra Mundial. Neste ponto crítico duas correntes se contrapuseram.
De um lado, defendeu-se a idéia de que o progresso tratava-se de um
processo linear e que, segundo Rostov, o desenvolvimento resulta de
uma sucessão de etapas que expressam a dinâmica de um processo
universal, único, linear e ascendente, o que implica dizer que o
subdesenvolvimento é tido como mero atraso. Rostov (1964, p.147): “o
fato central acerca do futuro poder mundial é a aceleração das
precondições ou os prolegômenos do arranco na metade meridional do
mundo”. Por outro lado, o desenvolvimento é visto como um processo
histórico, específico e capaz de seguir várias trajetórias não-lineares.
Nesta visão, subdesenvolvimento é tido como resultado do avanço do
capitalismo sobre os países pré-industriais. Nesse modelo, as relações
de dependência no plano externo de cada país subdesenvolvido
correspondem à formação de estruturas híbridas. Furtado (1963, p.180-
81) explica:

O subdesenvolvimento é [...] um processo histórico autônomo e


não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as
economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento.
Para captar a essência do problema das atuais economias
subdesenvolvidas, necessário se torna levar em conta essa
peculiaridade.

A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe –


CEPAL – desenvolveu uma teoria cuja relação centro-periferia é
definidora de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Aqui, o interesse
é explicar as características desse processo num “sistema econômico
mundial composto por centro e periferia...em contraste com a estrutura
produtiva da periferia, especializada e heterogênea, a dos centros se
caracteriza por ser diversificada e homogênea” (RODRIGUES, 1981,
p.37-38).

Dessa concepção, três aspectos devem ser registrados: a)


quaisquer que sejam a vertentes estudadas e as diferenças entre elas, a
tendência é a de identificar desenvolvimento e crescimento econômico;
b) mesmo sem a supremacia de um ponto de vista sobre o outro, a
temática do subdesenvolvimento terminou por impor a necessidade de
elaborar concepções do desenvolvimento como um processo complexo
em que a superação do “atraso” torna-se problemática e incerta, e c)
apesar das controvérsias existentes, o desenvolvimento manteve-se
como um objetivo fundamental para as sociedades.

No andamento dos debates, nesse novo contexto, o


desenvolvimento voltou a ser questionado e, agora, com manifestações
de rua e de grupos organizados.

As agitações estudantis da década de 60 e movimentos


socioculturais como os “hippies” dirigiram seus ataques à supremacia
do capitalismo e do industrialismo sem freios que colocavam a
acumulação material acima das melhorias sociais. Como isso, surgiram
críticas acirradas contra o produtivismo e o consumismo como objetivos
mais importantes da vida humana1.
Da osmose das idéias dos diversos movimentos surge o
novo ambientalismo com objetivos voltados para a compreensão política
das novas demandas desde que fossem preocupadas com os efeitos
devastadores sobre o meio ambiente e a natureza em geral que um
desenvolvimento sem limites estava provocando.
1
Naqueles “anos de utopia e locura”..., o movimento hippie não titubeou em rejeitar a opulência em favor de uma
vida mais despojada, em contrapor ao trabalho regular o exercício de atividades esporádicas e sem patrão, realçar a
riqueza e o prazer do arcadismo da vida no campo contra o artificialismo das cidades, em opor à prepotência
objetivista da ciência ocidental a placidez autocentrada da sabedoria oriental”.
Ao questionar os malefícios que a racionalidade econômica
produz, quando longe da moral e da ética, esses movimentos
denunciavam que a administração do planeta, ao buscar a eficiência a
qualquer preço, colocava a própria morada em perigo. Neste rastro
consolidaram-se os movimentos ambientalistas com propostas
efetivamente inovadoras. McCormick (1992, p.61) afirma:

a natureza e os recursos naturais deixaram de ser a única


preocupação. O novo ambientalismo abrangia tudo, desde a
superpopulação e a poluição aos custos da tecnologia e do
crescimento econômico... ia além do mundo natural
questionando a essência do capitalismo.

Para Castoriadis e Cohn-Bendit (1983, p.24):

não há dúvida quanto à implicação radical do ecologismo, ao


declarar que esse movimento pôs em questão todo o esquema e
a estrutura das necessidades... o que está em jogo no
movimento ecológico é toda a concepção, toda a posição das
relações entre a humanidade e o mundo e finalmente a questão
eterna e central: o que é a vida humana? Vivemos para quê?.

Nesse enfoque, a racionalidade econômica é colocada em


questionamento a partir dos problemas que gera quando se desprende
da moral e da ética. Essas críticas revelaram que as ciências
econômicas, que administravam a aldeia global em sua busca pela
eficiência, punha em perigo a morada de toda a vida. Assim, iniciaram-
se os movimentos ambientalistas.

A racionalidade econômica é questionada em termos de


seus próprios critérios. Contrariamente a eles, mostra-se que a busca
incessante do aumento da produção pode resultar em ameaça à
sobrevivencia do próprio sistema econômico no longo prazo. A
superação dos problemas decorrentes do desenvolvimento industrial
pode exigir não uma nova arrancada, mas a ação de medidas restritivas
ao aumento da produção. Surge daí a idealização de uma racionalidade
ecológica que reivindica sua condição de principio balizador e limitante
do próprio desenvolvimento econômico.

Como não poderia deixar de ser, essa teoria passou a ser


combatida pelo radicalismo que apresentava, eis que no extremo oposto
da racionalidade econômica vigente. Além disso, seus defensores
pregavam, muito mais, a possibilidade de catástrofes do que soluções
para o desequilíbrio entre o Norte e o Sul do planeta.

É dentro desse debate temático que surgem propostas as


quais combinam desenvolvimento econômico e defesa do meio. Muito se
deve ao engajamento da ONU, via PNUMA e de várias outras
organizações, o fortalecimento dessa visão de integração da riqueza
material com os recursos oferecidos pela natureza2.

Foi nos debates da Conferência de Estocolmo em 1972 3 que


surgiram dois novos conceitos, com o propósito de dar conta da nova
problemática.

O primeiro conceito a surgir foi o de ecodesenvolvimento,


defendido por Ignácio Sachs que faz uma dura crítica dos modelos
comerciais e, também, da idéia de crescimento zero defendida pelo
Clube de Roma. A partir da denúncia dos desvios e equívocos desses
pontos de vista, o desenvolvimento é mantido como objetivo, aspiração e
mesmo como um direito de todas as sociedades do planeta.

Assim, advoga-se uma concepção de desenvolvimento em


que este deve atender ao objetivo de eficácias econômicas,
representadas pelo aumento de riqueza, simultaneamente com os
requisitos de ordem ecológica, social, cultural e espacial.

2
ONU: Organização das Nações Unidas.
PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Entre as organizações que mais se destacam-se a
União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN e o Fundo Internacional para a Natureza – WWF.
3
O ponto culminante do movimento ambientalista foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo, em 1972.
Para Sachs (1986, p.10):

O ecodesenvolvimento é um caminho promissor tanto para


países ricos como para países pobres. Para estes mais do que
nunca, a alternativa se coloca em termos de projetos de
civilização originais ou de não-desenvolvimento, não mais
parecendo possível nem, sobretudo, desejável a repetição do
caminho percorrido pelos países industrializados...

Um segundo conceito contraposto ao primeiro começa a


tomar corpo no encerramento da reunião de Cocoyoc no México em
1974. Contestando a teoria do ecodesenvolvimento, a assembléia de
Cocoyoc, em seu encerramento, declara que “os enormes contrastes no
consumo per capitã entre minoria rica e a minoria pobre têm um efeito
muito maior do que seus números relativos sobre o uso e esgotamento
dos recursos” (apud McCORMICK, 1991, p.153).

Foi a partir daí que passa a tomar forma o conceito de


“desenvolvimento sustentável”, que nos anos 80 suplantou o conceito
de ecodesenvolvimento. Desde então, “desenvolvimento sustentável”
passou a ser adotado como expressão oficial nos documentos emanados
de organizações como a ONU, a UICN e o WWF. Duas outras razões
fortaleceram esse conceito. A primeira é que, por ser uma expressão
mais neutra axiologicamente, pode ser incorporada tanto em propostas
liberais como de esquerda. A segunda é que, por exprimir uma
economia maior com o funcionamento dos ecossistemas naturais,
tornou-se atrativa para os ambientalistas.

Mas foi em 1987, com o relatório: “Nosso Futuro Comum


que a expressão desenvolvimento sustentável” foi consagrada com sua
definição clássica. “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”
(BRUNDTLAND, 1991, p.46)4.

Nesse conceito, firma-se a consciência de que é a


solidariedade integracional o principio ético que deve nortear o processo
de desenvolvimento. Portanto, com esse balizamento conceitual, a
insustentabilidade do desenvolvimento é determinada tanto pelo uso de
tecnologias poluidoras e intensivas em energia, nos países ricos, como
pela expansão demográfica e pela expansão da pobreza, nos países
pobres. Para reverter este quadro, propõe-se a execução de estratégias
que estimulem a criação de tecnologias não poluidoras e pouco
exigentes em energia; a organização de um quadro institucional com
capacidade de regular e fiscalizar a emissão de poluentes; a aplicação
de políticas compensatórias aos efeitos negativos dos ajustes
macroeconômicos, e o aumento da transferência de capital para os
países pobres.

Embora quase unânime, esta proposta recebeu críticas


discordantes. Concordando com Redcliff (relatório Brundtland), Diegues
(1992, 22-23) afirma que a proposta:

... não leva em conta todo um conjunto de problemas,


especialmente os conflitos de interesses entre Norte e Sul, o
controle das empresas multinacionais sobre novas tecnologias e
seu poder de se opor às iniciativas que colidem com suas
estratégias globais, às relações desiguais no comércio mundial.
Em segundo lugar, a crítica pressupõe “uma confiança velada
nas soluções de mercado para os problemas ambientais,
minimizando-se a lógica empresarial de externalizar esses
custos. A terceira crítica5 envolve a própria noção do
desenvolvimento sustentável, que teria como objetivo tácito
atingir o desenvolvimento dos países industrializados”.

4
Em sua versão dessa mesma definição, a UICN define a expressão citada como “processo de mudança no qual a
exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as
mudanças institucionais se dirigem à satisfação das necessidades das gerações presentes sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas” (apud DIEGUES, 1989, p.34).
5
Isto é uma idéia inadmissível porque desconsidera que esse desenvolvimento, em virtude de seus estilos de
produção e consumo desperdiçados e poluidores, é insustentável no médio e longo prazos. Essa crítica é injustificada:
a mudança nos padrões de produção e consumo é principio que, desde o início, é considerado uma exigência da idéia
de sustentabilidade. Uma questão diferente é saber se essa exigência é compatível com requisitos do capitalismo
(CASTRO, 1996, p.29).
Outras críticas surgiram ao conceito de desenvolvimento
sustentável. Entre várias pode-se citar a posição da pesquisadora
Herculano (1986), a qual argumenta que essa expressão, em sua
elasticidade semântica, pode a abrigar desde um sentido radical,
voltado para um novo tipo de sociedade, até um significado
conservador, em que renomeia o desenvolvimento capitalista,
conferindo-lhe uma preocupação social e ambiental.

No primeiro caso, o desenvolvimento sustentável refere-se à


boa sociedade humana que, se não consegue realizar a utopia socialista
ou uma versão alternativa desta, pelo menos tentará forçar a
penetração de valores em sua racionalidade econômica. No segundo, o
desenvolvimento perde sua aura radical e passa a designar apenas “um
conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a funcionalidade da
sociedade capitalista, ora naturalizada como paradigma da sociedade
moderna” (1992, p.30, 42). Para Herculano (1986), esse dilema decide-
se, cada vez mais, em favor desta segunda vertente à medida que a
agenda ecológica é incorporada nas políticas governamentais, nas
agências e organismos internacionais e nas próprias decisões do
empresariado privado.

Para melhor julgar os motivos que levaram à substituição


do ecodesenvolvimento pelo desenvolvimento sustentável, deve-se levar
em contra três aspectos: a) mesmo sem desconhecer a influência que as
injunções extra-científicas tiveram na adesão generalizada ao conceito
de desenvolvimento sustentável, não é por isso que se pode minimizar a
importância dessa adesão para o estabelecimento da dimensão
ecológico-ambiental como uma aquisição definitiva desse conceito; b)
sem menosprezar a importância dos termos e das expressões nas
nomeações de fenômenos, considera-se mais importantes do que isso o
tipo de conteúdo que a eles se atribui e, c) implica indagar se, entre os
usos e abusos das expressões em pauta, elas contêm um conteúdo
semântico teoricamente fecundo suscetível de ser recuperado numa
análise crítica.
É essa (semântica) idéia que alarga o debate sobre a
necessidade ética de um contrato natural a servir de base às idéias de
sustentabilidade ecológica como dimensão do desenvolvimento
sustentável.

Mas o repto imposto pelo novo ambientalismo ao


desenvolvimento foi o prelúdio de um questionamento ainda mais
radical: o da nova questão social, a qual impôs-se numa época em que o
capitalismo dava mostras não só de poder incorporar as restrições
ambientais como até de transformá-las em alavancas de uma nova
etapa de acumulações das forças produtivas. O que mais impressiona é
que esse desafio, que se prenunciou no final dos anos 70 e alcançou
seu auge no final da década de 80, surgiu como efeito das políticas
neoliberais e num momento em que o contexto internacional mostrava-
se mais favorável ao capitalismo. Como resultado desse embate, o social
rompe as amarras que o subordinam ao econômico para se colocar na
posição de novo fator a comandar o desenvolvimento. Ao impor-se na
cena, a emergência da racionalidade social evidencia que o
desenvolvimento capitalista, até hoje conhecido, não é só um modo de
produção que ameaça o “oikos” da vida, ele também empobrece e
escraviza os seus residentes.

É essa irrupção que permite dotar o desenvolvimento


sustentável de sua dimensão inovadora: sustentabilidade social, que
não diz respeito apenas ao estabelecimento de limites ou restrições para
que o desenvolvimento persista ao longo do tempo. Ela implica também
a ultrapassagem do econômico: não para a rejeição da eficiência
econômica e nem pela abdicação do crescimento, mas pela sua
colocação a serviço de uma nova organização societária na qual a
finalidade social esteja “justificada pelo ético de solidariedade
integracional e de equidade, materializada num contrato social” (SACHS,
1995, p.26). São as cláusulas desse novo contrato que dão sentido e
finalidade à produção econômica. São também elas que oferecem
garantias para um contrato natural e carregam de sentido as relações
com o mundo natural, que vão além do seu reconhecimento como um
espaço de usufruto de utilidades.

Na sua formulação inicial, o conceito de desenvolvimento


sustentável incorpora a dimensão social (comparação entre a pobreza
do Sul e a riqueza do Norte). Esse lado negativo é ampliado: nova visão
inclusive nos países industrializados. Com efeito, não se pode ter a
pretensão de falar em sustentabilidade social sem levar a cabo um
diagnostico que penetre as raízes da crise. Mas há um aspecto novo,
que envolve uma olhada para o futuro, para o tipo de organização social
que se deseja construir. Trata-se de construir a ultrapassagem das
atuais sociedades industriais, que continuam a gravitar em torno do
binômio produtivismo – consumismo. Romper essa subserviência é um
processo que vem sendo progressivamente incorporado nos discursos
dos organismos internacionais e de um número cada vez maior de
autores como condição para a viabilidade do desenvolvimento
sustentável. Tais discursos não devem criar nenhuma ilusão: a
primazia do social sobre o econômico implica o deslocamento da
sociedade moderna, dominante desde o século XVIII. A falta de garantia
quanto ao êxito dessa luta não deve ser um pretexto para desistir dela,
pois, como argumenta Dumont (1973, p.247) “nada diz que a categoria
econômica deva permanecer para sempre o que ela vem sendo há
tempos, a expressão privilegiada do individualismo. Nada diz que um
movimento semelhante ao que lhe deu nascimento não possa produzir
uma nova categoria capaz de suplantá-la”. É o debate sobre essa
eventualidade que coloca a sustentabilidade social como a dimensão
que dota o desenvolvimento sustentável de seu conteúdo mais inovador
e capaz de revigorar o debate sobre a crença na boa sociedade.

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