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– Segundo faz notar Malan, o governo dos Estados Unidos avaliava que a eleição de
Vargas para a Presidência do Brasil significaria “persistentes e agressivas demandas por
ajuda financeira e outros tipos de assistência, insistindo na contribuição brasileira
durante a guerra e ao caráter de ‘tradicional aliado’ dos EUA, mas (...) que as relações
com os EUA provavelmente não se deteriorariam com a eleição de Vargas”. Havia,
segundo sinaliza Malan, uma certa crença/percepção de que a linha de governo adotada
por Vargas podia colidir com a política estadunidense no campo das relações
internacionais, “possivelmente por razões internas, uma política socialista e
definitivamente nacionalista...”, p. 70
– “Com efeito, o primeiro ano do governo Vargas foi um ano de expectativas otimistas
quanto ao estreitamento das relações com os EUA. Os ministros João Neves da
Fontoura (Relações Exteriores) e Horário Lafer (Fazenda) eram francos partidários de
uma estreita cooperação com os norte-americanos, da qual esperavam resultasse
substancial volume de financiamentos. Como vimos, esta havia sido a expectativa –
totalmente frustrada – do governo Dutra, o qual teria enfrentado um grave desequilíbrio
nas contas externas, não fora a recuperação dos preços internacionais do café a partir de
1948 [Nota de rodapé: Entre 1940 e 1949, condições climáticas adversas haviam
estabilizado a produção e levado a uma redução líquida de estoques estimada em 16
milhões de sacas (além dos 65 milhões de sacas queimadas durante os anos 30).
Quando, em junho de 1948, o governo Dutra – preocupado com a inflação – decidiu que
não desvalorizaria e comunicou ao FMI que a paridade oficial do cruzeiro em relação ao
dólar seria a mesma de 1939 (18,50), os importadores de café que estavam aguardando
uma desvalorização desde a expiração, em 1848, do Acordo Interamericano do Café,
lançaram-se ao mercado e causaram uma surpreendente elevação dos preços em um
prazo extremamente curto para um mercado que estivera, por quase três décadas, sujeito
a superprodução. Entre 1948 e 1950, o preço do café aumentou em 125%, elevando-se
de 23 para 51 centavos de dólar por libra-peso], p. 70
– É bom eu me atentar para a maneira com que Campos deu respostas à “dimensão
nacional-populista” de Vargas (conceito de Carlos Estevam Martins), p. 71
– De que forma o conflito coreano impactou as contas externas do Brasil? Por que o
Brasil perdeu credibilidade junto a instituições financeiras internacionais a partir de
1952?
– “É importante notar que o grave desequilíbrio nas contas do Brasil no início dos 50
não se resumia à balança comercial. Vargas havia deixado claro, em sua campanha e
desde o início de seu governo, que não estava comprometido com a política liberal vis-
à-vis o capital estrangeiro que havia caracterizado o governo de Dutra. Tanto nas
recomendações pessoais que fez à sua assessoria econômica (e relacionadas a projetos
específicos) quanto em pronunciamentos públicos, Vargas procurou marcar uma postura
nacionalista que tinha óbvios propósitos políticos internos. Esta postura combinada com
os acenos à classe trabalhadora [Nota de rodapé: O salário mínimo, que havia
permanecido constante (Cr$ 0,38) por 97 meses (de dezembro de 1943 a janeiro de
1952), foi aumentando em 216% (para Cr$ 1,20) em 1º janeiro de 1952 (a taxa de
inflação no período foi da ordem de 200%). Em 1º de maio de 1954 foi decretado um
aumento de 100% a vigorar a partir de julho (a taxa de inflação no período foi da ordem
de 60%)] contribuiria para erodir, progressivamente, não apenas o seu relativamente
precário apoio externo, como o apoio das elites militares e civis (e classes médias)
partidárias de maior aproximação política e econômica com os Estados Unidos (e da
preservação de diferenciais de renda na sociedade brasileira) e não deixaria de afetar
negativamente as contas externas do Brasil. Por exemplo, no front da política
econômica externa, Vargas criticou violentamente não apenas a retirada da taxa de 5%
sobre as operações cambiais – que era a principal fonte de financiamento para os seus
Planos de Obras Públicas de 1939/44 e 1944/45 – mas criticou também o poder
outorgado à SUMOC (embrião do atual Banco Central) para modificar como melhor lhe
parecesse as normas que regulamentavam as remessas para o exterior. Além disso,
determinou uma reestimativa do valor contábil do estoque de capital estrangeiro na
economia brasileira, uma vez que acreditava serem esses valores sistematicamente
superestimados através da inclusão indevida de reservas visando criar artificialmente
uma base de cálculo mais ampla para as remessas legais [Nota de rodapé: Essas
remessas legais poderiam chegar até a 20% do capital registrado para amortização mais
juros, e até 8% do capital registrado para lucros e dividendos. Como resultado da
reestimativa, Decreto-Lei Executivo de 3 de janeiro de 1952 reduziu o estoque de
capital estrangeiro registrado (em 31.12.51), para fins de base legal para cálculo das
remessas, de US$ 750 milhões para US$ 372 milhões. Segundo dados oficiais dos
Estados Unidos, a estimativa do estoque de capital norte-americano no Brasil, teria
passado de US$ 323 milhões em 1946 para US$ 644 milhões em 1950 e US$ 1.013
milhões em 1952]”, p. 72
– “O problema adquiriu conotação altamente política uma vez que Vargas procurou
explicar em detalhes os motivos da evasão, expressando-se de maneira marcadamente
nacionalista, não somente no discurso que proferiu por ocasião da passagem do ano
(1951-52) como também em sua Mensagem ao Congresso em 1952. Por outro lado, teve
profundas implicações sua decisão de impor restrições às remessas de lucros e ao
retorno de capital sem consulta prévia ao governo americano ou às instituições
internacionais. Houve reação imediata tanto do Departamento de Estado quando do
Banco Mundial, que enviaram violentas notas de protesto, sendo que este tentou, sem
sucesso, fazer uso de sua capacidade de influência, tendo em vista que, à época, a
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos selecionava projetos a serem financiados pelo
Banco. Afinal, o Banco Mundial decidiu não mais conceder empréstimos ao Brasil, a
menos que fosse encontrada uma solução para a questão das remessas. Tal decisão teve
sérias implicações de longo prazo; os empréstimos declinaram em 1953 e 1954 e foram
nulos em 1955-1957. Exceção feita de um empréstimo isolado negociado em 1958,
entre 1955 e 1964 o Banco Mundial não realizou qualquer novo empréstimo ao Brasil
[Nota de rodapé: É bem verdade que a preocupação do Banco não ficou restrita à
questão de remessas. O Presidente do Banco Mundial, diz a história oficial deste:
‘Comunicou a uma sucessão de Ministros da Fazenda – Lafer, em 1953, Aranha, em
1954, e Gudin, em 1955 – que não haveria discussão sobre empréstimos até que o
Banco e o governo brasileiro, conjuntamente, levassem em consideração as perspectivas
da economia brasileira (e as políticas internas seguidas pelas autoridades brasileiras)].
Com a redução abrupta das receitas de exportação, com uma pauta de importações
progressivamente inflexível, com linhas bilaterais de crédito para assistência ao balanço
de pagamentos praticamente exauridas e com crescente custo de serviço de sua dívida
externa, o Brasil teve que alterar radicalmente seu sistema cambial em outubro de 1953
[Nota de rodapé: Os atrasados comerciais acumulados em 1952 exigiram em 1953 a
contratação, entre outros, de um empréstimo junto ao Eximbank de US$ 300 milhões e
de um consórcio de bancos europeus no montante de US$ 158 milhões. Ambos tinham
um vencimento de curto prazo e foram negociados na suposição de que os preços de
exportação (i.e., café) continuariam a subir. Quando estes preços começaram a desabar,
em fins de 1954 houve a necessidade de um novo empréstimo de US$ 200 milhões
obtido junto a um consórcio de bancos norte-americanos para fazer face a uma espécie
de reescalonamento da dívida anterior. Ao final de 1954, a dívida externa brasileira era
de US$ 137 milhões, 120% mais elevada que o nível médio da dívida externa do
período 1947-51], após reformulação ministerial de meados do ano, por razões ligadas à
política interna que estavam levando à progressiva erosão da base de sustentação
política de Vargas e que o levariam ao dramático suicídio de agosto de 1954”, p. 73-74
– “(...) é preciso situar a reforma cambial de 1953 em um contexto mais amplo, dado
que seus efeito se prolongariam pelo restante da década. Em particular, é extremamente
importante reconhecer que, do ponto de vista internacional, tais medidas, adotadas como
foram após significativos desequilíbrios associados ao boom provocado pela guerra da
Coreia, não eram caracteristicamente brasileiras.
Com efeito, as condições econômicas internacionais em 1953-54 refletiam três fatores
fundamentais: a continuada recuperação europeia, uma redução da atividade econômica
nos EUA a partir do segundo semestre de 1953 e uma queda dos preços de produtos
primários cuja produção se havia expandido ao longo do ‘boom coreano’ e que agora
encontravam uma demanda menor. Segundo a história oficial do FMI, o primeiro destes
fatores fez renascer a esperança de um rápido retorno à convertibilidade. O segundo e o
terceiro trouxeram dificuldades para vários produtores de produtos primários, o que
resultou em uma série de mudanças em seus sistemas cambiais”, p. 75
– “Com efeito, a convertibilidade era a questão crucial, como havia sido desde a guerra.
Em 1953 menos da metade do comércio internacional do chamado mundo livre era
conduzido em moedas conversíveis. Caso a libra esterlina fosse livremente conversível,
esta proporção seria superior a 75%. Entretanto, a incapacidade da economia britânica
em aceitar a responsabilidade formal da convertibilidade da libra esterlina continuava a
bloquear os progressos na direção da realização do projeto norte-americano. Como
veremos adiante, apenas no final da década de 1959 e, formalmente, em 1961, as
obrigações do Artigo VIII do FMI, acordado quinze anos antes, foram afinal aceitas
pela maioria dos países membros cujas moedas nacionais tinham importância no
comércio internacional. Esta foi talvez a mais significativa divergência ocorrida entre os
planos dos idealizadores do sistema de Bretton-Woods e a evolução do mundo do pós-
guerra”, p. 75-76