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Golbery Lessa *
Introdução
Sob esse tipo de processo os países prussianos passaram a conviver com uma
série de crônicos problemas econômicos, políticos e culturais. Esta forma de
desenvolvimento capitalista, diferente do desenvolvimento do capitalismo clássico,
debilitou as características mais positivas desse modo de produção e fortaleceu
as suas dimensões mais negativas. Assim, nesses países a industrialização ficou
atrasada em relação à industrialização dos seus concorrentes e, portanto, essas
nações acabaram chegando ao mercado mundial somente quando os países de
capitalismo clássico já o monopolizavam; o parlamento teve grandes dificuldades
de desenvolver-se como instituição independente e consolidada; as liberdades
democráticas ficaram restringidas em benefício de monarcas ou ditadores e em
prejuízo da participação política das massas populares; os movimentos socialista
e camponês foram reprimidos com violência e somente aceitos após conflitos
sangrentos; e, por fim, grande parte da intelectualidade abraçou o pensamento
reacionário e procurou fundamentar o imperialismo de sua nação com argumentos
racistas, ajudando a formar um caldo de cultura antidemocrática que penetrou quase
todos os recantos da sociedade e o espírito dos indivíduos.
A formação social que viria a ser, a partir de 1817, a província das Alagoas
desenvolveu-se no interior de uma região que, pelo menos até as primeiras décadas
do século XIX, seria a mais avançada do país. O momento histórico do apogeu
alagoano em relação ao resto do Brasil coincide com o apogeu do litoral canavieiro
nordestino e pode ser identificado como o período compreendido entre o início e a
metade do século XVII. A área litorânea inserida no sul da capitania de Pernambuco
possuía, nessa época, uma grande quantidade de engenhos em relação a outras
regiões e tinha ótimas condições naturais para continuar consolidando a sua posição
no mercado do açúcar: terras úmidas e férteis, proximidade relativa da Europa, rios
navegáveis ligados ao oceano Atlântico e matas em abundância para alimentar de
lenha as fornalhas dos engenhos.
A invasão dos holandeses a esta área, operação bastante onerosa mesmo para
comerciantes tão bem articulados, demonstra por si só a importância da economia
alagoana naquele momento da história brasileira. A Alagoas da época tinha uma
estrutura econômica de tipo colonial: baseava-se na grande propriedade exportadora,
monocultora e escravocrata. Esse tipo de economia, como se sabe, estava sujeito
a uma grande instabilidade. O surgimento, a partir de meados do século XVII,
de produtores estrangeiros mais capitalizados e eficientes deslocou o açúcar
nordestino e alagoano do mercado internacional; essa mudança fez com que Alagoas
mergulhasse na sua primeira grande crise histórica e nunca mais conseguisse
recuperar a sua anterior posição como uma das principais áreas da economia
nacional.
Na verdade, desde o final da década de trinta, quando o Estado de São Paulo passou
a ser o maior produtor de açúcar e de álcool, os canaviais e usinas do Nordeste
somente sobreviveram porque foram amplamente protegidos pelo governo da União,
o qual criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) para concretizar um sistema
de cotas e de subsídios que beneficiava os usineiros e plantadores nordestinos. Esta
proteção continuou ao longo da segunda metade do século XX, teve no Programa
Nacional do Álcool (PROÁLCOOL) o seu apogeu e, mesmo de uma maneira
atenuada, sobrevive na atualidade. Ainda há, por exemplo, a reserva do mercado
externo para o açúcar nordestino e o subsídio referente à chamada “equalização dos
preços da cana”. Esta sobrevivência artificial provocou, junto de outras variáveis, o
efeito de reproduzir (com periódicas modificações significativas, mas sempre não-
essenciais, ou seja, sempre incapazes de transformar os pontos básicos do modelo)
um tipo de grande propriedade agroindustrial profundamente marcada pelo atraso e
incapaz de superá-lo nos marcos da sociedade capitalista.
Ou seja, essas empresas utilizam como seu mais importante meio de sobrevivência
o saque inescrupuloso dos principais recursos da sociedade, do Estado e da natureza
e, como veremos detalhadamente, além de paralisar o desenvolvimento capitalista
alagoano, geram em troca muito poucos benefícios.
Na medida em que todo o valor das mercadorias é criado pelo tempo de trabalho
despendido pelo trabalhador e de modo algum pela maquinaria empregada na
produção, o aumento da lucratividade através do aumento da mais-valia relativa é,
ao mesmo tempo, um aumento da taxa geral de mais-valia, ou seja, um aumento
da parte da jornada de trabalho que é apropriada pelo capitalista, consiste em um
aumento da exploração econômica da qual o trabalhador é vítima. Mas o trabalhador
tem muita dificuldade de perceber que está sendo ainda mais explorado; isso ocorre
tanto porque se trata de um mecanismo imperceptível para quem não tem acesso
à complexa ciência da economia como porque o referido aumento da exploração
pode, inclusive, vir junto de um aumento do salário real; nesse processo que estamos
analisando, mesmo aumentando até certo ponto o salário dos trabalhadores, a
empresa ainda consegue aumentar bastante a sua taxa de mais-valia e, portanto, a
sua taxa de lucro.
Além disso, a cana tem a peculiaridade de ser um dos produtos agrícolas que
não precisam ser replantados todos os anos; após a colheita, o pequeno olho que
permanece junto à raiz brota novamente, em boas condições de produtividade,
entre quatro e oito vezes, dependendo da qualidade da terra. Isso, evidentemente,
diminuiu ainda mais a quantidade de trabalho necessário. Na verdade, o grosso do
trabalho na lavoura da cana ocorre durante os seis meses da colheita, é o chamado
período da safra; o trabalhador agrícola canavieiro é, na verdade, principalmente
aquele que corta e empilha as canas em feixes para serem arrumadas nos caminhões
e transportadas à usina.
Passam, então, a retribuir o trabalhador com recursos abaixo do que ele necessita
para reproduzir a sua própria vida e a vida da sua família; além disso, as empresas
procuram intensificar o máximo possível o ritmo do trabalho. Isso é feito tanto com
a diminuição pura e simples do salário quanto por meio da sonegação dos impostos
e obrigações trabalhistas, ou seja, usando o rebaixamento da remuneração direta
e da remuneração indireta. Esse mecanismo provoca uma grande diminuição no
tempo de vida dos trabalhadores, implica em uma dupla jornada para as mulheres
e coloca as condições básicas para o surgimento do trabalho infantil. O organismo
subalimentado e sem cuidados adequados continua vivendo, mas passa a acumular
fragilidades psicológicas, distorções fisiológicas e acaba tendo o seu tempo de vida
encurtado.
Essas condições determinam que existam sempre poucas vagas para uma grande
quantidade de pessoas desejando trabalhar, o que debilita os sindicatos pela base. A
expropriação constante e radical do agricultor da Zona da Mata e a importação de
mão-de-obra do Sertão, que criam levas de pessoas sem trabalho, são necessidades
básicas da nossa agroindústria e não apenas efeitos colaterais. Somente recriando
constantemente essa legião de pessoas desempregadas e jogadas na miséria as usinas
podem enfraquecer os trabalhadores suficientemente para que estes aceitem as
condições de trabalho e de pagamento absurdas que lhes são propostas. Também
nesse aspecto pode-se constatar que uma das tendências mais desumanas do
capitalismo, a tendência da criação constante de um exército reserva de mão-
de-obra, recebe um grau particularmente acentuado em Alagoas. Os índices de
desemprego e subemprego no nosso Estado são gigantescos e só comparáveis com
os vigentes nos países mais pobres da África, da Ásia e da América Latina.
Diferente de outras matérias-primas, a cana, para ser rentável, somente pode ser
adquirida de plantações localizadas no máximo em um raio de 100 km em torno
da usina que irá utilizá-la. O caráter perecível que esta matéria-prima adquire
imediatamente após a colheita torna inviável a sua importação de mercados
distantes. Isso determina que o setor canavieiro, em condições capitalistas,
tende fortemente a ser um setor em que a propriedade da parte industrial surge
necessariamente unida à propriedade da parte agrícola. Na verdade, as usinas
alagoanas preocupam-se em produzir a maior parte de sua matéria-prima e, portanto,
estão dispostas a comprar terras e a cultivá-las porque, do contrário, ficariam
completamente dependentes e subjugadas pelos seus fornecedores. Isto é, pelo fato
de a cana não ser um produto facilmente perecível antes de ser colhida, caso as
usinas não tivessem cana própria, os fornecedores dessa matéria-prima poderiam
negociar o seu preço numa posição extremamente confortável, o que diminuiria
muito os lucros dos usineiros.
A parte industrial deste setor tem uma forte tendência de apresentar uma
rentabilidade inferior aos setores puramente industriais. Isso ocorre porque a
produção do açúcar e do álcool está intimamente dependente da maturação da cana,
que leva algo em torno de 16 a 18 meses no campo até se transformar em matéria-
prima em condições de ser processada. A colheita ocorre de seis em seis meses
porque os canaviais são plantados em uma seqüência temporal que permite que
sempre exista, no início de cada safra, cana madura na quantidade requerida pelas
usinas e destilarias. Isso, evidentemente, não elimina as perdas econômicas causadas
pelo longo ciclo vegetativo de cada canavial tomado de maneira isolada. A parte
industrial de uma usina ou destilaria consiste em um tipo raro de indústria, um tipo
que pára a sua planta fabril durante metade de cada ano esperando a matéria-prima
chegar às suas máquinas. Esse esbanjamento de tempo é inimaginável em qualquer
outro ramo puramente industrial, e implica em uma brutal queda da massa de mais-
valia e, portanto, da massa de lucro (que são, naturalmente, elementos ligados, mas
diferentes da taxa de mais-valia e da taxa de lucro). O longo tempo de ociosidade
das máquinas implica em custos de manutenção e também na não absorção de
trabalho vivo, ou seja, na não agregação de valor e, portanto, na estagnação da
massa de mais-valia extraída. Qualquer usina alagoana é, durante os seis meses
que dura o período da entressafra, um grande museu de máquinas e equipamentos
caríssimos sem a mínima utilidade econômica. Algo análogo ocorre com os
operários e os trabalhadores agrícolas, que passam a sofrer com o desemprego ou
com a diminuição radical das suas remunerações. Essa circunstância faz com que
essas empresas usem na sua parte exclusivamente industrial os mesmos expedientes
brutais de extração de mais-valia que utilizam na parte agrícola e, além disso,
adicionem a estes a extensão da jornada de trabalho, já que há iluminação elétrica
nas fábricas e o processo de trabalho está protegido das intempéries climáticas.
Sabe-se que dois capitais de igual grandeza, iguais taxas de mais-valia e de lucro
produzem diferentes massas de mais-valia e de lucro se tiverem tempos de rotação
diferentes. Ou seja, pressupondo duas empresas de mesmo capital, é mais rentável
a empresa que fabrica e vende mercadorias todos os dias do que uma empresa
que gasta um tempo mais longo entre a preparação e a venda de seus produtos. A
primeira empresa faz girar o seu capital circulante (matéria-prima e gastos com
mão-de-obra) mais rapidamente e, portanto, mais vezes, o que determina uma
maior absorção de mais-valia, uma maior massa de lucros, um menor tempo de
amortização do capital inicial e uma maior disponibilidade de liquidez. Enquanto
uma indústria automobilística produz e vende muitos veículos a cada dia do ano,
uma usina alagoana produz e vende açúcar apenas durante seis meses de cada ano, já
que precisa esperar a maturação dos canaviais.
Pela ajuda generosa que oferece ao setor canavieiro o governo federal recebe o
apoio de vários deputados federais e senadores alagoanos, os quais, em sua maioria,
são patrocinados diretamente pelos usineiros e sempre se colocam como fiéis
defensores dos interesses desses capitalistas. A maioria da população alagoana, ao
contrário, não ganha absolutamente nada por constituir-se em um mero instrumento
da lucratividade desses capitais; cada centavo dos lucros das usinas é constituído por
cada fato concreto da tragédia social, cultural e política vivida pela maior parte do
povo alagoano. Entre outros fatos conhecidos de todos, as fontes de cada partícula
dos lucros da agroindústria canavieira alagoana são as seguintes: a morte das
crianças e o seu sepultamento em covas rasas; a inibição do seu crescimento físico e
intelectual pela precariedade dos alimentos e pela debilidade dos sistemas de saúde
e educação; a velhice precoce de homens e mulheres devido à dureza do trabalho e
aos longos períodos de fome e doença; a destruição das culturas popular e erudita
e de milhares de novos talentos artísticos, literários e científicos; a fome endêmica
que atinge toda as regiões do Estado; a marginalização de todos os valores morais
democráticos e humanistas em benefício da prepotência, das hierarquias ilegítimas
e do poder econômico; a inexistência de recursos estatais para a constituição de
políticas pública adequadas; a repressão à liberdade de pensamento e de organização
sindical e política; a destruição das estradas, da rentabilidade do sistema energético e
de outros elementos da infra-estrutura sob a responsabilidade dos órgãos do Estado;
o descumprimento das legislações trabalhista e ambiental; e o aniquilamento de
todos os recursos naturais mais importantes, como as matas, os animais silvestres, o
mar e as fontes de abastecimento de água potável.
As precárias condições de vida que surgem desse modelo econômico tendem a tirar
a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial; mesmo gastando muito em
nas várias formas de propaganda ideológica, esta classe está sempre na iminência de
ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião pública e da massa popular.
O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na coerção do que no consenso,
ou seja, mais na força bruta do que na sua capacidade de convencer as outras classes
sociais das positividades do modelo social que propõe. Para que evitemos profundos
erros teóricos e políticos, é preciso perceber claramente que esta classe social não
tem condições objetivas de propor uma alternativa de desenvolvimento menos
precário e desumano; as suas debilidades econômicas congênitas empurram-na para
uma brutalidade constante e crescente e para o mais radical estreitamento político.
Não há qualquer setor progressista, democrático e antiimperialista no seio dessa
burguesia. Nenhum membro dessa classe dominante pode propor o progresso, a
democracia e defesa dos interesses de Alagoas e da soberania nacional porque, como
vimos, essa classe não representa o pólo moderno no nosso Estado, ela representa
a união indissolúvel de um moderno atrasado em relação ao moderno das regiões
mais desenvolvidas do país com um arcaico também mais acentuado do que o
arcaico dessas regiões. Para esta classe social, combater o arcaico seria combater a si
mesma, o que certamente ela não está disposta a fazer.
A crueldade que os usineiros usam nas relações com seus trabalhadores e com
o resto da sociedade é uma imposição econômica férrea e não algo meramente
subjetivo, ou seja, nas condições econômicas peculiares da agroindústria alagoana,
um capitalista vitorioso tem que ser um capitalista sem nenhum escrúpulo; é o
próprio modelo econômico que impõe um baixíssimo nível de moralidade pública
desse personagem. Dessa maneira, em Alagoas só chegam à função de usineiro os
indivíduos que se despojam de qualquer princípio ético na esfera pública e percebem
o lucro privado como o único e exclusivo sentido da sua vida; isso faz com que,
naturalmente, os indivíduos de caráter mais perverso acabem sendo escolhidos pelo
sistema para ocuparem essa alta função dirigente. Evidentemente, essa perversidade
pode ser disfarçada, até certo ponto, por um bom nível de cultura, pela amabilidade
no trato pessoal, pela religiosidade e pelos inúmeros favores pessoais que uma
grande fortuna e uma ampla influência são capazes de bancar.
Quando Alagoas exporta dois bilhões de dólares em açúcar, está “trocando seis por
meia-dúzia”, ou seja, está trocando dois bilhões em mercadorias por dois bilhões
em dinheiro; o valor econômico é o mesmo, tendo havido apenas uma mudança
na sua maneira de expressar-se: antes, expressava-se em açúcar, depois da troca,
se expressa em dinheiro. O lucro das empresas não vem dessa troca de valores
iguais; o lucro vem da troca desigual entre os empresários e seus trabalhadores,
origina-se no fato de que os trabalhadores oferecem uma mercadoria (sua força de
trabalho) que vale muito mais do que aquilo que os capitalistas pagam por ela; o
lucro do capitalista vem dessa troca injusta e não da venda ao consumidor final. Pelo
desconhecimento desse mecanismo, muitas pessoas imaginam que a exportação
é a única e principal fonte de riqueza de qualquer formação social. Ora, os países
mais desenvolvidos do mundo baseiam sua riqueza no mercado interno e não na
exportação. Os EUA e o Japão, por exemplo, não exportam atualmente mais do que
quinze por cento de seus produtos; essas nações vêem o mercado externo apenas
como uma válvula de escape para os seus excessos de produção e como um dos
mecanismos básicos de controle do valor de suas moedas.
Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um círculo
perverso: quanto mais exporta, mais fica dependente de poucos produtos e de
poucos mercados e, por outro lado, mais inibe a diferenciação interna da sua
economia e mais reproduz o modelo exportador. O Estado constrói, então, o mesmo
tipo de economia no qual o Brasil estava submerso antes do processo de substituição
de importações, iniciado nos anos trinta. O país exportava café e outros produtos
tropicais e importava todos os outros bens que necessitava. É o que ocorre ainda
hoje em Alagoas; importamos de outras formações sociais (principalmente de outros
Estados brasileiros) quase todos os produtos industrializados e agrícolas, bem como
grande parte dos serviços que necessitamos. Essa situação inviabiliza qualquer
desenvolvimento econômico capaz de tornar a nossa economia auto-sustentável e de
possibilitar uma melhor distribuição dos recursos econômicos entre as várias classes
e setores sociais da população.
Mesmo apresentando esse fenômeno de maneira mais atenuada, Maceió não está
livre desses preconceitos infames: a grande maioria da população maceioense é
completamente estigmatizada pela cor da pele, pela sua situação social e pelo seu
local de moradia. Esses estigmas e a luta contra eles consistem na principal marca
das culturas maceioense e alagoana. Em Alagoas não prosperou nem a ideologia
da “democracia racial”; ideologia que, apesar de encobrir de maneira capciosa a
opressão contra os não-brancos, é uma espécie de tributo que o vício do preconceito
paga à virtude da democracia.
Concluindo essa parte do texto podemos dizer que a radicalidade do atraso alagoano,
a nossa maneira particularmente perversa de reproduzir o capitalismo periférico
e retardatário brasileiro constituiu, seja na economia, no universo político e na
esfera da cultura, uma formação social muito peculiar, uma espécie de purgatório
terreno no qual gerações foram colocadas para medir os limites da tragédia humana.
Possuímos quase todos os defeitos do capitalismo nas suas manifestações mais
radicais e não temos a maior parte dos aspectos positivos desse modo de produção.
Temos o egoísmo individualista, mas não temos a democracia; temos tecnologias
que desempregam, mas não temos alfabetização; temos miséria urbana, meninos
e meninas vivendo na rua, idosos espalhados pelas calçadas, mas não temos
empregos industriais e políticas de amparo social consistentes. Enfim, sofremos as
conseqüências dilacerantes de possuirmos de uma maneira congênita e radical os
problemas do atraso e as mazelas da modernidade.
Apesar dessa nossa configuração trágica, há fortes razões para termos esperança
de que a organização política da classe trabalhadora e de outras categorias sociais
oprimidas possa modificar radicalmente o sentido perverso da história alagoana.
No interior da nossa sociedade sempre houve tendências que apontavam para
uma trajetória histórica alternativa, para um caminho mais coerente, justo e
democrático. Foram tendências econômicas, políticas e ideológicas alicerçadas
nas classes e setores sociais oprimidos e nos segmentos científicos e artísticos
comprometidos com as idéias progressistas. Essas tendências foram, na maioria
dos casos, derrotadas pelas oligarquias ou efetivaram-se de maneira residual.
Mesmo assim, a sua herança não pode ser considerada irrelevante; as modificações
efetivadas no campo da economia, da política ou da cultura, bem como os exemplos
artísticos, científicos e morais que seus protagonistas deixaram, tornaram o ar mais
respirável para os oprimidos e para aqueles que lutam pela liberdade e pela justiça, e
colocaram os pontos de apoio para a grande virada histórica que o povo de Alagoas
tem condições de realizar na atual conjuntura.
Os anos de domínio político exercido por Suruagy e seu grupo foram emblemáticos
em todos esses aspectos. Suruagy foi um representante local do Bonaparte coletivo
que era o governo militar instalado no Planalto. Esse governador, antes do mandato
que começou em 1994 e acabou de maneira precoce em 1997, exerceu o poder
contra os interesses imediatos da burguesia alagoana e, ao mesmo tempo, a
favor dos interesses estratégicos desta classe social; procedimento típico de todo
governante bonapartista. Os militares queriam um governo barato, autoritário e
eficiente para realizar o projeto que idealizaram para o Estado de Alagoas; não
viam, portanto, com bons olhos as brigas interoligárquicas, a ineficiência técnica e
o apego sectário ao passado dos políticos alagoanos tradicionais. Assim, escolheram
um político jovem, ambicioso, hábil e sem ligação de parentesco com qualquer
ramo das oligarquias para impor a esses grupos dominantes uma maior unidade
e uma maior adesão ao novo momento da modernização conservadora. Essas
circunstâncias explicam a frase curiosa que Suruagy passou a dizer após ter sido
lançado no ostracismo político pelo povo alagoano: “Eu não fui o representante das
oligarquias, eu dominei as oligarquias”. Na verdade, ele tanto “dominou” como foi o
representante desses grupos políticos.
Quase todas as variantes que facilitavam o domínio das oligarquias durante essa
época eram conjunturais e não estruturais. Porém a esquerda caeté, vindo de
dolorosas e fundamentais perdas humanas, que debilitaram a sua capacidade
de elaboração, e ansiosa para superar o longo período ditatorial que asfixiava
todos os democratas e socialistas, não conseguiu transpor o véu da aparência e
interpretar corretamente a convergência de elementos que estavam impedindo o
desenvolvimento da consciência política popular. A esquerda passou a cobrar que o
povo tivesse o mesmo grau de impaciência com a opressão que ela mesma possuía,
esquecendo-se que a opressão política e a ausência de melhorias nas condições
de vida precisavam se efetivar de maneira radical para que o sentimento do povo
fosse capaz de mobilizar-se para a revolta. As condições para a revolta apenas
estiveram presentes a partir dos primeiros anos da década de oitenta e amadureceram
plenamente no início da década de noventa.
No início dos anos oitenta, a capital já contava com uma grande concentração de
importantes categorias de trabalhadores assalariados, tanto do setor público quanto
do setor privado. Os bancários, previdenciários, professores, médicos, químicos
e policiais, além de outras categorias essenciais para o funcionamento da cidade,
já eram capazes de significativa e rápida mobilização política, principalmente nos
momentos em que os seus interesses imediatos eram desrespeitados pela classe
dominante ou pelo governo. As mobilizações sindicais dessas categorias passaram
a ganhar um forte conteúdo democrático e progressista, o que transformava
esses assalariados em uma vanguarda esclarecida capaz de arrastar consigo
os trabalhadores do setor informal e mesmo os setores mais empobrecidos da
população maceioense.
Agora, a esquerda tinha o domínio sobre uma das fortalezas mais importantes
da política alagoana: o leme da administração da Capital. Por outro lado, o
aprofundamento da crise do setor canavieiro e de outros setores produtivos demoliu
o crescimento econômico, o que representou o fim de um dos elementos que
permitia à oligarquia continuar mantendo a classe trabalhadora politicamente
imobilizada. Porém ainda havia dois obstáculos no caminho da esquerda, um
previsível e outro imprevisível: Suruagy e o Plano Real. O grupo oligárquico
liderado por Suruagy ainda não havia exercido o poder numa época de crise dos
fundamentos econômicos do modelo que ele mesmo havia ajudado a criar; esse fato
abriu a possibilidade de que o povo construísse uma série de ilusões em torno das
pretensas capacidades políticas especiais desse grupo. Para piorar a situação eleitoral
da esquerda, a onda nacional de conservadorismo provocada pelo Plano Real, veio
juntar-se a essas ilusões. O grupo de Suruagy obteve oitenta por cento dos votos e
entrou triunfante no Palácio dos Martírios.
Enfim, dessa maneira poderemos construir uma sociedade alagoana que evite o
mais possível as armadilhas do desenvolvimento capitalista colonial e passe a
trilhar, liderada por um movimento de massas declaradamente socialista, por uma
via clássica e democrática de desenvolvimento até que uma revolução socialista
nacional permita-nos dar um salto ainda maior e, portanto, possibilite-nos propor a
superação radical de uma sociedade em que, por mais ampla que seja a democracia
política e social, o homem ainda é lobo do próprio homem.
A Frente propõe um grande movimento político que, usando os mais diversos tipos
de manifestações políticas de massa e por meio da ocupação de espaços nos poderes
executivo e legislativo, possa criar uma força suficiente para:
E) repudiar todo tipo de guerra fiscal com outros Estados da Federação, bem como
negar qualquer benefício fiscal ou de outra natureza a grandes empresas capitalistas
(sejam alagoanas, de capital nacional ou estrangeiro); essa medida objetiva defender
a sociedade da ilusão de que o progresso econômico “pode cair do céu” através
de uma comunhão mágica e inexplicável de interesses entre as grandes empresas
multinacionais e o povo alagoano. Os benefícios fiscais e outros deverão ser
fornecidos pelo governo, prioritariamente, ao empreendimento familiar e à pequena
e média empresa; o que objetiva, naturalmente, o desenvolvimento do mercado
interno e a auto-alimentação da economia alagoana;
c) a valorização dos servidores públicos por meio de um regime de trabalho que lhes
dê uma carreira que retribua adequadamente o esforço, o estudo e a honestidade;
os aumentos salariais devem, no mínimo, sempre repor as perdas com a inflação e
objetivar que a remuneração seja aumentada de acordo com os aumentos de caixa
do governo estadual; d) o burocratismo deve ser combatido através da adoção de
formas mais modernas de gestão; não se pode imaginar que a burocracia weberiana
seja a única maneira de colocarmos o Estado a serviço dos interesses populares.