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A FORMAÇÃO DO CAPITALISMO NA AMÉRICA LATINA:

PECULIARIDADES DAS POLÍTICAS SOCIAIS

Karolinne Krízia da Silva Ferreira1


Maria Adriana da Silva Torres2

RESUMO: O presente trabalho versa sobre a emblemática discussão da formação


capitalista na América Latina, tendo em vista suas particularidades e
concomitantemente as peculiaridades que marcam as políticas sociais neste continente.
Tem sido vasta a produção e literatura sobre a formação socioeconômica do capitalismo
na América Latina, porém na maioria dos estudos se anulam os principais elementos
que demarcam essa formação, isto é, processos econômicos, sociais e culturais cujo
caráter é de dominação e exploração, passando a determinar a realidade social da
América Latina e por sua vez desencadeando um quadro de desigualdades sociais ainda
mais acentuado. Deste cenário crítico iniciou-se a elaboração das medidas sociais (leia-
se políticas sociais) com vista a atender as expressões dessas desigualdades. A pesquisa
de base teórica foi orientada pelo método histórico dialético, no vigoro esforço de
retomar inicialmente os fundamentos da formação deste continente, para posteriormente
delinear a configuração peculiar das politicais sociais demandas pela intensa
desigualdade desencadeada pelas relações capitalista. Assim, a relevância do estudo
consiste em desmistificar a relação dos países centrais e periféricos como mero
evolucionismo histórico e contextualizar as condições objetivas que põem a necessidade
da emersão das políticas sociais.
Palavras-chave: Capitalismo. América Latina. Política Social

INTRODUÇÃO

O continente latino-americano apresenta bastantes diversidades em sua


formação, que a priori foi explorado com intuito de subsidiar o modo de produção
econômico em ascensão na Europa – capitalismo – e para isto foi necessário
desenvolver relações de exploração e expropriação das suas riquezas. Aliás,
diferentemente do que constam as literaturas, o processo de colonização da América
Latina foi um verdadeiro “coveiro” para população. No entanto, posteriormente durante
o século XIX o continente latino-americano passou a se enveredar pelas relações

1
Mestranda em Serviço Social pelo programa de pós-graduação da faculdade de Serviço Social na
Universidade Federal de Alagoas- UFAL. E-mail: karolinnek@hotmail.com
2 Professora Drª da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Email

mariaadrianatorres@hotmail.com.
capitalistas e o cenário de intensas desigualdades sociais que fora desencadeado
vivenciou um processo de acentuação e acirramento dessas contradições sociais, o qual
se tornou alvo da intervenção das políticas sociais. Desta
forma, o objetivo do trabalho consiste em elucidar de modo claro e preciso como a
formação socioeconômica da América Latina repercute de maneira peculiar sobre a
provocação de um quadro de densas desigualdades em que as políticas sociais são
adotadas como respostas de enfrentamento. Assim, a construção do trabalho
primeiramente desdobra-se sobre o resgate histórico da constituição da América Latina
como maneira de compreender porque as desigualdades neste continente tendem a
serem mais intensas, acentuadas. Cabe assinalar, a apresentação de alguns aspectos
primordiais na reflexão de sua condição contemporânea no capitalismo. Realizado este
panorama, a segunda parte destina-se a discussão e delineamento das políticas sociais
frente às particularidades deste continente. O método histórico dialético tornou-se
imprescindível na análise da problemática, pois somente através da recuperação
histórica dos acontecimentos, entendendo que a realidade está em permanente processo
de transformação, é possível realizar a leitura de totalidade, isto significa estudar as
políticas sociais a partir de sua conexão com toda a formação do capitalismo na
América Latina. Vale ressaltar, que todo o conteúdo produzido foi resultado das
diversas leituras imanentes realizadas das referências bibliográficas, uma vez que se
trata de pesquisa de base teórica.
Portanto, a proposta do presente trabalho visa refletir de que forma a
constituição capitalista do continente latino-americano interfere e na mesma medida
confere as condições objetivas para se discutir a emersão e configuração das políticas
sociais. Salienta-se, o quão fundamental é este debate para desmistificar a relação dos
países centrais e periféricos como mero evolucionismo histórico, pois na verdade existe
um processo econômico, social e cultural de dominação e exploração que determina
tanto a realidade social da América Latina como as medidas sociais adotadas.

1. FORMAÇÃO SÓCIO HISTÓRICA DO CAPITALISMO NA AMÉRICA


LATINA: ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS

O continente latino-americano possui particularidades históricas bastante


marcantes, que serão tratas aqui de modo introdutório, pois seu aprofundamento exigiria
um estudo à parte. Nesta análise o ponto de partida é investigar alguns elementos
fundamentais que ao serem elencados nos permitem compreender sua posição peculiar
diante do capitalismo contemporâneo e seus contrastes econômicos, políticos e sociais.
A América foi descoberta no ano de 1492, através das
navegações de Colombo que tinha como desejo conhecer novas terras. Assim, ocorreu o
desbravamento e o início do processo civilizatório na América, embora haja muita
literatura que conta essa história de modo “romantizado”, na sua essência a história da
América Latina desde princípio tem sido marcada pela violência, exploração e
expropriação de suas riquezas em detrimento da formação do sistema capitalista nos
países centrais. Em meados do século
XV com base na leitura de Galeano (2010), o modo de produção feudal3 demonstrava
sinais de esgotamento no continente europeu, este cenário por sua vez demandava novas
riquezas que possibilitasse o subsidio necessário para um modo de produção em
ascensão, o capitalismo. Simultaneamente a este quadro instável europeu, foram
descobertas terras muito ricas na América, as quais eram habitadas apenas por povos
indígenas que tinham como objetivo utilizar das riquezas naturais para atender suas
necessidades.
Vale ressaltar dois importantes efeitos frente a esta descoberta, a América jamais
seria a mesma e segundo que os povos nativos seriam exterminados/eliminados ou por
manipulação de presentes ou pelos próprios atos violentos. Dessa forma, inicia-se um
longo e gradativo processo de expropriação das riquezas da América em beneficio das
navegações europeias e ulteriormente portuguesas. Em um primeiro momento a busca
demasiada era pelas reservas de outro e prata, esses “metais arrebatados aos novos
domínios coloniais estimularam o desenvolvimento europeu e pode-se até mesmo dizer
que o tornaram possível” (GALEANO, 2010.p.18).
Essa extração de mineiros foi seguida após uma segunda
viagem de Colombo as colônias latino-americanas das plantações de cana-de-açúcar.
Conforme Galeano (2010) Colombo trouxe a princípio a cana-de-açúcar, a qual foi
plantada e logo brotou desencadeando um longo processo de desgaste nas terras, como
também se tornou responsável pela expansão do capital comercial europeu. Salienta-se
que essa primeira forma de latifúndio pode ser considerada um dos primeiros aspectos a
provocar a desigualdade nas colônias, tendo em vista que suas plantações eram
destinadas para outros países e posteriormente retornavam em forma de mercadoria com
valores elevados, mesmo sendo mercadorias oriundas das colônias latino americanas.
Esse cenário põe em evidência um elemento
decisivo para o cerne da questão: como seria possível haver um desenvolvimento do
capitalismo na América Latina equivalente aos países centrais, se a extração de mineiros
e a monocultura são destinadas a promover a acumulação primitiva de outras regiões,
restando-lhe um progresso tardio? A resposta a esta questão deve ser adiada pela análise
de mais alguns pontos cruciais, a exemplo: a criação da grande indústria na Europa, em
especial na Inglaterra. Nos primeiros séculos após o


3
O feudalismo encontrou-se plenamente estruturado na Europa no século XI, este tinha como medida de
riqueza a terra e os servos, os quais eram responsáveis pela produção do conteúdo material da riqueza
social, contudo quem detinha o poder, o domínio eram os grandes senhores proprietários do feudos.
descobrimento e colonização da América Latina sua função principal foi transferir
riquezas naturais como forma de subsidiar a economia capitalista comercial europeia.
Essa contribuição direta por sua vez possibilitou a criação e expansão da indústria dos
países centrais em meados do século XVIII, de acordo com Marini (2000) a criação da
grande indústria moderna teria sido fortemente obstacularizada se não houvesse contado
com os países dependentes de desenvolvimento. No que toca a
América Latina e seu progresso tardio em razão da exploração e extração sofrida, as
relações capitalistas de produção somente se estabeleceram neste continente por volta
do século XIX quando na verdade o modo de produção capitalista encontrava-se
plenamente estruturado nos países centrais. Assim,

No que se refere às relações internacionais da América Latina, se,


como observamos, esta desempenha um papel relevante na formação
da economia capitalista mundial (principalmente em sua produção de
metais preciosos nos séculos XV e XVII, mas sobretudo no XVIII,
graças à coincidência entre a descoberta do ouro brasileiro e o auge
manufatureiro inglês), só no curso do século XIX e especificamente
depois de 1840 sua articulação com essa economia mundial se realiza
plenamente (MARINI, 2000. p.110).
Todavia, embora o modo capitalista de produção na sua forma clássica somente
se desenvolva no século XIX, as relações sociais estabelecidas em toda a América
Latina assentavam-se no trabalho escravo o qual já mesclava características do próprio
capital dependente. Essa ressalva é necessária para que o leitor desmistifique o
crescimento latino americano como mero quadro evolutivo, ou seja, como espelhamento
do capitalismo central, pois

o ingresso das nações latinos americanas no sistema capitalista como


partícipe da acumulação primitiva em escala mundial, determinou seu
processo de formação econômico- social, à medida que o estatuto
colonial, ao impulsionar o movimento metropolitano à acumulação
capitalista, freou o desenvolvimento nas áreas coloniais (PAIVA;
ROCHA; CARRARO, 2010.p.152).

Retornando ao trabalho escravo, este durante longos anos foi responsável através
de uma roupagem distinta do trabalho assalariado por operacionalizar as demandas do
capital, como indica Marx:

Em todas as estruturas sociais em que a escravatura serve de meio de


enriquecimento (não a patriarcal, mas como a do outono das eras
helênicas e romana), o dinheiro, sendo então o meio de apropriar-se de
trabalho alheio, com a compra de escravos, terras, etc., pode,
justamente por ter essa possibilidade de emprego, ser investido como
capital, para render juros (2008.p.788).

Nesse preciso sentido, o escravismo a primeira forma de trabalho nas colônias


após o violento extermínio do trabalho indígenas,4 tornou-se lucrativo na medida em


4
As atividades dos indígenas podem ser consideradas à primeira forma de trabalho nas colônias
americanas as quais tinha como objetivo a subsistência. Porém, o cenário retratado refere-se a atividades
que rendia juros ao capital europeu. Mas, assim como o trabalho escravo se instalou por
necessidades econômicas seu fim também ocorre mediante vias estritamente
econômicas, pois frente ao desenvolvimento das forças produtivas nos países centrais, o
escravo tornou-se um entrave para que esse mesmo desenvolvimento acontecesse aqui a
América Latina e, simultaneamente, o escravo não participava do consumo das
mercadorias. Dadas às circunstâncias a América Latina após um longo período
servindo somente como solo fundante para o desenvolvimento do capital nos países
centrais, passa a integrar-se ao mesmo. A formação socioeconômica do modo de
produção capitalista na América Latina foi retratada de modo introdutório, mas os
aspectos e características mais essenciais que compõem esse processo foram pontuados
e este é o ponto fundamental para construção desse estudo inicial.
Diante desse novo quadro na
América Latina, podem-se indagar: os problemas do continente estariam agora
resolvidos, uma vez que se se tornava capitalista também? Pelo contrário, sua relação
desigual apenas se intensificaria, pois dadas às particularidades de sua ingressão a este
modo de produção, sua estrutura política, econômica e social estariam sempre
dependentes do capitalismo desenvolvido.
Como forma de melhor entender este processo nada mais consistente que
retornar à realidade concreta dos acontecimentos como meio de verificação dessa
relação de dependência. Nesse caso, Galeano (2012) nos oferece um panorama
imprescindível:

a América Latina logo teve suas constituições burguesas, muito


enraizadas de liberalismo, mas não teve, em compensação, uma
burguesia criadora, no estilo europeu ou norte-americano, que se
preocupasse à missão histórica do desenvolvimento de um capitalismo
nacional pujante. As burguesias dessas terras nasceram como simples
instrumento do capitalismo internacional, prósperas peças da
engrenagem mundial que sangrava as colônias e semicolônias (p.82).

Ou seja, por mais esforço que sejam conferidos para desenvolver a América
Latina em seus primeiros anos industriais isto não é possível. Vale ressaltar, que a
relação de produção capitalista chega de fato a América Latina após um longo processo,
onde outros modos de produção o antecedem – trabalho escravo –, mas no geral
terminam contribuindo para o estabelecimento do grande capital, assim, os traços de
desigualdades e em certa medida de combinação não podem ser anulados, tornaram-se
uma relação inerente aos países periféricos e centrais quer seja antes ou ainda mais com
o modo capitalista de produção. Em meados do século XIX, o
continente latino-americano ingressa em um modo de produção cujos reflexos e
implicações já se fazem bastante presente, aliás, desde seu descobrimento. No entanto,


lucrativas, e, neste momento, os povos indígenas sofreiam um processo de extermínio, de eliminação de
sua população. Consultar Galeano, 2010.
seu desenvolvimento como supracitado ocorre de maneira peculiar, pois em escala
mundial a economia capitalista já havia inundado as relações sociais, então no que tange
as particularidades da América Latina consta-se que,

Quando, chegado o sistema capitalista mundial a certo grau de seu


desenvolvimento, a América Latina ingressar na etapa da
industrialização, deverá fazê-lo a partir das bases criadas pela
economia de exportação. A profunda contradição que haverá
caracterizado o ciclo do capital dessa economia e seus efeitos sobre a
exploração do trabalho incidirão de maneira decisiva no curso que
tomará a economia industrial latino-americana, explicando muitos
problemas e das tendências que se apresentam nela atualmente
(MARINI, 200. p.135).
Existem alguns aspectos como mencionados acima que foram basilares para
constituição do capitalismo na América Latina, a exemplo: a economia de exportação,
pois a preocupação central era com os consumidores externos; outro elemento é a
superexploração do trabalho, uma vez que desprovidos dos avanços tecnológicos e em
condição inferior, a superexploração foi o caminho para acelerar a produção mesmo que
em contrapartida houvesse aumento da jornada de trabalho, intensificação e baixa
remuneração, afinal essa combinação de explorar para desenvolver é parte do modo
capitalista de produção. Assim, a economia da América Latina está condicionada a ser
sempre subalterna aos países centrais. Nessas condições dá-se a engrenagem do
modo de produção capitalista, que considerando as particularidades da formação
capitalista na América Latina é notório o processo que desencadeou e
consequentemente agravou as condições de reprodução da maioria da população latino-
americana, escreve Marini (2000)

O que importa considerar aqui é que as funções que a América Latina


desempenha na economia capitalista mundial transcendem à simples
resposta aos requerimentos físicos induzidos pela acumulação nos
países industriais. Além de facilitar o crescimento quantitativo destes,
à participação da América Latina no mercado mundial contribuirá
para o que o eixo da acumulação na economia industrial se desloque
da produção da mais-valia absoluta à da mais-valia relativa, isto é, que
a acumulação passe a depender mais do aumento da capacidade
produtiva do trabalho que simplesmente da exploração do trabalhador.
No entanto, o desenvolvimento da produção latino-americana, que
permite à região coadjuvar estar mudanças qualitativas nos países
centrais, dar-se-á fundamentalmente com base numa maior exploração
do trabalhador (p.112;113).

Ou seja, o interesse que predominou durante a colonização da América Latina


até culminar no capitalismo provocou contraditoriamente um cenário de densas
desigualdades, marcado pelo acirramento das disparidades econômicas, políticas e
sociais. O capitalismo não trouxe a libertação e desenvolvimento das colônias, foi um
fio condutor que serviu para intensificar a necessidade de explorar o trabalho. Na
verdade
A produção capitalista, que é essencialmente produção de mais-valia,
absorção de mais trabalho, produz, portanto, como o prolongamento
da jornada de trabalho, não apenas a atrofia da força de trabalho, a
qual é roubada de suas condições normais, morais, físicas, de
desenvolvimento e atividade. Ela produz a exaustão prematura e o
aniquilamento da própria força de trabalho (MARX, 1996.p. 362).
Portanto, o modo capitalista de produção na América Latina resulta no
crescimento e na mesma proporção ou maior as desigualdades sociais, que precedem o
capital, porém são acentuadas a partir deste. Destarte, esse contexto de desigualdades
torna-se alvo das medidas sociais que passaram a ser elaboradas, isto é, as políticas
sociais. No que tange à discussão das políticas sociais, suas especificidades serão
apontadas no próximo item, cabe aqui apenas sinalizar os elementos do cenário latino-
americano que as fomentaram. Em todo o processo de
colonização e povoamento da América, do qual a América Latina faz parte, seu
principal traço foi viabilizar os instrumentos necessários para o desenvolvimento
europeu, mesmo que para tal fim a violência e exploração fossem utilizadas. Portanto,
atualmente a América Latina apresenta um nível de desenvolvimento inferior aos países
centrais, contudo isso não ocorre por mera coincidência, na verdade são resultados do
sucateamento que vivenciou ainda no período de colonização, servindo de alicerce
econômico para outras regiões como Europa e EUA. Em outras palavras,

[...] a formidável concentração de riqueza em benefício da Europa


impediu, nas regiões saqueadas, o salto para acumulação de capital
industrial. A dupla tragédia dos países em desenvolvimento consiste
em que não só foram vítimas deste processo de concentração
internacional, mas que também, posteriormente, tiveram de compensar
o atraso industrial (GALEANO, 2010.p.22).
Salienta-se a relevância do resgate ontológico histórico da constituição da
América Latina como maneira de compreender porque as desigualdades neste
continente tendem a serem mais intensas, acentuadas. Cabe assinalar, que nem de longe
a história da América Latina foi exposta, porém foram apresentados alguns aspectos
primordiais na reflexão de sua condição contemporânea no capitalismo, principalmente
para se pensar na elaboração das medidas sociais e políticas.

2. CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS: PECULIARIDADES E


CONDICIONANTES

A primeira seção encerrou a exposição ao sinalizar o cenário do século XIX na


América Latina, no qual se iniciava o processo de industrialização através de atividades
exportadoras, ou seja, estabelecimento de um capitalismo tardio. No entanto, em escala
mundial outras mudanças estavam em curso, pensando nisto, os países centrais
vivenciavam o momento do capitalismo concorrencial já a América Latina na fase ainda
industrial servia como base para o surgimento de um sistema econômico internacional
que iria se encontrar fortalecido a partir do século XX.
Então para o continente latino-americano essas
modificações foram na verdade um fio condutor para uma nova rodada de exploração,
pois, ao realizar um paralelo de acontecimentos pode-se perceber que: primeiro, as
transformações em curso no século XIX não foram vivenciadas na América Latina,
aliás, tanto no âmbito produtivo quanto na organização política, onde os Estados na
América Latina estavam sendo formados pelas oligarquias, em que seu berço era
direcionado para servir os grandes fornecedores, isto é, a burguesia nascente a qual
como fora apontada na primeira parte do texto, uma burguesia norteada pelo liberalismo
correspondente muito mais aos interesses dos países centrais. Dessa forma,

Na América Latina, ao contrário do que ocorreu nas nações


desenvolvidas, o Estado foi concebido pelo poder oligárquico e
imposto ao resto da sociedade. Em um primeiro momento, sob a égide
do poder da elite primário-exportadora, o Estado utiliza as políticas
sociais com intuito de afirmar a identidade nacional e propiciar
condições mínimas de trabalho para os contingentes de imigrantes que
chegavam para viabilizar as empresas exportadoras de bens primários
(PINHEIRO, 1995.p.65).
Isto significa que o estigma que marca a emersão das políticas sociais na
América Latina fora o acesso somente ao trabalhador formal, ressalta-se que na
discussão sobre as políticas sociais estudar o papel do Estado e as condições objetivas
da realidade torna-se imprescindível na apreensão da configuração da mesma. O Estado
desde período colonial tinha sido formado com intuito de direcionar o excedente
produzido através do trabalho escravo para os países centrais, nestas condições os
trabalhadores não detinham nenhum tipo de proteção social, ficavam por outro lado a
mercê da repressão e opressão. O caráter do Estado nesta conjuntura
inicial possuía como tarefa assegurar o repasse do excedente para o capitalismo central,
mas a partir da decomposição do estatuto colonial a qual ocorria em detrimento da
ingressão ao capitalismo, seu caráter assume uma nova roupagem em meados do século
XIX.

Com a dissolução do regime, a administração colonial no continente


foi substituída por governos formalmente independentes, cujo
comando remetia às débeis burguesias locais, forjadas no período
precedente, ávidas a preparar o Estado como eixo fundamental da base
local de desenvolvimento capitalista (PAIVA. ROCHA. CARRARO,
2010.p.163).

Assim, como supracitado essa burguesia nascente ligada aos pressupostos


liberais direciona o Estado a preparar o terreno para o capital internacional, por meio
das atividades de exportação. Neste contexto surgem algumas medidas de proteção
social restritas ao trabalho formal, sobre isto escreve Sposati (2011.p.106) “nos países
latino-americanos, as políticas sociais são instaladas de forma fragmentada, setorizada e
em geral, com acesso limitado ao operariado urbano, e fortes sinais de branqueamento
no acesso a seus benefícios”. Entretanto, deve-se atentar o leitor que esses são
elementos particulares do continente latino-americano, essa ressalva é para que não se
perca de vista os acontecimentos em escala mundial, uma vez que estes tendem a
implicar e determinar a trajetória da objetividade social latino-americana. Neste preciso
sentido, o século XIX nos países centrais vivenciava o surgimento e consolidação de
novos capitalistas em decorrência do significativo desenvolvimento das forças
produtivas – capitalismo concorrencial –, também é possível identificar desde já a
implementação de políticas sociais públicas que não se detém apenas ao trabalhador
formal. Esse
cenário sinalizado dos países centrais se generaliza na entrada do século XX, o qual
viria a ser ainda que aparentemente considerado um momento ímpar na história do
modo de produção capitalista, exatamente por articular nitidamente a política e a
economia, em outros termos, o capitalismo denominado monopolista se caracterizou por
uma maior capacidade de manipular o mercado atingindo diretamente a economia e em
contrapartida a construção de um Estado de Bem-Estar por meio da generalização das
políticas sociais.

O eixo da intervenção do Estado capitalista da idade dos monopólios,


em plena atividade industrial do modo de produção capitalista maduro
e consolidado, é direcionado para garantir os superlucros dos
monopólios, por meio de medidas, ações e serviços diretos ou
indiretos, que incluem, pois, regulação e controle da força de trabalho,
tendo em vista a garantia da reprodução ampliada do capital.
Entretanto, apesar dessa determinação essencial, a política social não
deve ser considerada como decorrência natural do Estado burguês
capturado pelo monopólio (PAIVA. ROCHA. CARRARO,
2010.p.158; 159).

Ou seja, nenhuma política social foi implementada se não através da exploração


e maior controle da força de trabalho, entretanto deve-se também ponderar a grande
mobilização da classe trabalhadora dos países centrais que possuindo capacidade
organizativa passaram a pressionar o Estado a reconhecer suas demandas. Assim, se
constituiu os conhecidos Estados de Bem-Estar europeu. E a América Latina?
Durante esse percurso histórico, o século XIX como já assinalado foi
marcado por políticas sociais limitadas e restritas ao trabalho formal, ou melhor,
chegado ao final deste século com intensas dificuldades de efetivação. Porém, no início
do século XX a América Latina sofre com os reflexos da crise de 19295 que terminou
por limitar a quantidade e valores dos produtos exportados, acarretando na necessidade
de investir em uma produção nacional. Acrescenta Pinheiro (1995)

o Estado assume as rédeas do processo de desenvolvimento interno,


protegendo a atividade econômica nacional, promovendo a
acumulação de capital, fornecendo a infraestrutura e planejando o

5
A crise de 1929 a 1932, conhecida historicamente como grande depressão, em decorrência da queda nas
taxas de crescimento econômico, com a queda da bolsa de Nova York, passou a questionar os aspectos
conservadores do liberalismo, colocando em xeque a necessidade de uma atuação do Estado na política e
na economia.
modelo substitutivo. Surge o Estado desenvolvimentista trazendo
consigo o centralismo, o autoritarismo, o nacionalismo e o populismo
(p.73).

Em contraposição aos países centrais que viviam a generalização das políticas


sociais, a América Latina tentava se fechar em um desenvolvimento nacional, pois os
impactos mundiais fez enfraquecer as atividades exportadoras colocando em evidência
uma nova estratégia que pudesse viabilizar o crescimento do capitalismo periférico.
Conforme Pinheiro (1995)

As políticas sociais configuraram-se como expressão instrumental do


populismo. Tinha dois objetivos: proteger o trabalhador assalariado,
cooptando-o para conferir sustentação ao regime autoritário e apoiar a
consolidação de grupos sociais com capacidade de demandar novos
bens manufaturados nacionais (p.74).
Novamente é possível detectar como a política social está voltada apenas ao
trabalhador, e não qualquer trabalhador, mas aquele que é reconhecido legalmente pela
legislação de cada país. Nota-se que a intervenção das políticas sociais na América
Latina destina-se a proteger o trabalhador como meio de controle e contenção dos seus
reclames, em suma é atender o mínimo para evitar a revolta dos trabalhadores. Deve-se
destacar que esse foi o panorama que se estendeu até a entrada do século seguinte.
Na verdade o século XX também continuou sendo
marcado pelo processo de industrialização na periferia do capital, que como foi
pronunciado pelo desenvolvimento nacional, traduzia a via industrial para dentro na
América Latina. Todavia, esse crescimento através das barreiras nacionais fora
insuficiente para afirmar a economia capitalista e fazer avançar no mesmo ritmo dos
países centrais, tendo em vista que este era o desafio dos governos ditos populista da
época. Assim, durante as décadas de
1950 a 1960 todo o continente viria a enfrentar os regimes ditatoriais em sua maioria
militares. Sposati (2010) aponta a ditatura militar como um dos detonadores da política
social no século XX. Então, a América Latina novamente fomentou o desenvolvimento
do capital, porém por meio de outras medidas, como: a expansão das transnacionais que
além de transformar suas riquezas naturais em capital, agora também necessitava
intensificar a exploração da força de trabalho, ou os regimes ditatoriais que engrenavam
esse processo de modernização para os países centrais por meio de censura, tortura e
violência. Essas medidas fizeram parte da política externa utilizada pelos países
centrais, a qual tinha como objetivo transferir/ extrair o quanto possível de riquezas, e
por sua vez tornaram propicio o quadro dos “anos dourados” – políticas sociais
europeias – mesmo não o vivenciando.
O papel do Estado neste período na América Latina de
acordo a Paiva, Rocha, Carraco (2010) era uma dupla tarefa: primeiro promover os
ajustes estruturais para integra-se ao capitalismo mundial e segundo reprimir através da
tortura e violência as mobilizações. Portanto, no que toca as políticas sociais houve um
grande recuo, pois as ditaduras militares desresponsabilizaram as tarefas do setor
público ao social. A Teoria da Dependência de
acordo a Marini (2000) diz que o modo capitalista de produção não pode oferecer
respostas a desigualdades sociais na América Latina, pode pelo contrário acelerar,
acentuar as desigualdades que são inerentes ao seu funcionamento. Por outro lado,
observa-se que nos finais da década de 1980 quando os regimes ditatoriais
enfraqueciam ou em alguns países já superados, as mobilizações antes banidas
retornaram ao cenário político, exigindo o reconhecimento de seus direitos. Neste
momento ainda que de modo breve houve na América Latina uma expansão do alcance
das políticas sociais, as quais se restringiam apenas ao trabalho formal e legal, agora
passa abarcar à educação, à saúde, à assistência social, entre outras áreas, ou seja, a
institucionalização dos direitos sociais de forma focalizada ainda que no âmbito legal a
saúde, educação e assistência sejam para todos. Na verdade o panorama latino-
americano foi um tanto oposto aos Estados de Bem-Estar institutos no mesmo século na
Europa, embora favorável ao mesmo na medida em que viabilizou a exploração de suas
riquezas e da força de trabalho. Contudo, o período glorioso do Estado de Bem-Estar do
capital não duraria mais que três décadas, e seu esgotamento foi marcado por uma crise,
a crise estrutural da década de 1970, a qual repercutiu de maneira danosa sobre todo
mundo, principalmente na periferia do capital, como nos países da América Latina.
Antunes
(2011) aponta alguns dos fatores que levaram a cabo esse esgotamento: queda da taxa
de lucro, enfraquecimento do modelo de produção fordista-taylorista, hipertrofia
financeira, queda do Estado de Bem-Estar Social, entre outros. Enfim, são inúmeras
circunstâncias que põem em evidência o caráter contraditório do capital, pois se esse
período fosse tão vantajoso como pronunciavam, não haveria razão de seu fim.
A questão é que diante deste quadro crítico o capital personificado na
classe burguesa precisava adotar medidas emergenciais para superar a crise estrutural,
assim, foram adotadas estratégias como: a reestruturação produtiva, o processo de
financeirização e o receituário neoliberal, salienta-se que todas essas medidas estão
articuladas, porém dadas as limitações do trabalho por ora será discutido o
neoliberalismo e sobre ele acrescenta-se, “enquanto o mundo viveu um intenso processo
de mundialização do capital sob a égide do capital financeiro, os Estado nacionais
passaram a operar um conjunto de contrarreforma para contornar a crise do capital”
(SILVA, 2009.p.176). Observa-se que o
neoliberalismo foi responsável pela restauração no papel do Estado, que passou a
criticar o Estado interventor e regulador como vilão pelas taxas descrentes de lucros e
redução econômica. Esse era um processo vivenciado de imediato por todos os países.
A direção da política neoliberal tem como base o ajuste fiscal por meio do ataque ao
atendimento aos direitos sociais, através do corte e redução nas políticas sociais, ou
seja, a inibição do papel do Estado a partir de um forte processo de privatização e
regressão dos direitos sociais. Cabe sinalizar que “os direitos da classe trabalhadora
serão os primeiros a serem atingidos neste processo, o que quer dizer que as políticas
sociais passarão por regressivas transformações” (SILVA, 2009.p.177).
Em detrimento do neoliberalismo juntamente com as
demais estratégias o capitalismo contemporâneo tem representado um processo de
poucos avanços e retrocessos permeado pela contradição da dinâmica do modo de
produção capitalista. Nestas condições os países latino-americanos têm vivenciado um
vigoroso conjunto de modificações que configuram a atual fase do capitalismo
financeiro, ou melhor, a face contemporâneo do capital tem sido marcado por um
campo de conflito onde de um lado versasses a globalização e mundialização, do outro
lado a intensificação da exploração da força de trabalho, o acirramento das expressões
da questão social frente à retratação dos direitos sociais.
Assinala-se que na tentativa de frear as nefastas consequências da crise estrutural
na América Latina, foi elaborada na década de 1980 uma agenda com medidas para o
ajustamento macroeconômico desses países, entretanto,

o Consenso de Washington não tenha alterado o quadro de


recrudescimento da questão social nem tampouco as possibilidades de
superação do subdesenvolvimento e enfrentamento da desigualdade –
que permanecia e se aprofundava nos países latinos americanos
(MOTTA.AMARAL.PERUZZO, 2012.p.157).

Assim, como fora denominado, o Consenso de Washington não tornou possível


promover o desenvolvimento diante das inflexões do receituário neoliberal, com isto o
neoliberalismo não se mostrou tão suficiente para os países latino-americanos, uma vez
que sua ocupação no sistema capitalista já era desigual desde princípio e após a crise
estrutural essa condição apenas foi acentuada, e como o neoliberalismo consistia no
processo de sucateamento, os danos sociais foram logos sentidos.
Portanto, chegada à década de 1990 o neoliberalismo na América Latina
encontra-se parcialmente enfraquecido, permitindo abertura a uma série de formulações
teóricas acerca de uma nova direção política, isto é, o neodesenvolvimentismo o qual
tem como objetivo o “crescimento econômico conjugado com desenvolvimento social e
ambiental como um projeto de superação das históricas desigualdades sociais” (MOTA;
AMARAL; PERUZZO, 2012.p.162).
Esse debate torna-se particular ao continente latino
americano e contemporaneamente tem sido alvo de grandes embates políticos, pois o
neodesenvolvimentismo entende-se como uma terceira via que diferente do
neoliberalismo busca intervir no âmbito social. Essa intervenção tem ocorrido através
da implementação dos programas de transferência de renda, que atualmente são
utilizados por todo o mundo, mas os maiores investimentos são concedidos aos países
periféricos. Ressalta-se que o
século XXI reflete como herança do neoliberalismo, como bem sinaliza Sposati (2010)
um redimensionamento das políticas sociais, no sentido que as contradições e
desigualdades sociais na América Latina assentadas historicamente desde colonização
teve suas manifestações deslocadas do campo dos direitos sociais para atenção as
necessidades sociais. Em decorrência do neoliberalismo e como efeito da crise
estrutural, passou-se a identificar os mais precarizados e elaborar maneiras de reduzir ou
erradicar a indigência, esse episódio significa que a política social garantidora dos
direitos converte-se em programas direcionadas a combater a extrema pobreza.
Desse modo, esses programas sociais consistem em instrumentos
dessa nova tendência e direcionam-se a ações focalizadas, ou melhor, visa atender
através de um repasse de valor monetário as famílias e indivíduos em situação de
extrema pobreza.

Estas políticas compensatórios e focalizadas, conceituadas como de


enfretamento à pobreza, são apoiadas, em geral, pelas classes
dominantes. Note-se que as políticas sociais mais estruturadora, como
a saúde, as aposentadorias, a educação, entre outras que os governos
neoliberais transformam em serviços mercantis (MOTA; AMARAL;
PERUZZO, 2012.p.168).

Isto significa que em virtude das implicações da crise estrutural que passaram a
acirrar ainda mais as desigualdades sociais bem como as medidas de sucateamento da
ofensiva neoliberal, os programas sociais surgem na América Latina como meio de
mitigar os efeitos e erradicar a pobreza sob orientação do neodesenvolvimentismo6.
Estas propostas de equilibrar o crescimento econômico e
social têm como um dos seus principais fundadores, Amartya Sen, um dos membros da
presidência do Banco Mundial. Conforme Mota, Amaral e Peruzzo (2012)

recomendados e elogiados pelos organismos internacionais como


exemplos de medidas de enfrentamento a pobreza e desigualdade, tais
programas, além de primar pela modernidade dos instrumentos
técnicos para refinar a seletividade e manter a focalização nas
camadas mais pobres considerados como capazes de atuar no fomento
do capital humano, através da educação, saúde e nutrição e na
ampliação das oportunidades de trabalho geradas pelo próprio esforço
dos beneficiários (p.166).

No geral esses programas sociais apresentam uma melhoria nos índices sociais,
no entanto, sua aplicabilidade ocorre de maneira um tanto que contraditória, porque
impõe ao beneficiários uma série de critérios de elegibilidade e o cumprimento de
condicionalidades, sem mencionar sua base de financiamento que decorre dos


6
O neodesenvolvimentismo é um “terceiro discurso” entre o discurso populista que se distância do
socialismo e do discurso neoliberal. Trata-se de um conjunto de propostas de reformas institucionais e de
políticas econômicas, por meio das quais as nações de desenvolvimento médio, buscam alcançar os níveis
de renda per-capita dos países desenvolvidos.
organismos multilaterais – Banco Central, Banco Mundial, etc –, mas este fator cabe
uma análise minuciosa da condução por esses órgãos. Como indica Coggiola (2013)

O tratamento da questão social mudou de eixo. Os programas sociais


focalizados permitiram uma diminuição significativa da pobreza
absoluta, coexistente, no entanto, com uma trajetória pouco alterada
da concentração de renda e, ao mesmo tempo, com uma diminuição da
renda média das famílias, uma diminuição significativa da
remuneração média do trabalho assalariados, e um grande incremento
das fontes médias não vinculadas ao trabalho, nas camadas mais
pobres. Isto indicaria que os programas sociais foram financiados,
basicamente, com uma transferência de renda dos assalariados para os
setores mais pobres (p. 109- 110).
Ou seja, os organismos multilaterais na verdade são meros instrumentos do
capital financeiro responsáveis por distribuir o financiamento que é fruto do próprio
trabalhador, que passa a direcionar parte de seu salário a conversão de uma renda para
um trabalhador miserável. Eis a lógica do capitalismo em conceder programas sociais
que possam mitigar as desigualdades dos trabalhadores através dos próprios
trabalhadores, isto é, uma maior expropriação do trabalho e vida do trabalhador.
Além do mais, não são direitos sociais, são
programas de governos que anulam o caráter de universalidade em adoção a
seletividade e focalização. Vale assinalar, que o neoliberalismo não foi superado, aliás,
suas nefastas consequências são bastante presentes, por outro lado essa tendência
neodesenvolvimentista, pois não passa disso, confere apenas uma diferente dinâmica de
atuação do Estado, que ao invés da inibição total este passa a intervir de modo limitado.
Com isto, o ponto
chave da questão para compreender a configuração das políticas sociais na América
Latina é resgatar a trajetória peculiar dos acontecimentos históricos. Portanto, o
continente latino americano conta com um quadro de desigualdades sociais
potencializadas versus parcas respostas de enfrentamentos a essa realidade. Assim, a
análise teórica das relações capitalistas na América Latina é fundamental para entender
o movimento deste modo de produção e suas particularidades, principalmente porque as
disparidades nos países periféricos são ainda mais densas e que não podem ser
superadas no capitalismo através das políticas sociais, pois são basais ao sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os aspectos abordados no texto cumprem o objetivo de sinalizar como a


constituição da América Latina está atrelada a própria consolidação do capitalismo,
tendo em vista que o seu desenvolvimento posterior não ocorre em razão de um quadro
evolutivo, mas em uma relação que a priori subsidiou este modo de produção para que
sua efetivação tornasse possível na Europa e depois através de uma relação de
antagonismo e combinação– necessária para os países centrais – fosse se constituindo.
No que tange ao delineamento e
configuração das políticas sociais é possível detectar peculiaridades e condicionantes
correspondentes à realidade social da América Latina, tendo em vista que as
disparidades sociais estão presentes em todo o globo, porém neste continente são ainda
mais densas e acirradas.
O que a história comprova é que a institucionalização das políticas sociais além
de tardias ocorre de modo fragmentado e setorizado, tendo sua gênese restrita ao
trabalhador formal com intuito de repassar o mínimo evitando as revoltas e os
cooptando-os ao sistema. Foram longos anos de uma política social limitada ou a
ausência da mesma como se verifica no período ditatorial onde a uma diminuição das
parcas medidas sociais. Somente no final do século XX as políticas sociais na América
Latina passam a abranger outras áreas, das quais viabilizava o estabelecimento dos
direitos sociais em um contexto onde as políticas já haviam se generalizado nos países
centrais. Vale ressaltar que essas conquistas logo sofreram e sofrem as inflexões da
crise estrutural do capital e por via de consequência terminam por retroceder.
Contemporaneamente tem se
tornado mais visível como os recursos públicos destinados a financiar as políticas
sociais são sucateados em detrimento da privatização que tem como objetivo galgar
superlucros mediante o corte aos gastos sociais, assim ao invés de garantir a
concretização e atendimento dos direitos sociais através da política social, são
elaborados os programas sociais direcionados a combater a pobreza extrema, esses por
sua vez são estratégias paliativas que não atingem a raiz das desigualdades sociais.
Salienta-se que todo esse processo e essas medidas sociais se fazem presente em escala
mundial, no entanto no que toca aos programas sociais sua presença e investimento têm
sido substancialmente maior na América Latina em tempos neoliberais.
Portanto, as peculiaridades da formação sócio histórica da América Latina
desencadeou um quadro de desigualdades muito mais acentuado e que por sua vez
demanda respostas de enfrentamento, as quais tem sido observadas insuficientes, ou
seja, os condicionantes e rebatimento das políticas sociais no continente latino
americano compromete o atendimento e reprodução da maior parte da população,
tornando-se assim, conveniente com a reprodução das contradições sociais que são
inerente a essa perversa forma de sociabilidade capitalista. Por fim, refletir sobre essas
questões exige o esforço teórico de construir e desconstruir o limitado conhecimento
repassado sob a perspectiva do capital, isto é, superar o ponto de vista de quem domina
para a construção de um novo horizonte emancipado.
REFERÊNCIA

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