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Desenvolvimento versus Crescimento

Hodiernamente temos que traçar pequenas distinções conceituais que para alguns
podem pareces obvias, entretanto que nem sempre assim se expressam para o grupo
maior das pessoas. Dois são os motivos que nem sempre restam obvias as
diferenciações, que obvias deviam ser. O primeiro é o fato de que a conexão entre
conhecimento acadêmico e conhecimento “popular”, conhecimento “vulgar” - que não
passou pelos ritos de validação e de chancela da Universidade, por exemplo -
simplesmente não ocorre. Ou seja, multas das vezes, as nossas produções científicas são
cientificistas; ou ainda, como ousamos cria o neologismo, “cienti-fetichistas”. Cria-se
toda uma teoria desconectada da realidade, que diz explicar a realidade, mas que na
verdade busca maleabilizar a realidade. Como explicita muito bem Chantal Mouffe 1. O
segundo fato é que essa confusão não se dá de forma despretensiosa ou casuística. A
não ocorrência da “confusão casual”, é explicitada, por sua vez, por Naomi Klein 2.
Tanto uma quanto a outra agem de forma baste similar, mas possuem diferenças
sensíveis, que precisamos dominar para que possamos desarticular o que engessa o
desenvolvimento brasileiro; curiosamente a denúncia de ambas é sobre os países que
compões o globo, mas aqui tentaremos nos ater ao Brasil.
Seguindo, José Eli da Veiga traz em seu Desenvolvimento Sustentável: o desafio
do século xxi, uma estrutura teórica interessante sobre o desenvolvimento sustentável e
essa é a chave que se articule muito bem crescimento e desenvolvimento. Apesar da
existência de algumas correntes mais ou menos ortodoxas tentarem confundir, mesmo
que de forma despretensiosa, ou até mesmo vocacionados de bons intentos, o autor tem
uma grande contribuição para o debate, desmistificando o pano teórico de maneira
simples e objetiva. Duas advertências vêm do prefácio, apesar de ter uma sessão de
advertência, essa já não contendo nenhum prefácio. A primeira é um empréstimos de
Celso Furtado, que em transcrição literal fica: “como bem disse Celso Furtado num dos
seus derradeiros pronunciamentos, só haverá verdadeiro desenvolvimento - que não se
deve confundir com crescimento económico, no mais das vezes resultado de mera
modernização das elites - ali onde existir um projeto social subjacente”.
Essa advertência primeira nos diz da desnecessidade do crescimento para o
projeto social, o projeto social enquanto um distribuidor de renda, por exemplo, não vê
necessidade em esperar que a massa do bolo fermente e cresça, como defendido pelo ex
1
MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. Trad. Fernando Santos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.
2
KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Trad. Vania Cury. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
ou futuro presidente Luiz Inácio. Aqui, nessa rica postulação de Furtado, está uma
questão muito simples, que escancara o fator neoliberal do ex futuro presidente e da
necessidade de diferenciarmos crescimento e desenvolvimento. Primeiro, se a
presidência federal, titulada por da Silva tem a necessidade de conciliar crescimento
com distribuição da renda, com o desenvolvimento, este governo serve a dois senhores.
Como resta explicado no dito popular3; isso não é possível, entretanto a pesquisa
científica não se baseia em versículo bíblico e por mais que saibamos no que se deu
nessa nação quando o presidente Lula achou ser possível resolver a realidade posta
daquela forma, foi necessário produzir um texto sobre o óbvio4.
Ainda sobre o óbvio, ainda sobre as advertências de José Eli da Veiga e para que
possamos começar a destrinchar a diferença de desenvolvimento e crescimento. Temos
a segunda advertência.
A teologia do mercado, que faz hoje à cabeça de muitos economistas, torna
redundante conceito de desenvolvimento.
Por sua vez, os adeptos da ecologia profunda teimam em considerar o
crescimento econômico como um mal absoluto, quaisquer que sejam as
modalidades e os usos sociais do seu produto
Na segunda advertência temos dois desdobramentos complementares e igualmente
nocivos, expostos pelo autor. E para rememorarmos outro dito popular, sabemos que
‘nem tanto aos céus e nem tanto à terra’, pode nos ser o melhor caminho. Munidos da
moderação que o espinhoso tema carece entendamos. Existe uma corrente, um lado que
visceralmente defende a miscelânia de todos os tipos possíveis de desenvolvimento,
estes abarcariam até o crescimento. Aliás muitos destes tratam o crescimento como
desenvolvimento. É o que verificamos nos meias de comunicação de massas ditos
especializados em jornalismo econômico. Sorte a nossa que essa postura também vem
sendo desmistificada e perde força, pelo menos em nichos específicos, o que podemos
ressaltar como um começo.
Outro problema, que está descrito na advertência do autor é o diametralmente
oposto, entender o crescimento, todo e qualquer ele enquanto nefasto. Serge Latouche
vai nos dizer, em uma de suas palestras mais virais que “um crescimento infinito é
incompatível com um mundo finito. Quem acredita nisso ou é louco ou é economista”.
Entretanto, o próprio parar radical do crescimento mundial ou nacional (de qualquer
nação que seja) é inviável em inúmeros níveis; ainda que hoje maior parte do mundo

3
"Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará
o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. Mateus 6:24.
4
DE SOUZA OLIVEIRA, Gabriel et al. Brasil 360°: da tentativa de um Estado Social ao desmantelo
neoliberal. Revista de Ciências do Estado, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2022.
trabalhe com estagnação de suas economias, os nível de degradação do planeta são dos
maiores da história, o que mostra que as relações são muito mais complexas do que
algumas correntes puristas advogam.
E por onde entra a confluência dessas ideias? Onde está a moderação dessa
questão?
José Eli da Veiga estrutura sua obra em duas partes, uma sobre o desenvolvimento
e outra sobre a sustentabilidade, depois amarra nas bem fundamentadas ilações próprias
que chama de conclusão. Para esse enxerto apenas a primeira nos é útil, aliás, apenas a
primeira parte da primeira parte, já que no capítulo dois o autor trabalha a quantificação
do desenvolvimento, o que para nós é ainda mais exótico.
Na parte conveniente temos uma série de explicações de tipos e formas de
desenvolvimento que vão nos ajudando a desentrelaçar a confusão proposital que reside
em alguns autores considerados clássicos. É importante citarmos o exemplo de Gregory
Mankiw, que simplesmente baniu o termo desenvolvimento de seus índices e glossários.
a influência foi tamanha que as disciplinas de “Economia do Desenvolvimento”,
ficaram relegadas a apêndices de disciplinas de sociologia e direito, e às vezes até da
história. obviamente que aqui não se está fazendo uma hierarquia entre os campos do
conhecimento. E o autor é firme: “Em resumo, em resumo o que economista precisa
saber é macroeconomia e microeconomia, duas disciplinas devotadas ao crescimento
econômico, e não a ideia muito mais ampla de desenvolvimento”. (VEIGA, 2010. p.
20).
Nas palavras de Rivero (2002: 132), São os gurus do mito do
desenvolvimento que têm uma visão quantitativa do mundo. ignoram os
processos qualitativos histórico-culturais, o progresso não linear da
sociedade, as abordagens éticas, e até prescindem dos impactos ecológicos.
com o fundo em crescimento econômico com o desenvolvimento de uma
modernidade capitalista que não existe nos países pobres. Com tal
perspectiva, eles só percebem fenômenos econômicos secundários, como o
crescimento do PIB, o comportamento das exportações, ou a evolução do
mercado acionário, mas não reparam nas profundas disfunções qualitativas
estruturais, culturais, sociais e ecológicas que prenunciam a inviabilidade dos
‘quase-Estado-nação subdesenvolvidos”. (VEIGA, 2010. p. 22-23).
Com tais ricas e amplas referências, o que Veiga tenta nos entregar é que o
desenvolvimento é um processo aberto que criam complexidades e diversidades.
“Múltiplas generalidades são fontes de múltiplas diversificações - algumas ocorrendo
simultaneamente, em paralelo, outras em sequência. Portanto, um simples processo
básico, quando se repete, se repete e se repete, produz atordoante diversidade” (VEIGA,
2010. p. 52).
Por fim, e não menos importante, e para deixar nosso texto preparado para realizar
o que ele se diz pretenso temos duas e não menos importantes conceptualizações que
amarram essa importante diferença seminal entre crescer e desenvolver, bem como,
aponta para onde imaginamos ser o ambiente propicio para que nossas ideias floresçam.
Trabalhando a ideia de renúncia do conceito de desenvolvimento e tentando o explicá-
lo, o autor traz a inferência de que esse fato não passa de uma armadilha ideológica,
inventada para perpetuar as assimétricas relações entre as minorias dominadas e as
maiorias dominantes nos países e entre países. Essa corrente tenta explicar o conceito,
mesmo que não concreto e sem conteúdo operacional, de uma possibilidade de estágio
de ‘pós desenvolvimento’. É pontuado a importância desse conceito, no sentido de
entender a finitude do planeta, portanto a possibilidade de um crescimento indefinido do
produto material, entretanto, essa verdade óbvia, porém, não fornece e não oferece
sugestões do que deveria ser feito nas próximas décadas, para superar os dois grandes
problemas do século XX, apesar de seus progressos científicos e técnicos sem
precedentes; o desemprego em massa e a desigualdade crescente (VEIGA, 2010. p. 79-
80). Estes tão são incômodos nossos.
No entanto, é de Celso Furtado a melhor fórmula sintética para dizer o que é
desenvolvimento. ela está em conciso texto, publicado no final de 2004 pela
Revista De Economia Política: “o crescimento econômico, tal qual o
conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que
satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo
seu projeto social subjacente. dispor de recursos para investir está longe de
ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da
população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva ativa melhoria das
condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em
desenvolvimento” (Furtado, 2004: 484). (VEIGA, 2010. p. 81-82).
Passemos então, para onde estará nosso projeto social.

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