Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(RE)PENSANDO A PARCERIA
ESTRATÉGICA BRASIL-FRANÇA NA GEOPOLÍTICA
MULTIPOLAR
1
Mestrando em Direito, pela Faculdade de Direito da UFMG, sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz
Borges Horta; e em Planejamento, Desenvolvimento e Território, pelo Departamento de Ciências
Econômicas da UFSJ, sob orientação do Prof. Dr. Claudio Gontijo. Bacharel em Ciências do Estado, pela
UFMG.
2
Mestrando em Direito, pela Faculdade de Direito da UFMG, sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz
Borges Horta. Bacharel em Ciências do Estado, pela UFMG.
Palavras Chaves: Geopolítica, França e Brasil.
1. Introdução - duzentos anos de Independência na crise da hegemonia
Não é sem razão que propomos repensar a parceria estratégica entre Brasil e
França aos duzentos anos de independência do Estado brasileiro. Por certo, tem-se na
rememoração coletiva das lutas e dos labores que deram ensejo à nossa emancipação
nacional, construída também a partir de refinada atuação externa, um irresistível
estímulo para fazer novas as perspectivas estratégicas do país e, com isso, alargar seus
horizontes de inserção internacional.
De mesmo modo, a quadra histórica em que parece adentrar o século XXI também
nos impõe a tarefa (irrecusável) de reavaliar os caminhos da Nação no resguardo de sua
autonomia e na defesa de seus interesses. Isso porque coincide o bicentenário da
independência do Brasil com o mais avassalador ponto de virada na geopolítica do
globo desde o fim da Guerra Fria. De fato, testemunha-se hoje no palco do mundo o
desvelar de uma nova era na ordem internacional, que promete reconfigurar
profundamente o jogo de poder entre as nações. Sinais inequívocos de uma tal transição
fazem sentir-se na cada vez mais evidente derrocada da hegemonia norte-americana 3
sobre o globo, bem como na emergência de novos (e competitivos) atores no plano
econômico, militar e político.
Nesse sentido, o novo capítulo do conflito em Donbass, o qual teve lugar com a
incursão militar russa em território ucraniano, em Fevereiro de 2022, veio a reafirmar
essa tendência. Uma vez deflagrada a Guerra na Ucrânia, revitalizam-se questões de
segurança e autonomia por todo mundo. Em face, por exemplo, da remilitarização da
Alemanha6 e do cada vez mais afinado pacto estratégico sino-russo, 7 tem-se claro que o
mundo atravessa um verdadeiro giro geopolítico, em que as apreensões securitária e a
reanimada rivalidade entre as potências assumem centralidade no futuro próximo.
4
ESPER, Mark. As Prepared Remarks by Secretary of Defense Mark T. Esper at the Munich
Security Conference [ 15 de Fevereiro, 2020] U.S. Department of Defense. Disponível em:
https://www.defense.gov/News/Speeches/Speech/Article/2085577/as-prepared-remarks-by-secretary-of-
defense-mark-t-esper-at-the-munich-security/. Acesso em 27 de Julho, 2022.
5
MEAD, Walter Russell. The return of geopolitics. Foreign Affairs, Maio/Junho, 2014. Disponível
em: https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2014-04-17/return-geopolitics. Acesso em: 22 de
Julho, 2022.
6
Alemanha elevará orçamento de defesa em 100 bilhões de euros. DW Brasil. Disponível em:
https://www.dw.com/pt-br/alemanha-elevar%C3%A1-or%C3%A7amento-de-defesa-em-100-bilh
%C3%B5es-de-euros/a-61976540. Acesso em: 27 de Julho, 2022.
7
China e Rússia se aliam contra o que chamam de interferência externa. G1. Disponível em:
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/02/04/china-e-russia-se-aliam-contra-o-que-chamam-
de-interferencia-externa.ghtml. Acesso em: 22 de Julho, 2022.
2. Desenvolvimento – O devir e o porvir
Partindo do pressuposto de que fraturas e rupturas na geopolítica global estão em
seu apogeu de realização, desde a queda do muro de Berlim (1989), e a então
proclamada finalização da guerra fria8, entendemos que a identificação de alguns fatores
se faz necessária para que a realidade seja compreendida. Apressadamente, ou ainda,
como já prenunciado no resumo e na introdução, têm-se que a identificação de onde
estamos e para onde queremos ir é a função de textos que se pretendem propositivos;
portanto, faz-se necessária uma determinação minuciosa dos elementos corretos.
8
Existem autores que vão trabalhar com a ideia de que a guerra fria não acabou de fato, por um plexo
considerável de motivos, dentre eles: o golpe perpetrado na URSS e o fato de a economia estadunidense
nunca ter se estabelecido de fato como um fim da história. Entretanto, para as mídias de massas, que
trabalham com o marco temporal do muro de Berlim (1989) estamos presenciando uma reedição do que
foi finalizado com a existência do muro.
9
Dados esparsos apontam que entre 2027 e 2028 o PIB chines deve ultrapassar o PIB americano,
entretanto, como demonstrado por Gontijo em seu A nova Crise da Hegemonia americana alguns
elementos mais importantes e mais sensíveis da economia chinesa já apresentam índices melhores do que
os índices estadunidenses, como o poder de paridade de compra per capita e a taxa de crescimento média
anual. A República Popular Chinesa pode até não sustentar os vertiginoso crescimento acima dos dez
pontos percentuais que impressionaram o mundo durante décadas, mas ainda sim, é uma potência que
apesar de toda a crise de 2008 - que abalou algumas potencias e a mais recente crise gerada pelo covid-19
- consegue sustentar seu crescimento econômico, coisa que os EUA não têm sido capaz.
diretamente no conflito ela consegue angariar benefícios oriundos do embate. Outras
nações colhem frutos difusos também ocasionados pela realização do conflito, como é o
caso da já sancionada internacionalmente Venezuela. Vejamos bem, o estreitamento de
relações, não antes distantes, entre nações que agora se vem fora das principais mesas
decisórias da política e da economia internacional chega a ser uma questão de
sobrevivência. Uma sanção política e ou econômica nos tempos presentes possui
desdobramentos tão avassaladores quanto um arcaico ataque bélico, como os que o
território ucraniano vem sofrendo. É nesse local de entendimento que nossas ideias
tentam se inserir.
11
Guilherme Sandoval Góes perpassa assuntos delicados em seu texto como a judicialização da
geopolítica e a relação norma e lugar tratada por (Irti 2005), a respeito dos princípios do geodireito, o
ponto central desta discussão versa sobre as desregulamentações da economia e da tecnologia que o
direito sofre na periferia do sistema mundial.
juristas e estrategistas” (Idem, p. 110). A construção do autor é muito consonante com a
de Cláudio Gontijo de que o fim do dólar como referência do sistema financeiro global
indica o fim do mundo americano - ambos explicam a criação e a derrocada desse
sistema, identificando na declaração unilateral de 1971 um ponto central desse
descenso. Para citarmos fatos que alicerçam os pensamentos destes autores.
Bretton Woods (1944), perpassando pelo Plano Marshall (1947), Clubes de Paris
(1956) e Roma (1968), declaração unilateral de desvinculação do dólar ao ouro (1971),
Comissão Trilateral (1973), criação do G7 (1975) e desalinhamentos cambiais do
Acordo de Plaza (1985), até, finalmente, chegar-se à queda do muro de Berlim, em
1989. Até 1971 podemos identificar a ascensão do dólar, após o seu primeiro baque foi
inevitável que os Estados Unidos da América fizessem concessões para resguardar a sua
moeda e consequentemente a sua hegemonia; e a partir do acordo de Plaza ocorre uma
valorização das moedas das nações satélites supracitadas; esse tipo de concessão não faz
parte de uma benevolência estadunidense, mas sim de uma sinalização para seus
parceiros de que sua moeda ainda é confiável12.
12
“O Acordo de Plaza, imposto pelos Estados Unidos, em setembro de 1985, forçou a valorização do iene
japonês e do marco alemão, com o objetivo de baixar a cotação do dólar norte-americano, propiciando
assim aos EUA a redução do seu déficit comercial, bem como recuperando sua competitividade
internacional em relação à Alemanha e ao Japão.” (Góes, 2020. p. 113).
Mais uma vez, onde está a vocação Latina? Entre se posicionar enquanto o satélite
na lógica hegemônica estadunidense, ou um ator com um pouco mais de voz na já sólida
convergência do cinturão econômico da rota da seda, que agora conta com uma
insinuante potência bélica e econômica timoneada por um, até aqui eficiente,
geoestrategista?
13
“A ideia de mercado de Constituições deriva diretamente da atuação das forças de (des) limitação de
Natalino Irti (mercado de ordenamentos jurídicos) significando o poder que as empresas multinacionais –
amparadas por seus respectivos Estados nacionais – têm para escolher aquela Constituição que lhes for
mais vantajosa e conveniente dentro de um amplo mercado de Constituições, que lhes oferecem os países
subdesenvolvidos do Sul Global (Irti 2007, 6). E mais grave ainda é perceber que esta ideia-força de um
mercado de Constituições, que a periferia do sistema internacional oferece para as empresas
multinacionais, não surge do nada, mas, é, sim, fruto de uma decisão política fundamental do Estado
tomada pelo seu Poder Legislativo, fazendo valer mais do que nunca aquela visão de Bobbio de mera
câmara de ressonância de decisões tomadas em outro lugar.” (Góes, 2020. p. 121).
sem violar princípios do estado democrático de direito garantindo assim vida digna para
os brasileiros?
O ímpeto francês por reversão de sua tendência declinante foi encarnado com toda
vitalidade pela presidência de Charles de Gaulle (1959-1969). O general de Gaulle
empreendeu uma ampla política de revitalização da base industrial francesa,
especialmente na do setor de defesa. Foi em sua passagem pela chefia de Estado que os
franceses alcançaram pleno domínio da tecnologia nuclear. Na atuação externa,
14
em uma perspectiva mais jurídica e em total acordo com as ideias de José Luiz Borges Horta, Goiás
postula: “Contemporaneamente, o Poder Judiciário - na qualidade de componente das forças políticas do
Estado - se vê cada vez mais envolvido nos complexos problemas constitucionais que são levados para os
tribunais, valendo destacar, desde logo, as questões de ordem geopolítica, tais como, a demarcação das
terras indígenas, as questões do meio ambiente versus construção de hidrelétricas na Amazônia, o plano
de desinvestimento da Petrobras e seu processo de desverticalização pela privatização de subsidiárias
(Refinarias, BR Distribuidora e outras), a privatização do Sistema Eletrobras, o marco regulatório do pré-
sal: regime de partilha ou regime de concessões? e muitas outras questões geopoliticamente quejandas.
São questões que tais que perfazem o assim chamado constitucionalismo estratégico, vale definir, o ramo
do direito constitucional, cuja linhagem epistêmica se concentra no estudo inter, trans e multidisciplinar
envolvendo a geopolítica mundial e o direito constitucional interno (Góes 2019)” (Góes, 2020. p. 122).
encaminhou uma política de maior autonomia em face do quadro da bipolaridade, 15
retirando, por exemplo, a França do comando da OTAN, reconhecendo a República
Popular da China. Ao lado do então chanceler federal Konrad Adenauer, buscou
construir uma sólida aproximação com a República Federal Alemã, que se cristalizou na
assinatura do Tratado de Eliseu (1963), marco do inegável estreitamento das relações
franco-alemão. Sua viagem à América Latina, um ano mais tarde, foi um simbólico
gesto de suas intenções em aumentar a presença francesa em zona de influência norte-
americana.
15
”La nueva definición de la inserción internacional de Francia implicaba un posicionamiento distinto en
el orden bipolar. Significaba distancia de los Estados Unidos, aunque no equidistancia respecto de los
polos. Francia había apoyado a la potencia americana en el conflicto de los misiles es en Cuba, pero la
relación bilateral se tensó especialmente a partir de allí. La cuestión hizo visibles las dificultades del
sistema de defensa atlántico, particularmente el accionar de Estados Unidos, ya que el ultimátum
planteado a la Unión Soviética no había sido consultado con ninguno de los países aliados. En esa
oportunidad, también se puso sobre el tapete la discusión latente respecto del desarrollo nuclear en
Europa. Contra la voluntad de los Estados Unidos el gobierno de De Gaulle fue avanzando en el
desarrollo nuclear autónomo para su país”. MIGUEZ, Maria Cecília. 1964: De Gaulle en América Latina.
Estados Unidos, Europa y un continente convulsionado. Revista electrónica de estudios
latinoamericanos. Buenos Aires: v. 13, nº 52, julio-septiembre, 2015, p. 20.
16
VISENTINI, Paulo. Eixos do poder mundial no século XXI; uma proposta analítica. Austral; Revista
Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais. Porto Alegre, v.8, n.15, Jan./Jun., 2019, p.13.
17
PEZARD, Stephanie. SHURKIN, Miachael. OCHMANEK, David. A Strong Ally Stretched Thin; An
Overview of France's Defense Capabilities from a Burdensharing Perspective. Santa Mônica: Rand
Corporation, 2021, p.5.
estratégica, a França tem também encontrado significativas limitações para suas
ambições de projeção mundial. De modo específico, dois eventos recentes trouxeram à
baila as dificuldades francesas no cenário contemporâneo: a retirada de suas tropas do
Mali, depois de uma desgastante campanha militar contra o terrorismo, que em muito
lembrou a saída americana do Afeganistão;18 e a chamada crise dos submarinos, na qual
teve sua indústria de defesa preterida pelo governo australiano, em razão e um novo
arranjo securitário anglo-saxão no Pacífico, a chamada AUKUS19.
3. Conclusão
Para uma inferência, é preciso assinalar que as aproximação entre esses dois
países não se dará de forma automática, ou por espontaneidade. Embora sejam claros (e
expressivos) os ganhos mútuos que a parceria estratégica Brasil-França implica para
ambas as partes, é preciso que ambos os atores se reconheçam como esses sócios
privilegiados, e se empenhem por assentar a relação bilateral nestes interesses
primordiais. Se, porém, a condução de tal interação dê demasiado enfoque a
divergências marginais, a impasses secundários, ou a retóricas pouco afeitas ao respeito
estrito à soberania de ambos os Estados, o esgarçamento dos laços pode ser de tal modo
inevitável que comprometa o futuro da parceria em tela.
18
Le retrait français du Mali, un échec pour Paris et pour Bamako. Le Monde, fevereiro 2022.
Disponível em: https://www.lemonde.fr/idees/article/2022/02/17/le-retrait-francais-du-mali-un-echec-
pour-paris-et-pour-bamako_6114067_3232.html. Acesso em: 27 de Julho, 2022.
19
O reordenamento das forças, não apenas no indico-pacífico, permite que a tese de Huntington seja cada
dia mais atual, no contexto de entender que toda a geopolítica global se dará na ideia do clash of
civilizations.
Bibliografia Preliminar: