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AS RELAÇÕES BILATERAIS BRASIL- ÍNDIA: UM ESTUDO DAS

PERSPECTIVAS DE APROXIMAÇÃO E DE DISTANCIAMENTO (2003-2010)

Ana Regina Falkembach Simão*


RESUMO

Este artigo se propõe a analisar a situação atual das relações bilaterais


entre Brasil e Índia, dois importantes protagonistas do BRIC no contexto do
início do século XXI, sob a égide de um sistema internacional multipolar que se
tornou uma realidade inconteste e do aprofundamento de uma agenda política
que passou a priorizar questões específicas dos países do Sul. Os dois países,
importantes nações em seus contextos regionais, que ao longo do Século XX
fizeram parte do chamado Terceiro Mundo, são marcados historicamente por
distintas realidades históricas, culturais e sociais. Mas, paradoxalmente,
compartilham desafios similares, sobretudo no que diz respeito às
necessidades de desenvolvimento, erradicação da pobreza e distribuição de
renda. O novo mapa político e econômico do século XXI acabaria unindo as
duas nações, sob o conceito de “potências emergentes”. Os anos 1990, de
fato, marcam para Brasil e Índia, o início do processo de aproximação de forma
objetiva e sistemática, todavia marcado, como vamos apresentar neste artigo,
muito mais pelo interesse comercial do que por questões de ordem política e
estratégica.
Dos Distanciamentos e das Aproximações

Brasil e Índia têm histórias, culturas e sociedades distintas. Ao longo do


século XX traçaram caminhos políticos e estratégias de inserção internacional
divergentes. Durante o período de Guerra Fria, os dois países adotaram
diferentes posições frente às potências internacionais. Especificamente com
relação aos Estados Unidos, a Índia teve vários contenciosos e a Guerra do
Vietnã é exemplar do antagonismo entre os dois países. Naquele momento, a
Primeira-Ministra Índira Gandhi, filha de Nehru, conhecido como sendo o
arquiteto da Índia Moderna, se recusou a apoiar os Estados Unidos em sua
investida contra o Vietnã. Esta atitude não apenas resultou no cancelamento do
programa de ajuda econômica norte-americana, como provocou um
distanciamento e, sobretudo, uma desconfiança entre os dois países.

A adoção e a continuidade, ao longo de todo o período de Guerra Fria,


de uma política marcada pelo não-alinhamento, que visava em última instância
a defesa pragmática dos interesses da Índia, mantendo-se eqüidistante das
disputas ideológicas promovidas pelas duas grandes potências hegemônicas
daquele período, acabou resultando numa maior aproximação da Índia com
Moscou. Essa aproximação foi aquecida por alguns Tratados de Amizade entre
Índia e URSS, a exemplo do assinado em 1971, que previa a duração de 20
anos. Neste mesmo ano de 1971, a Índia lançou seu primeiro satélite artificial e
poucos anos depois, em 1974, explodiu sua primeira bomba atômica. Segundo
algumas lideranças nacionalistas, este seria o momento para a Índia dar início
a um projeto nuclear acelerado, se aproximando da China, mesmo que esta
atitude provocasse descontentamentos e contenciosos internacionais
(GUIMARÃES, 2008; PRAKASH, 2005).

Já a política brasileira ao longo do século XX foi marcada pelo


multilateralismo, pela busca de parcerias estratégicas, pelo pragmatismo, pelo
desenvolvimento e independência na inserção internacional, mas, também,
pela priorização de uma relação bilateral com os Estados Unidos. Em vários
governos e, sobretudo, em distintos momentos históricos durante o período de
Guerra Fria e após o colapso soviético, o Brasil se afastou do ideário terceiro-
mundista, inclusive abandonando uma instituição da política externa brasileira –
o multilateralismo e a autonomia política – em favor de virtuais ganhos ao lado
de Washington. Mesmo em períodos de afastamento, o relacionamento do
Brasil com os Estados Unidos sempre garantiu a existência de espaços
diplomáticos que acomodariam possíveis contenciosos. Tal realidade marcaria
a grande diferença entre Brasil e India nas suas relações com os Estados
Unidos. Como observa Lytton Guimarães (2008, p. 28), “na perspectiva norte-
americana, a Índia agia de maneira dúbia e parcial, contrária a seu pretenso
não-alinhamento, ao criticar as potências ocidentais na crise do Canal de Suez
(1956) enquanto se omitia com relação à invasão soviética da Hungria (1956) e
Tchecoslováquia (1968)”.

O distanciamento entre Brasil-Índia não ocorreria apenas em função das


estratégias divergentes de inserção internacional durante a Guerra Fria. Alguns
episódios pontuais ilustram estes períodos de afastamento, a exemplo da
atuação do Brasil diante da questão de Goa. Após a Independência da
Inglaterra, em 1947, o governo da Índia procurou estabelecer um diálogo com
Portugal a fim de resolver o caso de Goa. A resposta portuguesa a essa
contestação foi não apenas negativa, como inusitada: o argumento fora que
Goa era o “berço do cristianismo no oriente”. Para além deste “consistente”
argumento, Lisboa temia que as outras colônias lusas se rebelassem. Diante
desta cena colonialista, o peso da história e o Tratado de Amizade e Consulta,
assinado pelos dois países, em 1953, levou o Brasil a se colocar de forma
inconteste e formalmente ao lado de Portugal (VIEIRA, 2009, p. 45). Muito
embora nos tempos atuais este episódio não tenha nenhum peso que venha a
dificultar o relacionamento entre os dois países, a imagem de um Brasil
subserviente ainda subsiste na memória de muitos hindus. Como observou o
sociólogo Nelson Mello e Souza “o Brasil, para o intelectual hindu médio, é um
exemplo de dependência neocolonial, sem passado exemplar, sem literatura
consagrada, sem produção autônoma porque sem tecnologia própria” (MELLO
E SOUZA apud VIEIRA, 2009, p. 45).

No entanto, se do ponto de vista das estratégias de inserção no contexto


internacional os dois países divergiram, sobretudo, no que se refere à relação
com os Estados Unidos, sob o aspecto econômico Brasil e Índia têm
semelhanças importantes. Ambos os países, a partir dos anos de 1950 até
meados dos anos 1980, desenvolveram suas indústrias com base no modelo
de substituição das importações. Da mesma forma, até o final dos anos 1970,
adotaram Planos de Desenvolvimento, priorizando as indústrias básicas,
química e de infra-estrutura. Conforme o economista André Nassif (2009,p.52),
Brasil e Índia “implantaram mecanismos de proteção às indústrias nascentes,
como tarifas aduaneiras elevadas, restrições não-tarifárias e licenciamento de
importações”. Mas, para o economista, muito embora os dois países tenham
trilhado caminhos comuns em termos de desenvolvimento econômico, a Índia
mesmo após o processo de liberação da economia, a partir de 1991, não
descartou a “continuidade dos Planos Quinquenais de Desenvolvimento
(atualmente, existem os planos Decenais), provando que maior exposição à
concorrência global e políticas industriais não são auto-excludentes” (NASSIF,
2009, p.56).

O Pós-Guerra Fria e as perspectivas de aproximação

Com o fim da Guerra Fria, contradizendo as avaliações que vaticinaram


a constituição de um mundo unipolar sob a égide dos Estados Unidos, a
formação de um sistema internacional multipolar se tornara uma realidade
incontestável, sobretudo na primeira década do século XXI. Neste contexto,
novas relações políticas, econômicas e sociais se adensaram entre os países
que, ao longo do século XX, haviam formado o chamado Terceiro Mundo. O
novo mapa político e econômico acabaria unindo nações que, embora
marcadas por culturas, sociedades e um passado histórico distinto, como no
caso de Brasil e Índia, voltariam a se aproximar diante do conceito, ainda não
consensual entre os especialistas, de “potências emergentes”.1

Neste início de século XXI, com a emergência de novos pólos de poder


e com o aprofundamento de uma agenda política que passou a priorizar
questões específicas dos países do Sul, a relação entre Brasil e Índia ganharia
um novo contorno. A partir dos anos 1990, os dois países iniciaram de forma
objetiva e sistemática um processo de aproximação marcada muito mais pelo
interesse comercial do que por questões de ordem política e estratégica. O
colapso soviético acabaria contribuindo para esta aproximação. Brasil e Índia,
que antagonizaram politicamente ao longo do século XX, se encontram no pós-
Guerra Fria com desafios similares: reformas econômicas e necessidade de
inserção internacional, com base em um “novo paradigma” voltado para a
integração dos mercados nacionais e a ampliação de redes de produção, que
em última instância caracterizaria a denominada globalização. Desta forma, o
desafio para os governos do final do século XX, seria integrar os países no
processo de globalização em curso, desconstruindo o acumulado histórico de
protecionismo, tanto da Índia como do Brasil, que passara a ser compreendido
naquele momento como responsável pelo insulamento econômico de ambos.

Portanto, para os dois países, a década de 1990 iniciou sob o signo de


reformas econômicas de viés liberal, bem como de escândalos políticos. Tal
como o Brasil de Fernando Collor de Melo, a Índia, com a eleição de
Narasimnha Rao2 (1991-1996), pelo Partido do Congresso, mergulharia num
período de corrupção, conflitos e oposição dentro do próprio partido, resultando
num dramático desempenho eleitoral nas eleições de 1996.

Embora sendo herdeiro das Reformas iniciadas por Rajiv Gandhi,


Narasimnha Rao, conjuntamente com seu Ministro da Fazenda Mahmohan
Sing1, promoveu uma inflexão na política e na economia da Índia ao
desenvolver uma série de reformas estruturais que “incluiu o corte de tarifas,
até então das mais altas do mundo, simplificação e redução de regulamentos
no setor industrial e redução de subsídios agrícolas e à indústrias de
fertilizantes” (GUIMARÃES, 2008, p. 21). O desenvolvimento econômico, a
sensível redução da presença do Estado em diversos setores da economia, da
sociedade e a preocupação com o aumento da capacidade militar, foram as
grandes linhas do governo de Rao, que considerava aquele momento
importante para a inserção da Índia na economia global, ao mesmo tempo em
que tentava garantir o status de potência regional, numa geografia cercada de
conflitos históricos.
Diferentemente do Brasil, que convive há mais de um século com
fronteiras pacíficas, mesmo fazendo divisa direta com mais de dez países, as
relações da Índia com as nações vizinhas, em geral, foram marcadas pela
hostilidade. Como resultado desta realidade local, a segurança sempre teve
destaque na agenda política dos países daquela região, sobretudo, quando se
observa a relação entre Índia, China e Paquistão. Especialmente com relação
ao Paquistão, os embates políticos entre o Partido do Congresso – que se filia
à Índia independente, cuja concepção é de um Estado laico e democrático – e
a Liga Muçulmana representaram um foco permanente de conflitos.

Excetuando as questões de segurança que são demandas muito mais


próprias da realidade da Índia do que do Brasil, as reformas econômicas se
tornaram um forte desafio também para o governo brasileiro ao longo dos anos
1990. No caso do Brasil, o jovem e impiedoso presidente Fernando Collor de
Melo, que governou o país no período 1990-1992, defendia as premissas
liberais com um otimismo bastante comum para a época, considerando o
quanto triunfante eram as promessas de uma economia global de paz e
equilíbrio após o colapso da União Soviética. Foi neste contexto de euforia
global que o governo brasileiro vislumbrava a necessidade de Reformas
Estruturais, cuja premência de ajustes econômicos, acompanhados de um rigor
fiscal e de uma drástica redução do papel do Estado, seria a receita ideal para
solucionar o colapso de crescimento e endividamento vivido a partir do final da
década de 1980.

Na busca pela inserção no mercado produtivo e financeiro internacional,


o Brasil procurou adequar-se às demandas da “nova economia” mundial, que
tinha como bandeira o intenso fluxo de mercadorias e capitais, além de uma
mudança substantiva na área tecnológica. O marco desta inserção seria afinal
instituída no governo do presidente Collor de Melo, considerado, de forma
consensual por jornalistas, articulistas, politólogos, historiadores e
internacionalistas, o responsável pela execução do projeto de abertura
econômica e da globalização do Brasil.

Imbuído da realização de reformas estruturais, o jovem presidente,


influenciado pelas mudanças políticas e econômicas dos anos 1980
promovidas, sobretudo, pelos Estados Unidos de Ronald Reagan e pela
Inglaterra de Margaret Thatcher, estabeleceu as bases do que seriam os
“exuberantes anos 90”, para usar uma expressão cara ao economista norte-
americano Joseph Stiglitz. O Brasil e os países sul-americanos, mais do que a
Índia, apostaram no sucesso do neoliberalismo e realizaram reformas mais
intensas, sendo assim mais fiéis e disciplinados na adoção das diretrizes do
Consenso de Washington. No entanto, como faz notar o economista André
Nassif, após as reformas, a Índia acabou ostentando um desempenho
econômico melhor do que o Brasil. Segundo o economista, isso de deveu à
capacidade da Índia em coordenar as políticas “macroeconômicas
convencionais (sobretudo monetária e cambial) com as demais políticas que
configuram o Sistema Nacional de Inovação indiano”3 (NASSIF, 2008, p. 52-
53). Diferentemente da Índia, o Brasil não teve o mesmo sucesso na
“coordenação” do desenvolvimento de políticas econômicas e no
aprofundamento do Sistema Nacional de Inovação, no sentido de possibilitar
um crescimento econômico sustentável.

Ainda assim, especificamente sob o aspecto comercial, Brasil e Índia


adensaram a parceria. A possibilidade real de aumento nas relações
comerciais não apenas foi vislumbrada pelos dois países, como se justificava
pragmaticamente a partir das necessidades dos mesmos. Na perspectiva da
Índia, o período de 1985-1991 registrou uma queda de praticamente 50% nas
exportações daquele país para a URSS. Portanto, a aposta nas relações
comerciais com o Brasil seria importante não somente pela potencialidade
comercial que o novo parceiro ofereceria, mas, sobretudo, pelo papel que o
Brasil historicamente representou na América do Sul.

De fato, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-


2002) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), as relações hemisféricas
passaram a ser fundamentais. Particularmente para a política externa do
governo Lula, a América do Sul se tornou uma importante arena de influência
política e econômica, cuja condição de Potência Regional ganharia legitimidade
com a postura pró-ativa do Brasil.
De Lula e Singh/Vajpayee: as possibilidades das relações bilaterais

Brasil e Índia, para além de compartilharem o status de potência regional


e de serem reconhecidamente países democráticos, dividem também alguns
problemas econômicos e sociais. Dentre eles destacam-se a concentração de
riqueza e renda; a precariedade nos serviços públicos de saúde e educação; a
concepção de Estado, com forte caráter patrimonialista e, sobretudo, a busca
intensa pelo aumento do comércio externo a partir do início do novo século.
Estes desafios se presentificam objetivamente quando aferimos alguns índices
sociais e econômicos, que além de demonstrarem a complexidade dos
problemas sociais que ambos os países enfrentam, evidenciam a necessidade
da implementação de políticas públicas consistentes. Políticas estas que
precisam responder de forma efetiva aos desafios que acompanham,
historicamente, os índices positivos de desenvolvimento, que ambos os países
têm apresentados internacionalmente e que garantem a respectiva projeção
regional de cada nação. Esse descompasso entre índices de desenvolvimento
e investimentos em setores ainda problemáticos pode ser vista no quadro
abaixo.

PIB PIB per Investimento em Investimento Investimento Índice de


capita pesquisa e em saúde em desenvolvimento
(2009) desenvolvimento educação humano
(2009) (2000-2005)
(2000-2005) (2000-2005) (2010)

Brasil U$1.571.957 U$8.114 1,0% do PIB 4,8% do PIB 5,08% do 0,699


PIB

Índia U$1.287.292 U$1.075 0,8% do PIB 0,9% do PIB 3,08% do 0,519


PIB

IBGE: WWW.ibge.gov.br\paisesat

Assim, diante das semelhanças, em que pese os distanciamentos já


assinalados, o aprofundamento dos projetos conjuntos entre Brasil e Índia
encontraria neste início de século XXI, as condições políticas propícias. Com o
governo Lula (2003-2010), marcado pela consolidação de uma agenda política
que priorizaria as relações Sul-Sul, Brasil e Índia dariam início a um processo
de reaproximação que minimizaria o desconhecimento mútuo dos projetos de
ambos os países. Um episódio que talvez possa ilustrar este relacionamento
ocorreu em 2003, quando uma comitiva do IPEA visitou a Índia para oferecer
apoio aos programas de cooperação bilaterais. Neste encontro foram sugeridas
algumas áreas que deveriam ganhar atenção dos dois governos, incluindo a
“segurança alimentar, políticas de saúde pública, biotecnologia, política
industrial, troca de experiência na formulação e implementação de política
econômica e administração financeira” (VIEIRA, 2009, p.136).

Cabe ressaltar que ainda no mesmo ano de 2003, com a consolidação


do IBAS e com o lançamento do G20, o relacionamento entre Brasil e Índia se
adensaria significativamente. O IBAS, ou G3, criado em junho de 2003 pelos
ministros das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, da Índia, Yashwant
Sinha e da África do Sul, Nkosazana Dlamini-Zuma, estabeleceu um
comprometimento e um aprofundamento no processo de cooperação entre as
três grandes nações emergentes. Deste encontro resultou o estabelecimento
de um fórum de diálogo organizado que sistematiza a cooperação trilateral, no
qual questões de inclusão, superação das desigualdades e de crescimento
econômico são debatidos através de uma agenda política específica dos
problemas do Sul e que, inclusive, supera fóruns multilaterais maiores, como a
ONU e o próprio G77.

Na esteira do IBAS encontra-se o G20 comercial, no qual os três países


componentes do G3, juntamente com outros importantes atores como
Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Cuba, Equador, Venezuela, China,
Paquistão, Indonésia, Filipinas, Egito, Nigéria e Tanzânia entre outros, formam
um grupo de países caracterizados pela importância crucial da questão
agrícola.

O grupo constitui boa amostra dos membros da OMC e compreende


uma parcela substancial da população, da produção e do comércio
agrícolas mundiais: 63% de todos os agricultores e 51% da
população mundial vivem nos membros do grupo. Os componentes
do grupo são responsáveis por cerca de 20% da produção agrícola
mundial, 26% da exportação agrícola total e 17% de todas as
importações mundiais de produtos agrícolas. Existe uma inegável
relação entre agricultura e desenvolvimento (GARCIA, 2008, p. 709).

Evidentemente, este novo agendamento que o IBAS e o G20 trazem


para a política internacional proporciona uma outra dinâmica no relacionamento
entre as médias potências ou, conforme o conceito atualmente em uso, entre
os países emergentes. No contexto desta nova pauta, a questão central estaria
no estabelecimento de uma forma equânime de tratar as assimetrias do
comércio internacional e na criação de estratégias que dêem conta das
alianças e reivindicações dos países do Sul.

Em que pese a relevância política e estratégica tanto do IBAS como do


G20, para Brasil e Índia atrair investimentos internacionais seria um dos
grandes desafios da política externa neste início de século XXI. Mesmo que os
dois países busquem estabelecer aproximações, seja no campo político-
diplomático, seja no campo comercial, os caminhos individuais ou com foco
regional acabam ainda prevalecendo sobre as parcerias extra-regionais.

No caso da Índia, sabe-se que historicamente o país conviveu com uma


situação de isolamento, que resultou em tímidos investimentos externos em
sua economia, especialmente no que tange ao ocidente. Passado o período de
estreitamento das relações com Moscou durante a Guerra Fria e a
readequação após o colapso soviético, o país buscou minimizar o isolamento.
Mas cabe ressaltar, que mesmo com as reformas liberalizantes dos anos 1990,
a condição de nação pouco atrativa para o capital estrangeiro não se modificou
substancialmente. Conforme se pode observar, a Índia “continua a exibir níveis
de proteção tarifárias muito altos, comparativamente. [...] No presente, as
tarifas praticadas pela Índia distam muito do patamar em que se situam as
tarifas consolidadas [...] que, para muitos produtos estão entre as mais altas do
mundo” (VELASCO E CRUZ, 2008, p. 149-150).

No entanto, o cenário recente sugere que a Índia, tal como a China,


mostra ao mundo globalizado que é possível a coexistência de nacionalismo e
liberalização, seja de forma espontânea ou como resultado de política
governamental (HURRELL, 2009). A atitude defensiva e inflexível adotada por
Nova Delhi, ao longo do século XX, tem sido substituída por uma posição mais
pragmática e com disposição para mudar os rumos da política externa, na qual
a atração de investimentos ocidentais para o país se configuraria numa
importante meta para os governos de Rao e Singh. Assim, de maneira geral,
pode-se perceber que a política externa da Índia pós Guerra Fria se divide em
duas grandes linhas: redimensionar a segurança, que se configura numa
grande questão para o país, e aumentar os esforços para inserir o país
regionalmente e internacionalmente. Conforme observam alguns analistas, o
desafio da política externa e de segurança da Índia estaria em assumir uma
posição de liderança no subcontinente asiático, a ponto de não permitir
interferência externa na região (GUIMARÃES, 2008).

No caso brasileiro, o governo tem sido capaz de desenvolver políticas


sociais importantes para “romper o círculo vicioso da desigualdade que, no
Brasil, como igualmente em outros países da América Latina, se constituíram
no estigma estrutural do atraso [...]” (DINIZ; BOSCHI, 2007, p. 119). Neste
sentido, um dos principais legados do governo Lula é a adoção de uma política
de transferência de renda que resultou objetivamente na diminuição da
pobreza no país. Na mesma linha, mas sob a rubrica do Itamaraty, o governo
Lula inovou propondo uma agenda social para a política externa.

Como bem notou Amado Cervo (2008, p.56), o governo Lula, ao


procurar corrigir as linhas da política externa brasileira, adotou três frentes:
primeiramente “tirar a política externa das ilusões da harmonia kantiana”,
orientando-a para uma realidade onde prevalecesse a concepção de
“multilateralismo de reciprocidade” e não mais a percepção de um
“multilateralismo utópico”; em segundo lugar, enfrentando as “dependências
estruturais”, fossem elas financeiras, tecnológicas ou empresarias, com o
objetivo de minimizá-las, interrompendo um ciclo marcado pela vulnerabilidade
financeira; por fim, reforçando a ideia de que a América Sul é um importante e
fundamental “pólo de poder e plataforma política e econômica de realização de
interesses brasileiros”. Cabe notar que tal mudança na política externa
brasileira não se deve à conjuntura nacional e internacional na qual o Brasil
está inserido neste início de século XXI mas, sobretudo, ao “partido e sua
ideologia de esquerda, que redistribui renda com senso social” e, ao mesmo
tempo, “promove a internacionalização econômica e o envolvimento com as
estruturas hegemônicas do capitalismo” (CERVO, 2008, p. 59).

Desta forma, as duas vertentes de política externa protagonizadas por


Brasil e Índia se aproximam na meta de conquistar e ampliar o comércio
externo, em que pese o distanciamento provocado pelas distintas realidades e
pela ênfase no regionalismo que os dois países perseguiram nesta última
década. O que se pode notar, a princípio, é que dos acordos assinados entre
Brasil e Índia, o aspecto comercial se sobrepôs claramente aos demais.
Senão, vejamos os recentes acordos: o Acordo Quadro sobre a Cooperação
nos Usos Pacíficos de Espaço Exterior, o Programa de Cooperação entre a
Agência Espacial Brasileira e a Organização de Pesquisa Espacial Indiana
para o ano de 2004 e o Acordo de Cooperação na Área do Turismo. Note-se
que, no que tange à questão da cooperação espacial, estamos falando de
acordos comerciais e não científicos, conforme observou Celso Amorin, ao
pontuar que “o que está se definindo é o lançamento de micro-satélites
brasileiros em foguetes indianos” (VIEIRA, 2008, p. 112).

Essa linha de raciocínio pode ser vislumbrada em alguns indicadores


objetivos. Ainda que no ano de 2003 o comércio entre os dois países –
considerando as importações e exportações – tenha diminuído em relação a
2002 (ano no qual o acumulado foi de U$ 1.226.920.896 em comparação com
o valor de U$ 1.039.440.091 em 2003), o ano de 2005 obteve um crescimento
superior a 50%, registrando um acumulado de U$ 2.340.844.399. Ressalte-se
ainda que no final do primeiro governo de Lula (2006) o comércio entre Brasil e
Índia registrou um valor de U$ 2.412.840.931 (Aliceweb/MDIC).

No segundo governo Lula, anotou-se valores comerciais jamais


existentes na história dos dois países. Em 2007, primeiro ano do segundo
mandato, o comércio entre os dois países foi de U$ 3.127.128.655. Nos anos
seguintes, o total das exportações e importações seria ascendente, com
acumulados de U$ 4.666.646.346, em 2008, U$ 5.606.136.791 em 2009, e U$
7.734.754.554 em 2010, último ano do Governo Lula. Diante destes dados, o
que se observa é um aumento de mais de 600% no comércio no período de
2003 a 2010. (Aliceweb/MDIC)

Vale observar que embora os índices acima registrados sejam


significativos e apontem para o adensamento no relacionamento comercial
entre as duas nações, nesta primeira década do século XXI, o comércio entre
Brasil e Índia ainda encontra limites objetivos. Isso porque os dois países se
dedicaram fortemente à cooperação regional, tanto para alavancar o
desenvolvimento econômico, quanto para conquistar espaço político nas suas
respectivas regiões. No caso do Brasil, o governo Lula aprofundou a relação
com os países sul-americanos e se projetou como líder regional. Na Ásia, a
questão do desenvolvimento econômico, embora importante, ficaria num
segundo plano dentro do processo de integração regional. Isso porque a
segurança continuaria se apresentando como matéria principal no diálogo entre
as nações vizinhas. Portanto, a questão da segurança segue agendando a
política externa da Índia, no que diz respeito ao seu entorno.

Outro aspecto comum entre Brasil e Índia refere-se ao fato de que


ambos os países, por serem médias potências, não apenas exercem influência
e hegemonia regional, como também são superavitárias em relação a todos os
Estados que fazem parte de seus respectivos blocos regionais. Isso ocorre
tanto no MERCOSUL com relação ao Brasil, como na SAARC no caso da
Índia. Paradoxalmente, em que pese a importância do entorno regional e a
procura de uma inserção proativa neste espaço, o aspecto econômico da
cooperação regional não inibe completamente projetos econômicos entre os
dois países. Especificamente no caso da Índia, “as questões econômicas e de
segurança são resolvidas extra blocos” (LIMA & TEIXEIRA JÚNIOR, 2010, p.
57).

Além do aquecimento que os índices comerciais apontam, a cooperação


entre Brasil-Índia exibe uma agenda positiva no que tange as assinaturas de
Atos Bilaterais. Estes envolvem diversos temas, tais como Acordos de
Cooperação Cultural, Declaração Conjunta para Cooperação Científica e
Tecnológica, Cooperação entre as Academias Diplomáticas, Cooperação na
Área de Assentamentos Humanos, Cooperação em Assuntos Relativos à
defesa, entre outras matérias, possibilitando uma nova arquitetura política na
história do relacionamento bilateral entre os países. Em quatro décadas – 1968
a 2008 – Brasil e Índia assinaram vinte e cinco (25) Atos Bilaterais: vinte e um
(21) Atos ocorreram a partir da década de 1990, e deste total doze (12) durante
o governo Lula. Acrescente-se a isso mais nove (9) Atos recentemente
assinados como o Acordo de Cooperação na Área do Turismo, Acordo-Quadro
sobre Cooperação nos uso pacíficos do Espaço Exterior, Acordo de Serviços
Aéreos, Acordo de Co-Produção Audiovisual e Tratado de Extradição. Embora
ainda não vigentes, os Atos são indicadores de uma agenda com fortes traços
de aproximação entre os dois países e apontam para uma possível constituição
mais efetiva de parceria estratégica e político-diplomática.

Considerações Finais

Depois de um longo período de afastamento, Brasil e Índia vislumbram


necessidades e oportunidades inauguradas pelo novo cenário internacional que
se constitui no Século XXI. Ao lado de relações comerciais cujos números
demonstram uma trajetória ascendente, ambos os países intensificaram, nas
últimas duas décadas, diversos acordos bilaterais, com destaque para aqueles
arquitetados sob o Governo de Luis Inácio Lula da Silva. A partir de 2003, a
consolidação do IBAS e o lançamento do G20 adensariam de forma
significativa o relacionamento entre Brasil e Índia, identificadas como as
potencias emergentes num contexto internacional de polaridades múltiplas.

As muitas semelhanças entre Brasil e Índia e seus interesses e


realidades em comum fazem supor que a relação entre os dois países ainda
encontra-se muito atrelada ao âmbito do setor das trocas econômicas,
resultando numa aproximação tímida no que diz respeito aos caminhos
políticos e estratégias de inserção internacional. Mas, com o aprofundamento
das relações bilaterais, o desafio que se apresenta para os governos dos dois
países é consolidar não apenas uma agenda pró-ativa de cooperação
comercial, mas estabelecer um projeto político articulado que defenda posições
comuns em diferentes fóruns e arenas internacionais e regionais.

*Doutora em História pela UFRGS, professora de Relações Internacionais na ESPM-SUL e da


Universidade Luterana do Brasil.

1. Vale ressaltar que este grupo de países também são denominados de Intermediários, Potências
Regionais, Médias Potências, Países Recém-Industrializados.

2. Rao foi o primeiro governante eleito pelo Partido do Congresso fora da família Neruh-Gandhi.
3. Atual Primeiro Ministro, eleito em 2004. É o primeiro ministro não hindu a chefiar a Índia.

4. O Sistema de Informação é compreendido como uma coordenação entre políticas econômicas


convencionais, que visam sustentar o crescimento econômico e a estabilidade de preços, com a difusão
de Inovações, de maneira que o desenvolvimento econômico seja acompanho pelo “progresso
tecnológico, mudanças estruturais e melhoras nas condições sociais da população”. (NASSIF, 2008, p.53)

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

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