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So, Alvin Y. (1990). Social Change and Development - Modernization, Dependency and World-System Theories.

Newbury,
London and New Delhi, Sage.
Notas em português de Alexandra Sá Costa e João Caramelo

A TEORIA DA MODERNIZAÇÃO (ANOS 50)

A Escola da Modernização é fruto histórico de 3 eventos da era do pós II Guerra Mundial:


1) A emergência dos EUA como superpotência mundial;
2) O alastramento do movimento comunista ao mundo;
3) A desintegração dos impérios coloniais das potências europeias.

As heranças teóricas da Escola da Modernização


A Escola da Modernização adoptou quer a teoria evolucionista quer a teoria funcionalista no seu
esforço de iluminar a modernização dos países do Terceiro Mundo. Uma vez que a teoria evolucionista
havia ajudado a explicar a transição entre sociedades tradicionais e sociedades modernas na Europa
Ocidental no século XIX, muitos pesquisadores integrados na corrente modernizadora acreditaram que
de igual modo poderia iluminar os processos de modernização dos países do Terceiro Mundo
A teoria evolucionista clássica tinha as seguintes características:
1) Assumia que a mudança social é unidireccional, isto é, que as sociedades humanas invariavelmente
se movem na direcção de um estado primitivo a um estado avançado. Nesse sentido, o destino da
evolução humana está pré-determinado;
2) Impunha um juízo de valor sobre o processo evolucionário – o movimento em direcção à fase final é
bom porque representa progresso, humanidade e civilização;
3) Assumia que os ritmos da mudança social são lentos, graduais e pacíficos – evolucionário e não
revolucionário!
Outra componente da herança teórica da escola da modernização é a teoria funcionalista de Talcott
Parsons cujos conceitos – tais como «sistema», «imperativo funcional», «equilíbrio homeostático» e
«variáveis padrão» – entraram nos trabalhos de muitos dos teóricos da Escola da Modernização.
Para Parsons, originalmente um biólogo, a sociedade humana é como um organismo biológico e pode
ser estudada enquanto tal:
1) Pode dizer-se que as diferentes partes de um organismo correspondem às diferentes
instituições que constituem uma sociedade que, tal como no caso dos organismos vivos as
partes estão inter-relacionadas e são inter-dependentes entre si na sua acção, assim também
as instituições numa sociedade estão intimamente relacionados entre si. Parson usa o
conceito de «sistema» para denotar a coordenação harmoniosa entre instituições;
2) Tal como cada parte do organismo biológico desempenha uma função específica para o bem
do todo, assim cada instituição desempenha uma certa função para a estabilidade e o

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crescimento da sociedade. Parsons formula o conceito de «imperativos funcionais»


argumentando que há 4 funções cruciais que todas as sociedades devem desempenhar senão
morrerão:
a. Adaptação ao ambiente – desempenhada pela economia
b. Goal attainment – desempenhada pelo Governo
c. Integração (ligando as instituições entre si) – desempenhada pelas instituições legais
e pela religião
d. Latency (manutenção de um padrão de valores de geração em geração) –
desempenhada pela família e pela escola
3) A analogia da sociedade com um organismo vivo também conduziu Parsons a formular o
conceito de «equilíbrio homeostático». Parsons parte da ideia de que um organismo biológico
procura sempre estar num estado uniforme. Se uma parte muda, então as outras mudarão de
acordo com essa mudança para restaurar o equilíbrio. De acordo com Parsons a sociedade
também observa os ritmos necessários para a homeostasia; há interacções constantes entre
instituições para manter o equilíbrio homeostático. Quando uma instituição experiencia
mudanças sociais, isso provoca uma reacção em cadeia de mudanças em outras instituições
de modo a restabelecer o equilíbrio. Nesta perspectiva, o sistema social para Parsons não é
estático, estacionário, uma entidade imutável, mas pelo contrário, as instituições que
constituem o sistema estão sempre a mudar e a ajustar-se.
4) Parsons formulou ainda o conceito de «variáveis padrão» para distinguir as sociedades
tradicionais das sociedades modernas. As variáveis padrão são as relações sociais chave que
permanecem, são recorrentes e estão inscritas no sistema cultural – o mais importante
sistema na teorização de Parsons. Para Parsons há 5 conjuntos de variáveis-padrão que
permitem caracterizar as relações sociais das sociedades (p.21-22):
a. Afectivas vs Afectivas-neutrais
b. Particulares vs Universais
c. Orientação colectiva vs Auto-orientação
d. Atribuição vs Achievement
e. Funcionalmente difusas vs Funcionalmente específicas

As assunções teóricas e metodológicas da Escola da Modernização


A Escola da Modernização representa um esforço multidisciplinar para examinar as perspectivas do
desenvolvimento do Terceiro Mundo. Cada disciplina contribui do seu modo para a identificação de

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aspectos chave a respeito da modernização. Assim, os sociólogos focam-se na mudança das


variáveis-padrão e na diferenciação estrutural, os economistas acentuam a importância de acelerar os
investimentos produtivos e os cientistas políticos destacam a necessidade de melhorar a capacidade
do sistema político.
Apesar da sua natureza multidisciplinar, os pesquisadores da Escola da Modernização partilham dois
conjuntos de assunções e metodologias no estudo do desenvolvimento do Terceiro Mundo.
O primeiro conjunto de assunções partilhado pelos pesquisadores da escola da modernização diz
respeito a certos conceitos extraídos da teoria evolucionista europeia. De acordo com a teoria
evolucionista, a mudança social é unidireccional, progressiva e gradual, irreversivelmente conduzindo
as sociedades de um estádio primitivo a um estádio avançado, e tornando as sociedades mais iguais
entre si à medida que avançam no trilho da evolução.
Assentes nesta premissa, os teóricos da escola da modernização formularam as suas perspectivas
com os seguintes traços (p.33-34):
1) A modernização é um processo faseado
2) A modernização é um processo homogeneizador
3) A modernização é um processo de Europeização (ou Americanização)
4) A modernização é um processo irreversível
5) A modernização é um processo progressivo
6) A modernização é um processo longo
O outro conjunto de assunções partilhado pelos pesquisadores da escola da modernização é retirado
da teoria funcionalista, que enfatiza a interdependência das instituições sociais, a importância das
variáveis padrão ao nível cultural e o processo embutido de mudança através do equilíbrio
homeostático. Influenciados por estas ideias de Talcott Parsons, os pesquisadores da escola da
modernização formularam implicitamente o conceito de modernização com os seguintes traços:
1) A modernização é um processo sistemático: os atributos da modernidade formam um todo
consistente, aparecendo em blocos mais do que isolados. A modernidade implica mudanças em
virtualmente todos os aspectos do comportamento social, incluindo industrialização, urbanização,
mobilização, diferenciação, secularização, participação e centralização
2) A modernização é um processo transformativo: para que uma sociedade se mova para a
modernidade as suas estruturas e valores tradicionais devem ser totalmente substituídos por um
conjunto de valores modernos (modernidade e tradição são conceitos assimétricos nesta
perspectiva)

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3) A modernização é um processo imanente: devido à sua natureza sistemática e transformadora,


a modernização introduziu mudanças no sistema social. Uma vez que a mudança começa numa
esfera de actividade produzirá necessariamente mudanças comparáveis em outras esferas.
Devido a esta assunção da imanência, a escola da modernização tende a focar-se nas fontes
internas de mudança nos países do Terceiro Mundo.
Para além de partilharem os pressupostos evolucionistas e funcionalistas, os membros da escola
da modernização também partilham uma abordagem metodológica similar para a sua pesquisa:
1) Os pesquisadores da modernização tendem a ancorar as suas discussões num nível
altamente geral e abstracto;
2) A sua unidade de análise privilegiada é o estado territorial nacional (ainda que este fique
largamente implícito). Cada componente do processo de modernização é visto como fonte de
mudança que opera a nível nacional. Assim, as teorias da modernização são basicamente
teorias da transformação nos estados-nação.

As implicações políticas da Escola da Modernização


As teorias da modernização não são simples exercícios académicos. Foram originalmente
formuladas em resposta ao papel de liderança do mundo assumido pelos EUA a seguir à II Grande
Guerra e, como tal, têm importantes implicações políticas:
1) As teorias da modernização ajudam a providenciar uma justificação implícita para a relação de
poder assimétrica entre sociedades “tradicionais” e sociedades “modernas”;
2) As teorias da modernização identificam a ameaça do comunismo no Terceiro Mundo como um
problema de modernização;
3) As teorias da modernização ajudam a legitimar a política de ajuda internacional dos EUA (ou o
seu expansionismo, por outras palavras).

A TEORIA DA DEPENDÊNCIA (ANOS 60)


Tal como se pode afirmar que a Escola da Modernização examina o desenvolvimento do ponto de
vista dos EUA e de outros países Ocidentais, pode dizer-se que a Escola da Dependência encara o
desenvolvimento a partir da perspectiva do Terceiro Mundo.
A Escola da Dependência primeiramente emergiu na América Latina como resposta:

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- à bancarrota do Programa da Comissão Económica das Nações Unidas para a América Latina (ECLA
ou CEPAL) no início dos anos 60. A estratégia de desenvolvimento da ECLA foi tentada por muitos
países da América Latina, tendo havido grandes esperanças num rumo ao crescimento económico,
bem estar e democracia. No entanto a breve expansão dos anos 1950 rapidamente se transformou em
estagnação económica e no início dos anos 1960 a América Latina estava imersa em desemprego,
inflação, desvalorização monetária, declínio comercial e outros problemas económicos
- à crise do Marxismo ortodoxo na América Latina no início dos anos 60. Do ponto de vista da
ortodoxia comunista, os países da América Latina teriam que passar pelo estádio da revolução
industrial “burguesa” antes de alcançarem o estádio da revolução socialista “operária”. No entanto, a
revolução chinesa de 1949 e a revolução cubana dos finais dos anos 1950 mostraram que os países
do terceiro mundo podiam saltar o estádio da revolução burguesa.
- Por fim, pode ainda dizer-se que o seu acolhimento favorável se deveu ao declínio da Escola da
Modernização nos EUA.

A herança intelectual da Escola da Dependência


i) O Programa da ECLA/CEPAL: a formulação de uma escola de desenvolvimento
distintivamente latino-americana está intimamente relacionada com a ECLA. No manifesto
da ECLA, Raul Prebisch, o presidente daquela Comissão, criticou o esquema de divisão
internacional do trabalho, acusando-o de constituir a raiz dos problemas de
desenvolvimento da América Latina. Na sua perspectiva a estratégia para o
desenvolvimento da América Latina passava por acabar com a lógica de produzir apenas
alimentos e matérias-primas e receber bens transformados dos países industrialmente
desenvolvidos, o que evidentemente acarretava implicações na acumulação doméstica de
capital, bem como por incentivar o processo de industrialização (o que não deixava de ser
uma perspectiva optimista que assentava na ideia de que as várias características de uma
sociedade subdesenvolvida desapareceriam com o processo de industrialização)
ii) O Neo-Marxismo: o sucesso das revoluções chinesa e cubana ajudaram a disseminar uma nova
forma de marxismo nas universidades latino-americanas, dando origem a uma geração de radicais,
cujos membros se designavam a si mesmos de “neo-marxistas”. O que os distinguia dos marxistas
ortodoxos no que respeita a:
- enquanto os marxistas ortodoxos veem o imperialimo de uma perspectiva do “centro”, enquanto um
estádio do monopólio do capitalismo na Europa ocidental, os neo-marxistas veem o imperialismo de
um ponto de vista “periférico”, focando-se nos aspetos negativos do imperialismo no terceiro mundo;

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- os marxistas ortodoxos tendem a defender a estratégia de revolução em duas etapas (a revolução


burguesa como primeira etapa para que possa ocorrer a revolução socialista). Os neo-marxistas
acreditam que o terceiro mundo está pronto para uma revolução socialista, concebendo a burguesia
como criação e instrumento do imperialismo e, portanto, incapaz de um papel de libertador das forças
de produção;
- os marxistas ortodoxos concebem a revolução socialista promovida pelo proletariado industrial das
cidades, enquanto os neo-marxistas são atraídos pelos percursos da revolução socialista ocorrida na
Cina e em Cuba, depositando grandes esperanças no potencial revolucionário dos camponeses

Principais assunções da Escola da Dependência


Tal como a Escola da Modernização, a Escola da Dependência é extraordinariamente heterogénea. Os
seus membros vêm de muitas disciplinas das Ciências Sociais, com um enfoque nos diferentes países
da América Latina, mas também em outras regiões e têm orientações ideológicas e compromissos
políticos diversos.
No entanto, os membros da Escola da Dependência tendem a partilhar as seguintes assunções
básicas:
1) A dependência é vista como um processo geral, aplicável a todos os países do Terceiro
Mundo. A finalidade da Escola da Dependência é delinear o padrão geral da dependência no
Terceiro Mundo através da história do capitalismo desde o século XVI até ao presente;
2) A dependência é entendida como uma condição externa, isto é, imposta do exterior. Os mais
importantes obstáculos ao desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo devem ser
procurados não no domínio da economia nacional mas antes na herança histórica do
colonialismo e na perpetuação de uma divisão internacional do trabalho desigual;
3) A dependência é analisada essencialmente como condição económica.
4) A dependência é tratada como uma componente da polarização regional da economia global:
por um lado o fluxo de mais valia que se escapa dos países do Terceiro Mundo conduz ao seu
subdesenvolvimento, por outro lado o desenvolvimento dos países Ocidentais decorre
precisamente do ingresso dessas mais valias provenientes daqueles outros países. Assim, o
subdesenvolvimento na periferia e o desenvolvimento no centro são duas faces do mesmo
processo de acumulação de capital, conduzindo à polarização regional da economia global;
5) A dependência é vista como incompatível com o desenvolvimento. Para a Escola da
Dependência o desenvolvimento não é possível nos países da periferia ainda que alguns

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avanços menores possam ser alcançados durante períodos de isolamento (como por exemplo
os provocados por guerras ou depressões económicas de âmbito global)

As implicações políticas da Escola da Dependência


Os proponentes da Escola da Dependência sentem que há a necessidade de redefinir o termo
desenvolvimento. Deve significar mais do que apenas mais indústria, mais produção, incremento
de produtividade. Pelo contrário, deve ser definido em termos de melhoria do padrão de vida para
todas as pessoas na periferia.
Mas quais são as implicações políticas da Escola da Dependência? As perspectivas da Escola da
Dependência são exactamente opostas às da Escola da Modernização:
1) Enquanto a Escola da Modernização propõe que a periferia deva estar disponível para maiores
contactos com os países Ocidentais (mais ajuda, mais tecnologia, mais valores modernos), a
Escola da Dependência argumenta que é prejudicial para os países da periferia manter mais
contactos com os países centrais. De facto, para a Escola da Dependência, o contacto existente já
é suficientemente danoso dado que desde a era do colonialismo que a economia política da
periferia tem sido totalmente (re)estruturada para servir os interesses do centro, conduzindo assim
ao desenvolvimento do subdesenvolvimento;
2) A Escola da Dependência, pelo contrário, sugere que os países periféricos devam atenuar os
seus laços com os países centrais. Em vez de assentarem na ajuda e tecnologia externa os países
periféricos devem adoptar um modelo auto-suficiente (self-reliance: o que não significa o completo
isolamento dos outros estados-nação, mas sim evitar ser dominado por estes) assentando nos
seus próprios recursos e planeando os seus próprios percursos de desenvolvimento de modo a
alcançar a independência e um desenvolvimento nacional autónomo.
3) Como parte das elites dos países do Terceiro Mundo, para manter o seu estatuto, precisa de
manter relações com os países centrais, o corte com os países centrais proposto pela Escola da
Dependência não é aceite por aqueles, daí que alguns pesquisadores inscritos na Escola da
Dependência sugiram a necessidade de uma revolução socialista – à moda cubana ou chinesa –
de modo a que os países periféricos se livrem das velhas elites e as substituam por um novo poder
cuja missão seja a de satisfazer as necessidades humanas dos camponeses e trabalhadores.

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COMPARAÇÃO ENTRE AS ESCOLAS DA MODERNIZAÇÃO E DA DEPENDÊNCIA


Semelhanças:
1) As duas perspectivas têm o mesmo enfoque de pesquisa: estão interessadas no
desenvolvimento do Terceiro Mundo e querem descobrir que factores promovem o
desenvolvimento daquele;
2) As duas perspectivas adoptam metodologias similares: ancoram a sua discussão num nível de
abstracção elevado, procurando explicar os processos gerais de desenvolvimento aplicáveis a
todas as nações;
3) As duas perspectivas desenvolveram um quadro teórico polarizado, ainda que a Escola da
Modernização tenda a enunciá-lo a partir da dicotomia “tradição versus modernidade” e a
Escola da Dependência clássica a enuncie segundo a dicotomia “centro (metrópole) versus
periferia (satélite)”

Diferenças:
1) Resultam de bases teóricas distintas. Enquanto a perspectiva clássica da modernização é
fortemente influenciada pelas teorias evolucionistas europeias e pelas teorias funcionalistas
americanas, a perspectiva clássica da Escola da Dependência é fortemente influenciada pelo
programa liberal ECLA e pelas teorias radicais neo-marxistas;
2) No que diz respeito às causas dos problemas do Terceiro Mundo, a perspectiva clássica da
modernização oferece uma explicação interna, apontando para traços como uma cultura
tradicional, falta de investimento produtivo e ausência de motivação para se ser bem sucedido
nos países do Terceiro Mundo. A perspectiva clássica da Escola da Dependência, em
contraste, oferece uma explicação externa, acentuando os papéis desempenhados pelo
colonialismo e neocolonialismo na moldagem do subdesenvolvimento dos países do Terceiro
Mundo;
3) A perspectiva clássica da modernização caracteriza as ligações entre países do Terceiro
Mundo e do Ocidente como benéficas. Nesta perspectiva, os países Ocidentais estão a ajudar
(a prestar assistência) ao desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. A perspectiva
clássica da dependência, por outro lado, vê aquelas ligações como prejudiciais: os países
Ocidentais estão a explorar os países do Terceiro Mundo para seu próprio benefício;
4) Ao prever a futura direcção do desenvolvimento, a perspectiva clássica da modernização é
geralmente optimista. Com paciência os países do Terceiro Mundo eventualmente apanharão
os países Ocidentais e modernizar-se-ão. A visão da perspectiva clássica da dependência a

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respeito do futuro dos países do Terceiro Mundo é pessimista. Se as actuais ligações


exploradoras permanecerem sem ser desafiadas, os países do Terceiro Mundo tornar-se-ão
cada vez mais dependentes dos países Ocidentais, conduzindo a um maior
subdesenvolvimento;
5) No que respeita às soluções para a situação de “atraso” dos países do Terceiro Mundo, a
perspectiva clássica da modernização advoga mais ligações com os países Ocidentais,
passando por exemplo por mais ajuda externa, mais trocas culturais e mais transferência
tecnológica. Os pesquisadores inscritos na perspectiva clássica da dependência têm uma
abordagem completamente distinta: advogam a redução das ligações com os países centrais
para que os países do Terceiro Mundo possam alcançar um desenvolvimento independente e
autónomo e consideram que uma revolução socialista radical pode ser necessária para
alcançar esta finalidade.

Quadro 1. Comparação entre a Teoria da Modernização e a Teoria da Dependência

TEORIA DA MODERNIZAÇÃO TEORIA DA DEPENDÊNCIA

SEMELHANÇAS

Foco de Pesquisa Desenvolvimento do Terceiro Mundo Igual

Metodologia Alto nível de abstracção, foco nos


Igual
processos gerais de Desenvolvimento

Polaridade da Estrutura Teórica Tradição versus Modernidade Centro versus Periferia

DIFERENÇAS

Herança Teórica Programa da ECLA (CEPAL) e teorias


Teoria da Evolução e Funcionalismo
neo-Marxistas

Causas dos problemas do Terceiro


Maioritariamente internos Maioritariamente externos
Mundo

Natureza das relações entre nações Genericamente benéficos Genericamente prejudiciais

Previsão da direcção do
Optimista Pessimista
Desenvolvimento

Soluções para o Desenvolvimento Mais ligações/relações com o Menos relações com o Centro,
Ocidente revolução socialista

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A PERSPECTIVA DO SISTEMA-MUNDO (ANOS 70)

A coexistência de perspectivas contrastantes no campo do Desenvolvimento fez dos anos 1970


um tempo de fertilidade intelectual.
Em meados dos anos 1970 a batalha ideológica entre a Escola da Modernização e a escola da
Dependência começa a retroceder: o debate sobre o desenvolvimento do Terceiro Mundo torna-se
menos ideológico e emocional.
Um grupo de investigadores radicais, liderados por Immanuel Wallerstein, defenderam que existem
muitas novas actividades na economia mundial capitalista que não podiam ser explicadas pela
perspectiva da Dependência. (taxa notável de crescimento económico de alguns países asiáticos;
crise nos países socialistas; crise no capitalismo norte-americano).
De modo a repensar os assuntos críticos que emergiram das mudanças na economia mundial,
Wallerstein e a sua equipa desenvolveram uma nova perspectiva de sistema-mundo.

A herança intelectual da Teoria do Sistema-Mundo


São duas as principais fontes intelectuais da Teoria do Sistema-Mundo: a literatura Neo-Marxista sobre
o Desenvolvimento e a Escola dos Annales nascida em França.
- Neo-Marxismo: sobretudo na fase inicial da formulação da Teoria do Sistema-Mundo com a
incorporação de conceitos da Escola da Dependência (troca desigual, exploração centro-periferia e
mercado mundial);
- Escola dos Annales: desenvolvimento da História “total” ou História “global”; síntese da história e
das ciências sociais através da ênfase na longa duração por oposição à História factual, dos eventos;
mudança no discurso histórico da História das épocas para a História orientada para problemas.

Metodologia
Para Wallerstein, a Perspectiva do Sistema-Mundo não é uma teoria mas um protesto: “um
protesto contra os modos como investigação científica social foi estruturada”, nomeadamente por
fechar, mais do que abrir, importantes questões de pesquisa e pela sua inabilidade em apresentar, de
forma racional, as reais alternativas históricas que temos perante nós. Em particular, Wallerstein
sentia-se desconfortável com cinco assumpções do conhecimento científico tradicional que deu forma
aos processos de pesquisa nos últimos 150 anos:
1) Sobre as disciplinas das Ciências Sociais: Wallerstein critica a existência de disciplinas
científicas organizadas enquanto grupos intelectualmente coerentes de “assuntos”

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(antropologia, economia, ciência política, sociologia,…). Mais do que os benefícios da


interdisciplinaridade, Wallerstein questiona, antes de mais, se as disciplinas podem ser
assim separadas. De uma perspectiva de sistema-mundo, Wallerstein rejeita as fronteiras
disciplinares artificiais na medida em que as considera uma barreira ao avanço do
conhecimento mais do que um estímulo à criação: “ As três presumíveis arenas de acção
humana colectiva – o económico, o político e o social ou sociocultural – não são arenas
autónomas de acção social. Não têm lógicas separadas (…) nenhum modelo de pesquisa
útil pode isolar ‘factores’ de acordo com as categorias de económico, político e social e
tratar apenas um tipo de variável (…)”.
2) Sobre a História e as Ciências Sociais: no seguimento do raciocínio anterior, Wallerstein
rejeita as noções de História enquanto estudo dos acontecimentos tal como realmente
aconteceram no passado e de Ciências Sociais enquanto expressão do conjunto das regras
universais que permitem explicar o comportamento humano/social, ou seja, questiona a
divisão do trabalho intelectual que atribui à História o foco em sequências particulares e às
Ciências Sociais o foco em generalizações universais. Para Wallerstein, o método na teoria
do sistema-mundo “é desenvolver análises dentro de enquadramentos sistémicos ,
suficientemente longos em tempo e largos em espaço para conter ‘lógicas’ de governação e
‘determinar’ a maior parte possível de realidades sequenciais e, simultaneamente,
reconhecer e considerar que estes enquadramentos sistémicos têm inícios e fins e que por
isso não podem ser concebidos como fenómenos ‘eternos’ ”.
3) Sobre a Unidade de Análise – sociedade versus sistema histórico: Wallerstein argumenta
que nos fomos habituando a pensar que as fronteiras de uma sociedade e de um Estado
eram sinónimos e que os Estados soberanos são as entidades básicas onde a vida social é
conduzida: “vivemos em Estados. Há uma sociedade na base de cada Estado. Os Estados
têm histórias e, portanto, tradições. Acima de tudo, e dado que a mudança é normal, são os
Estados que mudam ou que se desenvolvem… têm fronteiras, o que faz com que o
acontece dentro delas seja ‘interno’ e fora delas ‘externo’. São entidades ‘logicamente’
independentes pelo que, para fins estatísticos, podem ser ‘comparados’ ”. A Teoria do
Sistema-Mundo questionou esta lógica e defendeu que a unidade básica de análise deveria
ser o sistema histórico em vez do Estado/sociedade. Para Wallerstein isto é mais do que
uma substituição semântica porque o termo sistema histórico liberta-nos da conotação
central que “sociedade” adquiriu ao ligar-se com “Estado” e, assim, do pressuposto acerca
do “quando” e do “onde”. As fronteiras de um sistema histórico “são aquelas dentro das

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quais o sistema e as pessoas nele consideradas são reproduzidas de modo regular através
de meios de um determinado tipo de divisão do trabalho”. Na história da humanidade,
Wallerstein argumenta a existência de três formas conhecidas de sistemas históricos: mini-
sistemas, impérios-mundiais e economias-mundo. Os mini-sistemas, identificados com a
era pré-agrícola. Caracterizavam-se, essencialmente, por muito homogéneos em termos de
estrutura governativa e com uma lógica de reciprocidade em termos de sistema de trocas.
Os impérios-mundiais, foram a forma dominante de sistema histórico no período
compreendido entre 8000 A. C. e 1500 D. C. Caracterizavam-se por serem estruturas
políticas vastas. A sua lógica era a de obtenção de pagamentos dos produtores,
anteriormente auto-administrados localmente, para o centro através de uma rede de oficiais.
“Por volta de 1500, as economias-mundo capitalistas nasceram. Estas economias-mundo
eram vastas, correntes desiguais de estruturas de produção integradas dissecadas por
múltiplas estruturas políticas. A lógica base era que a distribuição do excedente acumulado
fosse feita de forma desigual, de modo a favorecer aqueles que eram capazes de adquirir
monopólios nas redes de mercado. Pela sua lógica interna, as economias-mundo
capitalistas expandiram-se por todo o mundo, absorvendo, nesse processo, todos os mini-
sistemas e impérios-mundo existentes. No final do século XIX, pela primeira vez, existia
apenas um sistema histórico no globo.” (Pág. 177-178).
4) Sobre a definição de capitalismo: Tradicionalmente, nas ciências sociais considera-se que
“o capitalismo é um sistema baseado na competição entre produtores livres que usam o
trabalho livre como mercadoria livre, sendo que ‘livre’ significa disponibilidade para vender e
comprar no mercado” (Wallerstein, 1987). Esta definição é adoptada porque a maioria dos
liberais e marxistas tomou a Inglaterra pós- Revolução Industrial como uma descrição
precisa da norma capitalista. No modelo inglês de capitalismo competitivo, trabalhadores
proletários (essencialmente desprovidos de terra trabalhadores urbanos desprovidos de
ferramentas) trabalhavam em fábricas pertencentes a empreendedores burgueses
(essencialmente privados proprietários de capital dessas fábricas). Os donos compravam a
força de trabalho dos trabalhadores (e pagavam-lhes salários) que, por sua vez, não tinham
alternativa, em termos de sobrevivência, a não ser procurar trabalho assalariado.
Wallerstein chamam a atenção para o facto de que fora deste modelo inglês é construída –
pelas ciências sociais tradicionalmente consideradas – uma escala de ‘grau de capitalismo’.
Um Estado, enquanto locus da situação de trabalho, é classificado como sendo mais ou
menos capitalista dependendo de quão congruente é com a presumida norma capitalista de

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trabalhadores com salário livre. No entanto, argumenta Wallerstein que “a situação de


trabalhadores livres a trabalhar para salários em empresas de produtores livres é uma
situação minoritária na economia mundial”. Se isto é verdade, se uma determinada norma
capitalista acaba por não ser congruente com a realidade da economia-mundial capitalista,
então, os cientistas devem perguntar-se se a prévia definição da norma capitalista tem
alguma utilidade. Ou seja: “se percebermos… que o sistema contem vastas áreas de
trabalho assalariado e não-assalariado, vastas áreas de bens mercadorizados e não-
mercadorizados, e vastas áreas de formas alienáveis e não-alienáveis de propriedade de
capital, então devemos, no mínimo, questionar se esta ‘combinação’ ou mistura do assim
chamado livre e não-livre, não é, em si mesma, a característica distintiva do capitalismo
enquanto sistema histórico” (Wallersteim, 1987). O autor argumenta ainda que a adopção
desta nova definição de capitalismo abriria novas perspectivas e questões orientadoras de
investigação, como, por exemplo, a procura de estruturas que mantêm a estabilidade de
uma determinada combinação assim como a análise das pressões subjacentes que
permitem a transformação das combinações ao longo do tempo. Assim, “as anomalias
tornar-se-iam, não excepções a ser explicadas, mas padrões a ser analisados, invertendo
assim a psicologia do esforço científico (social tradicional)”.
5) Sobre o progresso: para a pesquisa tradicional em ciências sociais, tanto nas teorias
evolucionistas como marxistas, a história da humanidade dirige-se inevitavelmente para o
progresso, mas a “perspectiva do sistema-mundo pretende remover a ideia de progresso do
seu estatuto de trajectória e abri-lo enquanto variável analítica. Põe haver melhores e piores
sistemas históricos (e pode-se discutir os critérios para os julgar). Não é, de todo, certo que
ter havido uma tendência linear: ascendente, descendente ou a direito. Talvez a linha tenha
sido irregular ou indeterminada. Com a consideração desta possibilidade, toda uma nova
arena de análise intelectual é imediatamente aberta. Se o mundo teve múltiplas instâncias e
tipos de sistemas históricos e se todos os sistemas históricos tiveram inícios e fins, então,
quereremos saber algo sobre o processo através do qual ocorreu uma sucessão (em tempo
e espaço) de sistemas históricos”. Por fim, Wallerstein conclui que vivemos num período de
escolha histórica real, e que “a perspectiva de sistema-mundo é uma oportunidade para a
construção de uma ciência social histórica que esteja confortável com a transição do
mundo, fazendo luz sobre as escolhas sem apelar à muleta que é a crença no inevitável
triunfo do bem”. Equipada com uma nova metodologia, a Escola do Sistema-Mundo

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So, Alvin Y. (1990). Social Change and Development - Modernization, Dependency and World-System Theories. Newbury,
London and New Delhi, Sage.
Notas em português de Alexandra Sá Costa e João Caramelo

desenvolveu uma nova perspectiva de onde é possível reexaminar os assuntos mais


críticos do campo do desenvolvimento.

Os Países Semiperiféricos
Wallerstein criticou a concepção de um sistema bimodal argumentando que o mundo é demasiado
para ser classificado apenas em termos de Centro e Periferia. Há muitas nações que não encaixam na
categoria de Centro nem da Periferia. Consequentemente propôs um sistema trimodal constituído pelo
Centro, Semiperiferia e Periferia.
Wallerstein (1979) argumenta que o actual sistema-mundo capitalista necessita do sector periférico
por duas razões:
a) um sistema-mundo polarizado com um sector de alto nível pequeno, distinto a fazer face a um
sector de baixo nível grande rapidamente levaria a uma desintegração aguda: “o principal meio político
que permitiria evitar uma crise desse tipo é a criação de sectores intermédios, que tendem a pensar-se
a si próprios essencialmente como melhores do que os sectores mais ‘baixos’ em vez de piores do que
os sectores mais ‘altos’ ”.
b) em resposta ao declínio dos custos de produção comparativos nos países centrais, os
capitalistas individuais devem ser capazes de transferir capital de um sector em declínio para um
sector vem ascensão de modo a sobreviver aos efeitos dos ciclos. Como explica Wallerstein “tem que
haver sectores capazes de lucrar com o estreitamento da produtividade – salário dos sectores líderes.
Esses sectores são o que denominamos países Semiperiféricos. Se não existissem o sistema
capitalista mundial rapidamente enfrentaria uma crise económica, bem como uma crise política.”
Na formulação de Wallerstein, os Estados Semiperiféricos têm dois recursos distintivos:
1) Se a troca entre o Centro e a Periferia da economia capitalista mundial se caracteriza por ser
entre produtos caros e produtos baratos, isso resultaria numa “troca desigual” na qual um trabalhador
da Periferia teria que trabalhar muitas horas para obter o produto produzido em uma hora por um
trabalhador do Centro;
“Os países Semiperiféricos, em termos de tipo de produtos que exportam e em termos do
nível salarial e de margens de lucro obtidas, situam-se a meio. Além disso, comercializam, ou tentam
comercializar, nas duas direcções, de um modo com a Periferia e de modo oposto com o Centro…
muitas vezes é do interesse de um país Semiperiférico reduzir o comércio externo, mesmo que este
seja equilibrado, pois uma das principais formas de aumentar a margem de lucro é captar um
percentual cada vez maior do seu mercado interno para os produtos internos.”

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So, Alvin Y. (1990). Social Change and Development - Modernization, Dependency and World-System Theories. Newbury,
London and New Delhi, Sage.
Notas em português de Alexandra Sá Costa e João Caramelo

2) O Estado tem um interesse directo e imediato em controlar o mercado doméstico. Esta


politização das decisões económicas pode ser vista como mais operativa para os Estados
Semiperiféricos em dois momentos de mudança de estatuto na economia mundial: a) o avanço de um
estatuto Periférico para um estatuto Semiperiférico; b) o fortalecimento de um país Semiperiférico a um
ponto que o pode levar a reclamar a pertença ao Centro.

Quadro 2. Comparação entre a Teoria da Dependência e a Perspectiva do Sistema-Mundo

TEORIA DA DEPENDÊNCIA TEORIA DO SISTEMA-MUNDO

Unidade de Análise Estado-Nação Sistema-Mundo

Histórico-estrutural: florescimento e Dinâmica histórica do Sistema-Mundo:


Metodologia
desaparecimento de Estados-nação ritmos cíclicos e tendências seculares

Trimodal: centro – semiperifera –


Estrutura Teórica Bimodal: centro – periferia
periferia

Possibilidade de mobilidade
Determinista: a dependência é
Direcção do Desenvolvimento ascendente e descendente na
genericamente prejudicial
economia-mundial

Na periferia, tal como no centro, na


Foco de Pesquisa Na periferia
semiperiferia e na economia-mundo

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