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Universidade Federal Fluminense - Instituto de Estudos Estratégicos

Processo de Integração Regional na América do Sul


Docente: Thomas Ferdinand Heye
Discente: Gabriela Lauria Martins - 119059029

Avaliação

1. Segundo Doratioto, quais são as principais diferenças no processo de formação do Estado


no Brasil e na Argentina?

No capítulo “A Formação dos Estados Nacionais do Cone Sul”, da obra “América do


Sul e Integração Regional”, o autor Francisco Doratioto faz um retrato do início do século
XIX ao ilustrar os desdobramentos históricos e políticos fundamentais no que tange a
edificação de importantes Estados Nação, como Brasil e Argentina. Através do uso do
método cartesiano, o autor pinta este cenário serpenteando do “macro” para o “micro”, isto é,
dos grandes eventos que marcaram época às suas especificidades. Dessa forma, Doratioto dá
início a análise ao desenhar seu ponto de partida, que é, ao mesmo tempo, ponto de
intersecção das mudanças sociopolíticas das colônias hispânicas e da colônia portuguesa: as
invasões napoleônicas à península Ibérica. O impacto das guerras comandadas por Napoleão
Bonaparte transpassou as fronteiras da Europa e transbordou, também, no Cone Sul. Dito
isso, é importante ressaltar que apesar do capítulo inicial da história da formação do Estado
brasileiro e argentino possuir pontos em comum, como as supracitadas consequências das
invasões napoleônicas, a história se diverge em rumos distintos, pavimentados por diferentes
estruturas políticas, sociais e econômicas.
Dado esse panorama, no que tange o processo de formação do Estado brasileiro, as
invasões napoleônicas ocasionaram a fuga da família real portuguesa a colônia da América, o
que, consequentemente, transferiu as instituições políticas, o regime econômico, a
organização militar e o arranjo social de Lisboa para o Rio de Janeiro. A continuidade do
exercício burocrático dessas instituições e, principalmente, a conservação de um poder
político centralizado permitiu a manutenção da integridade territorial do que viria a ser a
maior nação da América do Sul. Nesses moldes rígidos, a proclamação da independência em
1822 possui um significado mais próximo à noção de continuidade do que de ruptura, visto
que os processos políticos seguiram sendo decididos pelo topo da pirâmide social, constituída
pelo príncipe regente e a mesma elite governante. O Brasil, portanto, apenas trocou o brasão
de sua coroa, devido a inauguração do Império e, consequentemente, a continuidade do
regime monárquico vigente há anos.
As ex-colônias do Rio da Prata e os desdobramentos responsáveis pela formação do
Estado Nacional da Argentina tiveram, em contrapartida, caminhos pavimentados por
profundas rupturas. O domínio francês sobre a metrópole espanhola, com as invasões
napoleônicas, enfraqueceu o controle do reino sobre as colônias na América. Assim,
considerando que na política não há vácuos de poder, este enfraquecimento levou uma
articulação das ex-colônias do Rio da Prata em direção à ruptura tanto com a metrópole -
traduzido em uma série de independências - quanto com o regime político vigente -
desfazendo o regime monárquico para consolidar um regime republicano.
A formação do Estado argentino veio, portanto, das bases da pirâmide social, onde
grupos locais protagonizaram o processo de independência, diferentemente do que ocorreu no
Brasil. Entretanto, as diversas tremulações advindas de conflitos relacionados às
independências das ex-colônias do Rio da Prata, colocaram “em xeque a organização estatal
obtida até então” (DORATIOTO, 2012, p.26). Assim, as estruturas políticas, econômicas e
militares não possuíam alicerces sólidos que pudessem manter seus pilares e isso,
consequentemente, fazia com que o Estado carecesse de legitimidade e criasse fissuras,
preenchidas pelos setores que se sobressaíam nas relações de poder da região, como elites
locais de cidades melhor estruturadas, como Buenos Aires. Diferentemente da formação do
Estado brasileiro, as ex-colônias do Rio da Prata não herdaram uma elite política com
experiente gestão estatal, o que promoveu a formação de uma confederação em detrimento de
um Estado centralizado. A Confederação das Províncias Unidas do Rio da Prata fragmentou
política, social e territorialmente as ex-colônias, proporcionando autonomia a cada província
e mantendo o vínculo no que tange o exercício das Relações Exteriores, que seria de
responsabilidade de Buenos Aires representar todas as províncias internacionalmente.
Cabe ressaltar que, ao longo desses processos, o quadro do Cone Sul foi pintado por
diversos conflitos que transcenderam ou não as fronteiras dos recém Estados e que foram, em
sua maioria, protagonizados pelo Brasil e pela Argentina. É possível mencionar a Revolta da
Farroupilha, último grande movimento de cunho separatista do Brasil; as disputas entre
centralistas e federalistas na formação da Confederação Argentina; as disputas na Banda
Oriental da Bacia do Prata no que tange o domínio da região da Colônia de Sacramento e do
leste do Rio da Prata e o maior conflito militar da região do Cone Sul independente: a Guerra
do Paraguai.
Por fim, uma das maiores e mais complexas diferenças do processo de formação dos
Estados Nacionais do Brasil e da Argentina, segundo Doratioto, é a problemática da
escravidão. O processo de “continuidades” que ilustrou a formação do Estado brasileiro
manteve, também, a estrutura escravocrata como organização política, econômica e social do
país. No Brasil, o tráfico de escravos no Atlântico era essencial devido a economia de
monocultura para a exportação em escala. Esse modelo de agricultura por aplicação da mão
de obra intensiva para a exportação, em um contexto de fortíssima demanda para o consumo
de açúcar, tabaco e café, não se concebia utilizar mão de obra assalariada, fazendo do Brasil o
lugar na América que mais recebeu escravos. A presença e importância para o Brasil do
modelo econômico do latifúndio exportador baseado na mão de obra escrava constituiu uma
importante diferença da formação do país, não só da Argentina mas dos outros vizinhos
republicanos também. Assim, o Brasil se consolidou economicamente apoiado em uma
estrutura escravista, o que gerou uma série de desentendimentos com o Reino Unido, foi um
dos estopins para a virada da monarquia ao republicanismo no final do século e estabeleceu
um modelo social de cunho racista, enraizado na sociedade brasileira até os dias atuais. É
evidente, pois, a “dupla ruptura” que marcou a formação do Estado argentino e, em
contrapartida, a “dupla continuidade” que ilustrou a história da formação do Estado
brasileiro, diferenças que transbordam nos âmbitos políticos, sociais e econômicos de ambos
os Estados até atualmente.

2. Analise os aspectos fundamentais apontados por Vidigal para caracterizar os anos


cinquenta como o início da integração moderna na América do Sul.

No capítulo “A Integração Sul-Americana como um Projeto Brasileiro: de Uruguaiana


às Malvinas” da obra “América do Sul e Integração Regional”, o autor Carlos Eduardo
Vidigal discute sobre como ocorreu o processo de integração moderna da América do Sul e
seus desdobramentos, tendo como ponto de partida o fim da II Guerra Mundial e o início da
Guerra Fria. Nesse contexto, com o intuito de impedir o avanço do bloco socialista na
Europa, os Estados Unidos implementam um plano econômico voltado, essencialmente, à
reconstrução da região: o Plano Marshall. É também planejado como parte da estratégia de
contenção da expansão soviética na Ásia, investimentos na reconstrução do Japão, através do
Plano Colombo, transformando o país em uma potência industrial. Já na América Latina, não
houve iniciativas estadunidenses de auxílio econômico, visto que a região não era prioridade
para a condução da política externa norte-americana. Assim, acabam surgindo, nesse período,
organizações regionais de cunho político, militar e econômico, respaldadas pela força motriz
estadunidense, mas que não foram hábeis a dar “respostas à altura das demandas dos países
latino-americanos.” (VIDIGAL, 2012, p. 63) São essas, respectivamente, a Organização dos
Estados Americanos (OEA), o Tratado de Intervenção e Assistência Recíproca (TIAR) e a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
“Foi nesse contexto de dificuldades em relação à obtenção de empréstimos externos -
leia-se norte-americanos - e de poucos resultados na cooperação técnica para o
desenvolvimento que Juscelino Kubitschek lançou, em 1958, a Operação Pan-Americana
(OPA). ” (Idem, p.64) A ideia, portanto, era trabalhar na elaboração de um fundo para o
desenvolvimento econômico das Américas, utilizando a integração regional como força
motriz, em um projeto que envolvia contribuições voluntárias dos países Americanos de
acordo com o tamanho de suas economias - o que tornaria, desde o início, os Estados Unidos
o maior contribuinte. Entretanto, segundo o Vidigal, não era de interesse da política externa
estadunidense apoiar a iniciativa proposta por JK, o que deixou a OPA fadada ao fracasso e
que, ao mesmo tempo, serviu de base para o fomento da necessidade de uma articulação
regional pelo desenvolvimento.
Isso deu espaço para que surgissem três formas de pensar o desenvolvimento
socioeconômico do Brasil: a primeira pautada pelas diretrizes do comunismo soviético; a
segunda advinda da Escola Superior de Guerra (ESG), traduzida na figura do general Golbery
do Couto e Silva; e a terceira com base na obra e teoria do autor Hélio Jaguaribe. Assim, em
sua análise, Vidigal dá ênfase à visão de Jaguaribe, a qual defendia uma maior autonomia da
política externa brasileira, pautada na noção de que o Brasil deveria se intitular e posicionar
como não-alinhado na disputa bipolar da Guerra Fria. Além disso, essa visão possuía diversas
críticas a como havia sido feita a condução da política externa brasileira por meio do
Itamaraty, apontando a falta de posicionamento do país no movimento anticolonialista e o
olhar distante às questões de cunho regional, que, segundo Jaguaribe, deveria haver esforços
para solidificar uma aliança forte e estratégica com a Argentina.
As ideias de Jaguaribe vão se concretizar, como aponta Vidigal, na formação da
Política Externa Independente (PEI) do Brasil, que já tinha sinais no governo JK, mas que
será de fato implementada nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. O caráter da PEI
era essencialmente pragmático, com um viés autônomo e nacional desenvolvimentista. Na
prática, isso se traduz no fato do Brasil não se alinhar automaticamente com nenhuma outra
nação, ao procurar manter uma postura mais independente, visando a defesa dos interesses
nacionais como a busca pelo desenvolvimento econômico. A principal premissa da PEI,
portanto, estava na concepção de que, independente da ideologia do bloco, qualquer
relacionamento econômico e diplomático com o Brasil é viável desde que seja favorável e
traga benefícios à nação, principalmente no que toca ao seu desenvolvimento. É importante
frisar que essa política não exclui o relacionamento com a nação estadunidense, apenas
enfatiza que o Brasil não deixará de se relacionar com países de fora do bloco ocidental ou
até mesmo com países socialistas. É evidente, assim, que na concepção política de Jânio,
dinheiro não possui ideologia. Isso permitiu que o relacionamento do Brasil com o terceiro
mundo ganhasse notoriedade, importância e prioridade, visto que era uma grande
oportunidade econômica à nação.
No que tange a integração regional, em especial em relação a Argentina, era
importante romper a rivalidade histórica entre os dois países, através da aproximação. Assim,
é planejado, em 1961, o encontro de Uruguaiana, entre o presidente brasileiro Jânio Quadros
e o presidente argentino Frondizi, que foi um importante marco para o cultivo de boas
relações entre ambos os Estados. Entretanto, devido às tremulações políticas internas, como a
renúncia de Jânio e a remoção de Frondizi do poder, essa relação continuou como segundo
plano nas conduções políticas de ambos os países.
Com o golpe de 1964, a noção de uma política externa mais autônoma é engolida por
um alinhamento cego aos Estados Unidos. A morte da PEI significou a redução da integração
regional, com o fracasso de diversas tentativas que promoveriam melhores relações entre os
países da América do Sul, como a proposta de uma União Aduaneira, elaborada por Roberto
Campos. Além disso, a política externa da ditadura militar foi responsável por desencadear
desconfianças que abalaram nossas relações com países como Bolívia e Paraguai, devido aos
desentendimentos em relação a construção do gasoduto na Bolívia e questões envolvendo as
fronteiras em Itaipú.
Por fim, é evidente que a necessidade de desenvolvimento e crescimento econômico
sentidas na década de 1950, fez com que o Brasil assumisse uma postura autônoma, de maior
relevância para a América do Sul, o que caracterizou, segundo Vidigal, o moderno processo
de integração brasileiro deste período.

3. Qual é a relevância da criação do Conselho de Defesa Sul Americano na UNASUL?

Segundo o embaixador Celso Amorim, a obra “O Conselho de Defesa Sul-Americano


(CDS), Objetivos e Interesses do Brasil” da autora e embaixadora Ana Patrícia Neves Tanaka
Abdul-Hak, evidencia a importante discussão da política de defesa relacionada à edificação
de uma forte integração dos países da América do Sul. A autora introduz a discussão através
de uma análise pautada em estudiosos das Relações Internacionais, Buzan e Waever, cuja
teoria aborda Complexos Regionais de Segurança (CRS) como áreas geográficas interligadas
politicamente por questões relacionadas à defesa e securitização. Portanto, há a necessidade
nesses espaços de costurar organizações conjuntas entre seus atores centrais, a exemplo da
América do Sul e, consequentemente, da criação da UNASUL e do CDS.
Entender segurança e defesa por meio dessa perspectiva é inovador, marcando a
primeira vez em que a pauta de defesa e segurança regional sul-americana estaria sendo
pensada, articulada e executada somente pelos atores do CRS sul-americano. Isso, pois,
historicamente esta temática tende a se edificar a favor dos interesses dos Estados Unidos em
detrimento das demandas políticas dos países da América do Sul. Especialmente no período
da Guerra Fria, houve uma forte participação dos Estados Unidos na fomentação
políticoeconômica de uma onda autoritária que instaurou diversas ditaduras militares, e cuja
atuação era construída em alicerces do discurso anti-comunista para assegurar a zona de
influência capitalista na América do Sul. Entretanto, à medida em que nos aproximávamos do
fim da Guerra Fria, os investimentos e apoio para a manutenção dos regimes militares da
América do Sul por parte dos Estados Unidos foram se esvaindo, demonstrando os reais
interesses da nação na região. Somado a isso, a falta de apoio estadunidense à Argentina na
Guerra das Malvinas evidenciou a necessidade dos atores sul-americanos construírem suas
próprias políticas estratégicas de defesa e segurança dentro do CRS da América do Sul,
inaugurando um novo cenário propício para integração regional.
Assim, em 2008, imerso na perspectiva de projeção e afirmação internacional do Sul
Global, o Brasil lidera a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), que pensa
a integração econômica, política e, sobretudo, estratégica da região, principalmente com a
articulação de seu Conselho de Defesa. Como supracitado, desde o fim da II Guerra Mundial
e o início da Guerra Fria, pensar em segurança nas Américas era algo diretamente
relacionado a uma lógica de segurança hemisférica, tendo os Estados Unidos como grande
articulador. Com o Conselho de Defesa, a segurança regional da América do Sul é definida
pelos países da região, sem a participação estadunidense, o que claramente evidencia o anseio
dessas nações de se afirmarem no cenário internacional para além de uma sombra dos
Estados Unidos. Por fim, a importância desse momento está marcada na liderança do Brasil
no que tange a articulação de uma integração regional pautada em políticas de defesa e
segurança através, essencialmente, do Conselho de Defesa Sul Americano na UNASUL.

4. De acordo com Maria Regina Soares de Lima e Carlos Milani, quais são as principais
características do Regionalismo Pós-Liberal?

Antes de explicitar as principais características do Regionalismo Pós-Liberal, é


importante, primeiramente, salientar os aspectos históricos de caráter político e econômico
que levaram a construção desse novo projeto de regionalismo. Assim, a análise dos interesses
geopolíticos e econômicos dos atores envolvidos nesse processo, rumo ao Regionalismo Pós-
Liberal, será feita com base no capítulo “Política Externa, Geopolítica e Modelos de
Desenvolvimento” do livro “Cooperación Sur-Sur, política exterior y modelos de desarollo
en América Latina” dos autores Maria Regina Soares de Lima e Carlos Milani.
Com o início da Guerra Fria, surge a necessidade estadunidense de impor a agenda
capitalista sobre suas áreas de influência a fim de conter quaisquer avanços do bloco
soviético. Para a América Latina, as consequências do pós-II Guerra e a ebulição das disputas
ideológicas entre EUA e URSS, evidenciou a primordialidade da articulação dos países
Latino Americanos, com o objetivo de, ao fortalecer suas relações, reduzir a dependência em
relação aos Estados Unidos. Desse raciocínio, nasce, em 1948, a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), de forma a fomentar o desenvolvimento das nações
envolvidas. Entretanto, o intenso cenário geopolítico dual não possibilitava o exercício de
políticas socioeconômicas sem as roupagens estadunidenses ou soviéticas e isso recaiu sobre
o CEPAL a medida em que suas propostas econômicas de desenvolvimento nacional
autônomo passaram a ser vistas como suspeitas pelas elites de direita e pelo governo
estadunidense. Isso foi intensificado com a Revolução Cubana, em 1959, o que tensionou as
relações entre Estados Unidos e União Soviética devido a proximidade de Cuba ao território
norte-americano, o que significava um braço soviético a poucos quilômetros da fronteira dos
Estados Unidos. Assim, a política externa estadunidense, voltada à contenção do comunismo
na Europa e na Ásia, foi obrigada a voltar-se aos seus vizinhos do continente, o que incluiu
olhares mais atentos à América do Sul.
Não só os olhos, como também as mãos do Tio Sam passaram a mover as peças do
xadrez geopolítico da América do Sul, colocando em xeque suas democracias e inaugurando
uma era tomada por uma onda de regimes autoritários e ditatoriais. No que tange o fomento
do regionalismo sul americano, o resultado disso se traduziu na desarticulação política entre
os governos sul-americanos somada a potencialização de rivalidades históricas, o que
promovia ainda mais o afastamento do bloco. A exemplo disso:
Argentina e Brasil experimentaram longos períodos de regime autoritário, mas esta
coincidência política não gerou cooperação entre eles. Ao contrário, como o
conflito bilateral sobre Itaipu nos anos 1970 demonstra, a natureza militar de ambos
regimes ampliou a rivalidade histórica entre eles pelo controle da região do Prata.
(LIMA; MILANI, p.23, 2016)
Evidentemente, os interesses estadunidenses de projeção da agenda capitalista nos
países da América do Sul foram brutais para suas políticas de integração. Assim, a vitória do
capitalismo neoliberal dos Estados Unidos, nas portas dos anos 1990, deu início a um novo
momento político e econômico, colocando o país norte-americano como hegemon,
protagonista não mais de uma disputa bipolar, mas sim uma fase unipolar. Isso recaiu na
América Latina como um importante encerramento das ditaduras militares que assolaram as
nações e ao início de regimes democráticos que vão atuar dentro da esfera neoliberal
estadunidense, com a fomentação do livre comércio e de políticas de integração econômica.
Renasce a necessidade de pensar o regionalismo sob um viés econômico, traduzida na
criação de blocos econômicos como a Comunidade Andina de Nações, o Tratado Norte-
Americano de Livre Comércio (NAFTA) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A
atuação desses blocos será marcada, nos anos 1990, pela convergência dos interesses
econômicos e geopolíticos nacionais com o projeto de regionalismo aberto pautado pelos
Estados Unidos, que desfrutava da vitória da Guerra Fria. Entretanto, com a chegada do
século XXI, essas diretrizes se desfazem devido às turbulências que os Estados Unidos
passam a enfrentar, principalmente após os atentados do 11 de Setembro de 2001. Nesse
momento, havia a ascensão de países emergentes como Rússia, Índia e, principalmente,
China devido ao declínio dos Estados Unidos. O crescimento monumental da economia
chinesa acarreta o chamado “boom” das commodities e, além disso, a América Latina vai
visualizar a chamada “Onda Rosa” na qual lideranças críticas ao neoliberalismo ascendem na
região.
Isso possibilitou a ascensão de regimes de esquerda e centro-esquerda em países como
Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Bolívia e Equador, fomentando um pensamento de
integração regional - Regionalismo Pós-Liberal - para além de aspectos econômicos, dando
enfoque também a questões políticas, sociais e de desenvolvimento das nações. A diversidade
política e a heterogeneidade no que tange a condução dos regimes de cada nação foram
aspectos importantes para a construção de uma efetiva integração dos países da região. Nesse
contexto, o Brasil buscou aumentar seu protagonismo no cenário internacional, dando grande
prioridade à integração regional sulamericana. Assim, a nação se projeta como protagonista
na articulação da criação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), a qual tinha
como objetivo promover a cooperação regional em questões que historicamente tiveram
interferência dos Estados Unidos. Pensar em segurança, defesa, desenvolvimento
socioeconômico era moldado pela influência e interesse estadunidense e, com a criação da
UNASUL, esses assuntos puderam ser pensados levando em consideração as particularidades
culturais e sociais de cada país e a importância da diversidade de cada nação.
Dado esse panorama, o surgimento do Regionalismo Pós-Liberal deu voz aos
interesses políticos, econômicos e sociais dos países Sul-Americanos para além das sombras
estadunidenses, o que permitiu um começo de século pautado no desenvolvimento
socioeconômico das nações da região. Para concluir a análise, em 2010, a revista britânica
The Economist publicou em sua capa uma imagem da América Latina “de cabeça para baixo”
do mapa convencional, com o título “Nobody´s Backyard: The Raise of Latin America”. Isso
foi uma imagem clara de como o Regionalismo Pós-Liberal foi importante para que o Brasil
e os países latinoamericanos do Sul Global se postularem como grandes forças geopolíticas,
desafiando a ordem internacional vigente e demonstrando suas potencialidades.

5. Analise a relação do conceito de autonomia com a integração regional na América do Sul


de acordo com Hélio Jaguaribe.

No capítulo “A Política Externa de Hélio Jaguaribe” da obra “As visões de Hélio


Jaguaribe”, o autor Samuel Pinheiro Guimarães faz uma análise da obra de Jaguaribe,
evidenciando suas importantes contribuições para a construção de uma visão que compreende
a autonomia como chave para a política externa brasileira. Em outras palavras, “a política
externa brasileira ou será uma política própria, na medida em que o País preserve e amplie
sua margem de autonomia e consolide seu desenvolvimento, ou simplesmente não será nada.”
(JAGUARIBE, 2002, p. 117) Assim, tendo como base o capítulo de Guimarães, este envolto
na obra de Jaguaribe, será possível relacionar a complementaridade do conceito de autonomia
à necessidade de edificar uma integração regional da América do Sul.
Guimarães inicia sua análise salientando a importância da autodeterminação das
nações, prevista, em âmbito internacional, na Carta das Nações Unidas e, em âmbito
nacional, na Constituição Cidadã. Isso, pois a nação se fortalece ao buscar o desenvolvimento
a partir de suas próprias demandas, respeitando sua história e compreendendo quais são os
melhores caminhos para propiciar melhorias em esferas políticas, sociais e econômicas.
Entretanto, o autor salienta que os países que se sobressaem historicamente nas relações de
poder, como os Estados Unidos, tendem a intervir no processo de autodeterminação e busca
da autonomia de outros, haja vista a necessidade de garantir sua influência e hegemonia.
Vestidos com uma roupagem humanitária, esses países causam sérios danos àqueles menos
favorecidos no cenário internacional, a exemplo da prerrogativa do “direito de proteger” que
os Estados Unidos utilizou para invadir o Iraque em 2003, o que causou a morte de diversas
pessoas. No Brasil, é possível mencionar, em tempos mais distantes, o apoio estadunidense à
elaboração e execução do golpe militar de 1964, que nos acarretou mais de 20 anos de um
regime ditatorial e, em tempos mais recentes, o caso de espionagem global de autoria
estadunidense que veio à tona em 2015 e que teve como um dos afetados, a presidente da
república da época, Dilma Rousseff.
Dado esse panorama, Guimarães nos convida a pensar, a partir da obra de Jaguaribe, a
política externa por um viés autônomo, a fim de propiciar o desenvolvimento
socioeconômico brasileiro. Com um olhar voltado às necessidades nacionais, é possível
potencializar o crescimento econômico da nação ao alcançar demandas advindas dos
objetivos políticos do Brasil. A exemplo disso, o autor menciona que os investimentos em
setores tecnológicos e nas indústrias trariam enormes benefícios à nação brasileira, isso, pois
consolidariam um forte parque industrial nacional e, consequentemente, contribuiriam para a
modernização do país. (GUIMARÃES, 2015, p. 84) Guimarães também explicita que,
segundo Jaguaribe, uma política voltada na superação de heranças coloniais que transbordam
até os dias de hoje, seria de enorme importância para a edificação de uma política externa
autônoma. Nesse sentido:
Helio Jaguaribe considerava também que o desenvolvimento econômico, isto é, a
superação da situação de grande produtor e exportador de café e de outras matérias
primas agrícolas, era essencial para o exercício de uma política exterior
independente, capaz de resistir às pressões das grandes potências e de defender os
interesses brasileiros na esfera internacional. (Idem, p.86)

Considerar a realidade histórica e social do Brasil é essencial para a condução


autônoma da política externa, o que vai contra a subserviência cega aos países do Norte e a
manutenção de relações coloniais. Os benefícios por trás disso são muitos, na esfera
econômica, uma política externa mais autônoma reduziria a dependência do capital
estrangeiro e, consequentemente, traria maiores possibilidades para alavancar o crescimento
no país, notável quando analisamos, por exemplo, a Petrobrás, estatal que garantiu o controle
e emancipação brasileira no setor energético. Já na esfera social, se libertar de amarras
coloniais fomenta a autoestima nacional. Portanto, Jaguaribe defendia “o princípio do “direito
ao desenvolvimento” e afirmava a obrigação dos países desenvolvidos de cooperarem com os
países subdesenvolvidos” (Idem, p. 87) a fim de garantir uma distribuição de riquezas em
escala global que seja justa às heranças históricas de cada nação.
Nesse sentido, é importante pensar em autonomia e integração regional a fim de
fortalecer a relação entre os países, promover o desenvolvimento e projetar uma política
externa a favor das demandas internas de cada nação e a favor do fomento do
desenvolvimento socioeconômico. Assim, “o centro da política externa brasileira tem de ser a
América do Sul” (Idem, p. 87) visto que, segundo Guimarães, agrega países que também
foram afetados por um duro passado colonial e, a partir disso, considerando suas
características e diversidades, é possível pensar em demandas coletivas que envolvem
exclusivamente essas nações. Dentro dessa lógica e a exemplo da importância da priorização
dos interesses regionais, é possível mencionar a relevância do impedimento da realização da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), por pressões brasileiras. O Brasil, ao dar
grande prioridade à integração regional Sul Americana, desafiou a ordem internacional
vigente principalmente após a coordenação que impediu a criação da ALCA, que articulou
governos críticos à organização sugerida nos anos 1990 pelo presidente estadunidense
George H. W. Bush. Isso, pois a ALCA seria protagonizada pelos Estados Unidos, que ditaria
a agenda econômica, o que não seria favorável aos países da região que, nesse contexto,
buscavam se postular com uma maior autonomia no cenário global, através das premissas das
reflexões práticas e teóricas do Sul Global. Portanto, política externa autônoma, para
Jaguaribe, envolve o fortalecimento da integração regional Sul Americana, como supracitado,
e principalmente o estreitamento de laços entre Brasil e Argentina:
Helio Jaguaribe compreende perfeitamente a importância
estratégica das relações do Brasil com os países da América
do Sul − muito especialmente nossas relações com a
Argentina − e a importância de superar os ressentimentos
históricos e as supostas disputas por hegemonia no
continente. Enxerga os interesses das grandes potências em
manter a América do Sul fragmentada e concorrentes e
rivais entre si os países da região − em especial, impedir ou
dificultar a aliança e a união entre o Brasil e a Argentina
[...] (Idem, p. 89)

Dada essa análise, é notória a importância de conduzir uma política externa autônoma
e garantir a integração regional visto que esses conceitos estão interligados. O
desenvolvimento socioeconômico só será alcançado pelos países não só da América do Sul,
como também do Sul Global como um todo, caso haja políticas de integração regional que
fortaleçam as demandas dos países envolvidos sem desconsiderar as particularidades de cada
um. Assim, é possível se libertar de amarras coloniais e gerir políticas benéficas aos países,
que atendam seus próprios interesses.
Referências bibliográficas

ABDUL-HAK, Ana Patrícia Neves. O Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS):


Objetivos e Interesses do Brasil. FUNAG, Brasília, 2013. A Cooperação Militar Regional:
Referenciais

DORATIOTO, Francisco. A América do Sul e a Integração Regional. FUNAG, Brasília,


2012. A Formação dos Estados Nacionais no Cone Sul.

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. A Política Externa de Helio Jaguaribe. In: LIMA, Sérgio
Eduardo Moreira Visões da Obra de Helio Jaguaribe. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2015.

LIMA, Maria Regina Soares de; MILANI, Carlos R. S. Cooperación Sur-Sur, política
exterior y modelos de desarrollo en América Latina. CLACSO, Buenos Aires, 2016.
Política Externa, Geopolítica e Modelos de Desenvolvimento.

VIDIGAL, Carlos Eduardo. A América do Sul e a Integração Regional. FUNAG, Brasília,


2012. A Integração Sul-Americana como um Projeto Brasileiro: de Uruguaiana às Malvinas,
pp. 63-77.

NOBODY’S Backyard. Reino Unido: The Economist, 2010. Disponível em:


<https://www.economist.com/leaders/2010/09/09/nobodys-backyard>. Acesso em: 5 set 2021

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