Você está na página 1de 7

GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration

des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

1960-1975: o desencantamento das ideologias do desenvolvimento e o


refluxo do debate político

Após a afirmação de uma diversidade de vozes nacionais de emancipação


política e económica rapidamente se verificou o falhanço geral das políticas de
transferência tecnológica e de assistência dos organismos de ajuda e
desenvolvimento.
Os fracos resultados das estratégias de modernização e de recuperação
económica seguidas pelos países colocaram em causa o conjunto de
programas de desenvolvimento promovidos por organismos internacionais e de
cooperação bilateral. As críticas mais frequentes eram relativas à desproporção
dos equipamentos realizados, à incapacidade de assegurar localmente a
manutenção, a multiplicação sem existência de recursos para assistência
técnica, a não apropriação dos projectos pelos actores sociais e económicos
locais, etc.
A inadequação das realizações em relação às necessidades a satisfazer e às
condições locais lembrou a evidência da importância da “infra-estrutura social”
que permitiu aos países da Europa Ocidental devastados pela guerra
levantarem-se do atraso. Em particular, as reestruturações produtivas dos
sectores agrícolas com fins de acumulação industrial, o incremento de um
sector capitalista intensivo ou de uma agricultura baseada em exploração de
grande escala, conduziu a desigualdades na repartição de receitas, pobreza,
fluxos migratórios e uma polarização cumulativa de recursos nacionais ao nível
dos centros urbanos e das elites.
(…)
As principais potências económicas industrializadas pareciam mais
preocupadas em manter o controlo económico e político nas regiões mais
frágeis do que em assegurar o desenvolvimento. Os dispositivos de ajuda e de
cooperação por eles coordenados continuam a ser utilizados de modo
condicionado pelos seus interesses nacionais.
O reconhecimento da falha da primeira década de desenvolvimento afectou de
modo diferente as instituições. (…)
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

No seio das organizações internacionais é iniciada uma reflexão profunda em


que a dimensão crítica está bem presente, mas os bloqueios políticos próprios
ao sistema das Nações Unidas de então, impediram uma reforma estrutural.
Pelo contrário, em nome da insuficiência de meios, da expertise, dos
enquadramentos nacionais, da duração, dos efeitos e insuficiências dos
“projectos de desenvolvimento” – termo então consagrado para descrever as
intervenções estrangeiras em matéria de cooperação económica – conduziram
sobretudo a novas estruturas de apoio, confirmando o famoso “reforço
institucional”. (…)
No que respeita ao meio associativo e às ONG, elas colocaram grande parte
da sua vitalidade e criatividade na contestação da política e burocracia dos
grandes operadores institucionais. Mas estes interlocutores emergentes
pareciam demasiado divididos nos níveis nacional e internacional para
representar uma solução credível e eficaz. (…).
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

Período 1975-1989: contestação e crise do modelo dominante de


ajustamento macro-económico. Os “anos esquizofrénicos”

Duas características principais marcam este período. Assiste-se à afirmação,


sob pressão das administrações americana e britânica, de um liberalismo cada
vez mais agressivo no seio das instituições de Bretton Woods e, por extensão,
das agências das Nações Unidas. (…) Paralelamente, desenha-se o início da
racionalização e da coordenação internacional no seio das instituições de
desenvolvimento sob o efeito da crise económica do Norte e novos
constrangimentos com peso nos montantes de Ajuda ao desenvolvimento. (…)
O desencantamento da cooperação e as crispações securitárias (América
Latina, Ásia,…) produziram efeitos paradoxais: a exigência de segmentação de
programas para diferentes grupos sociais em risco supõe uma análise mínima
das “causas” o que, em si mesmo, inevitavelmente leva a tomar em
consideração a dimensão socio-política dos problemas! Uma contradição que
prevalece também na procura de transparência em matéria de gestão de
recursos públicos assolada pela necessidade de reforço de redes clientelistas
no seio de poderes “úteis”. É neste contexto que a doutrina de políticas de
ajustamento estrutural e de restabelecimento de grandes equilíbrios
económicos começa a impor-se. (…).
De modo geral, a “crise económica” traduziu-se no estabelecimento de
plafonds ou na redução de fundos alocados à Ajuda ao Desenvolvimento, uma
primeira diminuição de pessoal (bloqueio de recrutamentos, redução massiva
de pessoal externo e/ou consultores), um aumento dos níveis de exigência em
termos de resultados por parte das instâncias políticas.
As insuficiências ou contratempos patentes nestas “novas” políticas de
cooperação (incapacidade de restabelecer os famosos equilíbrios macro-
económicos, falta de resposta significativa dos agentes económicos às políticas
de oferta, agravamento dramático de fenómenos de pobreza) salientaram, se
nos limitarmos às causas “funcionais”, a inadequação entre os objectivos
perseguidos e os actores encarregues de os promover. Ao nível da procura de
Desenvolvimento, é pedido às mesmas elites de poder, civis ou militares,
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

instaladas nas metrópoles do Norte e responsáveis por dispositivos estatais


pesados e burocráticos, que apliquem receitas ultraliberais (…). Ao nível da
“oferta” de Desenvolvimento, mantém-se a competição política e económica
entre poderes tutelares e a regra dos países que têm interesses estratégicos
(…).
Por outro lado, a reestruturação das instituições de Desenvolvimento, nacionais
ou internacionais, demora ou enfrenta fortes resistências corporativas. Em
certos domínios e/ou países, a acção do sector privado conhece sucessos
espectaculares (intervenção humanitária de emergência, florescimento de
ONGD em países anglo-saxónicos). Correspondem à emergência de novos
profissionais do desenvolvimento, de perfil mais técnico e menos militante, ou
abertamente “anti-terceiro-mundistas”, geralmente apoiados por algumas
cooperações bilaterais, bancos de desenvolvimento, etc..
No fim deste período, face às decepções da gestão puramente macro-
económica do sub-desenvolvimento, à exacerbação de problemas sociais, ás
tensões crescentes no seio de quadros políticos autoritários, consolida-se uma
clivagem ao nível das estratégias, ou pelo menos da reputação, entre
organismos e países de “ajustamento” (instituições de Bretton Woods, EUA e
Grã-Bretanha, etc) e os partidários de um desenvolvimento dito humano ou
social (UNICEF, PNUD, cooperação dos países do Norte da Europa, Canadá,
etc.).
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

Os anos 90: crise e “ajustamento” das instituições de Desenvolvimento

Três processos principais afirmaram-se neste período: a consolidação das


tendências delineadas no período anterior, a homogeneização e retracção do
mercado do Desenvolvimento acompanhado por uma especialização funcional
dos actores.
O termo “desenvolvimento” e as práticas que o acompanham correspondem
cada vez mais a um campo de aplicação bem circunscrito, que agrupa:
- os países ou regiões do globo sob ajustamento reforçado (tutela económica e
política) ou, em casos extremos, pura e simplesmente concedido a
intervenções humanitárias (zonas ditas de instabilidade durável/permanente).
África engloba a maioria destas zonas (Somália, Libéria, zona dos Grandes
Lagos, etc.);
- os países ou regiões “em crescimento”, “emergentes”, “em transição”, onde a
problemática da ajuda e da cooperação se preocupa principalmente com
sectores de actividade, províncias e/ou grupos sociais excluídos,
acidentados,… América Latina, Ásia e Europa de Leste são os principais
visados.
Muitos ex-países do “Terceiro Mundo” e alguns países do antigo bloco
socialista acedem, progressivamente, ao estatuto de países “parceiros”, com os
quais as relações de negócios mutuamente vantajosos tornam o papel dos
organismos de ajuda e de desenvolvimento subalterno. Participam nos
dispositivos de apoio e de regulação financeira e económica (taxa de câmbio,
dívida, tocas comerciais) mas a componente “projecto” que releva de
componentes clássicos de assistência técnica limita-se, geralmente, a estudos,
ao financiamento e à instalação de infra-estruturas de grande envergadura
(transportes, barragens, energia, etc.).
Face aos países “assistidos”, a hegemonia das estruturas internacionais de
financiamento do desenvolvimento é agora incontestada. Os ditos doadores de
“fundos” quase assumem a tutela num quadro de relação de transferência e de
administração indirecta, abertamente exibida. Esta estrutura cobre um conjunto
institucionalizado ou informal de decisores político-financeiros internacionais,
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

organizados em rede com líderes consagrados, regras de jogo tácitas e


constrangimentos praticamente incontornáveis por parte dos países
beneficiários (mesas redondas de ajudas exteriores, conferências de doadores,
grupos consultores, reuniões especiais d ministros da OCDE, …).
Todos os protagonistas dizem agora aceitar as principais ideias-força dos
ajustamentos, reformulados numa terminologia valorizada: “desenvolvimento
sustentável”, “ auto-sustentável”, “ecologicamente racional”, “boa governança”,
etc.. Assim, todos os “desenvolvedores” institucionais são agora pelo rigor e
pelo social: sublinhe-se, por exemplo, que após alguns anos de oposição
frontal, não existe mais do que desacordos menores entre as posições oficiais
do Banco Mundial e as do PNUD, tal como é expresso nos seus relatórios
anuais. Do mesmo modo, quase todos os grandes doadores de fundos
formalizaram lugares de expressão ou de concertação com as ONG (NGO
working group on the World Bank, etc.). Se a cultura crítica continua a
desenvolver-se, às vezes de modo virulento, as fontes de financiamento
dispõem de suficientes modos de controlo e de pressão para fazer prevalecer,
em última instância, o “sentido das responsabilidades”.
Globalmente, já não se constatam verdadeiros conflitos entre os maiores
promotores do Desenvolvimento no domínio das orientações estratégicas, nem
da procura de canais verdadeiramente novos. Do seu ponto de vista, as
políticas de desenvolvimento postas em prática ou preconizadas são agora
consideradas “boas”. A via a seguir e os resultados esperados são conhecidos,
e estes últimos são característica das predisposições e esforços dos
beneficiários.
De certo modo, a multiplicação, depois de 1990, de cúpulas mundiais
(ambiente, género, demografia, desenvolvimento social,…) associadas aos
inevitáveis contra-poderes, ou poderes paralelos, das ONG confirmaram as
relações de força existentes e as abordagens “desideologizantes”. As clivagens
reconhecidas não são da ordem dos objectivos ou mesmo dos meios, mas das
prioridades, do grau de realismo e da eficácia da estratégia preconizada para
os atingir (atrasos, escala, impactos procurados).
As diferenças entre instituições exprimem-se, sobretudo, através de uma
competição de saberes-fazer e de performance. Concretamente, a
GUICHAOUA, André (1997) “L’évolution du «marché du développment» et la restructuration
des organismes de coopération”, Revue Tiers Monde, 1997, volume 38, nº 151, pp. 491-517.
Excertos traduzidos por Alexandra Sá Costa

consequência mais tangível deste novo dado reside em colocar em


concorrência generalizada os prestadores públicos, nacionais e internacionais,
e privados. É preciso, agora, justificar a eficácia do dispositivo de ajuda e a sua
adequação às tarefas enunciadas. Para as “opiniões públicas” do Norte e do
Sul, as falhas e erros são imputados mais aos que não se desenvolvem do que
aos peritos que são pagos para o alcançar. O corolário inevitável desta
flexibilidade e desta dinamização auto-centrada no mercado dos operadores
[de desenvolvimento] encontra-se na explosão de oferta de produtos de
desenvolvimento com uma renovação incessante de temas e métodos
rapidamente tornados obsoletos.
(…)

Você também pode gostar