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MALAN, Pedro Sampaio.

“Relações econômicas internacionais do Brasil (1945-


1964)”. In: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano, tomo III: economia e cultura
(1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 51-106.

2. A América Latina e o Brasil sob a Hegemonia norte-americana

– “Talvez em nenhum outro continente, a avassaladora presença dos Estados Unidos se


fazia sentir tão amplamente quanto a América Latina do imediato pós-guerra. Pela
primeira vez na história, adquiriam o virtual monopólio de influência na região,
constituindo praticamente sua única fonte de capitais, da assistência técnica e militar e
seu mais importante mercado: quase 60% das importações latino-americanas no triênio
1946-48 provinham dos EUA, que absorviam quase a metade das exportações latino-
americanas. (...) Entretanto, as elites latino-americanas, com a possível exceção da
Argentina peronista, julgavam-se beneficiárias da nova dimensão – através–dos EUA –
que o continente assumia no mundo. O famoso ‘bloco latino-americano’, em suas
votações nas assembleias iniciais das Nações Unidas mostraria ao resto do mundo que a
região constituía uma inquestionável zona de influência política norte-americana”, p. 58

– Malan reflexe sobre a Doutrina Monroe para indicar que a hegemonia dos EUA sob a
América Latina já datava de 1823, e nisso faz uso de uma expressão de Campos
(“imperialismo defensivo”), citada na obra Ensaios de História Econômica e Sociologia
(p. 58) – O autor também fala do “Corolário Roosevelt (Theodore) e sua a política do
Big Stick” (p. 58-59)

– “Como é sabido, uma ativa e frequentemente armada aplicação da Doutrina no Caribe


e na América Central dominou as relações hemisféricas até a década dos 30, e, exceção
feita ao interregno rooseveltiano (Franklin) 1933-1945, o viés intervencionista dos EUA
na América Latina se projetaria até o presente embora mudasse sua aparente rationale: a
Guerra Fria, em decidida escalada desde 1947, fez com que considerações de Segurança
Nacional se tornassem os determinantes principais da política externa global dos
Estados Unidos. A América Latina, neste contexto, era uma região de importância
relativamente secundária. Entretanto, o que cabe assinalar para propósitos desde
trabalho é o fato de que a política norte-americana durante a Grande Depressão e a
própria natureza das colaborações de governo durante os anos da guerra diminuíram
sensivelmente as tensões acumuladas nas primeiras três décadas do século e renovariam
as expectativas de cooperação hemisférica e regionalismo econômico no imediato pós-
guerra”, p. 59

O caso do Brasil

– Para Malan, o Brasil era o país que apresentava o nível mais alto de expectativas
quanto à cooperação dos EUA após a queda de Vargas em outubro de 1945,
aparentemente, pelas seguintes razões: em parte, porque “o Brasil tinha-se caracterizado
no passado recente, dentre os países grandes do continente, como o mais fiel aliado das
iniciativas da política norte-americana para com a América Latina”, vide sua
colaboração no esforço de guerra – “sua colaboração no esforço de guerra havia ido
muito além da cessão de bases aéreas e navais no território nacional: o suprimento de
matérias-primas básicas e materiais estratégicos havia sido assegurado a preços estáveis
durante o conflito e forças brasileiras se empenharam diretamente em expulsar tropas
alemãs do território italiano em 1944”; e em parte, porque “o Brasil havia sido dos
primeiros países do mundo a participar, lealmente aos EUA, a partir de 1943, das
discussões sobre a criação das instituições internacionais projetadas para o mundo do
pós-guerra. Nas conferências interamericanas a tradicional discrição da diplomacia
brasileira não escondia seus apoio às iniciativas norte-americanas” – “A instauração de
uma forma democrática de Governo a partir das eleições de dezembro de 1945 e a
adoção da constituição liberal de 1946 pareciam confirmar a inevitabilidade do
estreitamento das relações” (p. 59)

– “Com efeito, em 1945-46, o Brasil, através de parcela majoritária de suas chamadas


elites – civis e militares –, julgava-se no limiar de uma nova era da secular ‘relação
especial’ com os Estados Unidos da América do Norte. Aos seus olhos, o Brasil surgia,
naturalmente, como o parceiro privilegiado (para a região latino-americana) na
construção da nova ordem internacional que se esboçava sob a praticamente
incontestável hegemonia econômica, militar e – pour cause – política do capitalismo
norte-americano. A relação especial, contudo, era essencialmente assimétrica. Uma
assimetria que tinha menos a ver com as óbvias diferenças econômicas ou com
diferenças padrões de comércio, e mais com marcadas diferenças de percepções e
expectativas quanto a natureza, a importância e a forma de relacionamento entre os dois
países no mundo do pós-guerra”, p. 60

– “Do lado brasileiro, estas expectativas se deviam em grande medida à natureza da


colaboração no esforço de guerra que – em parte devido ao New Deal, em parte ao
Estado Novo – havia envolvido uma substancial colaboração de governo para governo,
que os brasileiros – civis e militares – esperavam que continuasse no pós-guerra. A
Missão Taub (1942) havia proposto um programa decenal de investimentos de cerca de
4 bilhões de dólares, cujo objetivo seria elevar a produção industrial do Brasil, para 4%
da produção industrial norte-americana (a percentagem, à época, era cerca de 2%). A
Missão Cooke (1943) havia proposto um explícito programa de industrialização
substitutiva de importações industriais por produção doméstica, dada a escassez de
transporte marítimo. Obviamente, as preocupações de certos setores da administração
norte-americana com a industrialização brasileira estavam associadas à guerra e
deixariam de existir com seu término [Nota de rodapé: curioso notar que estas Missões
foram consideradas por um alto funcionário do Departamento de Estado norte-
americano (Walmsey) como ‘cativantes incursões no reino da fantasia’]. Mas seu efeito
sobre as expectativas brasileiras quanto ao caráter da ajuda norte-americana no pós-
guerra não deve ser minimizado”, p. 60

– “Com efeito, as vicissitudes da economia brasileira na década dos anos 30, de certa
forma agravadas nos anos de guerra, haviam tornado progressivamente claro aos
militares interessados em questão de segurança e desenvolvimento, bem como à
reduzida parcela das elites brasileiras interessadas na diversificação da estrutura
produtiva e na aceleração do ritmo de formação do capital na indústria e em
infraestrutura produtiva, que qualquer processo de transformação estrutural da economia
brasileira requereria tanto um significativo grau de intervencionismo do Estado na vida
econômica quanto uma expressiva contribuição da tecnologia e recursos externos,
oficiais e/ou privados. As questões substantivas de economia política que se seguiram –
até o presente – estiveram quase todas relacionadas, em maior ou menor grau, a
divergências quanto à forma e à extensão tanto da participação externa quanto da
intervenção do setor público na vida econômica.
A intervenção do setor público, enquanto agente de política econômica, obviamente, em
si mesma, não constituía novidade. Esta intervenção sempre existiu no Brasil; no século
XX, até 1930, assumiu principalmente a forma de defesa dos interesses da cafeicultura
(programa de valorização do café e estabilização do mil-réis) identificados como
coincidentes com o ‘bem-comum’ e com os supremos interesses da nação. A depressão
dos anos 30 marcou uma tendência ao intervencionismo que se observou em escala
internacional, e que obviamente encontrou eco – e uma experiência pretérita no Brasil.
O que houve de novo na natureza da intervenção que se esboçou nos anos 30 foi a sua
utilização parcial e incipiente, não apenas para assegurar níveis de dispêndio (e,
portanto, renda e emprego) adequados ao setor cafeicultor mas, inicialmente, para tentar
uma aceleração no ritmo da formação bruta de capital fixo com diferenciação da
estrutura produtiva da economia; vale dizer, uma realocação de recursos reais distinta,
tanto em intensidade quanto em composição, daquela que o setor privado realizaria na
ausência da intervenção governamental. Não se tratava portanto apenas de induzir o
setor privado, via ‘sinais de mercado’ modificados e/ou intensificados pelos estímulos
ou desestímulos governamentais, a se engajar em determinados programas de
investimento”, p. 61-62

– “Na verdade, os homens públicos brasileiros – mesmo aqueles insuspeitos de


quaisquer propensões ‘dirigidas’ ou de vieses contra o setor privado – nunca parecem
ter aceito, sem grandes qualificações, a visão liberal e utópica de um setor privado
eficiente, com elevada percepção para oportunidades de investimento a longo prazo,
sempre pronto a assumir riscos, novas iniciativas, e a reduzir custos via elevação de
produtividade e incorporação de nova tecnologia. Com efeito, a necessidade de algum
tipo de ingerência governamental que fosse além da atividade meramente reguladora do
setor público foi paulatinamente sendo estabelecida, de fato, desde os anos 30. As
relações econômicas internacionais do Brasil no pós-guerra não deixariam de ser
afetadas e de expressar politicamente este fenômeno, que, diga-se de passagem, nada
tinha de especificamente brasileiro, e que, em mais de um sentido, como veremos a
seguir, colidia com certos aspectos do projeto norte-americano para o mundo do pós-
guerra”, p. 62

Notas de leitura:

Com o perfil traçado no primeiro tópico a respeito de qual foi a ordem


econômica internacional que prevaleceu no pós-guerra, neste segundo tópico o autor
assinala para o fato de que tanto a América Latina quanto o Brasil estiveram sob a
hegemonia dos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, as elites latino-americanas, com a possível exceção da


Argentina peronista, julgavam-se beneficiárias da nova dimensão –
através dos EUA – que o continente assumia no mundo. O famoso
‘bloco latino-americano’, em suas votações nas assembleias iniciais
das Nações Unidas mostraria ao resto do mundo que a região
constituía uma inquestionável zona de influência política norte-
americana. (MALAN, p. 58)

Nesta altura, Malan reflexe sobre a Doutrina Monroe para indicar que a
hegemonia dos EUA sob a América Latina já datava de 1823, e nisso faz uso de uma
expressão de Campos (“imperialismo defensivo”), citada na obra Ensaios de História
Econômica e Sociologia (p. 58) – O autor também fala do “Corolário Roosevelt
(Theodore) e sua a política do Big Stick” (p. 58-59). A intenção aqui, nos parece, é
mostrar que o domínio dos Estados Unidos sob o continente americano data de período
mais longo. Porém, aqui, uma outra forma de hegemonia se estabelecia com a
emergência da Guerra Fria. Vejamos o que diz o autor a esse respeito:

Como é sabido, uma ativa e frequentemente armada aplicação da


Doutrina no Caribe e na América Central dominou as relações
hemisféricas até a década dos 30, e, exceção feita ao interregno
rooseveltiano (Franklin) 1933-1945, o viés intervencionista dos EUA
na América Latina se projetaria até o presente embora mudasse sua
aparente rationale: a Guerra Fria, em decidida escalada desde 1947,
fez com que considerações de Segurança Nacional se tornassem os
determinantes principais da política externa global dos Estados
Unidos. A América Latina, neste contexto, era uma região de
importância relativamente secundária. Entretanto, o que cabe assinalar
para propósitos desde trabalho é o fato de que a política norte-
americana durante a Grande Depressão e a própria natureza das
colaborações de governo durante os anos da guerra diminuíram
sensivelmente as tensões acumuladas nas primeiras três décadas do
século e renovariam as expectativas de cooperação hemisférica e
regionalismo econômico no imediato pós-guerra. (MALAN, p. 59)

Nestes termos, para Malan, o Brasil era o país que apresentava o nível mais alto
de expectativas quanto à cooperação dos EUA após a queda de Vargas em outubro de
1945, aparentemente, por duas razões: em parte, porque “o Brasil tinha-se caracterizado
no passado recente, dentre os países grandes do continente, como o mais fiel aliado das
iniciativas da política norte-americana para com a América Latina”, vide o esforço de
guerra brasileiro; e em parte, porque “o Brasil havia sido dos primeiros países do mundo
a participar, lealmente aos EUA, a partir de 1943, das discussões sobre a criação das
instituições internacionais projetadas para o mundo do pós-guerra. Nas conferências
interamericanas a tradicional discrição da diplomacia brasileira não escondia seus apoio
às iniciativas norte-americanas” (p. 59). Como assinala o autor, “a instauração de uma
forma democrática de Governo a partir das eleições de dezembro de 1945 e a adoção da
constituição liberal de 1946 pareciam confirmar a inevitabilidade do estreitamento das
relações” entre o Brasil e os Estados Unidos (p. 60). Pareciam... e era essa a expectativa
que indica Malan.1

A relação especial, contudo, era essencialmente assimétrica. Uma


assimetria que tinha menos a ver com as óbvias diferenças econômicas
ou com diferenças padrões de comércio, e mais com marcadas
diferenças de percepções e expectativas quanto a natureza, a
importância e a forma de relacionamento entre os dois países no
mundo do pós-guerra. Do lado brasileiro, estas expectativas se deviam
em grande medida à natureza da colaboração no esforço de guerra que
– em parte devido ao New Deal, em parte ao Estado Novo – havia
envolvido uma substancial colaboração de governo para governo, que
os brasileiros – civis e militares – esperavam que continuasse no pós-
guerra. A Missão Taub (1942) havia proposto um programa decenal
de investimentos de cerca de 4 bilhões de dólares, cujo objetivo seria
elevar a produção industrial do Brasil, para 4% da produção industrial
norte-americana (a percentagem, à época, era cerca de 2%). A Missão
Cooke (1943) havia proposto um explícito programa de
industrialização substitutiva de importações industriais por produção
doméstica, dada a escassez de transporte marítimo. Obviamente, as
preocupações de certos setores da administração norte-americana com
a industrialização brasileira estavam associadas à guerra e deixariam
de existir com seu término [Nota de rodapé: curioso notar que estas
Missões foram consideradas por um alto funcionário do Departamento
de Estado norte-americano (Walmsey) como ‘cativantes incursões no
reino da fantasia’]. Mas seu efeito sobre as expectativas brasileiras
quanto ao caráter da ajuda norte-americana no pós-guerra não deve ser
minimizado. (MALAN, p. 60)

A partir deste ponto, o autor coloca a questão de que tal contexto tornou nítido a
percepção da importância da intervenção do Estado na economia brasileira, o que

1
Como assinalou Malan: “Com efeito, em 1945-46, o Brasil, através de parcela majoritária de suas
chamadas elites – civis e militares –, julgava-se no limiar de uma nova era da secular ‘relação especial’
com os Estados Unidos da América do Norte. Aos seus olhos, o Brasil surgia, naturalmente, como o
parceiro privilegiado (para a região latino-americana) na construção da nova ordem internacional que se
esboçava sob a praticamente incontestável hegemonia econômica, militar e – pour cause – política do
capitalismo norte-americano. A relação especial, contudo, era essencialmente assimétrica. Uma assimetria
que tinha menos a ver com as óbvias diferenças econômicas ou com diferenças padrões de comércio, e
mais com marcadas diferenças de percepções e expectativas quanto a natureza, a importância e a forma de
relacionamento entre os dois países no mundo do pós-guerra”, p. 60
causaria uma reflexão a respeito do caráter e a forma de sua interferência no
desenvolvimento nacional, e de como isso geraria possíveis discussões e choques de
interesses sob a hegemonia dos Estados Unidos e o capital internacional. A esse
respeito, vejamos o que disse o autor:

Com efeito, as vicissitudes da economia brasileira na década dos anos


30, de certa forma agravadas nos anos de guerra, haviam tornado
progressivamente claro aos militares interessados em questão de
segurança e desenvolvimento, bem como à reduzida parcela das elites
brasileiras interessadas na diversificação da estrutura produtiva e na
aceleração do ritmo de formação do capital na indústria e em
infraestrutura produtiva, que qualquer processo de transformação
estrutural da economia brasileira requereria tanto um significativo
grau de intervencionismo do Estado na vida econômica quanto uma
expressiva contribuição da tecnologia e recursos externos, oficiais
e/ou privados. As questões substantivas de economia política que se
seguiram – até o presente – estiveram quase todas relacionadas, em
maior ou menor grau, a divergências quanto à forma e à extensão
tanto da participação externa quanto da intervenção do setor público
na vida econômica. A intervenção do setor público, enquanto agente
de política econômica, obviamente, em si mesma, não constituía
novidade. Esta intervenção sempre existiu no Brasil; no século XX,
até 1930, assumiu principalmente a forma de defesa dos interesses da
cafeicultura (programa de valorização do café e estabilização do mil-
réis) identificados como coincidentes com o ‘bem-comum’ e com os
supremos interesses da nação. A depressão dos anos 30 marcou uma
tendência ao intervencionismo que se observou em escala
internacional, e que obviamente encontrou eco – e uma experiência
pretérita no Brasil. (MALAN, p. 61)

Dito isto, Malan levanta a seguinte reflexão, a saber:

Na verdade, os homens públicos brasileiros – mesmo aqueles


insuspeitos de quaisquer propensões ‘dirigidas’ ou de vieses contra o
setor privado – nunca parecem ter aceito, sem grandes qualificações, a
visão liberal e utópica de um setor privado eficiente, com elevada
percepção para oportunidades de investimento a longo prazo, sempre
pronto a assumir riscos, novas iniciativas, e a reduzir custos via
elevação de produtividade e incorporação de nova tecnologia. Com
efeito, a necessidade de algum tipo de ingerência governamental que
fosse além da atividade meramente reguladora do setor público foi
paulatinamente sendo estabelecida, de fato, desde os anos 30. As
relações econômicas internacionais do Brasil no pós-guerra não
deixariam de ser afetadas e de expressar politicamente este fenômeno,
que, diga-se de passagem, nada tinha de especificamente brasileiro, e
que, em mais de um sentido, como veremos a seguir, colidia com
certos aspectos do projeto norte-americano para o mundo do pós-
guerra, p. 62
Campos em alguns momentos dá mostras de ter essa percepção. No entanto, ele
precisa fazer crer (ideologia) que o “empresário racional, metódico, e que atua em busca
do lucro com riscos e em busca do aumento da produtividade” existe e é ele um dos
principais responsáveis pelo desenvolvimento econômico. Mas é tudo papo furado para
justificar certas ações econômicas defendidas por Campos. Nesta altura, inicia o tópico
em que o autor investiga a forma pela qual o governo Dutra respondeu à ordem sob
hegemonia militar e econômica dos Estados Unidos, a partir de 1946.

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