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Uma nova Alagoas é possível

Compreender a formação social alagoana é entender nosso


atraso exemplar e as extremadas mazelas do capitalismo colonial

Golbery Lessa *

Introdução

Ao longo do século XX, o principal erro teórico da esquerda alagoana consistiu em


desconsiderar as singularidades de Alagoas e de aplicar, de maneira esquemática
e mecânica, o entendimento da esquerda brasileira sobre o país na compreensão
da realidade estadual. Várias circunstâncias econômicas, culturais e políticas têm
possibilitado a superação deste equívoco que custou muitos dissabores para a
militância, os setores democráticos e os trabalhadores. Felizmente, vem se tornando
consensual entre a esquerda caeté a idéia de que, do ponto de vista teórico, é
imperioso superarmos as simplificações e buscarmos apreender tanto o que a nossa
formação social tem de comum com as outras quanto o que ela tem de singular.

O presente programa de governo que a Frente Popular e Democrática apresenta


ao povo de Alagoas, procurando ser coerente com este momento de autocrítica
e fertilidade teórica, pressupõe todo o conhecimento acumulado pela esquerda
brasileira sobre a realidade do país, utiliza esse arcabouço científico para iluminar
as dimensões nacionais das instituições locais, mas concentra o seu foco no
desvelamento das peculiaridades alagoanas, buscando tanto delinear as tarefas
políticas necessárias para a inversão do sentido da história do nosso Estado como
abrir espaço para a consolidação de uma nova fase na cultura da nossa esquerda.

Este programa será apresentado em três principais momentos:

1) começaremos analisando a trajetória histórica da formação social alagoana, o


que coincide com uma reflexão sobre as singularidades do nosso desenvolvimento
capitalista;

2) na seqüência, apresentaremos uma análise sobre as conjunturas econômicas,


políticas e culturais das últimas três décadas, com atenção especial para o avanço
ideológico e político da esquerda e das forças populares em Alagoas;

3) concluiremos com a explicitação da nossa proposta de modificação do sentido


histórico da sociedade alagoana, dentro dos limites postos pelas condições objetivas
nas quais estamos inseridos.
Essa proposta será exposta apenas em suas linhas essenciais, isto é, a partir da
apresentação sistemática dos seus princípios norteadores e não por meio do seu
detalhamento factual. Os detalhes dessa proposta serão apresentados em uma série
de outros textos que tratarão com mais vagar das mais importantes esferas da
sociedade e da atuação governamental.

1. A Particularidade do Capitalismo Alagoano

1.1 As três vias de desenvolvimento capitalista

O capitalismo alagoano tem a mesma natureza dos capitalismos brasileiro e


nordestino, porém nosso sistema social também apresenta características singulares,
especificidades que somente são encontradas em Alagoas. Entender a nossa
realidade é, pois, o mesmo que identificar essas peculiaridades e compreender a sua
articulação com as dimensões que compartilhamos com o Nordeste e com o Brasil.
No presente programa de governo, antes de tratarmos das características exclusivas
da sociedade alagoana, precisamos visitar rapidamente as realidades de outros
países, do Brasil e do Nordeste; mesmo impondo um relativo distanciamento do
nosso principal tema, isso se justifica porque todo conhecimento sobre a sociedade
pressupõe a possibilidade de compararmos realidades diferentes; seria impossível
identificarmos as nossas singularidades sem, paralelamente, saber também o que
temos de comum com as outras formações sociais.

Os países de capitalismo clássico, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos,


diferenciam-se dos outros países principalmente porque viveram revoluções
democrático-burguesas radicais; revoluções que uniram a burguesia, o proletariado
nascente e o campesinato na destruição completa da antiga forma de sociedade; essa
antiga sociedade, nos casos inglês e francês, possuía a nobreza e a monarquia como
os elementos dominantes e, no caso norte-americano, tinha a metade do território
nacional dominada pelos grandes proprietários escravocratas. Esses movimentos
políticos de massa abriram um grande e fértil espaço para o desenvolvimento do
capitalismo e para a consolidação da democracia burguesa; ou seja, permitiram um
tipo de trajetória capitalista na qual as mais progressitas características desse modo
de produção consolidaram-se em toda a sua positividade e, por outro lado, os traços
mais perversos desse sistema social surgiram de maneira mais atenuada.

De modo distinto, os países de capitalismo prussiano, como a Alemanha, a Itália


e o Japão, tiveram as suas revoluções burguesas abortadas devido à fragilidade
estrutural de suas burguesias e ao receio que estas tiveram de ser ultrapassadas
politicamente pela aliança do proletariado com o campesinato. Os burgueses, então,
fizeram um acordo com a nobreza e a monarquia pelo qual restringiam bastante as
próprias reivindicações políticas, aceitando que as reformas do aparelho do Estado
fossem feitas de maneira mais lenta e superficial, em troca de reformas significativas
e progressivas no universo econômico. Desse modo, viveram o que Gramsci
denominaria de revolução passiva.

Sob esse tipo de processo os países prussianos passaram a conviver com uma
série de crônicos problemas econômicos, políticos e culturais. Esta forma de
desenvolvimento capitalista, diferente do desenvolvimento do capitalismo clássico,
debilitou as características mais positivas desse modo de produção e fortaleceu
as suas dimensões mais negativas. Assim, nesses países a industrialização ficou
atrasada em relação à industrialização dos seus concorrentes e, portanto, essas
nações acabaram chegando ao mercado mundial somente quando os países de
capitalismo clássico já o monopolizavam; o parlamento teve grandes dificuldades
de desenvolver-se como instituição independente e consolidada; as liberdades
democráticas ficaram restringidas em benefício de monarcas ou ditadores e em
prejuízo da participação política das massas populares; os movimentos socialista
e camponês foram reprimidos com violência e somente aceitos após conflitos
sangrentos; e, por fim, grande parte da intelectualidade abraçou o pensamento
reacionário e procurou fundamentar o imperialismo de sua nação com argumentos
racistas, ajudando a formar um caldo de cultura antidemocrática que penetrou quase
todos os recantos da sociedade e o espírito dos indivíduos.

Foram esses problemas causados pelo abortamento da revolução democrático-


burguesa que possibilitaram a surpreendente hegemonia política conseguida
pelos grupos fascistas na Alemanha, na Itália e no Japão. Esses países somente
superaram essas mazelas econômicas, políticas e culturais após a derrota que
sofreram na Segunda Guerra Mundial. O governo norte-americano, com receio de
que ocorressem revoluções socialistas nesses países e que estes ficassem fora do seu
campo de influência, impôs uma série de mudanças estruturais que transformaram o
sistema social dessas nações em um capitalismo clássico, superando, dessa forma, o
seu histórico prussianismo.

O Brasil também viveu a experiência de uma revolução passiva. Isso determinou


que nosso país desenvolvesse problemas parecidos com aqueles vividos pelos
países prussianos, o que nos aproxima bastante dessas nações; como elas,
desenvolvemos um capitalismo não-clássico, um capitalismo distinto daquele
presente na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Porém é também importante
sublinharmos as diferenças que temos em relação aos países de trajetória prussiana,
para que parte importante da nossa lógica social não seja desprezada e isso traga
conseqüências teóricas e políticas desagradáveis. Para nossa infelicidade, essas
diferenças demonstram que o nosso capitalismo (e de outras ex-coloniais, como o
México, o Chile e a Argentina), que podemos denominar de capitalismo colonial,
é economicamente mais atrasado e politicamente mais antidemocrático do que o
capitalismo prussiano. Em outras palavras, o nosso caminho para a modernidade foi
o mais acidentado, mesquinho e desumano.

A revolução passiva nos países coloniais constituiu uma industrialização ainda


mais retardatária e inconsistente do que a constituída nos países prussianos. Além
de chegarem hiper-atrasados no mercado mundial (a sua industrialização só
começa realmente na terceira e na quarta década do século XX), os países coloniais
desenvolveram a indústria em seu território através da efetivação de uma crônica
dependência tecnológico-financeira e da desnacionalização dos principais ramos
do seu parque produtivo; passaram também muito tempo para superar cada fase do
desenvolvimento da indústria; além disso, desenvolveram a sua agricultura através
do penoso e reacionário caminho da modernização lenta e incompleta do grande
latifúndio colonial. No universo político, essa trajetória implica no fato de que as
liberdades democráticas permanecem mais restritas e instáveis e os movimentos
populares sejam ainda menos tolerados como sujeitos políticos legítimos do que nos
países prussianos. Essas e outras características tornaram muito frágil a soberania
nacional desses países e determinaram a incapacidade de superação, no marcos
do sistema capitalista, dos seus profundos problemas econômicos e políticos. As
novas fases do capitalismo foram sucessivamente maculadas nas suas positividades
pelo fato de pagarem sempre um preço histórico muito alto às fases anteriores; o
desenvolvimento da sociedade burguesa foi inibido de uma maneira irreversível, isto
é, de uma maneira que se tornou impossível a superação de seu atraso relativo a não
ser pela superação do próprio sistema capitalista.

Apesar de também possuírem uma arraigada cultura antidemocrática, essa


cultura, nos países coloniais, após o início da industrialização, não desenvolveu as
dimensões imperialista e cinicamente racista que foram as suas marcas nos países
prussianos. Nessas nações prussianas, poderosas e necessitadas de disputarem os
mercados mundiais, ao qual haviam chegado com atraso em relação aos países
clássicos, o racismo relativo aos outros povos (e mesmo referente a minorias locais)
era a base dos argumentos que justificavam as suas pretensões imperialistas. Já no
Brasil, por exemplo, que não tinha pretensões de construir um império, já que era
vítima do imperialismo há muito tempo, o Integralismo, o movimento ideológico e
político mais próximo do fascismo, não endossava a posição racista dos Nazistas e,
por outro lado, as classes dominantes, desde o início dos anos trinta, abandonaram o
racismo cínico e abraçam o discurso capcioso que tinha como tese básica a idéia de
que a grandeza da sociedade brasileira residiria principalmente na sua “democracia
racial”.

É importante notarmos que não há uma relação mecânica entre o desenvolvimento


da economia e a trajetória das outras esferas da sociedade capitalista. O
prussianismo da Alemanha, por exemplo, não foi, até determinado momento
histórico, uma barreira para o sólido desenvolvimento da filosofia e da música
erudita naquele país. De maneira análoga, o arrefecimento do racismo cínico em
benefício do racismo hipócrita consiste em uma das poucas “vantagens” dos países
coloniais em relação aos países prussianos. Apesar dessa e de outras exceções,
o capitalismo colonial é, essencialmente, a forma particular de capitalismo mais
marcada pelo atrofiamento das dimensões positivas desse modo de produção e pelo
fortalecimento extremo de seus traços mais negativos.

1.2 O capitalismo colonial no Nordeste e em Alagoas

O desenvolvimento do capitalismo é desigual e combinado tanto no nível


internacional quanto no interior de cada nação. Mesmo países de trajetória
capitalista clássica possuem, ainda hoje, significativas diferenças no
desenvolvimento de suas regiões econômicas, políticas e culturais. Em países de
formação colonial as diferenças regionais tornam-se muito mais acentuadas, fazendo
com que o observador tenha a impressão de que a região mais atrasada e a região
mais adiantada encontram-se inseridas em séculos diferentes.

Apesar dessas diferenças regionais, em nenhum país as regiões de capitalismo


menos desenvolvido deixam de estar intimamente conectadas com as regiões de
capitalismo mais moderno. Ou seja, não há um dualismo, não há duas sociedades
no interior do mesmo Estado nacional; todas as regiões estão ligadas entre si e
somente se reproduzem em íntima conexão. Isso ocorre tanto no plano econômico
como nas esferas cultural e política. A industrialização paulista, por exemplo,
tornou-se possível, entre outras coisas, porque pôde aproveitar a mão-de-obra dos
agricultores sertanejos expulsos pela seca e pelo latifúndio; essa verdadeira sangria
da população determinou, por outro lado, o enfraquecimento dos movimentos
sociais dos camponeses e assalariados agrícolas nordestinos, o que contribuiu para a
continuidade de todo o sistema econômico e político tradicional do Nordeste.

A modernização conservadora promovida pelos governos chefiados por Getúlio


Vargas baseou-se em um pacto político entre a burguesia industrial do Sudeste, os
coronéis e outros chefes políticos das várias regiões mais atrasadas do país. Esse
pacto foi reproduzido nos governos posteriores, na ditadura militar iniciada em
1964 e ainda hoje fundamenta o poder político dominante no país. É fundamental
retermos esta noção: o arcaico e o moderno convivem intimamente no Brasil e
cada um dos pólos alimenta-se do outro para subsistir e desenvolver-se; além disso,
é preciso sublinhar que, após o fim da escravidão, o arcaico não é mais o não-
capitalista; o arcaico, no Brasil pós-Abolição, é o capitalismo em uma fase inferior
de desenvolvimento.

O atraso brasileiro não só precisa do moderno para reproduzir-se como possui em si


mesmo aspectos desse moderno, e vice-versa. Esses dois momentos do capitalismo
nacional estão interligados, apesar de não perderem as suas especificidades
e, portanto, a sua natureza particular. Isso é a essência de todos os problemas
brasileiros. Essa convivência ocorre tanto nas regiões mais atrasadas como nas mais
desenvolvidas do país; porém nas regiões mais avançadas, naturalmente, o papel do
arcaico é menor e o espaço do moderno é mais amplo. Apesar dessa diferença, no
Brasil tomado como um todo os novos momentos da modernidade, isto é, as fases
mais desenvolvidas da trajetória capitalista, têm uma dificuldade enorme de superar
os momentos anteriores, o que faz com que o historicamente novo pague sempre um
preço muito alto ao historicamente velho e, portanto, seja um novo sempre atrasado
em relação ao novo dos países capitalistas centrais. Desse modo, pode-se dizer que
o nosso país, enquanto for uma formação social capitalista, será um país moderno,
mas nunca será um país contemporâneo.

A partir de meados do século XIX, o Nordeste deixa definitivamente de ser a região


mais desenvolvida do capitalismo colonial brasileiro e, dessa maneira, passa a
ostentar com maior radicalidade a maioria das características mais negativas desse
caminho particular de desenvolvimento. A sua industrialização é mais retardatária
e débil do que industrialização da região Sudeste, o seu espaço público é mais
restrito e a sua cultura é mais autoritária. O Estado de Alagoas, junto do Piauí e do
Maranhão, encontra-se na parte mais atrasada dessa atrasada região do capitalismo
colonial brasileiro. Desse modo, Alagoas pode ser enquadrada teoricamente
no tipo colonial de desenvolvimento capitalista, porém precisa, além disso, ser
percebida como um dos casos mais extremos dessa espécie de trajetória histórica.
Compreender a formação social alagoana é, portanto, entender concretamente esse
nosso atraso exemplar, essa maneira extremada de viver as mazelas mais graves do
caminho colonial de desenvolvimento do capitalismo.

A formação social que viria a ser, a partir de 1817, a província das Alagoas
desenvolveu-se no interior de uma região que, pelo menos até as primeiras décadas
do século XIX, seria a mais avançada do país. O momento histórico do apogeu
alagoano em relação ao resto do Brasil coincide com o apogeu do litoral canavieiro
nordestino e pode ser identificado como o período compreendido entre o início e a
metade do século XVII. A área litorânea inserida no sul da capitania de Pernambuco
possuía, nessa época, uma grande quantidade de engenhos em relação a outras
regiões e tinha ótimas condições naturais para continuar consolidando a sua posição
no mercado do açúcar: terras úmidas e férteis, proximidade relativa da Europa, rios
navegáveis ligados ao oceano Atlântico e matas em abundância para alimentar de
lenha as fornalhas dos engenhos.

A invasão dos holandeses a esta área, operação bastante onerosa mesmo para
comerciantes tão bem articulados, demonstra por si só a importância da economia
alagoana naquele momento da história brasileira. A Alagoas da época tinha uma
estrutura econômica de tipo colonial: baseava-se na grande propriedade exportadora,
monocultora e escravocrata. Esse tipo de economia, como se sabe, estava sujeito
a uma grande instabilidade. O surgimento, a partir de meados do século XVII,
de produtores estrangeiros mais capitalizados e eficientes deslocou o açúcar
nordestino e alagoano do mercado internacional; essa mudança fez com que Alagoas
mergulhasse na sua primeira grande crise histórica e nunca mais conseguisse
recuperar a sua anterior posição como uma das principais áreas da economia
nacional.

Nos cento e cinqüenta anos posteriores, a formação social alagoana manteve um


setor canavieiro em lento e permanente declínio convivendo com um setor pecuário
muito propenso a tornar-se uma atividade de subsistência. Como em todo o Nordeste
do período, a população do sul de Pernambuco cresceu e interiorizou-se, alcançando
o Agreste e o Sertão, por intermédio da pecuária e da agricultura essencialmente
desvinculadas da área canavieira, de outros mercados brasileiros e do mercado
exterior. Na metade do século XIX, com a consolidação da lavoura cafeeira,
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e as profundas transformações
ocorridas no capitalismo mundial, Alagoas e toda a região nordestina, mesmo
participando ativamente dos pactos políticos que governariam o país, perdem
definitivamente a hegemonia econômica e política que tiveram no passado.
Os ciclos do algodão, do cacau e do fumo, as várias etapas da modernização
conservadora do setor canavieiro e da pecuária, bem como outros processos
econômicos significativos que ocorreram até o presente, não conseguiram reverter
este deslocamento da hegemonia no interior da sociedade brasileira. Alagoas
acompanhou esta metamorfose: junto das outras formações sociais nordestinas, saiu
da vanguarda do desenvolvimento brasileiro para constituir-se em uma das partes
mais atrasadas da nação.

No Nordeste, durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do


século XX, o ciclo do algodão deslocou o poder econômico e político do litoral
para o Sertão e o Agreste, fazendo com que os barões do açúcar perdessem a
hegemonia para os coronéis. Alagoas também viveu esse processo, porém com
menor radicalidade do que as outras províncias, na medida em que o Agreste e o
Sertão alagoanos não tinham o enorme peso geográfico que possuíam, por exemplo,
em Pernambuco e na Paraíba. Esse menor peso geográfico dessas duas regiões
será uma das características decisivas em toda a trajetória alagoana; determinará
que as oligarquias canavieiras sempre enfrentem adversários relativamente mais
frágeis e, portanto, aumentará a capacidade dos barões do açúcar sobreviverem
economicamente e deterem o domínio político e cultural.

1.3 A agroindústria canavieira como síntese do atraso

Quase todas as instituições capitalistas em Alagoas são mais atrasadas do que


essas mesmas instituições nas regiões mais desenvolvidas do país e na maior parte
dos Estados nordestinos. A grande propriedade agrária, pecuária e agroindustrial,
que tem sido, desde a época da colonização, o centro da nossa sociedade, apesar
de sempre incorporar substanciais desenvolvimentos tecnológicos e fazer outras
mudanças para adequar-se às conjunturas, reproduz continuamente um padrão
técnico e gerencial abaixo de seus concorrentes brasileiros e internacionais, uma
produtividade agrícola e industrial inferior, uma situação financeira instável, uma
relação predatória com o meio-ambiente, o aparelho do Estado, a infra-estrutura
pública e a mão-de-obra. A grande propriedade agroindustrial é um elemento no
qual podemos perceber, de uma maneira emblemática, o casamento íntimo entre
o moderno e o arcaico em Alagoas; uma aliança em que o novo acaba sempre
pagando ao velho um preço muito mais alto do que aquele que paga nas regiões
mais desenvolvidas do país.

As grandes usinas da atualidade são muito rentáveis para a burguesia canavieira


alagoana. Os seus lucros constroem verdadeiros impérios agroindustriais, comerciais
e de serviços. Essas fortunas podem ser percebidas facilmente ao identificarmos
o alto padrão do consumo dessa burguesia, a multiplicação de plantas industriais
originadas de uma única empresa e o deslocamento de capitais para outros ramos
de atividade e para outras regiões canavieiras do país. Entretanto, reconhecer a
rentabilidade de um negócio não é, necessariamente, o mesmo que considerar este
negócio plenamente moderno, economicamente sustentável sem o auxílio estatal e
significativamente preparado para enfrentar os desafios postos pelo mercado.

Na verdade, desde o final da década de trinta, quando o Estado de São Paulo passou
a ser o maior produtor de açúcar e de álcool, os canaviais e usinas do Nordeste
somente sobreviveram porque foram amplamente protegidos pelo governo da União,
o qual criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) para concretizar um sistema
de cotas e de subsídios que beneficiava os usineiros e plantadores nordestinos. Esta
proteção continuou ao longo da segunda metade do século XX, teve no Programa
Nacional do Álcool (PROÁLCOOL) o seu apogeu e, mesmo de uma maneira
atenuada, sobrevive na atualidade. Ainda há, por exemplo, a reserva do mercado
externo para o açúcar nordestino e o subsídio referente à chamada “equalização dos
preços da cana”. Esta sobrevivência artificial provocou, junto de outras variáveis, o
efeito de reproduzir (com periódicas modificações significativas, mas sempre não-
essenciais, ou seja, sempre incapazes de transformar os pontos básicos do modelo)
um tipo de grande propriedade agroindustrial profundamente marcada pelo atraso e
incapaz de superá-lo nos marcos da sociedade capitalista.

Essa operação de salvamento da burguesia agroindustrial nordestina tem íntimo


relacionamento com o pacto político que governou o Brasil durante todo o
período pós-Revolução de 1930 e que governa o país até hoje. Apesar de salvar os
usineiros nordestinos do desaparecimento completo, o IAA executou essa operação
de tal maneira que garantiu a hegemonia econômica dos usineiros do Sudeste,
principalmente do Estado de São Paulo. Reproduziu-se neste setor econômico o
mesmo equilíbrio de forças existente no universo político. O Estado brasileiro era
e ainda é governado por uma coligação entre forças políticas nordestinas e forças
políticas do Sudeste; mas as primeiras, apesar de serem muito influentes, não tinham
e não têm o domínio sobre os pontos centrais dos mecanismos do Estado nacional.

A sobrevivência artificial da agroindústria canavieira nordestina cortou a


possibilidade de que o capitalismo alcança-se fases mais complexas e progressitas
na nossa Zona da Mata. Esse travamento foi apenas um entre os muitos tributos
que o historicamente novo pagou ao historicamente velho na história brasileira. Os
sucessivos presidentes da república e os industriais paulistas temiam que a falência
das oligarquias canavieiras nordestinas provocasse o fortalecimento de movimentos
populares revolucionários, movimentos que poderiam influenciar os trabalhadores
do resto do país no sentido da superação do modo de produção vigente. Em outras
circunstâncias políticas, a falência dos barões do açúcar nordestinos poderia ter
produzido uma reforma agrária espontânea na Zona da Mata, como ocorreu com
as antigas fazendas da região cafeicultora de São Paulo, que foram retalhadas
e vendidas por seus proprietários a famílias camponesas e a imigrantes pobres.
Assim como ocorreu no caso paulista, um retalhamento das grandes fazendas de
cana poderia ter criado um sólido cinturão verde em torno das cidades e, portanto,
constituído um dos elementos básicos para o desenvolvimento da industrialização: a
produção abundante de alimentos a preços baixos e declinantes, que é precondição
para o barateamento da mão-de-obra da indústria, ou seja, é um pressuposto para
uma das formas de desenvolver o mecanismo mais progressista da mais-valia
relativa e inibir o uso da mais-valia absoluta.

A sociedade paulista, por ter o seu desenvolvimento menos embargado do que a


sociedade alagoana, foi aprofundando progressivamente, a partir dos anos trinta,
as suas etapas de industrialização; começou produzindo bens de consumo corrente,
passou pela fabricação de bens duráveis e chegou até a constituição de uma indústria
de bens de capital, última etapa na constituição do chamado verdadeiro capitalismo.
Naturalmente, esse processo paulista foi constituído nos moldes precários e com
a lentidão típica do capitalismo colonial; porém, no caso alagoano, não se chegou
sequer a cumprir o primeiro momento do desenvolvimento industrial. A economia
alagoana, ainda hoje, produz apenas açúcar, álcool, mandioca, leite, fumo, coco e
elementos químicos derivado do sal-gema; os milhares de outros produtos que os
consumidores alagoanos necessitam são importados de outros Estados brasileiros ou
do exterior. Isto significa que Alagoas ainda não cumpriu sequer a primeira etapa do
desenvolvimento capitalista, ou seja, ainda não consegue produzir a maior parte dos
bens de consumo corrente que o seu mercado interno adquire.

Essa paralisia histórica de Alagoas não é, evidentemente, absoluta. Ocorreram


freqüentes modernizações na nossa economia; no entanto foram modernizações
ultraconservadoras, que nunca se propuseram a completar a etapa inicial do
desenvolvimento capitalista e, muito menos, a superar essa primeira fase. Nossas
modernizações não conseguem superar esses limites porque sempre reforçam
os mesmos setores econômicos, as mesmas relações de produção arcaicas, o
mesmo arcabouço político oligárquico e a prevalência da exportação sobre o
mercado interno. O setor canavieiro tem sido sempre o centro desses processos de
modernização conservadora. O que estará por trás dessa hegemonia da atividade
canavieira em Alagoas e o que explicará o fascínio secular que ela exerce sobre as
nossas classes dominantes?

Desde o momento em que surgiram no início do século XX, mesmo as mais


capitalizadas usinas de Alagoas utilizaram sempre os seguintes mecanismos arcaicos
de lucratividade:

1) o consórcio entre a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa;

2) a apropriação do dinheiro público por meio de subsídios ao crédito e de isenções


de vários tributos e taxas; e 3) a degradação do meio ambiente e da infra-estrutura
mantida pelo Estado.

Ou seja, essas empresas utilizam como seu mais importante meio de sobrevivência
o saque inescrupuloso dos principais recursos da sociedade, do Estado e da natureza
e, como veremos detalhadamente, além de paralisar o desenvolvimento capitalista
alagoano, geram em troca muito poucos benefícios.

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo clássico, tal qual o


existente, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra, passou a fundamentar
a sua taxa de lucro na apropriação da mais-valia relativa e, somente em épocas de
crise, como a que vive desde 1973, lança mão da mais-valia absoluta. A utilização
das duas formas de mais-valia, comum durante o primeiro século do capitalismo
europeu e norte-americano, sobrevive até hoje como prática corrente principalmente
nos países da América Latina, da África e da Ásia. A sobrevivência dessa prática é
um dos traços essenciais do capitalismo colonial.

O uso da mais-valia absoluta consiste em basear a taxa de lucro da empresa


no aumento da jornada de trabalho e/ou na intensificação do ritmo do trabalho
paralelamente à manutenção do mesmo nível salarial; esse mecanismo também pode
se expressar na diminuição direta, pura e simples da remuneração dos trabalhadores.
Já a mais-valia relativa é um mecanismo mais complexo e tem um efeito negativo
menos imediato sobre a vida dos assalariados; esse mecanismo possibilita que a
exploração econômica aumente sem que as condições de vida dos trabalhadores
sejam afetadas, e comporta até mesmo uma melhoria dessas condições de vida.
Uma empresa aumenta sua lucratividade através da mais-valia relativa quando,
por meio da aplicação de uma tecnologia mais eficiente, consegue fabricar mais
mercadorias por unidade de trabalho e não repassa completamente a correspondente
diminuição dos custos para o preço de seus produtos. Assim, por exemplo, através
do uso de uma máquina mais rápida, um produto que custava 20 reais e era
fabricado em 20 minutos pode passar a ser feito em 10 minutos e, portanto, passar
a custar 10 reais; enquanto as empresas concorrentes não conseguirem baixar os
custos de fabricação de sua mercadoria, a empresa que já conseguiu fazê-lo pode
colocar o seu produto no mercado por um preço acima dos seus custos de produção
e, ao mesmo tempo, abaixo do preço das concorrentes; desse modo, a empresa que
saiu na frente terá o seu lucro aumentado se passar a vender o seu produto por um
preço qualquer entre 11 e 19 reais.

A continuidade desse ganho extra somente desaparece quando o número de


empresas utilizando a nova tecnologia e, portanto, tendo a possibilidade de baixar
os seus custos, cresce além de um determinado patamar e, pela imposição da lógica
da concorrência, acaba acontecendo uma baixa geral dos preços daquele produto
no mercado. Nesse momento do ciclo econômico, essa queda geral dos preços
determina uma queda na taxa de lucro de todas as empresas. Para enfrentar esse
fenômeno, as empresas procuram ampliar as suas plantas produtivas, destruir as
concorrentes e monopolizar o mercado.

Na medida em que todo o valor das mercadorias é criado pelo tempo de trabalho
despendido pelo trabalhador e de modo algum pela maquinaria empregada na
produção, o aumento da lucratividade através do aumento da mais-valia relativa é,
ao mesmo tempo, um aumento da taxa geral de mais-valia, ou seja, um aumento
da parte da jornada de trabalho que é apropriada pelo capitalista, consiste em um
aumento da exploração econômica da qual o trabalhador é vítima. Mas o trabalhador
tem muita dificuldade de perceber que está sendo ainda mais explorado; isso ocorre
tanto porque se trata de um mecanismo imperceptível para quem não tem acesso
à complexa ciência da economia como porque o referido aumento da exploração
pode, inclusive, vir junto de um aumento do salário real; nesse processo que estamos
analisando, mesmo aumentando até certo ponto o salário dos trabalhadores, a
empresa ainda consegue aumentar bastante a sua taxa de mais-valia e, portanto, a
sua taxa de lucro.

Por que a agroindústria alagoana utiliza as duas formas de mais-valia descritas


acima? Por que não se contenta com o elemento mais progressista e sofisticado que
é a mais-valia relativa? Na verdade, todas as empresas instaladas no Brasil (sejam
nacionais ou estrangeiras) usam as duas formas de mais-valia; o que singulariza
a agroindústria alagoana é um apego ainda maior à mais-valia absoluta, uma
verdadeira fixação patológica em basear o lucro no achatamento das condições de
vida da mão-de-obra. É isso que causa a intensa miserabilidade que qualquer pessoa
constata ao visitar a zona canavieira alagoana.

No nosso país, como em qualquer nação de desenvolvimento colonial, o capitalismo


é tão atrasado que inviabiliza o uso exclusivo ou predominante da mais-valia
relativa; isso ocorre devido à nossa dependência tecnológica e financeira dos
capitais estrangeiros. Pelo fato de importarem os avanços tecnológicos que utilizam
(já que as empresas brasileiras e o Estado nacional não produzem tecnologia em
quantidade e qualidade suficientes) e por pagarem juros altíssimos para adquirirem
novas tecnologias, já que o capital para empréstimo existente no Brasil tem origem
externa e aproveita-se da grande procura para elevar muito a taxa de juros, as
empresas de capital nacional nunca chegam na frente no início dos ciclos de mais-
valia relativa.

As multinacionais não sofrem os mesmos constrangimentos. As suas matrizes


mantêm essas empresas na vanguarda da tecnologia e são capazes de ofertar-lhes
financiamento com juros muito abaixo daqueles conseguidos pelas capitalistas
brasileiros. Essas empresas estrangeiras pagam baixos salários, já que no Brasil
há milhões de subempregados lutando por poucas vagas, e conseguem lucros
enormes através da união das duas formas de mais-valia. Sem os subsídios do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) grande parte
das empresas brasileira, mesmo utilizando amplamente a mais-valia absoluta, não
conseguiriam se manter no mercado durante muito tempo.

Os defeitos estruturais das empresas brasileiras são ainda mais agudos na


agroindústria alagoana. A constante e radical utilização da mais-valia absoluta
pelas usinas e destilarias de Alagoas não é, essencialmente, efeito da fragilidade
sindical da classe trabalhadora do setor, é a causa dessa fragilidade. É também
a demonstração da incapacidade tecnológica e financeira dessas empresas de
postarem-se na vanguarda do mercado e utilizar prioritariamente a mais-valia
relativa. Essa incapacidade se comprova, por exemplo, ao compararmos a
produtividade agrícola e industrial das empresas alagoanas e paulistas do setor
canavieiro: a agroindústria paulista vem, há décadas, vencendo a nossa por larga
margem no quesito produtividade. As usinas e destilarias alagoanas somente
sobrevivem porque as intervenções do governo federal não deixam o nosso açúcar e
o nosso álcool enfrentarem abertamente o açúcar e o álcool de São Paulo, ou seja, o
governo da União não deixa o mecanismo da concorrência realizar-se plenamente.
Por outro lado, este mesmo governo possibilita que as leis da concorrência tenham
plena vigência no interior do sistema econômico de Alagoas, o que beneficia as
empresas mais poderosas e tanto possibilita quanto impõe uma alta concentração
de capitais. É importante sublinhar que é evidentemente incorreto imaginar que a
agroindústria paulista seja plenamente moderna e não receba benesses das várias
esferas estatais; na verdade, essa agroindústria é apenas menos atrasada que a
alagoana.
Como já afirmamos, a extração da mais-valia absoluta pode ser conseguida por meio
do alongamento da jornada de trabalho diária, pela intensificação do processo de
trabalho e pelo rebaixamento da remuneração do trabalhador. No que se refere à sua
parte agrícola, as usinas alagoanas têm sérias dificuldades objetivas para basear a
mais-valia absoluta no alongamento da jornada de trabalho. O processo de produção
da cana, como de qualquer outro produto agrícola, torna desnecessária a constante
presença dos trabalhadores junto às plantas; o grosso do trabalho necessário
restringe-se à plantação e à colheita; as tarefas secundárias, como a aplicação de
herbicidas, somente envolvem um pequeno grupo de trabalhadores e não os grandes
contingentes mobilizados para as tarefas principais.

Além disso, a cana tem a peculiaridade de ser um dos produtos agrícolas que
não precisam ser replantados todos os anos; após a colheita, o pequeno olho que
permanece junto à raiz brota novamente, em boas condições de produtividade,
entre quatro e oito vezes, dependendo da qualidade da terra. Isso, evidentemente,
diminuiu ainda mais a quantidade de trabalho necessário. Na verdade, o grosso do
trabalho na lavoura da cana ocorre durante os seis meses da colheita, é o chamado
período da safra; o trabalhador agrícola canavieiro é, na verdade, principalmente
aquele que corta e empilha as canas em feixes para serem arrumadas nos caminhões
e transportadas à usina.

Outros complicadores são a instabilidade climática e os limites à extensão do


trabalho postos pela ausência de luminosidade natural em determinados períodos do
dia. Uma forte chuva, por exemplo, inviabiliza o tráfego de veículos motorizados
entre os canaviais; a arrumação e o transporte da cana pode ocorrer à noite, já que
as máquinas e os caminhões possuem iluminação própria, mas o corte manual
só pode acontecer com a luz do sol, o que causa uma grande diminuição na
flexibilidade do uso da maior parte da mão-de-obra e inviabiliza a utilização de
equipes de trabalho em turnos sucessivos. Ou seja, a massa total de trabalho agrícola
é relativamente pequena, já que abrange apenas seis meses de cada ano e está
sujeita à instabilidade do clima e à rigidez da jornada de trabalho; fato que restringe
bastante a possibilidade de produção da mais-valia absoluta por meio do aumento da
extensão da jornada de trabalho. Desse modo, as usinas procuram basear a extração
desse tipo de mais-valia principalmente através do barateamento da mão-de-obra e
da intensificação do ritmo de trabalho.

Passam, então, a retribuir o trabalhador com recursos abaixo do que ele necessita
para reproduzir a sua própria vida e a vida da sua família; além disso, as empresas
procuram intensificar o máximo possível o ritmo do trabalho. Isso é feito tanto com
a diminuição pura e simples do salário quanto por meio da sonegação dos impostos
e obrigações trabalhistas, ou seja, usando o rebaixamento da remuneração direta
e da remuneração indireta. Esse mecanismo provoca uma grande diminuição no
tempo de vida dos trabalhadores, implica em uma dupla jornada para as mulheres
e coloca as condições básicas para o surgimento do trabalho infantil. O organismo
subalimentado e sem cuidados adequados continua vivendo, mas passa a acumular
fragilidades psicológicas, distorções fisiológicas e acaba tendo o seu tempo de vida
encurtado.

A remuneração não é suficiente para o trabalhador reproduzir a si mesmo e,


muito menos, para garantir a sobrevivência dos seus filhos; este homem, então,
lança-se ao trabalho sabendo que está destruindo a própria vida e, a partir de um
determinado limite, aceita até o trabalho dos filhos menores como única solução
para que estes não sucumbam diante da fome, da falta de abrigo e da doença. Nos
canaviais alagoanos, o trabalho infantil e a ausência de uma significativa estrutura
(seja privada ou pública) de amparo social não são fenômenos sazonais, são
características da estrutura do nosso capitalismo, são duas das principais formas de
ampliação da mais-valia absoluta.

Os limites para a ampliação desse tipo de mais-valia por meio da extensão da


jornada de trabalho não são uma singularidade da agroindústria alagoana; todas as
atividades agrícolas, em qualquer país do mundo, deparam-se com esses limites,
já que eles são determinados pela própria natureza do processo de trabalho na
agricultura. O que singulariza a agroindústria alagoana são a enorme inflexibilidade
e a radical desumanidade com que as usinas procuram contornar essas barreiras ao
aumento da taxa de exploração dos trabalhadores do campo

Apesar das péssimas condições de remuneração encurtarem muito a vida dos


trabalhadores rurais e dificultarem bastante que eles possam criar os próprios filhos,
vários fenômenos econômicos e políticos impedem que essas péssimas condições
de vida provoquem a diminuição absoluta da população necessitada dos recursos
conseguidos em troca do trabalho nos canaviais. Esses fenômenos são provocados
pela própria estrutura da agroindústria, pela lógica particularmente perversa do
capitalismo alagoano e são reforçados por determinadas ações e omissões do
aparelho do Estado.

A debilidade sindical dos trabalhadores canavieiros alagoanos, que tem um efeito


decisivo no universo político do Estado, possui relação íntima com o próprio tipo
de capitalismo vigente na nossa agroindústria. Esse sistema social é radicalmente
concentrador de terras, de outros recursos produtivos e, além disso, é destruidor de
várias dimensões da sociedade e da natureza; por isso expropria constantemente os
agricultores da Zona da Mata de qualquer meio de subsistência independente, como
as lavouras de alimentos, a coleta de produtos naturais, as atividades assalariadas
alternativas e a pesca nos rios da região; isso ocorre porque não sobram terras para
as culturas alimentares, as matas foram destruídas, não existe outras atividades
econômicas e os rios estão geralmente mortos por receberem os dejetos das usinas e
os pesticidas dos canaviais.

Na medida em que o preço da força de trabalho é inversamente proporcional à


quantidade de pessoas dispostas a trabalhar como assalariadas, o nosso capitalismo,
por abusar da mais-valia absoluta, precisa de um exército reserva de trabalho muito
superior às necessidades operacionais dos canaviais e muito maior do que aquele
que é necessário em qualquer setor econômico de um capitalismo clássico; para
criar esse exército de reserva aproveita-se também das dificuldades que o latifúndio
e a seca colocam para o campesinato do Agreste e do Sertão e, em determinados
momentos, chega a importar mão-de-obra de outros estados brasileiros. Nos
últimos anos, para diminuir os gastos das empresas com a remuneração indireta,
os trabalhadores foram expulsos do interior das fazendas e usinas, aumentando
muito o êxodo rural da área canavieira para Maceió e para outras cidades do país.
Para substituir essa mão-de-obra as usinas têm contratado trabalhadores sertanejos;
isso diminui os custos dessas empresas, já que, durante a entressafra, não precisam
gastar nada com um trabalhador que volta para o seu pequeno sítio e alimenta-se
com a sua própria produção. Evidentemente, essa circunstância faz com que os
usineiros não tenham nenhum interesse na melhoria significativa da vida no Sertão,
principalmente naquelas melhorias que tornem os sertanejos independentes do
trabalho nos canaviais; esse fato facilita a aliança entre as oligarquias canavieiras
e sertanejas e ajuda a travar o desenvolvimento do Sertão, principalmente o
fortalecimento da pequena propriedade agrícola.

Essas condições determinam que existam sempre poucas vagas para uma grande
quantidade de pessoas desejando trabalhar, o que debilita os sindicatos pela base. A
expropriação constante e radical do agricultor da Zona da Mata e a importação de
mão-de-obra do Sertão, que criam levas de pessoas sem trabalho, são necessidades
básicas da nossa agroindústria e não apenas efeitos colaterais. Somente recriando
constantemente essa legião de pessoas desempregadas e jogadas na miséria as usinas
podem enfraquecer os trabalhadores suficientemente para que estes aceitem as
condições de trabalho e de pagamento absurdas que lhes são propostas. Também
nesse aspecto pode-se constatar que uma das tendências mais desumanas do
capitalismo, a tendência da criação constante de um exército reserva de mão-
de-obra, recebe um grau particularmente acentuado em Alagoas. Os índices de
desemprego e subemprego no nosso Estado são gigantescos e só comparáveis com
os vigentes nos países mais pobres da África, da Ásia e da América Latina.

Para entender Alagoas é necessário abandonarmos a idéia de que os capitais da


agroindústria alagoana têm força, perenidade e flexibilidade ilimitadas, ou seja,
é imperioso rejeitarmos qualquer visão fetichista sobre eles. Em alguns círculos
intelectuais da nossa terra desenvolveu-se a tese de que esses capitais podem
tudo, são infinitamente flexíveis e capazes de responder lucrativamente a qualquer
desafio posto pelo mercado. As mazelas sociais, culturais, ambientais e políticas
seriam apenas deslizes subjetivos, exageros que poderiam ser sanados por um
acordo de cavalheiros entre o Estado e os capitalistas do setor. Portanto seria
necessário que todos os alagoanos apoiassem essas empresas e esquecessem a
utopia regressiva de substituí-las por outras atividades produtivas. Este diagnóstico
é completamente equivocado e, na verdade, acaba propondo o uso da nossa doença
como remédio para os nossos males. Como quaisquer outros esses capitais estão
inseridos em condições econômicas que limitam sua força, perenidade, flexibilidade
e rentabilidade. Além disso, esses capitais alagoanos possuem de uma maneira mais
radical, as enormes debilidades que são exclusivas da agroindústria canavieira no
Brasil.

O alto investimento em novas terras e em equipamentos para torná-las produtivas é


um dos inconvenientes mais graves para os capitais aplicados no setor canavieiro.
Esse tipo de investimento aumenta muito o gasto com capital fixo, alonga o prazo
de amortização do capital inicial, rebaixa de maneira significativa a massa de mais-
valia, a massa de lucro e os ganhos no mercado financeiro. Isso não ocorre nos
ramos puramente industriais, como são, por exemplo, a indústria automobilística e a
indústria de eletrodomésticos; nesses setores a dimensão industrial não tem qualquer
relação direta com a agricultura, o capital empregado não precisa tomar a atitude
geralmente contraproducente de apropriar-se das terras nas quais são produzidas as
suas matérias-primas, não necessitam incorporar o atraso estrutural e histórico da
agricultura em relação à indústria.

Diferente de outras matérias-primas, a cana, para ser rentável, somente pode ser
adquirida de plantações localizadas no máximo em um raio de 100 km em torno
da usina que irá utilizá-la. O caráter perecível que esta matéria-prima adquire
imediatamente após a colheita torna inviável a sua importação de mercados
distantes. Isso determina que o setor canavieiro, em condições capitalistas,
tende fortemente a ser um setor em que a propriedade da parte industrial surge
necessariamente unida à propriedade da parte agrícola. Na verdade, as usinas
alagoanas preocupam-se em produzir a maior parte de sua matéria-prima e, portanto,
estão dispostas a comprar terras e a cultivá-las porque, do contrário, ficariam
completamente dependentes e subjugadas pelos seus fornecedores. Isto é, pelo fato
de a cana não ser um produto facilmente perecível antes de ser colhida, caso as
usinas não tivessem cana própria, os fornecedores dessa matéria-prima poderiam
negociar o seu preço numa posição extremamente confortável, o que diminuiria
muito os lucros dos usineiros.

A parte industrial deste setor tem uma forte tendência de apresentar uma
rentabilidade inferior aos setores puramente industriais. Isso ocorre porque a
produção do açúcar e do álcool está intimamente dependente da maturação da cana,
que leva algo em torno de 16 a 18 meses no campo até se transformar em matéria-
prima em condições de ser processada. A colheita ocorre de seis em seis meses
porque os canaviais são plantados em uma seqüência temporal que permite que
sempre exista, no início de cada safra, cana madura na quantidade requerida pelas
usinas e destilarias. Isso, evidentemente, não elimina as perdas econômicas causadas
pelo longo ciclo vegetativo de cada canavial tomado de maneira isolada. A parte
industrial de uma usina ou destilaria consiste em um tipo raro de indústria, um tipo
que pára a sua planta fabril durante metade de cada ano esperando a matéria-prima
chegar às suas máquinas. Esse esbanjamento de tempo é inimaginável em qualquer
outro ramo puramente industrial, e implica em uma brutal queda da massa de mais-
valia e, portanto, da massa de lucro (que são, naturalmente, elementos ligados, mas
diferentes da taxa de mais-valia e da taxa de lucro). O longo tempo de ociosidade
das máquinas implica em custos de manutenção e também na não absorção de
trabalho vivo, ou seja, na não agregação de valor e, portanto, na estagnação da
massa de mais-valia extraída. Qualquer usina alagoana é, durante os seis meses
que dura o período da entressafra, um grande museu de máquinas e equipamentos
caríssimos sem a mínima utilidade econômica. Algo análogo ocorre com os
operários e os trabalhadores agrícolas, que passam a sofrer com o desemprego ou
com a diminuição radical das suas remunerações. Essa circunstância faz com que
essas empresas usem na sua parte exclusivamente industrial os mesmos expedientes
brutais de extração de mais-valia que utilizam na parte agrícola e, além disso,
adicionem a estes a extensão da jornada de trabalho, já que há iluminação elétrica
nas fábricas e o processo de trabalho está protegido das intempéries climáticas.

Sabe-se que dois capitais de igual grandeza, iguais taxas de mais-valia e de lucro
produzem diferentes massas de mais-valia e de lucro se tiverem tempos de rotação
diferentes. Ou seja, pressupondo duas empresas de mesmo capital, é mais rentável
a empresa que fabrica e vende mercadorias todos os dias do que uma empresa
que gasta um tempo mais longo entre a preparação e a venda de seus produtos. A
primeira empresa faz girar o seu capital circulante (matéria-prima e gastos com
mão-de-obra) mais rapidamente e, portanto, mais vezes, o que determina uma
maior absorção de mais-valia, uma maior massa de lucros, um menor tempo de
amortização do capital inicial e uma maior disponibilidade de liquidez. Enquanto
uma indústria automobilística produz e vende muitos veículos a cada dia do ano,
uma usina alagoana produz e vende açúcar apenas durante seis meses de cada ano, já
que precisa esperar a maturação dos canaviais.

Essa paralisia irracional é a verdadeira cara da agroindústria alagoana, a cara de um


capital profundamente atrasado, o qual oscila constantemente entre o excesso de
trabalho, durante a safra, e a paralisia total, depois dela. A agroindústria alagoana
não é a industrialização da agricultura, é a ruralização da indústria. Constitui-se em
um verdadeiro dinossauro econômico; a sua calda agrícola embarga-lhe o passo,
esmaga várias gerações de trabalhadores alagoanos, atravanca a divisão social do
trabalho e inibe o desenvolvimento dos traços mais positivos do capitalismo. Nas
condições alagoanas e brasileiras, este setor econômico tem, além disso, o enorme
inconveniente de possuir um grande potencial de reproduzir-se por séculos. Isso
acontece não porque tenhamos uma “vocação” genética, cultural ou metafísica para
produzir açúcar, mas porque essa agroindústria inibe radicalmente a divisão social
do trabalho e, portanto, dificulta muito o surgimento de atividades econômicas que
possam superá-la. Há trezentos anos, o litoral nordestino é dominado pelos canaviais
e pelo subdesenvolvimento radical que eles impõem.

Não podemos confundir de modo algum o desenvolvimento agrícola do capitalismo


clássico com o desenvolvimento agrícola do capitalismo colonial. Por exemplo, a
grande propriedade agrícola nos Estados Unidos de hoje, que tira enormes vantagens
do uso da economia de grande escala, é resultado do lento desenvolvimento
da pequena propriedade rural capitalista, é a expressão de toda uma trajetória
progressista e democrática durante a qual se criou um amplo mercado interno de
bens agrícolas, o que foi decisivo para o barateamento dos alimentos e, portanto,
para aumento relativo da renda dos trabalhadores e para a consolidação da mais-
valia relativa em detrimento da mais-valia absoluta (a mais-valia relativa é também
acionada pelo barateamento dos bens consumidos pelos trabalhadores, que
pressupõe o desenvolvimento tecnológico na fabricação desses produtos). No caso
alagoano, a grande propriedade é a expressão do mais completo atraso, representa
a negação do caminho progressista e democrático trilhado pelos Estados Unidos.
A economia de grande escala das usinas alagoanas não representa a modernidade,
representa o desperdício em escala aumentada e uma enorme muralha que paralisa
a verdadeira modernidade capitalista na agricultura, modernidade que se baseia,
inegavelmente, na oferta de alimentos a preço constantemente declinantes para os
trabalhadores urbanos.

Alguns intelectuais alagoanos têm utilizado, muitas vezes inconscientemente, a


teoria de Lenin sobre o caráter progressista da economia de escala na agricultura
para defender o setor canavieiro alagoano. Ora, Lenin se referia a economia de
grande escala no contexto do capitalismo clássico e não no seio dos capitalismos
prussiano e colonial. Vejamos essa questão nas suas próprias palavras:

“Os restos do feudalismo podem desaparecer tanto mediante a transformação das


terras dos latifundiários, como mediante a destruição dos latifúndios, dos grandes
proprietários, quer dizer, por meio da reforma e por meio da revolução. O
desenvolvimento burguês pode verificar-se tendo à frente as grandes fazendas
latifundiárias, que paulatinamente se tornam cada vez mais burguesas que
paulatinamente substituem os métodos feudais de exploração por métodos
burgueses, e pode verificar-se também tendo à frente as pequenas fazendas
camponesas, que por via revolucionária extirpam do organismo
social ‘excrescência’ dos latifúndios feudais e se desenvolvem depois livremente
pelo caminho das granjas capitalistas. Esses dois caminhos de desenvolvimento
burguês, objetivamente possíveis, nós os denominaríamos caminho do tipo
prussiano e caminho do tipo norte-americano. No primeiro caso, a fazenda feudal do
latifundiário se transforma lentamente em uma fazenda burguesa, Junker,
condenando os camponeses a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação e do
mais doloroso jugo e destacando a uma pequena minoria Grossbauer (grandes
camponeses). No segundo caso, não existem fazendas de latifundiários ou são
expulsas pela revolução, que confisca e fragmenta as propriedades feudais. Neste
caso predomina o camponês, que passa a ser agente exclusivo da agricultura e vai
evoluindo até converter-se no granjeiro capitalista. No primeiro caso, o conteúdo
fundamental da evolução é a transformação do feudalismo em sistema usurário e em
exploração capitalista sobre as terras dos latifundiários-feudais-junkers. No segundo
caso, o fundo básico é a transformação do camponês patriarcal em granjeiro
burguês. (...) A primeira [via] implica a manutenção máxima da sujeição e da
servidão (transformada ao modo burguês), o desenvolvimento menos rápido das
forças produtivas e um desenvolvimento retardado do capitalismo; implica
calamidades e sofrimentos, exploração e opressão incomparavelmente maiores das
grandes massas de camponeses e, por conseguinte, do proletariado. A segunda [via]
entranha o mais rápido desenvolvimento das forças produtivas e as melhores
condições de existências das massas camponesas (as melhores possíveis sob a
produção mercantil)”. (O Programa Agrario da Social-Democracia).

Pode-se perceber que o autor de O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia sabia


mais do que qualquer outro cientista as enormes diferenças entre o caminho clássico
e o caminho não-clássico de desenvolvimento da agricultura, tanto que foi quem
mais aprofundou as reflexões de Marx e de Engels sobre o tema. Sabia claramente
que, em um contexto prussiano ou colonial, a grande propriedade agrícola era
um estorvo para o avanço do capitalismo tanto no campo como em todas as
esferas da sociedade. Utilizar a teoria do líder bolchevista sobre as vantagens da
grande propriedade na agricultura de uma maneira descontextualizada é o mesmo
que inverter essa teoria e inviabilizar a compreensão adequada das realidades
particulares.

Apesar de todas as debilidades econômicas que possuem e de constituírem-se na


causa principal do atraso alagoano, as usinas criam fortunas milionárias para os seus
proprietários e impõem-se em nossa paisagem com a perenidade das pirâmides.
Como isso é possível? Como um desses verdadeiros dinossauros econômicos pode
figurar, em termos de faturamento, na privilegiada centésima colocação do ranking
das maiores empresas brasileiras? Isso é possível devido à enorme colaboração
do governo federal e, principalmente, pelo fato de que a sociedade alagoana é
essencialmente organizada para doar todos os seus recursos, de todas as suas esferas
sociais, para que essas empresas possam dar a maior massa de lucro possível aos
seus proprietários. Por um lado, o governo da União, através de subsídios generosos
e da reserva do mercado exterior para o açúcar alagoano, afasta a concorrência e
todos os outros mecanismos de mercado que representem perigo para esses capitais;
por outro lado, a sociedade alagoana e seu aparelho estatal são utilizados por esses
capitais como um vasto campo de concentração, no qual podem encontrar ilimitados
sacrifícios humanos de toda a ordem e magnitude.

Pela ajuda generosa que oferece ao setor canavieiro o governo federal recebe o
apoio de vários deputados federais e senadores alagoanos, os quais, em sua maioria,
são patrocinados diretamente pelos usineiros e sempre se colocam como fiéis
defensores dos interesses desses capitalistas. A maioria da população alagoana, ao
contrário, não ganha absolutamente nada por constituir-se em um mero instrumento
da lucratividade desses capitais; cada centavo dos lucros das usinas é constituído por
cada fato concreto da tragédia social, cultural e política vivida pela maior parte do
povo alagoano. Entre outros fatos conhecidos de todos, as fontes de cada partícula
dos lucros da agroindústria canavieira alagoana são as seguintes: a morte das
crianças e o seu sepultamento em covas rasas; a inibição do seu crescimento físico e
intelectual pela precariedade dos alimentos e pela debilidade dos sistemas de saúde
e educação; a velhice precoce de homens e mulheres devido à dureza do trabalho e
aos longos períodos de fome e doença; a destruição das culturas popular e erudita
e de milhares de novos talentos artísticos, literários e científicos; a fome endêmica
que atinge toda as regiões do Estado; a marginalização de todos os valores morais
democráticos e humanistas em benefício da prepotência, das hierarquias ilegítimas
e do poder econômico; a inexistência de recursos estatais para a constituição de
políticas pública adequadas; a repressão à liberdade de pensamento e de organização
sindical e política; a destruição das estradas, da rentabilidade do sistema energético e
de outros elementos da infra-estrutura sob a responsabilidade dos órgãos do Estado;
o descumprimento das legislações trabalhista e ambiental; e o aniquilamento de
todos os recursos naturais mais importantes, como as matas, os animais silvestres, o
mar e as fontes de abastecimento de água potável.

Somente nessas circunstancias a agroindústria alagoana torna-se um elemento


bastante lucrativo e a empresa do fulano de tal pode surgir bem colocado no
ranking da Revista Exame, ou seja, apenas em condições tais que a vida no Estado
de Alagoas perde qualquer verdadeiro sentido humano e a maioria da população
perceba cada novo dia como um fardo incômodo e a existência como uma sucessão
monótona de tragédias, crueldades, sofrimentos e humilhações.

As precárias condições de vida que surgem desse modelo econômico tendem a tirar
a legitimidade ideológica da burguesia agroindustrial; mesmo gastando muito em
nas várias formas de propaganda ideológica, esta classe está sempre na iminência de
ficar desmoralizada e desacreditada diante da opinião pública e da massa popular.
O seu domínio, geralmente, sustenta-se muito mais na coerção do que no consenso,
ou seja, mais na força bruta do que na sua capacidade de convencer as outras classes
sociais das positividades do modelo social que propõe. Para que evitemos profundos
erros teóricos e políticos, é preciso perceber claramente que esta classe social não
tem condições objetivas de propor uma alternativa de desenvolvimento menos
precário e desumano; as suas debilidades econômicas congênitas empurram-na para
uma brutalidade constante e crescente e para o mais radical estreitamento político.
Não há qualquer setor progressista, democrático e antiimperialista no seio dessa
burguesia. Nenhum membro dessa classe dominante pode propor o progresso, a
democracia e defesa dos interesses de Alagoas e da soberania nacional porque, como
vimos, essa classe não representa o pólo moderno no nosso Estado, ela representa
a união indissolúvel de um moderno atrasado em relação ao moderno das regiões
mais desenvolvidas do país com um arcaico também mais acentuado do que o
arcaico dessas regiões. Para esta classe social, combater o arcaico seria combater a si
mesma, o que certamente ela não está disposta a fazer.

A crueldade que os usineiros usam nas relações com seus trabalhadores e com
o resto da sociedade é uma imposição econômica férrea e não algo meramente
subjetivo, ou seja, nas condições econômicas peculiares da agroindústria alagoana,
um capitalista vitorioso tem que ser um capitalista sem nenhum escrúpulo; é o
próprio modelo econômico que impõe um baixíssimo nível de moralidade pública
desse personagem. Dessa maneira, em Alagoas só chegam à função de usineiro os
indivíduos que se despojam de qualquer princípio ético na esfera pública e percebem
o lucro privado como o único e exclusivo sentido da sua vida; isso faz com que,
naturalmente, os indivíduos de caráter mais perverso acabem sendo escolhidos pelo
sistema para ocuparem essa alta função dirigente. Evidentemente, essa perversidade
pode ser disfarçada, até certo ponto, por um bom nível de cultura, pela amabilidade
no trato pessoal, pela religiosidade e pelos inúmeros favores pessoais que uma
grande fortuna e uma ampla influência são capazes de bancar.

Além de construir, pela utilização da mais-valia absoluta, uma sociedade de


miseráveis, a agroindústria alagoana, por seu caráter exportador, cria uma sociedade
sem estabilidade econômica, sem mercado interno substancial e carente de um grau
significativo de divisão interna do trabalho. A atual economia alagoana superou
a escravidão, porém conserva ainda, de maneira modernizada, os outros traços da
economia alagoana do período colonial; ainda baseia-se na monocultura, na união
entre agricultura e indústria e na exportação dos seus principais produtos.

Quando Alagoas exporta dois bilhões de dólares em açúcar, está “trocando seis por
meia-dúzia”, ou seja, está trocando dois bilhões em mercadorias por dois bilhões
em dinheiro; o valor econômico é o mesmo, tendo havido apenas uma mudança
na sua maneira de expressar-se: antes, expressava-se em açúcar, depois da troca,
se expressa em dinheiro. O lucro das empresas não vem dessa troca de valores
iguais; o lucro vem da troca desigual entre os empresários e seus trabalhadores,
origina-se no fato de que os trabalhadores oferecem uma mercadoria (sua força de
trabalho) que vale muito mais do que aquilo que os capitalistas pagam por ela; o
lucro do capitalista vem dessa troca injusta e não da venda ao consumidor final. Pelo
desconhecimento desse mecanismo, muitas pessoas imaginam que a exportação
é a única e principal fonte de riqueza de qualquer formação social. Ora, os países
mais desenvolvidos do mundo baseiam sua riqueza no mercado interno e não na
exportação. Os EUA e o Japão, por exemplo, não exportam atualmente mais do que
quinze por cento de seus produtos; essas nações vêem o mercado externo apenas
como uma válvula de escape para os seus excessos de produção e como um dos
mecanismos básicos de controle do valor de suas moedas.

Pelo fato de exportar a maior parte de seus produtos, Alagoas entra em um círculo
perverso: quanto mais exporta, mais fica dependente de poucos produtos e de
poucos mercados e, por outro lado, mais inibe a diferenciação interna da sua
economia e mais reproduz o modelo exportador. O Estado constrói, então, o mesmo
tipo de economia no qual o Brasil estava submerso antes do processo de substituição
de importações, iniciado nos anos trinta. O país exportava café e outros produtos
tropicais e importava todos os outros bens que necessitava. É o que ocorre ainda
hoje em Alagoas; importamos de outras formações sociais (principalmente de outros
Estados brasileiros) quase todos os produtos industrializados e agrícolas, bem como
grande parte dos serviços que necessitamos. Essa situação inviabiliza qualquer
desenvolvimento econômico capaz de tornar a nossa economia auto-sustentável e de
possibilitar uma melhor distribuição dos recursos econômicos entre as várias classes
e setores sociais da população.

Enfim, a grande propriedade agrícola, pecuária e agroindustrial é a principal


protagonista do atraso de Alagoas. O interior das grandes propriedades é o
local privilegiado da reprodução da subjugação do historicamente novo pelo
historicamente velho e da profunda inércia histórica que é a principal característica
da nossa formação social. A condenação desse tipo de propriedade e da espécie
de capitalismo que promove não é apenas ou principalmente um impulso ético
voluntarista; representa uma análise calcada, sem nenhuma dúvida, na ética
humanista, mas também apoiada em uma constatação científica que acompanha
de perto as mais importantes teorias produzidas pelas correntes progressistas de
pensamento existentes no Brasil e no mundo.

2. A Ausência da Democracia em Alagoas

2.1 O domínio político das oligarquias

O caráter atrasado da grande propriedade agropecuária e agroindustrial repete-se


em outras partes e aspectos da formação social alagoana e constitui-se na dinâmica
básica de todas as nossa instituições sociais. Naturalmente, em cada uma dessas
instituições há singularidades, formas peculiares de reprodução da lógica social que
estamos analisando. No universo político, por exemplo, manifesta-se em nossa terra
o mesmo autoritarismo típico do Estado brasileiro, porém, como em quase todas as
outras dimensões, também nessa o caso alagoano é singularmente mais desumano e
atrasado.

O autoritarismo em Alagoas manifesta-se de maneira muito mais perversa do que


nas regiões mais desenvolvidas do país. Isso é determinado pela forte presença da
grande propriedade agrícola, pecuária e agroindustrial e pelos nossos baixíssimos
índices de verdadeira industrialização e de divisão social do trabalho. A expressão
dessa base econômica no universo político é um órgão estatal profundamente
oligárquico, autoritário e patrimonialista. A burguesia alagoana se expressa na esfera
política como uma oligarquia, ou seja, como um conjunto de poucas famílias que
domina os três poderes nos quais se divide o Estado contemporâneo. Esse poder
é exercido de maneira autoritária e patrimonialista, isto é, sem respeito às leis
democráticas vigentes e à separação que deve existir entre o patrimônio público
e o patrimônio privado dos governantes. No universo cultural, essa economia
e essa política atrasadas determinam a vigência de idéias e costumes racistas,
antidemocráticos e paternalistas, além de uma grande dificuldade para que as
correntes de pensamento progressistas possam se estabelecer com consistência
e durabilidade. Quase não há espaço público em Alagoas, os direitos políticos
fundamentais não têm vigência plena, sobrevivem apenas de maneira residual;
subsistem mais pela inserção do Estado na Federação do que por razões internas.
Em Alagoas, o Estado de Direito tem uma existência mais formal do que real:
as formalidades jurídicas são observadas juntamente com um quase completo
desrespeito ao conteúdo das leis.

Esse caráter residual da democracia é mais agudo no Interior do que em Maceió.


Isso ocorre porque na Capital há uma maior complexidade econômica, social
e ideológica. A classe proprietária divide-se em um largo arco-íris de tipos e
subtipos, formados por comerciantes, pequenos industriais e empresários do setor
de serviços, e as grandes usinas não têm peso significativo na economia da cidade.
Além disso, na Capital concentra-se uma grande massa de assalariados do setor
público e do setor privado; massa que encontra um ambiente objetivo mais propício
para a organização sindical e política e também para expressar-se ideologicamente
com mais liberdade e consistência. Para tornar ainda mais complexo o quadro de
Maceió, há também uma grande massa de subempregados e desempregados que
enlaça a cidade como um grande cinturão de necessidades humanas insatisfeitas e,
devido à sua fragmentação objetiva, resiste a quase toda tentativa de organização
política duradoura, seja de esquerda ou de direita. Porém essa massa sofredora e
estigmatizada pensa, sente, influencia-se pelas vanguardas políticas da cidade e
movimenta-se freqüentemente como um grande bloco nos períodos eleitorais e em
outros momentos políticos, sendo capaz de determinar a vitória ou a derrota de
qualquer corrente política na cidade e, muitas vezes, no Estado.
Em Maceió, a complexidade e a magnitude dos interesses e, portanto, das
possibilidades de conflito, impõem uma vigência um pouco mais significativa
das instituições democráticas. Nos municípios do Interior, em suas áreas rurais
e urbanas, os direitos políticos fundamentais são radicalmente negados para os
assalariados, os camponeses, a pequena burguesia rural e a classe média das cidades.
Os grandes proprietários de terra e de outros bens de produção decisivos dispõem de
um poder político discricionário; poder que é baseado na política de clãs familiares,
no compadrio, na negação do espaço público para os adversários, na aplicação
da violência física para solucionar desde os pequenos conflitos até as questões
decisivas, e no desprezo pelo embate das idéias no universo da política. Trata-se,
portanto, de um espaço onde domina quase inconteste, o arbítrio dos poderosos, os
caprichos de um pequeno grupo de pessoas que possui o domínio político quase
absoluto sobre a massa da população.

A diferença existente entre as estruturas de poder no Interior e na Capital


constitui-se em um fenômeno básico no universo político do Estado de Alagoas.
Os movimentos democráticos e progressitas desenvolvem-se geralmente em
Maceió e, posteriormente, são obrigados a enfrentar a dura reação que se baseia
nos municípios do Interior, principalmente naqueles de menor população e
complexidade social. A reação oligárquica muitas vezes é tão forte que isola e
derrota esses movimentos. Essas circunstâncias têm servido, durante parte da nossa
historia, como uma grande muralha separando politicamente a classe trabalhadora,
a pequena burguesia e a classe média de Maceió dos trabalhadores, pequenos
burgueses e setores médios do resto do Estado. Os assalariados do Sertão, do
Agreste e da zona canavieira, parte essencial de qualquer movimento democrático
e progressista em Alagoas, ficam separados uns dos outros e apartados das forças
populares maceioenses pelas cercas de cada fazenda ou usina e pela vigilância
ininterrupta e violenta das oligarquias interioranas. Ser um sindicalista combativo
na zona canavieira, no Agreste e no Sertão tem sido algo análogo a assinar para si
mesmo uma sentença de morte ou, pelo menos, chamar para perto de si a desgraça.

A Assembléia Legislativa foi durante toda a história alagoana a expressão


condensada do poder dos coronéis interioranos. E essa característica essencial
do poder legislativo não foi nem de longe negada pelo surgimento, em alguns
momentos históricos, de deputados democratas e progressitas, já que, apesar do
seu esforço e do seu heroísmo, o número destes parlamentares sempre foi muito
reduzido em relação ao número de representantes da oligarquia. O legislativo
alagoano tem sido, historicamente, a casa das oligarquias e não a casa do povo; em
Alagoas, este poder não é um instrumento para a democracia, é uma ampla vereda
para o autoritarismo e a dilapidação do patrimônio público em benefício da classe
dominante. De maneira análoga, o poder judiciário funcionou na nossa história
como um braço jurídico dos poderosos na sua luta contra o Estado de Direito e
contra a justiça. Apesar da luta de alguns juízes, procuradores, defensores públicos
e advogados para reverterem esta situação vexatória, seus esforços têm resultado em
melhorias muito pontuais, o que é determinado tanto pelo ambiente oligárquico geral
como pelas dificuldades inerentes à luta na esfera do Judiciário.

Em Alagoas, o crime organizado não é independente dessa estrutura


antidemocrática. Em um ambiente social marcado pelo poder dos coronéis,
não surpreende que se desenvolvam grupos armados que misturam os crimes
comuns com as suas intervenções, abertas ou veladas, no jogo político. A própria
forma adquirida pelo poder político em Alagoas torna esses grupos armados uma
necessidade estrutural da classe dominante, bem como torna estrutural a conivência
dessa classe com suas várias dimensões. As quadrilhas formadas nesse ambiente
somente são reprimidas pelo aparelho do Estado quando passam de determinados
limites; isso ocorre quando criam escândalos nacionais ou quando se chocam com os
interesse das próprias oligarquias.

A agudeza do nosso autoritarismo também se revela no universo do pensamento


cotidiano e das formas culturais mais complexas, sejam eruditas ou populares. A
vida em Alagoas é marcada por profundos preconceitos e discriminações sociais,
raciais e de gênero. O pouco desenvolvimento da divisão social do trabalho e,
portanto, das instituições sociais e políticas modernas, cria um ambiente altamente
suscetível a que as pessoas sejam avaliadas tanto pela sua posição de classe quanto
pelas suas dimensões biológicas.

Assim, os negros, os índios, os mestiços, as mulheres, os homossexuais e os


deficientes físicos e mentais sofrem, na terra do Quilombo dos Palmares, uma
opressão tão aguda que é de difícil descrição, principalmente quando esta opressão
vem acompanhada pelo preconceito relativo à origem de classe. Também nesse
aspecto, a situação no Interior é mais grave do que em Maceió. O espaço social
dominado pelo latifúndio e pelo trabalho agrícola braçal, ou seja, a inexistência de
um setor de serviços amplo e de uma indústria significativa determina a prevalência
de uma cultura patriarcal, dificultando a liberação feminina e a sua luta pela
igualdade de direitos com os homens. Esse ambiente rigidamente hierarquizado
e rancoroso é propício para o desenvolvimento dos mais infames sentimentos
de superioridade familiar e racial, o que concorre para que as sobrevivências do
passado escravista sejam constantemente renovadas e estigmatizem profundamente
os negros, os índios e os mestiços, os quais, não por acaso, estão geralmente entre as
camadas mais pobres da população.

Mesmo apresentando esse fenômeno de maneira mais atenuada, Maceió não está
livre desses preconceitos infames: a grande maioria da população maceioense é
completamente estigmatizada pela cor da pele, pela sua situação social e pelo seu
local de moradia. Esses estigmas e a luta contra eles consistem na principal marca
das culturas maceioense e alagoana. Em Alagoas não prosperou nem a ideologia
da “democracia racial”; ideologia que, apesar de encobrir de maneira capciosa a
opressão contra os não-brancos, é uma espécie de tributo que o vício do preconceito
paga à virtude da democracia.

Concluindo essa parte do texto podemos dizer que a radicalidade do atraso alagoano,
a nossa maneira particularmente perversa de reproduzir o capitalismo periférico
e retardatário brasileiro constituiu, seja na economia, no universo político e na
esfera da cultura, uma formação social muito peculiar, uma espécie de purgatório
terreno no qual gerações foram colocadas para medir os limites da tragédia humana.
Possuímos quase todos os defeitos do capitalismo nas suas manifestações mais
radicais e não temos a maior parte dos aspectos positivos desse modo de produção.
Temos o egoísmo individualista, mas não temos a democracia; temos tecnologias
que desempregam, mas não temos alfabetização; temos miséria urbana, meninos
e meninas vivendo na rua, idosos espalhados pelas calçadas, mas não temos
empregos industriais e políticas de amparo social consistentes. Enfim, sofremos as
conseqüências dilacerantes de possuirmos de uma maneira congênita e radical os
problemas do atraso e as mazelas da modernidade.

3. As Lutas do Povo para Mudar a História da Sociedade Alagoana

3.1 A segunda metade do século XX e nova etapa da modernização conservadora

Apesar dessa nossa configuração trágica, há fortes razões para termos esperança
de que a organização política da classe trabalhadora e de outras categorias sociais
oprimidas possa modificar radicalmente o sentido perverso da história alagoana.
No interior da nossa sociedade sempre houve tendências que apontavam para
uma trajetória histórica alternativa, para um caminho mais coerente, justo e
democrático. Foram tendências econômicas, políticas e ideológicas alicerçadas
nas classes e setores sociais oprimidos e nos segmentos científicos e artísticos
comprometidos com as idéias progressistas. Essas tendências foram, na maioria
dos casos, derrotadas pelas oligarquias ou efetivaram-se de maneira residual.
Mesmo assim, a sua herança não pode ser considerada irrelevante; as modificações
efetivadas no campo da economia, da política ou da cultura, bem como os exemplos
artísticos, científicos e morais que seus protagonistas deixaram, tornaram o ar mais
respirável para os oprimidos e para aqueles que lutam pela liberdade e pela justiça, e
colocaram os pontos de apoio para a grande virada histórica que o povo de Alagoas
tem condições de realizar na atual conjuntura.

Nos últimos dez anos, o que há de mais justo, democrático e progressista em


Alagoas vem formando uma onda de mudança gigantesca que segue, de vitória em
vitória, no rumo de uma verdadeira inversão do sentido histórico da nossa formação
social. Desde as eleições de 1992, a esquerda alagoana venceu a maioria dos pleitos
eleitorais para o executivo e os movimentos sociais identificados com a democracia
e o socialismo ganharam contornos ainda mais combativos, tiveram o seu número
multiplicado e as suas dimensões ampliadas. A força dessa onda de esquerda e a
possibilidade da ampliação de suas vitórias explicam-se por uma série de mudanças
ocorridas nas últimas décadas.

A partir da metade da década de cinqüenta do século XX, ocorre em Alagoas três


processos econômicos fundamentais:

1) a implantação da Bacia Leiteira no Sertão;

2) o desenvolvimento da lavoura do fumo em Arapiraca;

3) a ampliação acelerada da área canavieira na Zona da Mata, efetivada por meio


do abandono das seculares terras úmidas das margens dos rios e pela utilização dos
tabuleiros planos existentes no sul do Estado para o cultivo da cana-de-açúcar.

Esses fenômenos representaram o início de uma nova etapa de diferenciação interna


da economia alagoana. Nos casos da produção do leite e do fumo, junto de um
novo patamar de diferenciação econômica ocorreu também uma relativa negação
do casamento perverso entre o arcaico e o moderno. Em condições econômicas
capitalistas, essas duas mercadorias tornam-se mais lucrativas quando produzidas
em pequenas e médias propriedades; isso fez com que nas áreas leiteira e fumageira
ocorresse uma espécie de reforma agrária espontânea, levantou-se, por algum tempo,
uma barreira invisível, mas poderosa contra o latifúndio agrícola e pecuário e a
grande propriedade agroindustrial.

Na Zona da Mata o novo patamar de desenvolvimento econômico, na medida em


que expulsou todas as outras culturas agrícolas, diminuiu a diversidade da economia
e, além disso, provocou um crescimento acelerado e desorganizado da cidade de
Maceió. A Capital do Estado passou a ser receptáculo do êxodo rural, do consumo
de luxo de usineiros e fornecedores de cana e dos vários serviços privados e públicos
criados ou ampliados para atender as necessidades dessa nova população e dessa
nova etapa da economia. As produções do leite e do fumo não concorreram, de
maneira significativa, para o êxodo dos agricultores; essas produções foram capazes
de manter a população rural nas suas respectivas regiões e, no máximo, contribuíram
para ampliar substancialmente as áreas urbanas de alguns municípios interioranos,
principalmente Arapiraca e as cidades da Bacia Leiteira. As causas principais
desse fenômeno residem em que, nas condições econômicas alagoanas, a produção
dessas duas mercadorias pressupõe o trabalho, ou pelo menos a supervisão pessoal
e cotidiana, dos próprios donos das empresas agrícolas e pecuárias e, por outro lado,
essas atividades não produzem fortunas tão significativas quanto as que resultam
do plantio da cana e possibilitam que as famílias dos fornecedores e dos usineiros
possam migrar e viver de maneira faustosa na Capital.
A negação da lógica perversa da economia alagoana não foi inteiramente
implementada na região do fumo e na Bacia Leiteira porque esses dois setores
econômicos, apesar de repelirem a grande propriedade, acabaram repetindo o seu
caráter exportador. Dessa maneira, a diferenciação interna da economia dessas
regiões foi inibida e elas permaneceram radicalmente dependentes de poucos
mercados externos (o mercado de outros Estados brasileiros e de outros países). Essa
conexão com mercados externos, junto de outros fatores, determinou, em algum
tempo, a introdução nessas regiões de outras características econômicas existentes
na Zona da Mata, principalmente a concentração de terras, o desemprego crônico, os
baixos salários e as constantes fases depressivas provocadas pela queda do preço dos
produtos.

Apesar de não negar a lógica essencial da economia alagoana, o novo patamar de


desenvolvimento iniciado na década de cinqüenta significou uma diferenciação
econômica efetiva, que trouxe reflexos em todos as esferas da sociedade. Houve
uma maior complexificação das classes e de outros grupos sociais, aumentou
muito o nível de urbanização e as ligações entre as várias regiões do Estado, os
modernos meios de comunicação de massa passaram a abranger toda Alagoas, o
sistema bancário espalhou-se pela maioria dos municípios e a rede de escolas foi
significativamente ampliada. Mesmo que essa mudança tenha trazido no ventre
toda a reprodução da velha lógica perversa, houve um pequeno, mas significativo
aumento do lugar do moderno em relação ao arcaico. O aumento do peso político
da cidade de Maceió foi uma das principais conseqüências desse processo; essa
mudança foi muito positiva para as correntes democráticas e progressistas na
sua luta contra o poder oligárquico. Essas modificações econômicas e sociais
amadureceram principalmente nas décadas de sessenta e setenta do século XX,
porém as suas conseqüências políticas democráticas e progressitas não se realizaram
significativamente nessas décadas devido à existência de uma série de variáveis
conjunturais.

3.2 Os erros na percepção das potencialidades políticas do novo momento histórico

As dificuldades de efetivação das conseqüências políticas positivas da nossa mais


recente fase de modernização conservadora atrapalhou muito o correto entendimento
da esquerda alagoana sobre o universo político do Estado. A ditadura era um dos
obstáculos objetivos que turvavam o olhar e impossibilitava a percepção adequada
da realidade. Houve, principalmente, uma subestimação das possibilidades de
avanço ideológico e político das classes oprimidas e de outros setores sociais
potencialmente mobilizáveis em benefício de propostas progressitas. Confundido
os fenômenos conjunturais com os fenômenos estruturais, as correntes de esquerda
passaram a fazer um diagnóstico político excessivamente pessimista, principalmente
no que se referia às possibilidades de mobilização popular a partir do momento em
que a ditadura implantada em 1964 começou a sua fase descendente.

Começou a surgir entre os militantes uma teoria mecanicista para explicar as


dificuldades de conscientização e organização política do povo durante a segunda
metade do século XX; teoria que misturava constatações verdadeiras, como a de
que o isolamento dos assalariados rurais nas grandes fazendas dificultava a sua
organização política, com vários equívocos, como o de considerar que a parte
analfabeta e miserável da população não podia, em qualquer circunstância, ser
trazida para posições políticas e eleitorais avançadas. Esquecia-se, por exemplo,
que a Revolução Francesa, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa, entre outros
grandes movimentos populares, foram realizadas por populações majoritariamente
analfabetas e famintas. O objetivo de chegar à classe trabalhadora mais oprimida
era abandonado; procurava-se contar apenas com os setores politicamente mais
progressitas da classe média e do funcionalismo público da cidade de Maceió.

A vitória de Ronaldo Lessa para a prefeitura de Maceió, em 1992, isto é, o sucesso


de um candidato com um passado de luta contra a Ditadura e um discurso social-
democrata muito evidente e incisivo, constituiu-se na primeira negação empírica
insofismável do diagnóstico pessimista da esquerda sobre as possibilidades
políticas do povo alagoano nas décadas de oitenta e noventa. Quase todos os
militantes ficaram surpresos, não sabiam explicar como um candidato de esquerda
havia conseguido derrotar todas as forças oligárquicas que pareciam invencíveis.
Diante das outras grandes vitórias que a esquerda conseguiria logo em seguida, a
necessidade de rever o diagnóstico tradicional foi ficando ainda mais presente no
espírito de todos. Essas vitórias foram: a disputa da prefeitura da Capital, em 1996,
entre duas candidaturas do campo de esquerda; a derrubada do governo Suruagy
promovida pelo povo e pelos soldados das polícias militar e civil, em 17 de julho
de 1997; e, finalmente, a eleição de Ronaldo Lessa para o governo do Estado e de
Heloísa Helena para o Senado da República, em 1998. O povo alagoano, ponto por
ponto, negava assim a anterior explicação da esquerda sobre as suas possibilidades
políticas.

O anterior entendimento sobre as possibilidades políticas do povo, principalmente


devido à presença da ditadura militar e de outras variáveis conjunturais, deixava-
se enganar pela aparência das coisas. Confundia características conjunturais com
características permanentes e não via as possibilidades objetivas abertas pelos novos
tempos. Os limites desse entendimento fizeram a nossa esquerda perder várias
oportunidades políticas significativas, principalmente na década de oitenta, quando
já havia condições para um avanço político significativo das forças populares. As
referidas vitórias da esquerda deram-se apesar desse entendimento, e contra ele;
foram impulsionadas pela força objetiva das potencialidades que estavam dadas
na estrutura da nossa sociedade e pela crise econômica conjuntural que vitimou
Alagoas na década passada e ainda hoje continua em vigência. As correntes de
esquerda que compreenderam melhor o que estava ocorrendo conseguiram colocar-
se à frente desta grande onda popular e puderam ampliar sua liderança no conjunto
do movimento e seus espaços de poder no legislativo e no executivo.

Diante desses fatos, é necessário refazermos a nossa explicação sobre as


possibilidades políticas do povo alagoano. É preciso compreender como esse
povo sofrido, explorado, majoritariamente analfabeto e carente de uma tradição
democrática significativa foi capaz de dar essa resposta corajosa e demolir boa parte
do poder de seus algozes. Dessa nova explicação depende uma série de propostas
e de decisões políticas que a esquerda alagoana precisa tomar no seu caminho para
o Palácio dos Martírios, a Assembléia Legislativa, o Congresso Nacional e para a
reversão do sentido histórico da nossa formação social. É extremamente necessário
não repetirmos o grande erro que foi a subestimação da capacidade de luta do nosso
povo.

No interior do sistema capitalista, a classe trabalhadora está exposta à alienação


no universo do trabalho e nas esferas da cultura e da política. A aparência das
relações de produção é a principal responsável pela alienação da consciência
dos trabalhadores e de outros grupos sociais oprimidos; o Estado e os meios de
comunicação de massa apenas reforçam uma alienação que é principalmente
produzida pela forma com que o universo econômico aparece para o homem
do povo. As relações econômicas capitalistas aparecem como o oposto do que
realmente são, mostram-se como sendo trocas de valores iguais entre indivíduos
livres e igualmente proprietários. Na maior parte do tempo, o trabalhador imagina
que o salário que recebe no final de cada mês é o valor real da sua força de trabalho,
portanto ele acredita que está fazendo uma troca de valores iguais com o seu
empregador. Dessa falsa percepção, surge a idéia de que o capitalismo é um sistema
justo, um sistema onde impera a igualdade nas trocas e ninguém explora ninguém;
essa idéia abre a possibilidade para que toda a ideologia da classe dominante entre e
permaneça na consciência do assalariado.

Porém, nos momentos de crise econômica, a aparência de justiça e de igualdade


quebra-se e o sistema perde o manto que encobre a sua verdadeira natureza. Isso
ocorre principalmente porque as crises econômicas fazem disparar a inflação,
rebaixam os salários, restringem as políticas sociais e provocam o desemprego em
massa. Esses fenômenos começam a sinalizar para o trabalhador que a “igualdade”
nas trocas anteriormente vigente foi rompida e que, agora, a sua força de trabalho
está sendo comprada abaixo do seu preço real; isso provoca, no primeiro momento,
a sensação de que o capitalismo deixou de ser temporariamente um sistema justo
e, em um segundo momento, essa sensação pode evoluir até o ponto em que o
trabalhador sinta que a própria essência do sistema é injusta e inaceitável; esse
momento da consciência espontânea dos trabalhadores é o mais propício para que
eles abracem a perspectiva socialista e estejam dispostos a lutar pela superação do
capitalismo.

É importante sublinhar, nesse contexto teórico, que, ao contrário do que geralmente


se pensa, o principal determinante da consciência das massas trabalhadoras não é
o grau de exploração ao qual elas estão submetidas, mas o grau de estabilidade da
exploração sob a qual essas massas estão vivendo. Uma grande miséria estável é
mais capaz de entorpecer politicamente as massas do que condições de vida muito
melhores que não tenham estabilidade.

A brutalidade da opressão da classe dominante alagoana não é a demonstração


da sua força, é a expressão da sua falta de consistência econômica, política e
ideológica. Do par coerção-consenso, as duas variáveis fundamentais para a
manutenção do poder, a oligarquia alagoana apenas conta, permanentemente, com a
primeira. As classes dominantes realmente fortes, aquelas dos países de capitalismo
clássico, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, mantêm o poder sobre
as classes trabalhadoras por meios pacíficos, usando a violência somente em último
caso. As burguesias verdadeiramente poderosas dominam com a economia e as
palavras, conseguem convencer econômica e ideologicamente a classe trabalhadora
a deixar-se explorar; essas classes dominantes conseguem isso por meio de uma
sofisticada propagada da ideologia burguesa e, principalmente, pela concessão de
políticas sociais e aumentos de salário, o que é possibilitado pelo uso mais freqüente
da mais-valia relativa.

As dificuldades de mobilização política progressista do povo alagoano entre os


anos cinqüenta e o início da década de noventa não podem ser explicadas pela
sua baixa escolarização e pelas suas péssimas condições de vida. A idéia de que,
diante da miséria, da falta de escolaridade e da opressão política o povo alagoano,
necessariamente, deixa-se enganar, vende o seu voto por um prato de comida e
aceita passivamente que o oprimam não pode ser sustentada cientificamente. Essa
idéia surge quando nos deixamos enganar pela aparência das coisas. As dificuldades
políticas do povo alagoano foram e são determinadas, principalmente, por causas
objetivas conjunturais muito concretas e não devido a uma pretensa impossibilidade
dos não-escolarizados e miseráveis revoltarem-se contra seus opressores.

A relativa passividade do povo alagoano nas quatro décadas anteriores às grandes


vitórias da esquerda foi determinada, principalmente, pelos seguintes fatos:

1) pela melhoria das condições de vida de significativas camadas da pequena


burguesia (rural e urbana) e do funcionalismo público;

2) por alguns momentos de relativa estabilidade econômica vivida por várias


camadas dos assalariados do campo e da cidade;
3) pela existência da ditadura militar no intervalo de tempo compreendido
entre 1964 e 1984. Ou seja, durante um longo período, a oligarquia teve vários
instrumentos eficientes para garantir que a revolta popular fosse contida.

A nova etapa de modernização conservadora iniciada na década de cinqüenta


provocou fenômenos contraditórios no que se refere às condições de vida dos
alagoanos. Evidentemente, o desenvolvimento contraditório é típico do modo de
produção capitalista, porém em uma sociedade de capitalismo colonial, ainda mais
em uma de suas regiões atrasadas, essas contradições são particularmente agudas.

Essas décadas do nosso capitalismo foram marcadas pelo vertiginoso crescimento


dos setores canavieiro, leiteiro e fumageiro e pela facilidade de acesso a verbas
federais; elementos que possibilitaram o aumento do nível de emprego, a construção
de estradas, escolas, hospitais, milhares de casas populares e vários outros avanços;
isto é, possibilitaram, mesmo que de uma maneira conservadora e patrimonialista,
significativas melhorias nas condições de vida de algumas camadas da população
e mesmo algumas melhorias gerais. Por outro lado, causaram a decadência das
condições de vida de milhares de trabalhadores, principalmente daqueles que
perderam a terra em que produziam a própria subsistência e foram obrigados a
tornarem-se assalariados rurais e urbanos sob precárias condições de trabalho e
remuneração. Na zona canavieira, por exemplo, esses anos de avanços econômicos
certamente não melhoraram de modo significativo a vida dos assalariados, mas, pelo
menos até a crise dos anos noventa, garantiram uma crescente oferta de empregos, a
estabilidade relativa dos salários miseráveis e uma quantidade de obras públicas que
beneficiavam esses trabalhadores de alguma maneira.

Durante os anos da última ditadura militar, período que corresponde ao núcleo da


fase histórica que estamos analisando, eram particularmente difíceis as condições
para a conscientização, a organização e a mobilização dos assalariados e dos setores
médios. Havia uma série de variáveis que solidificavam o poder das oligarquias:

1) a economia permaneceu em rápido crescimento;

2) o Estado ofertou milhares de empregos públicos e casas populares;

3) os servidores recebiam salários que mantinham um significativo poder de


compra e, paralelamente, tinham o direito a várias vantagens indiretas, como uma
aposentadoria diferenciada e assistência médica de boa qualidade;

4) as cidades abriram-se para os novos ventos da cultura contemporânea nacional e


internacional (com exceção dos temas mais claramente políticos, já que estávamos
sob uma ditadura), contentando amplos anseios da juventude intelectualizada que
desejava modernizar os padrões culturais;

5) as lideranças de esquerda estavam no exílio ou não podiam se manifestar, e os


sindicatos e movimentos sociais não tinham um espaço público no qual formar
as suas lideranças e educar-se politicamente. Em outras palavras, as oligarquias,
durante a última ditadura, tinham ao seu favor a economia, os cofres das várias
esferas do Estado e o apoio dos ditadores de plantão para reprimir qualquer resíduo
de anseio democrático.

Os anos de domínio político exercido por Suruagy e seu grupo foram emblemáticos
em todos esses aspectos. Suruagy foi um representante local do Bonaparte coletivo
que era o governo militar instalado no Planalto. Esse governador, antes do mandato
que começou em 1994 e acabou de maneira precoce em 1997, exerceu o poder
contra os interesses imediatos da burguesia alagoana e, ao mesmo tempo, a
favor dos interesses estratégicos desta classe social; procedimento típico de todo
governante bonapartista. Os militares queriam um governo barato, autoritário e
eficiente para realizar o projeto que idealizaram para o Estado de Alagoas; não
viam, portanto, com bons olhos as brigas interoligárquicas, a ineficiência técnica e
o apego sectário ao passado dos políticos alagoanos tradicionais. Assim, escolheram
um político jovem, ambicioso, hábil e sem ligação de parentesco com qualquer
ramo das oligarquias para impor a esses grupos dominantes uma maior unidade
e uma maior adesão ao novo momento da modernização conservadora. Essas
circunstâncias explicam a frase curiosa que Suruagy passou a dizer após ter sido
lançado no ostracismo político pelo povo alagoano: “Eu não fui o representante das
oligarquias, eu dominei as oligarquias”. Na verdade, ele tanto “dominou” como foi o
representante desses grupos políticos.

Quase todas as variantes que facilitavam o domínio das oligarquias durante essa
época eram conjunturais e não estruturais. Porém a esquerda caeté, vindo de
dolorosas e fundamentais perdas humanas, que debilitaram a sua capacidade
de elaboração, e ansiosa para superar o longo período ditatorial que asfixiava
todos os democratas e socialistas, não conseguiu transpor o véu da aparência e
interpretar corretamente a convergência de elementos que estavam impedindo o
desenvolvimento da consciência política popular. A esquerda passou a cobrar que o
povo tivesse o mesmo grau de impaciência com a opressão que ela mesma possuía,
esquecendo-se que a opressão política e a ausência de melhorias nas condições
de vida precisavam se efetivar de maneira radical para que o sentimento do povo
fosse capaz de mobilizar-se para a revolta. As condições para a revolta apenas
estiveram presentes a partir dos primeiros anos da década de oitenta e amadureceram
plenamente no início da década de noventa.

Em Maceió, como já afirmamos anteriormente, a verdadeira ditadura exercida


pelas oligarquias sobre as classes oprimidas encontrou, a partir de um determinado
estágio da história da cidade, dificuldades de concretizar-se em seu estado puro. O
que torna compreensível o fato de que a Capital tenha sido freqüentemente, mesmo
durante a última ditadura, um reduto oposicionista e o espaço mais propício para o
desenvolvimento da esquerda alagoana.

O perímetro urbano de Maceió comporta atividades econômicas diferentes das


principais atividades produtivas do Interior. A cidade possui um enorme gama
de negócios relativos à indústria, ao setor de serviços e ao comércio. A grande
concentração dessas atividades implicou em um acentuado crescimento da
população e em um grande alargamento do espaço urbano. Essas características
econômicas, populacionais e infra-estruturais têm conseqüências políticas e
ideológicas decisivas. Quando a ditadura militar começou a enfraquecer, no final da
década de setenta, a consciência popular começou a sua marcha para a esquerda e
mostrou os seus primeiros frutos na Capital alagoana.

No início dos anos oitenta, a capital já contava com uma grande concentração de
importantes categorias de trabalhadores assalariados, tanto do setor público quanto
do setor privado. Os bancários, previdenciários, professores, médicos, químicos
e policiais, além de outras categorias essenciais para o funcionamento da cidade,
já eram capazes de significativa e rápida mobilização política, principalmente nos
momentos em que os seus interesses imediatos eram desrespeitados pela classe
dominante ou pelo governo. As mobilizações sindicais dessas categorias passaram
a ganhar um forte conteúdo democrático e progressista, o que transformava
esses assalariados em uma vanguarda esclarecida capaz de arrastar consigo
os trabalhadores do setor informal e mesmo os setores mais empobrecidos da
população maceioense.

Guardadas as devidas proporções, Maceió passou a cumprir o mesmo papel


progressista que haviam cumprido Petrogrado e Moscou durante a Revolução Russa.
Porém a Capital alagoana tem a desvantagem, em relação a essas duas cidades, de
não possuir entre sua vanguarda política os trabalhadores dos setores econômicos
decisivos para a economia de Alagoas. A base dinâmica da economia russa, a grande
indústria e seus operários, localizava-se principalmente em Petrogrado e Moscou,
enquanto que os setores mais importantes da economia alagoana não estão em
Maceió, espalham-se nos municípios interioranos. Essa circunstância restringe um
pouco a força impulsionadora da nossa Capital, porém não lhe tira as possibilidades
de constituir-se no principal dínamo político dos movimentos progressitas do
Estado. Em Alagoas, a possível aliança entre a cidade e o campo não é apenas a
união entre assalariados urbanos e camponeses, é também, e principalmente, a
junção das duas partes fundamentais da classe trabalhadora assalariada que foram
separadas pelo atraso do nosso desenvolvimento industrial.
Durante a ditadura, os assalariados dos setores decisivos da economia estavam na
situação mais difícil. Vigiados de perto pelos grupos paramilitares das oligarquias,
sem conexão íntima com os movimentos que se desenrolavam na capital e sem o
apoio da pequena burguesia e dos setores médios interioranos, os trabalhadores
assalariados rurais foram aqueles que mais tiveram dificuldades de avançar
politicamente. Isso ocorreu porque suas dificuldades políticas eram causadas tanto
por características conjunturais como por características estruturais da sociedade
alagoana, as quais ainda não foram superadas mesmo no presente. A mobilização
dessa massa rural ainda é o principal desafio da esquerda.

Durante a década de noventa, os maiores avanços de organização e conscientização


política no campo ocorreram entre os agricultores sem-terra, o que foi determinado
pelo fato de que a vida urbana tornou-se tão difícil para os oprimidos que os
agricultores desempregados passaram a rejeitar a opção de migrar para as cidades
e começaram a organizar-se para a luta pela reforma agrária. Esses trabalhadores
passaram a ser, na década de noventa, uma tropa avançada das reivindicações do
homem do campo; uma vanguarda que tem um peso político fundamental e contribui
muito para que as questões econômicas e sociais básicas não sejam esquecidas. Esse
movimento, apesar de ser passível de questionamento, como qualquer outro, aponta
para direção correta: afirma que o povo alagoano não pode se deixar exterminar e
aceitar sem luta uma forma de sociedade que despreza todos os valores humanos.

3.3 O fim da ditadura militar e a crise do poder oligárquico

A partir do final da década de setenta, o modelo econômico da ditadura implantada


em 1964 entrou em decadência e a permanência dos militares no poder tornou-se
impossível. Os setores burgueses mais desfavorecidos com a falência do milagre
econômico radicalizaram continuamente sua oposição à ditadura e aliaram-se
com os partidos revolucionários, o movimento operário e a classe média, os quais
naturalmente também estavam interessados na reconquista da liberdade política.
Em Alagoas, os setores burgueses, pequeno-burgueses e de classe média dessa
frente democrática eram liderado por personagens como Teotônio Vilela, Moura
Rocha, José Costa e Mendonça Neto. Antes de tornar-se um “democrata convicto”,
o primeiro havia apoiado o golpe de 1964. Os três últimos eram típicos líderes
pequeno-burgueses: representavam os anseios social-democratas dos setores médios
e, mais prosaicamente, a necessidade que os advogados tem do seu principal
instrumento de trabalho: o Estado de Direito.

Esse fracionamento nas hostes das oligarquias e o agravamento do processo


inflacionário possibilitaram, na primeira metade dos anos oitenta, avanços
significativos da esquerda alagoana; as correntes de esquerda conseguiram
eleger vários deputados e vereadores. O enfraquecimento da ditadura militar e a
instabilidade econômica no nível nacional começavam a abalar a capacidade de
domínio das oligarquias sobre a classe trabalhadora.

Após o fim da ditadura, os setores da oligarquia alagoana que haviam participado


da frente democrática deram por cumprida a sua missão; por isso abandonaram
a companhia dos trabalhadores e dos partidos de esquerda e recompuseram-se
com o resto de sua classe. Nada mais natural, já que efetivamente a tarefa que
os fazia aliados da esquerda havia sido cumprida e agora somente restava as
diferenças inconciliáveis entre esses dois elementos. Alguns grupos de esquerda
não perceberam, prontamente, esta metamorfose dos antes dissidentes setores da
oligarquia e continuaram ligados a eles na ilusão de que representariam o pólo
progressista da burguesia alagoana. A tradição teórica dessas tendências de esquerda
e a aparência do processo histórico foram as principais causas determinantes desse
erro político, o qual certamente ajudou a retardar o posterior avanço das forças
populares.

Essa recomposição das oligarquias, os erros de avaliação dos principais partidos


de esquerda da época e a relativa continuação da estabilidade e do crescimento
econômicos em Alagoas garantiram a hegemonia política da classe dominante
até o ano de 1992. A partir da vitória de Ronaldo Lessa e Heloísa Helena para a
prefeitura de Maceió, o quadro começa a mudar completamente. A crise conjuntural
do setor canavieiro e de outras atividades agrícolas importantes, a diminuição das
verbas federais e o aumento da dívida do governo estadual apresentam-se sob a
forma de achatamento dos salários dos servidores públicos (ocorrendo, inclusive,
os primeiros atrasos no pagamento da folha), piora nos serviços públicos e mal-
estar econômico e social generalizado. Isso se junta ao episódio do impeachment de
Collor de Mello, que desmoralizou e tirou de combate uma das alas mais fortes das
hostes oligárquicas, às desastradas e corruptas administrações municipais da direita
em Maceió e ao correto posicionamento político do PT (Partido dos Trabalhadores)
e do PSB (Partido Socialista Brasileiro) para dar a vitória à chapa Ronaldo Lessa e
Heloísa Helena.

Agora, a esquerda tinha o domínio sobre uma das fortalezas mais importantes
da política alagoana: o leme da administração da Capital. Por outro lado, o
aprofundamento da crise do setor canavieiro e de outros setores produtivos demoliu
o crescimento econômico, o que representou o fim de um dos elementos que
permitia à oligarquia continuar mantendo a classe trabalhadora politicamente
imobilizada. Porém ainda havia dois obstáculos no caminho da esquerda, um
previsível e outro imprevisível: Suruagy e o Plano Real. O grupo oligárquico
liderado por Suruagy ainda não havia exercido o poder numa época de crise dos
fundamentos econômicos do modelo que ele mesmo havia ajudado a criar; esse fato
abriu a possibilidade de que o povo construísse uma série de ilusões em torno das
pretensas capacidades políticas especiais desse grupo. Para piorar a situação eleitoral
da esquerda, a onda nacional de conservadorismo provocada pelo Plano Real, veio
juntar-se a essas ilusões. O grupo de Suruagy obteve oitenta por cento dos votos e
entrou triunfante no Palácio dos Martírios.

4. Superando o Caráter Colonial e Antidemocrático da Sociedade Alagoana

4.1 A reversão do sentido histórico do capitalismo colonial alagoano

Para superar o sentido histórico perverso da formação social alagoana, a Frente


Popular e Democrática propõe, essencialmente, o fortalecimento das tendências
econômicas, políticas e ideológicas alagoanas que sempre apontaram e apontam
ainda hoje para um rumo histórico diferente. A Frente é um movimento socialista,
é constituída por partidos políticos que têm como principal projeto a superação
da sociedade baseada no mercado e na propriedade privada dos principais
meios de produção. Porém a Frente não está propondo a adoção de um modo de
produção socialista na Alagoas de hoje; isso se justifica porque evidentemente
entendemos como sendo impossível a vitória e a sobrevivência de uma revolução
socialista isolada em um pequeno Estado da Federação brasileira. Desse modo,
estamos propondo apenas a negação da forma particularmente perversa com que
o capitalismo desenvolve-se na sociedade alagoana e não a superação plena desse
modo de produção.

Esse programa reformista é uma imposição das condições econômicas e políticas


nas quais nos encontramos e refere-se unicamente ao nosso Estado, não se trata da
mesma proposta que acreditamos ser a mais adequada para o Brasil contemporâneo.
Fazemos parte das forças políticas de esquerda que propõem para o país tomado
como um todo um programa arrojado de transição imediata para o socialismo e não
um programa social-democrata, necessariamente inviável para as condições de um
país colonial, retardatário e periférico como o nosso.

A nossa proposta para Alagoas baseia-se na idéia de “recriar” a formação social


alagoana, ou seja, na idéia de que podemos construir, por meio da força descomunal
de um amplo movimento político de massas, condições para que o capitalismo
alagoano abandone o máximo possível o caminho colonial e seja obrigado a
aproximar-se do caminho clássico e democrático. Naturalmente, não imaginamos
que isso possa ser conseguido em sua plenitude, já que a história de um capitalismo
não-clássico somente pode ser completamente modificada pela superação do próprio
modo de produção capitalista; buscaremos, portanto, a reversão da lógica colonial
e autoritária do nosso capitalismo sem imaginar que poderemos criar uma ilha
plena de modernidade e democracia no seio de um país que continuará retardatário,
periférico e antidemocrático.
Trata-se de um projeto inovador, de uma proposta audaciosa e complexa que as
atuais condições históricas em que vivemos nos obrigam a expressar. Dentro dos
limites que assinalamos, esse projeto tem coerência teórica e viabilidade prática.
Porém, o caráter necessariamente incompleto da virada histórica que estamos
propondo, determinada pela inserção de Alagoas nos capitalismos brasileiro e
global, evidentemente irá implicar numa série de dificuldades que nos obrigará a
uma constante vigilância, uma grande dose de criatividade e uma enorme disposição
de luta. Infelizmente, algumas derrotas pontuais serão inevitáveis, devido às
dificuldades já apontadas e até o ineditismo desse tipo de empreitada em Alagoas,
mas as possibilidades do saldo ser positivo são muito grandes e a superação da
miséria secular vivida pelo povo alagoano vale todos os sacrifícios que possamos
fazer, inclusive, o sacrifício de ousar pensar para além do que tradicionalmente foi
estabelecido como razoável e correto.

Como se verá, entre nossas propostas há uma grande ênfase na agricultura e no


desenvolvimento das pequenas e médias propriedades agrícolas, comerciais,
industriais e de serviços. Isso não significa uma idealização do campo no estilo dos
fisiocratas e uma apologia da propriedade pequeno-burguesa. Significa apenas que
para cumprir a primeira etapa de desenvolvimento capitalista, a única tarefa coerente
dentro das atuais condições históricas vividas por Alagoas, é imprescindível que
possamos produzir e consumir alimentos e outros produtos de consumo corrente a
preços baixos e declinantes. Ora, a grande propriedade rural e urbana, por tudo que
já explicamos, não está interessada em ampliar o nosso mercado interno, portanto
somente nos resta as pequenas e médias propriedades como sujeitos interessados e
capazes de levar adiante essa tarefa histórica inadiável.

Formada principalmente por partidos socialistas, a Frente Popular e Democrática


representa os interesses históricos dos assalariados alagoanos. A ênfase na
agricultura e na pequena propriedade expressa também o desejo que temos de
formar uma forte aliança entre os trabalhadores assalariados, a pequena-burguesia
e os setores médios da população. Essa aliança, além de poder ter e realizar um
programa progressista e democrático será o esteio de todo o processo político e
diminuirá os pontos de apoio sociais e políticos tradicionalmente utilizados pelas
oligarquias. Além disso, as citadas ênfases do nosso programa também intentam
colocar o difuso romantismo relativo à agricultura e à pequena propriedade, que
geralmente funciona contra a perspectiva socialista, a favor de uma proposta
progressista e democrática.

Enfim, dessa maneira poderemos construir uma sociedade alagoana que evite o
mais possível as armadilhas do desenvolvimento capitalista colonial e passe a
trilhar, liderada por um movimento de massas declaradamente socialista, por uma
via clássica e democrática de desenvolvimento até que uma revolução socialista
nacional permita-nos dar um salto ainda maior e, portanto, possibilite-nos propor a
superação radical de uma sociedade em que, por mais ampla que seja a democracia
política e social, o homem ainda é lobo do próprio homem.

4.2 As principais propostas para as modificações estruturais

A Frente propõe um grande movimento político que, usando os mais diversos tipos
de manifestações políticas de massa e por meio da ocupação de espaços nos poderes
executivo e legislativo, possa criar uma força suficiente para:

A) diminuir ao mínimo possível o papel da grande propriedade agrícola, pecuária


e agroindustrial na economia alagoana e, por outro lado, aumentar até o máximo
possível a presença da propriedade camponesa (propriedade trabalhada com a mão-
de-obra familiar) e das pequenas e médias propriedades rurais (propriedades que
utilizam mão-de-obra assalariada em pequena escala), que devem ser devidamente
apoiadas pelo poder público em todas as suas necessidades e fiscalizadas no
cumprimento dos seus deveres trabalhistas, sociais, tributários e ambientais. Isso
implicará, inicialmente, em uma preocupação prioritária de ampliar a agricultura de
alimentos no Agreste e no Sertão, com o objetivo de tornar essa atividade o centro
dinâmico do desenvolvimento econômico do Estado. Nesse sentido, a conversão
da região fumageira de Arapiraca em um celeiro de grãos e outros produtos
alimentícios deve ser um dos principais objetivos imediatos, bem como o apoio
massivo à produção sertaneja dos pequenos e médios sitiantes. Evidentemente, isso
pressupõe o apoio governamental materializado em sementes, tecnologia, irrigação,
armazenamento e política de preços mínimos. A secretaria de agricultura deve ser
o centro das preocupações do governo e não um mero apêndice incômodo, como
ocorre geralmente em Alagoas;

B) converter a agricultura alagoana de uma atividade exportadora em uma atividade


voltada para o abastecimento do mercado interno, ou seja, induzir por meio de
políticas justas e adequadas os nossos agricultores a produzirem alimentos e
matérias-primas agrícolas para o consumidor final alagoano e para um virtual parque
de pequenas e médias manufaturas e indústrias de beneficiamento, as quais também
deverão ser induzidas a abastecerem, prioritariamente, o mercado interno. Isso
pressupõe um desestímulo à atividade canavieira, ou seja, o Estado, mantendo-se
dentro da Constituição vigente, não deve apoiar de nenhuma maneira a permanência
ou o crescimento (intensivo ou extensivo) da produção de cana, de açúcar e de
álcool; isso tem o objetivo de reverter o caráter exportador da nossa economia e
liberar, lenta e progressivamente, as terras da zona canavieira para a produção de
alimentos e matérias-primas agrícolas consumíveis em Alagoas;

C) separar a propriedade agrícola da propriedade industrial, ou seja, dificultar a


formação de empresas que monopolizam a produção da matéria-prima agrícola
e o seu beneficiamento (como é o caso das usinas de açúcar); isso tem como
objetivo combater a formação de monopólios e de ajudar na diferenciação interna
da economia. É também fundamental defender o pequeno e o médio produtor rural
dos especuladores que procuram comprar a produção agrícola abaixo dos seus
preços reais; o governo do Estado deve combater esses especuladores com a lei
e, principalmente, com uma política de preços mínimos que fortaleça o agricultor
quando este estiver comercializando a sua safra;

D) desenvolver a criação intensiva de todo o tipo de gado e combater a criação


extensiva e latifundiária, aumentando a produtividade e liberando terras para
uso mais racional e econômico. A criação de animais de pequeno porte deve ser
percebida com especial atenção, já que são alimentos tradicionais do homem do
campo alagoano e, com algum investimento público e privado, é capaz de melhorar
muito o nível de alimentação do povo e multiplicar as atividades econômicas. A
intervenção do governo na Bacia Leiteira deve ter o objetivo de ajudar os pequenos
e médios produtores a libertarem-se dos seus exploradores nacionais e estrangeiros
e de criar um grande número de pequenos e médios laticínios; isso objetiva fazer
com que o beneficiamento do leite seja feito no próprio Estado de Alagoas e que
o consumidor e o produtor alagoanos passem a ser os principais beneficiados pelo
desenvolvimento do setor;

E) repudiar todo tipo de guerra fiscal com outros Estados da Federação, bem como
negar qualquer benefício fiscal ou de outra natureza a grandes empresas capitalistas
(sejam alagoanas, de capital nacional ou estrangeiro); essa medida objetiva defender
a sociedade da ilusão de que o progresso econômico “pode cair do céu” através
de uma comunhão mágica e inexplicável de interesses entre as grandes empresas
multinacionais e o povo alagoano. Os benefícios fiscais e outros deverão ser
fornecidos pelo governo, prioritariamente, ao empreendimento familiar e à pequena
e média empresa; o que objetiva, naturalmente, o desenvolvimento do mercado
interno e a auto-alimentação da economia alagoana;

F) evitar que o crescimento industrial concentre-se na Capital do Estado; é


necessário que o desenvolvimento de pequenas e médias manufaturas e indústrias
ocorra em todas as regiões de Alagoas, desafogando a infra-estrutura já saturada
de Maceió e aproveitando uma série de vantagens econômicas que cada região
alagoana é capaz de oferecer à manufatura e à indústria. Esse princípio vale
igualmente para o desenvolvimento do comércio e do setor de serviços públicos e
privados;

G) aplicar ao turismo princípios análogos aos propostos para a agricultura, ou seja,


desestimular a grande propriedade e os monopólios e defender os empreendimentos
com mão-de-obra familiar, as pequenas e as médias empresas. É preciso, porém,
muito cuidado para não fazermos uma transplantação mecânica dos princípios
utilizados em outras atividades. A importância do consumidor internacional é
impossível de ser negada no setor turístico, ou seja, o turismo, por basear-se no
interesse de viajar produzido pelas diferenças geográficas e culturais, não pode
ser um setor exclusivamente voltado para o mercado interno. Por outro lado, é
necessário ampliarmos o turismo intermunicipal e regional, já que essa dimensão
do setor é uma realidade e pode ser ainda mais desenvolvida em benefício do povo
alagoano e da economia do Estado;

H) reformar o aparelho estatal para superar o patrimonialismo e o burocratismo;


isto é, construir uma superestrutura política adequada às modificações econômicas
e sociais que serão implementadas, fazendo com que a democratização da economia
ocorra junto da ampliação radical e da consolidação das práticas democráticas.
Isso vai requerer uma profunda reforma administrativa que terá como principais
objetivos:

a) o desmonte da estrutura coronelista no Interior de Alagoas, isto é, a


implementação de medidas que impeçam as oligarquias de dominarem a delegacia,
a prefeitura, o cartório, os meios de comunicação e as verbas estaduais e federais em
cada município;

b) a diminuição radical dos cargos de confiança e o aumento do número de


funcionários irremovíveis, através da criação e da regulamentação das carreiras do
serviço público, com o objetivo de combater as práticas do apadrinhamento e do
patrimonialismo;

c) a valorização dos servidores públicos por meio de um regime de trabalho que lhes
dê uma carreira que retribua adequadamente o esforço, o estudo e a honestidade;
os aumentos salariais devem, no mínimo, sempre repor as perdas com a inflação e
objetivar que a remuneração seja aumentada de acordo com os aumentos de caixa
do governo estadual; d) o burocratismo deve ser combatido através da adoção de
formas mais modernas de gestão; não se pode imaginar que a burocracia weberiana
seja a única maneira de colocarmos o Estado a serviço dos interesses populares.

I) desenvolver um eficiente sistema de planejamento da economia, da cultura e do


aparelho estatal através de órgãos públicos especialmente dedicados a essa tarefa
e particularmente preparados em termos de pessoal e recursos; a economia, por
exemplo, deve se submeter a um planejamento minucioso e rigoroso, com o objetivo
de que todas as oportunidades e recursos sejam usados para o desenvolvimento de
Alagoas; isso não significa o mesmo que adotar a proposta equivocada de tentar
substituir completamente o mercado no interior de uma nação ainda capitalista;
devemos utilizar uma mistura entre o mercado, a intervenção estatal e outras lógicas
econômicas não-capitalistas e não-estatais;
J) programar uma ampla política cultural com o objetivo de reverter o caráter racista
e antidemocrático da cultura alagoana; isso deve ser feito através do fortalecimento
ou criação de instituições culturais, eruditas e populares, notoriamente dedicadas
à difusão de uma reflexão crítica sobre a alagoanidade e os seus problemas; essa
política cultural não deve ser vista como a causa isolada de uma modificação
profunda da cultura alagoana, ela deve ser compreendida como um dos elementos
dessa mudança.
_________________
* Professor universitário, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp
Possui um blog no site Repórter Alagoas ( http://reporteralagoas.com.br )

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