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Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX.

Lisboa Editora Piaget


Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 317
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

3.3 Os programas de ajustamento estrutural

3.3.1 Origem e definição

As crises das economias em desenvolvimento e particularmente a crise da


dívida139 dos fins de década dos anos setenta, dificultaram o acesso aos recursos
externos por parte dos países devedores. Os défices externos afectaram as economias
mais dependentes de importações e dos fluxos de capital para a reprodução das suas
economias (Fitzgerald e Rob Vos, 1989 e 1989a).

A importância dos factores externos, a dificuldade da maioria das economias de


se reproduzirem sem esses recursos e a ausência de alternativas de financiamento
internacional, tornou a entrada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial
uma (ou a única) possibilidade para a negociação da dívida e o acesso a novas fontes de
financiamento.

A situação ameaçava, segundo o FMI, a estabilidade do sistema financeiro


internacional, o que forçou a intervenção das IBW140, com o objectivo central de
reequilibrar as balanças de pagamentos e na tentativa de solucionar os problemas
associados à dívida externa. Porque as medidas propostas pelo Fundo estavam apenas
relacionadas com o sector externo 141, assistiu-se a um agravamento da crise. As medidas
de estabilização foram então ampliadas para o conjunto da economia com reformas ao
nível do Estado, dos mercados, etc., configurando assim o que se designa de Programa
de Ajustamento Estrutural. Posteriormente, com o objectivo de reduzir os efeitos
negativos dos PAE, sobretudo os sociais, introduziram-se hipóteses auxiliares aos
modelos, sobretudo programas de ajuda alimentar para os grupos sociais mais
vulneráveis, actualização dos salários, maior capacitação do Estado para o desempenho
de algumas funções relacionados com a saúde e a educação 142; são os actuais Programas
de Ajustamento Económico e Social (PAES).

Os PAES são um conjunto de medidas económicas baseadas fundamentalmente


em pressupostos neoclássicos que as IBW “sugerem” para a saída da crise. De forma e
com objectivos conjugados, as medidas económicas são acompanhadas por reformas
políticas: fim dos regimes monopartidistas, mais liberdades individuais, eleições, maior
respeito pelos direitos do Homem, etc. Segundo Mosca (1993: 107), a “democratização”
139
/ A crise da dívida foi gerada por um inicial excesso de oferta de crédito com taxas de juro
baixas no sistema financeiro internacional, parcialmente provocada pela entrada de grande quantidade de
petrodólares, como consequência do “choque” do petróleo da década dos anos 70. Seguiu-se a aplicação
ineficiente e ineficaz dos financiamentos por parte dos países em desenvolvimento, bem como alterações
do mercado internacional de capitais (redução da oferta e consequente subida da taxas de juro), cujos
efeitos combinados dificultaram ou impediram o cumprimento dos compromissos por parte dos países
devedores. Posteriormente, ao longo de décadas, a dívida externa, para além de ser um problema
financeiro, é utilizada como instrumento de pressão (ou mesmo chantagem) política.
140
/ Os programas com o objectivo específico de equilibrar o sector externo foram chamados de
Programas de Estabilização.
141
/ As medidas eram principalmente as seguintes: renegociação da dívida; revisão das taxas de
câmbio e de juro.
142
/ Mosca (1993: 83) afirma a este respeito: “… as medidas de ´suavização´ dos custos sociais nos
grupos mais vulneráveis parecem constituir os pontos de equilíbrio interno que os poderes tentam garantir
para manter o poder e legitimar os PAE.
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3.3 Os programas de ajustamento estrutural

significa especialmente a substituição dos regimes de partido único (independ


entemente da natureza política do partido no poder), por um sistema multipartidário. No
essencial, trata-se de permitir às novas classes capitalistas locais (ou dos elementos do
poder “transformados”), um maior acesso ao poder, e por esta via, aos interesses
económicos a fim de substituir ou transformar gradualmente as oligarquias políticas e os
monopólios económicos estatais. A democratização de “superfície” representa, no
entanto, avanços políticos e dos direitos dos cidadãos143.

As medidas a aplicar e as reformas são acordadas em conversações periódicas


entre as IBW e os respectivos governos144. O financiamento da crise (renegociação da
dívida, défices externo e público, ajuda alimentar, projectos de desenvolvimento, etc.),
está em função do desempenho dos governos na aplicação dos programas estabelecidos.
O grau de soberania nas negociações, isto é, a capacidade dos governos locais
colocarem os pontos de vista e as opções “nacionais”, depende de um conjunto de
factores, principalmente da gravidade da crise e das alternativas de financiamento
externo, do potencial produtivo e de recuperação a curto prazo, da existência de
conflitos que periguem os poderes instalados, do interesse das IBW em manter e
negociar o poder vigente e das respectivas alternativas, da capacidade negocial das
autoridades e dos grupos de pressão política e social internos e externos145.

No processo de negociações, as IBW (sobretudo o FMI), utilizam as


“condicionalidades” como instrumento de pressão (ou mesmo de ameaça). Segundo
Baker (1989: 29), “é (as condicionalidades) um instrumento do ajustamento que deve
determinar os passos das reformas … são em geral uma fonte de fricções políticas e de
instabilidade. Os governos mantêm que os condicionalismos corroem a soberania dos
países pobres, dispersam a limitada mão-de-obra qualificada para liderar actividades e
impõem fortes custos sociais nos estratos mais baixos das sociedades”. Inversamente, o
empenho dos governos e o desempenho das economias, são recompensadas com

143
/ Os processos de democratização nos países africanos estão pouco estudados. O significado e
os limites de democracia política e económica, as acessibilidades à burocracia e aos serviços, as relações
entre os poderes formais e informais, a democratização e os mecanismos de reprodução dos poderes
tradicionais, a organização e capacidade reivindicativa da sociedade civil, a transparência no exercício do
poder e o estabelecimento das incompatibilidades entre a “coisa pública” e as actividades privadas, etc.,
são aspectos abertos e pouco consolidados nas jovens democracias africanas à ocidental e “impostas”
(“sugeridas”) como condição para a cooperação, a ajuda alimentar, o financiamento externo, etc.
144
/ As funções das IBW têm sofrido alterações devido à evolução económica e financeira
internacional. Embora aparentemente as duas instituições parecem possuir competências delimitadas,
existem autores que não encontram claridade nas delimitações de competências. Tarp (1991: 54) afirma:
“A linha divisória inicial entre o FMI e o Banco Mundial implica que o Fundo receba orientações do BM
em questões de desenvolvimento e o Banco siga o FMI sobre as políticas macroeconómicas domésticas e
nas taxas de câmbio, ajustamento temporal dos desequilíbrios da balança de pagamentos e programas de
estabilização. Esta definição tornou-se confusa durante os turbulentos anos da ruptura dos acordos de
Bretton Woods devido à crise do sistema de valores de 1968 a 1973 devido ao início da crise da dívida.
Esta deficiente claridade entre as perspectivas do FMI e do BM é reforçada pelas recentes
facilidades “especiais” do FMI (como por exemplo o suporte da balança de pagamentos pelo Banco
Mundial) para ajudar os países de baixo rendimento.
Outros autores referem-se à divisão do trabalho entre o Fundo e o Banco, como por exemplo,
Crook (1991).
145
/ Existem evidências que os países com capacidade financeira e de obtenção de recursos
externos, geralmente não optam pelos PAE das IBW (ou pelo menos resistem à sua aplicação, ou as
negociações realizam-se com diferentes poderes/capacidades negociais por parte dos governos
interessados).
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maiores facilidades na negociação da dívida, mais financiamento e ajuda, maior


abertura diplomática no âmbito do Consenso de Washington (CW) e aplicações mais
flexíveis dos programas de ajustamento.

Para concretizar estes objectivos, os PAE adoptam diversas estratégias


consoante o país em questão. A rigidez das “condicionalidades” depende de factores
diversos, que pretendem pressionar os governos na aplicação das medidas “sugeridas”
pelas equipes técnicas e nas negociações; as “condicionalidades” oscilam entre a
simples manifestações de desagrado até ao corte do financiamento externo e a
suspensão do PAE. Podem significar dificuldades de abertura de outras fontes de
financiamento e influências sobre o volume da ajuda alimentar e da cooperação de
outros países146. As pressões políticas variam desde as sugestões de políticas até a
mudanças de orientação dos governos ou mesmo na composição do elenco
governamental. As mudanças de poder são geralmente forçadas indirectamente, como
por exemplo, por meio da redução da ajuda alimentar criando instabilidade social.

3.3.2 Objectivos

Segundo as IBW, os PAE têm como objectivos os seguintes147:


- O restabelecimento dos equilíbrios macroeconómicos como condição
necessária (mas não suficiente) para a saída da crise e para o crescimento
económico.
- A racionalização das economias através da afectação e utilização eficiente
dos recursos para torná-las competitivas e favorecer a sua integração no
mercado internacional.
- A introdução de transformações estruturais para garantir o crescimento
estável a longo prazo e evitar novos desequilíbrios.

Streeten (1989), refere que os objectivos a curto prazo são a redução ou


eliminação dos défices da balança de pagamentos e dos orçamentos públicos. O
documento do UNDP (1989:20) afirma “uma grande prioridade é dada ao
estabelecimento do equilíbrio externo, isto é, a possibilidade real de acesso ao
financiamento externo”. Marc Wutys (1989a), chama à atenção que os objectivos dos
PAE não são somente económicos: as reformas económicas pretendem reestruturar os
padrões de acumulação e de distribuição numa economia e consequentemente, tais
reformas afectam a estrutura do modo de vida das populações. Neste sentido, as
reformas macroeconómicas não podem ser vistas como um conjunto de medidas
políticas neutras com o objectivo de alcançar mais eficiência económica de recursos. É
146
/ É conhecido o papel de coordenação do FMI e do BM no sistema financeiro internacional,
particularmente dos bancos regionais e privados e com os chamados clube de Londres, Paris e Roma. Em
muitos casos, os projectos, programas e financiamentos bilaterais e multilaterais, estão sujeitos ao
“parecer” das IBW. Abugre (1989), referindo-se ao caso da CEE afirma: “a posição da CEE sobre o
ajustamento estrutural começa por aceitar o enquadramento dos PAE impostos pelas IBW …
compromete-se a estabelecer uma coordenação mais estreita com aquelas instituições na concepção,
financiamento e controlo dos PAE”. Parfitt (1989), acrescenta: “os mecanismos tradicionais de ajuda de
Lomé, especialmente o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), não estão em princípio ligados a
programas de ajustamento estrutural. Mas, a Comunidade indicou anteriormente os seus esforços para
apoiar políticas sectoriais, em especial os Programas Indicativos Nacionais (PIN) deveriam ser
concebidos de modo a se articularem com as medidas do ajustamento económico”.
147
/ A secção 3.1 desenvolve aqueles que são os objectivos dos PAE. Referem-se agora apenas
os aspectos mais destacados.
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3.3 Os programas de ajustamento estrutural

conhecido das reformas económicas a sua importância na conformação do processo de


desenvolvimento económico e social assim como no balanço das forças políticas. Os
críticos afirmam que os PAE levam as economias a uma integração subordinada no
quadro da divisão capitalista de trabalho e facilitam a introdução de capital internacional
nas economias em desenvolvimento (Adler 1972; Feder 1972; Bernestein, 1990).
Acrescentam que o incentivo do sector privado não é somente uma consequência do
suposto da prioridade económica da propriedade privada, mas também tem como
objectivo o desenvolvimento das classes capitalistas locais aliadas aos interesses do
capital externo. Muitos autores referem ainda, que as IBW pretendem integrar as
economias no mercado internacional liberalizado, reconfigurando a divisão
internacional do trabalho e reestruturando a hierarquia das economias no contexto da
globalização e da concentração do capital. Num âmbito mais alargado, as IBW
procuram a chamada eficiência e competitividade da economia à escala mundial 148,
como se a economia estivesse desligada das lutas do poder, das influências e das
estratégias militares a longo prazo que o CW procura preservar e ampliar.

3.3.3 Formulação

Segundo Tarp (1991), a formulação dos PAE parte de uma aproximação


monetarista da balança de pagamentos. São principalmente os países com défices de
recursos externos que necessitam de programas de ajustamento financiados pelas IBW.
A questão fundamental é como se calcula a necessidade de recursos externos,
particularmente as importações. Outro aspecto importante é a definição da forma como
se salda o défice das importações. Para Tarp (1991:66 a 68), as etapas de formulação
dos PAE são as seguintes e segundo a sequência que se segue:
- Escolha das variáveis principais, o que Ground (1987) chama variáveis-meta:
nível de reservas internacionais, inflação e volume de crédito ao sector
privado.
- Formulação de projecções sobre os níveis de output, exportações de bens e
serviços, fluxos de capital determinados pelas variáveis-meta.
- Com base nos dados obtidos na fase anterior, estima-se o volume de
importações necessárias.
- Estudo das medidas para acabar com o défice externo: se é necessário um
ajustamento, deve-se desvalorizar a moeda, impedindo a necessidade de
recalcular as necessidades de importação, os volumes de output, as
exportações e outras variáveis de acordo com a nova taxa de câmbio; se não
são aconselhadas modificações na taxa de câmbio, calcula-se a quantidade de
moeda com base nos níveis de preços e na velocidade de circulação.
- A partir da procura de moeda, são estabelecidas as medidas sobre as taxas de
juros com a finalidade de afectar a procura e a velocidade de circulação.
- Estabelece-se assim o volume de moeda recomendada e compara-se com a
procura.
- Analisam-se os orçamentos públicos e as alternativas de financiamento do
défice.

148
/ No caso de Moçambique, aquilo que ficou conhecido como a “guerra do caju” (veja na
secção 3.1), demonstra bem esta orientação das IBW. Alguns autores apresentam dúvidas sobre a
imunidade do BM e do FMI relativamente a lobbies económicos.
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- Levam-se a cabo as discussões entre o FMI/BM e os governos para o estudo


das alternativas de financiamento do orçamento e das medidas
complementares.
- A última etapa é para testar o programa e assinar os acordos de aplicação do
ajustamento.

De uma forma geral e esquemática, é possível abstrair os principais passos da


aplicação dos PAE:
- Medidas de retracção da procura interna com: (a) controlo da oferta monetária
e do crédito; (b) subida da taxa de juro; (c) congelamento do volume de
salários reais; e, (d) liberalização dos mercados e dos preços para fazer
funcionar os efeitos da desvalorização da moeda sobre os preços internos e
permitir maiores aumentos da produção dos produtos exportáveis.
- Desvalorização da moeda local com o objectivo de estimular as exportações,
retrair as importações e, consequentemente, reduzir a procura interna.
- Controlo dos défices públicos através da reestruturação das despesas e de um
maior eficácia na colecta das receitas. Têm importância as reduções dos
investimentos públicos, na defesa, nos subsídios ao consumidor e na cobertura
dos défices das empresas públicas. As reduções orçamentais na saúde e na
educação acontecem, mas geralmente em proporções inferiores às rubricas
anteriores149. Com estas medidas pretende-se, basicamente, diminuir a
importância do sector público na economia e reduzir as distorções dos
mercados e dos preços. A diminuição dos factores inflacionários é uma
consequência de grande importância. As receitas públicas têm em geral uma
elasticidade baixa devido à crise económica, pelo que as acções mais
importantes de curto prazo incidem sobre as despesas150.
- Com o aumento das taxas de juro, pretende-se, além do já referido,
racionalizar os investimentos e a utilização de recursos nos sectores com
maiores vantagens, particularmente nos produtores de bens exportáveis.
- Grande parte das medidas têm por objectivo controlar a inflação, elemento
considerado importante para garantir a estabilização e competitividade da
economia.

Este conjunto de medidas incide sobretudo sobre a procura. Supõe-se que a


liberalização dos mercados e dos preços dão origem a um incremento da oferta. As
medidas do lado da oferta, além daquelas consideradas de ajustamento (reformas da
burocracia, dos mercados, etc.), são constituídas por projectos de reabilitação de infra-
estruturas, apoio à capacidade de importar matérias-primas e equipamento para o parque
industrial e automóvel (financiamentos à balança de pagamentos). O efeito mais
esperado é o incremento da produção “comercializável” como resposta ao aumento dos
preços (efeito da desvalorização da moeda local); a produção destinada ao consumo
doméstico pode ter comportamentos diferenciados.

149
/ Hicks (1989), ao analisar as mudanças verificadas nas despesas dos países pobres altamente
endividados (PPAE) entre 1974 e 1984, conclui que os principais cortes se verificaram nos investimentos
públicos enquanto que nas despesas ordinárias, os salários sobem e os “outros bens e serviços”
decrescem. Por sectores, nota-se uma redução nas despesas “serviços gerais”, defesa, infra-estruturas e
uma retracção nos gastos sociais.
150
Vários estudos demonstram que, regra geral, nos períodos de crescimento da produção, as
receitas são superiores às despesas, verificando-se o contrário nos períodos de recessão.
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O estabelecimento (definição), a aplicação e a monitorização de um modelo


necessita de um suporte de conhecimento e estatístico que não existe na maioria dos
países em desenvolvimento. Deste modo, a aplicação é feita pelo método das tentativas
e/ou das aproximações sucessivas. O “desenho” do modelo está assente na “fé”
ideológica da supremacia neoclássica e as aplicações mais ou menos ortodoxas oscilam
em função das reacções das economias, das pressões de grupos de interesses e conforme
a capacidade de reivindicação e de luta das camadas sociais mais negativamente
afectadas.

Os projectos do lado da oferta são financiados pelo sistema bancário


relacionados com as IBW e geralmente subordinado às políticas sectoriais destas
instituições151.

3.3.4 Pressupostos

Os pressupostos dos PAE são principalmente os seguintes:


- O mercado é o meio mais eficiente de afectação dos recursos; se existem
distorções estruturais nas economias, elas são provocadas pelas intervenções
exógenas, geralmente públicas, que provocam ineficiências e desequilíbrios
macroeconómicos e de mercado.
- A iniciativa privada utiliza, contrariamente às empresas públicas,
racionalmente os recursos da economia, já que os agentes económicos
procuram maximizar objectivos (margem bruta, utilidades, etc.), e actuam em
conformidade com expectativas racionais152.
- Para se alcançar a eficiência e a afectação racional, é necessária a liberdade de
circulação dos recursos dentro e com o exterior, no quadro de estruturas de
mercado concorrencial, sendo para o efeito necessárias medidas de defesa da
concorrência.
- O Estado é ineficiente e por isso, não deve intervir na economia e tem como
função facilitar a iniciativa privada e o funcionamento dos mercados.

O modelo explicativo dos PAE assume também que o tipo de câmbios é fixo,
que a oferta monetária é controlada e que os preços externos são estáveis (ou
constantes). Deste modo, as variações da economia internacional não são consideradas
ou podem-se adaptar automaticamente através do mecanismo monetário. Este
pressuposto significa que as economias nacionais estão relacionadas com o mercado
mundial, condição para uma perfeita integração; assim se entendem os objectivos da
paridade entre os preços e das taxas de juro internas com as do mercado mundial e a
eliminação dos mecanismos proteccionistas.

Com base nestes pressupostos, é fácil compreender que as principais medidas


para a aplicação dos PAE são:

151
/ As políticas sectoriais são elaboradas pelo Banco Mundial. Muitos autores, como por
exemplo, Baker (1989), Crook (1991) e Tarp (1991), fazem análises críticas sobre a evolução das
estratégias sectoriais do BM.
152
/ Considera-se que o lucro é o principal motor do crescimento. Assume-se o princípio
schumpteriano que a “acção criadora do empresário é o impulsionador do progresso económico …
através da inovação tecnológica” (Furtado, 1974: 48).
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- As reformas na política comercial através da liberalização das economias


(desregulação dos mercados e dos preços, liberalização do comércio externo e
reformas aduaneiras).
- A redução da intervenção do Estado na economia por meio de privatizações, da
eliminação das afectações administrativas dos recursos e por meio da redução
da sua capacidade financeira (orçamentos públicos).
- As reformas na política fiscal: por um lado, a redução dos gastos e, por outro,
políticas de incremento das receitas públicas através de maiores impostos
indirectos.
- Finalmente, as medidas monetárias têm relevância na aplicação dos PAE,
principalmente através da redução da oferta monetária e do crédito à economia,
paticularmente ao sector público.
- Os instrumentos de política económica mais utilizados são: as taxas de câmbio,
de juros e aduaneiras; a oferta monetária e o controlo dos salários.

As experiências na maioria dos países africanos, indicam que as medidas


monetárias e fiscais são as primeiras, as mais utilizadas e as que se aplicam com maior
velocidade. Estas medidas pretendem restabelecer os equilíbrios as principais balanças
macroeconómicas153. As variáveis crescimento, emprego e distribuição da riqueza são
residuais no quadro das medidas de aplicação dos PAE154.

Parte-se do pressuposto neoclássico que o crescimento económico realiza-se


com medidas de incentivo do lado da oferta, seguindo a relação de causalidade:
crescimento da produção – lucros – mais salários (rendimento) – aumento da procura, e
que a desigualdade é o ponto de partida para o desenvolvimento no quadro do conceito
de “primeiro crescer para depois distribuir”. No modelo, o consumo funciona como
variável residual, deve ser limitado para aumentar a poupança, potenciar o investimento
e equilibrar a balança externa. Deste modo se explicam as medidas que têm como
consequência a retracção da procura interna (e, portanto, a priorização das exportações).
Segundo Bilbao (1990: 28), “num caso (neokeynesianos) é a sequência que relaciona
política e mercado, igualdade e democracia, e, o outro (neoclássicos), livre mercado,
desigualdade, e democracia”. Mas, a etapa final (democracia), tem o mesmo
significado?

153
/ As mais importantes são: balança de pagamentos, balança fiscal (orçamento público),
balança de acumulação (relação entre a poupança e o investimento), além da inflação e do mercado de
valores.
154
/ Fitzgerald e Rob Vos (1989a: 26), afirmam: “ao nível macroeconómico, o factor da
distribuição do rendimento não é considerado como relevante para os Novos Ortodoxos...”. O documento
do UNDP (1989: 24), diz: “sem serem especificamente desenhados para serem assim, os programas de
estabilização têm também a expectativa de influir nas variáveis sociais, como por exemplo, sobre a
pobreza, o emprego, o bem-estar das crianças etc.”. Cook (1988), especifica: “uma análise dos objectivos
de trinta programas do FMI apoiados por créditos elevados entre 1964 e 1979, revelou que o objectivo
primordial era o fortalecimento da situação da balança de pagamentos, enquanto que a inflação e o
crescimento eram secundários. A distribuição dos rendimentos quase que não figurou entre os objectivos
mencionados”. Mosca (1993: 88) afirma: “As medidas de estabilização e de ajustamento não constituem
um modelo de desenvolvimento. Não possuem, de forma explícita, objectivos de desenvolvimento
económico e social e as políticas sectoriais estão apenas implícitas nos possíveis efeitos das medidas
aplicadas”. Esta afirmação é concordante com o pressuposto neoclássico segundo o qual, o mercado
determina por si os equilíbrios macroeconómicos e o desenvolvimento sectorial depende das respectivas
vantagens competitivas da economia.
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Para as correntes liberais, as desigualdades não são resultantes do sistema e da


interacção com o indivíduo, senão exclusivamente o resultado de capacidades
individuais em disputa no mercado “livre”. Os indivíduos hierarquizam-se na sociedade
segundo as suas capacidades. O individualismo económico tem suporte teórico na
ordem social da primazia do indivíduo sobre a sociedade155.

3.3.5 O monetarismo como base teórica dos PAE

De acordo com os objectivos, as medidas de aplicação e a metodologia da


formulação dos PAE, pode-se dizer que o modelo é basicamente monetarista 156.
Segundo Hanlon (1996), Finn Tarp (1993), parte da equação que considera a base do
modelo de financiamento e programação do FMI (denominado neste livro como o
modelo PAE), aplicado para todos os países. A equação é a seguinte 157: BP-c.In =
a+b.∆Tc-∆Ci. Pela equação depreende-se imediatamente que o FMI pretende controlar
a balança de pagamentos e a inflação. Para alcançar esse objectivo, o FMI utiliza
essencialmente dois instrumentos de política económica: a taxa de câmbio e o crédito à
economia. Ambos são determinados pelos decisores de política económica e não pelo
mercado158, não surgindo por isso a utilização das taxas de juro como um instrumento
fundamental de política económica159.

A equação básica do FMI parte de uma outra estritamente monetarista: ∆M =


BM +∆Ci, onde as variações da oferta monetária (∆M), dependem apenas dos earnings
externos e do crédito interno. Depois de críticas, o FMI reconsiderou as variáveis que
influenciam a oferta monetária e transformou a equação anterior na seguinte: ∆M =
a+b.∆Tc+ c.In. Desta forma, o FMI faz variar a oferta monetária da taxa de câmbio e da

155
/ Mosca (1993) apresenta as relações entre os modelos económicos neoclássicos com os ideais
filosóficos do liberalismo.
156
/ Há muitas variantes teóricas do monetarismo. Dornbusch e Fischer, afirmam que quase
todos (imagina-se que dirigindo-se aos economistas), somos algo monetaristas e que, segundo os mesmos
autores (pp. 795), num extremo estão os “duros que se localizam para além de Friedman até ao
keynesianismo ecléctico”. Em resumo, a base da teoria considera o dinheiro como o elemento mais
importante para a gestão macroeconómica, tanto para os equilíbrios como para o crescimento (efeitos
sobre o PNB). A afirmação de Friedman ´o dinheiro é o único que importa nas variações do rendimento
nominal e nas variações de curto prazo do rendimento real´, é um exagero porque transmite o sentido
correcto das nossas conclusões”, em Dornbush e Fischer (1991: 796).
O debate dos monetaristas e dos economistas que dão grande importância ao modelo de
equilíbrio IS-LM, é que estes defendem que enquanto a quantidade de moeda influi as taxas de juro, e
possui efeitos sobre a procura agregada e portanto no PNB, concluem que é necessário gerir as taxas de
juro. Os monetaristas contestam este ponto de vista alegando principalmente: 1) que a taxa de juro
nominal não é um bom instrumento de direcção da economia, mas sim a taxa real, pelos seus efeitos sobre
as restantes variáveis (consumo, poupança, investimentos, etc.); (2) mencionam a possibilidade que as
reserva desestabilizem a economia se existe o objectivo de manter as taxas nominais baixas, (Dornbush e
Fischer (1991: 798 e 799).
157
/ BP é a balança de pagamentos; In, a inflação; ∆TC, as variações da taxa de câmbio; ∆Ci as
variações do crédito interno (inclui o crédito aos sectores privado e público e novas emissões de moeda);
e, a, b e c, são índices constantes relacionadas com cada economia onde se aplica o modelo. Note-se que
as letras existentes no modelo inicial foram modificadas pela tradução do autor.
158
/ O próprio modelo do FMI contradiz um dos pressupostos/objectivos essenciais do
ajustamento estrutural: a não intervenção do Estado na economia. Este “desvio” monetarista
relativamente aos neoclássicos, reflecte-se na não utilização da taxa de juro como o mais importante
instrumento de política economia.
159
/ Este aspecto é um dos que mais diferencia os modelos monetaristas dos neoclássicos.
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3.3 Os programas de ajustamento estrutural

inflação. A combinação destas duas equações deu origem à apresentada no parágrafo


anterior.

A partir deste modelo alcançam-se vários objectivos e, por outro lado, é


necessário gerir mais instrumentos de política económica, sobretudo os gastos públicos.
De forma acessória, os PAE utilizam ainda medidas como as taxas de juro de modo a
mantê-las positivas (comparativamente com a inflação) e a reduzir a procura de crédito
por parte dos sectores “modernos” da economia e do orçamento público, além de
medidas administrativas como as quotas de importação e as tarifas alfandegárias.

Os PAE têm objectivos do lado da oferta que contrariam as políticas restritivas


(os chamados “dilemas da política económica”), que segundo Dornbusch e Fischer
(1991:888), podem ser resolvidos utilizando “ tantos instrumentos de política quanto os
objectivos traçados”. Segundo as IBW, os PAE pretendem também alcançar o equilíbrio
interno (não significando neste caso o pleno emprego) 160, que é obtido com medidas de
retracção da procura (condizente com o modelo) e incremento da oferta, o que exige
investimento e portanto, taxas de juro atractivas para os investidores e acessibilidade ao
crédito (o que influi na oferta monetária). Para reduzir os conflitos (dilemas), os PAE
procuram reduzir os gastos públicos e reestruturar o crédito à economia de forma a
encaminhá-lo para os sectores considerados mais eficientes e que contribuam para o
equilíbrio externo (produtos exportáveis)161. Para o FMI, o equilíbrio externo verifica-se
quando o saldo da balança comercial é zero, Dornbusch e Fischer (1991: 883). De forma
concordante com o modelo PAE, considera-se que para que estes equilíbrios sejam
alcançados a longo prazo, também se têm que verificar o equilíbrio fiscal e monetário
(Tarp, 1991).

A ênfase monetarista indica que a solução dos problemas externos passa por
medidas monetárias dado que têm uma origem monetária interna. Assim, para a solução
dos desequilíbrios internos e externos “é necessário combinar políticas de alteração das
despesas que alterem a procura entre os bens internos e os importados, com políticas de
redução das despesas”, Dornbusch e Fischer (1991:885). Geralmente, são aplicadas
políticas internas restritivas o que significa a redução das despesas orçamentais, de
consumo privado e/ou do investimento.

A regra básica do monetarismo é a seguinte: “baixa taxa de câmbio fixa, a oferta


monetária é endógena e um incremento devido a uma expansão no crédito interno
implica directamente um decréscimo das reservas externas numa base de um para um”,
Tarp (1991:60).

A conclusão política é que um incremento do equilíbrio na balança externa


implica uma contracção no crédito interno, Tarp (1991:57) e Dornbusch e Fischer
(1991:898). Segundo o modelo, o défice da balança de pagamentos é conseguido da
seguinte forma: para cobrir o défice, o banco central vende divisas a uma taxa fixa que

160
/ O conceito de equilíbrio é diferente entre os neoclássicos e Keynes. Os primeiros apenas o
consideram quando existe pleno emprego e Keynes defende que são possíveis equilíbrios com diferentes
níveis de utilização dos recursos.
161
/ No caso de Moçambique, as dificuldades de obtenção de crédito é referida pelos empresários
- veja-se por exemplo os documentos de Carvalho Neves (2004) e de Rui Ribeiro (1995).
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 326
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

reduz a base monetária e portanto a oferta monetária. A taxa de juros sobe, implicando a
redução da procura de dinheiro e a correspondente redução da procura de bens.

Estes efeitos implicam menores importações e maiores fluxos de capital para o


país, o que pode conduzir ao equilíbrio da balança de pagamentos. Internamente, a
redução da oferta monetária com o correspondente aumento da taxa de juros, implica
uma menor procura agregada, tanto pelo lado do consumo, como pela redução dos
investimentos.

As economias com PAE, partem em geral de uma situação de grave recessão e


défice externo. Nestas condições, para reduzir o desemprego requer-se um expansão
económica, mas uma contracção para a redução do défice. Para solucionar este dilema
teria de aplicar-se medidas para “reduzir as importações correspondentes a cada nível de
rendimento”, Dornbusch e Fischer (1991:884). Para este fim, podia-se utilizar a taxa de
câmbio e impostos aduaneiros para a redução das importações, contribuindo deste modo
os equilíbrios internos e externos.

O incremento das exportações e as facilidades de financiameno e da ajuda


externa, também pode significar um aumento das importações, sobretudo em economias
cuja estrutura produtiva é muito dependente de inputs e de tecnologias importadas162.
Para contrariar esta tendência e garantir efeitos positivos a curto prazo sobre a balança
de pagamentos, são geralmente necessárias medidas aduaneiras, restrições às
importações e afectação administrativa de divisas. Embora pareça que o uso da taxa de
câmbio seja o principal instrumento dos PAE, ela só é utilizada de forma acessória.

Entre os economistas existe consenso que a taxa de câmbio, gerida isoladamente,


não introduz alterações significativas no equilíbrio externo a longo prazo. Conforme
sintetiza Tarp (1991:57), “os seus efeitos temporais combinados com outras medidas
políticas, podem ter uma grande importância na recuperação das reservas dos países”.
Dornbusch e Fischer (1991:896), dizem que “os defensores da ênfase monetarista
também argumentam que a depreciação da taxa de câmbio não pode melhorar a balança
de pagamentos, excepto a curto prazo”.

Em geral, os PAE utilizam restrições nos orçamentos públicos porque, segundo


Dornbusch e Fischer (1991:886), “uma redução do défice orçamental daria lugar a uma
redução de igual magnitude do défice externo”. Utiliza-se a taxa de câmbio como
instrumento para solucionar este dilema163. Blejer e Cheast (1986:18) referem-se às
consequências dos défices fiscais. Estes tendem a pressionar a procura, a qual pode dar
lugar a uma elevação da inflação, dos desequilíbrios da balança de pagamentos e, se os
défices se financiam com moeda, podem originar-se subidas das taxas de juros reais e o
desalojamento do sector privado” (“efeito deslizamento”), Dornbusch e Fischer
(1991:171).

162
/ As opções de desenvolvimento assentes nos sectores “modernos”, agravam esta
dependência.
163
/ A desvalorização é aplicada para garantir: (1) a paridade dos preços internos com os externos
de forma a dar competitividade às economias (para ter feito, os salários e os preços não devem subir
proporcionalmente); (2) desviar as despesas em bens importados para os internos e incrementar as
exportações.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 327
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

Alguns autores consideram que apenas os défices financiados com maior oferta
de moeda conduzem ao défice externo e à inflação. Ramos e Eyzaguirre (1991),
referem-se aos défices “nominal” e “operativo”. O “operativo” é aquele que exclui a
componente inflacionária da taxa de juros, argumentando que “ é esta que explica a
aceleração ou desaceleração da inflação”164.

Esta abordagem monetarista supõe que a curva LM165 é vertical e que é


controlada e determinada pelo Banco Central. Nestas condições, conforme argumenta
Dornbusch e Fischer (1991:176), “um incremento do gasto publico não consegue variar
o nível de equilíbrio do rendimento, provocando unicamente aumentos da taxa de juros
de equilíbrio. Se a curva é absolutamente vertical haverá um efeito de deslizamento
pleno”. O efeito de deslizamento também se pode verificar quando a economia está em
pleno emprego. O incremento dos gastos públicos implica uma redução do consumo
privado, Dornbusch e Fischer (1991:178).

Os orçamentos de despesas muito elevados, mesmo quando não deficitários,


implicam uma política de impostos rigorosa que afecta os lucros dos empresários e,
consequentemente, a poupança e a capacidade de investimento. Por estas razões, o FMI
tem como principio, não só evitar défices como exige reduções orçamentais.

O equilíbrio no mercado de capitais, significa que a moeda em circulação deve


garantir o funcionamento da economia sem produzir inflação e cobrir as necessidades da
balança externa. O incremento da oferta monetária deve estar de acordo com a
capacidade de absorção, o que pode determinar o crescimento. O problema está em
determinar a capacidade de absorção e as elasticidades das economias, isto no caso de
existirem capacidades não utilizadas. A deterioração da balança externa por factores
externos implica correcções na oferta monetária.

Este é, em resumo, o modelo que Dornbusch e Fischer (1991:883), chamam de


“processo de ajustamento clássico”. O equilíbrio da economia a longo prazo implica,
segundo o modelo, equilíbrios nas balanças macro-económicas (externa, fiscal e
monetária) e entre a poupança e o investimento, Tarp (1991). Como se referiu, “baseia-
se no ajustamento dos preços e da oferta monetária através da balança comercial”. Os
possíveis estímulos nas economias por factores internos, ou a partir de mudanças na
economia internacional, são sempre ajustados com os mesmos mecanismos.

O suposto que os PAE são basicamente monetaristas, implica a apresentação do


modelo com base em alguns componentes da teoria monetarista. Mas na prática, os PAE
utilizam também outros instrumentos não consideradas importantes por estes autores,
como por exemplo, a utilização de medidas administrativas, a afectação de recursos para
164
/ Ramos e Eyzaguirre (1991) definem assim o défice: “o pagamento dos juros têm duas
componentes: uma, o pagamento dos juros reais ... que correspondem ao uso dos fundos (uma despesa
corrente); a outra, corresponde à perda do valor real da dívida devido à inflação (ou seja, representa na
prática uma despesa de capital com amortização acelerada da dívida)”. Como em geral, é esta última parte
que não pode ser financiada com mais endividamento, deve ser esta componente a que se prioriza no
programa de ajustamento.
165
/ A curva LM é aquela que representa o equilíbrio do mercado de activos considerando
diferentes combinações entre taxas de juro e níveis de rendimento. Os monetaristas defendem o “dinheiro
determina o rendimento ... e que a procura de dinheiro não depende da taxa de juro, o que implica que a
curva LM é vertical, sendo definido pelo Banco Central.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 328
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

fins específicos, impostos alfandegários, restrições quantitativas de importações, entre


outros mecanismos que teoricamente são conflituosos com os pressupostos do modelo
defendido nas conversações e nos debates entre as IBW e os governos.

3.3.6 Os principais temas de debate

Os debates concentram-se nos seis temas seguintes:


- No papel da moeda no desenvolvimento, refutando-se a tese que defende uma
grande ou quase exclusiva importância que o FMI atribui ao controlo da oferta
monetária e à aproximação monetarista da balança de pagamentos.
- A adaptabilidade das medidas estritamente monetárias e fiscais em economias
onde os sectores de pequena escala e informais são de grande importância e
sobre as quais as políticas monetárias e financeiras podem ter, em certas
condições, efeitos limitados.
- Em consequência, considera-se que se secundariza as medidas de ajustamento
e que estas são alcançadas sem intervenção dos poderes públicos.
- Afirma-se que o mercado não é necessariamente a único nem a perfeita forma
de afectar recursos, sobretudo se forem considerados as fortes distorções das
economias em desenvolvimento.
- Refuta-se o pressuposto da livre circulação de recursos à escala internacional e
que o princípio das vantagens competitivas deve ser gerido a curto prazo, não
sendo a longo prazo um obstáculo para as transformações estruturais.
- Questiona-se que os PAE sejam apenas um “pacote” de medidas económicas
quando a crise é global e não só económica.

a) Crescimento económico

O controlo da inflação, os equilíbrios da balança de pagamento e das contas


públicas, são consideradas pré-condições para a existência de um crescimento estável;
refere-se que a inflação penaliza sobretudo os grupos sociais mais pobres (o chamado
imposto da inflação). Não existem divergências sobre estes princípios e sobre a
necessidade de ajustamento das economias em crise. Mas não há consenso sobre o
conceito de défice público, acerca dos os níveis “tolerados” de inflação e quais os níveis
admissíveis de endividamento externo.

Existe na maioria das experiências dos PAE um efeito claramente recessivo


(pelo mesmo a médio prazo). O crescimento económico em Moçambique no período do
PAE teve períodos de comportamento diferentes no que se refere ao crescimento
económico. Vários factores contribuíram, destacando-se: o ponto de partida muito baixo
de 1987; o aumento significativo de recursos externos; a liberalização dos mercados
com respostas positivas da produção a curto prazo. Após os acordos de paz, o regresso
dos refugiados dos países vizinhos e dos deslocados de guerra aos locais de origem foi
acompanhado de condições meteorológicas favoráveis para a agricultura e de apoio em
sementes e instrumentos de trabalho (referido na secção 3.1), o que impulsionou a
produção agrícola de milhões de camponeses. Porém, as restrições orçamentais e a
política monetária recessiva dificultaram a recuperação produtiva: isto é, sacrificaram-se
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 329
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

as variáveis da economia real (crescimento, investimento e, consequentemente, emprego


e rendimento das famílias), para preservar a estabilidade nominal166.

Conforme referido, o FMI adopta o princípio neoclássico de primeiro estabilizar


para depois crescer e finalmente (quando?), distribuir. O modelo dos programas de
ajustamento pressupõe a concentração da riqueza a longo prazo, com efeitos de “cima
para baixo” e que a curto prazo são necessários programas de alívio da pobreza para os
grupos sociais mais vulneráveis. A distribuição da riqueza é considerada uma variável
exógena ou, resultante de hipóteses secundárias de curto prazo do modelo, que têm por
objectivo legitimar e viabilizar o ajustamento, Mosca (2002). Com base nestes
pressupostos, a entrada de capitais tem reflexos negativos na economia (pelo menos a
curto prazo), na medida em que se traduz num aumento de moeda sem contrapartida em
bens e serviços, o que se poderia traduzir em novos ciclos de desequilíbrio (inflação,
dívida externa e pública, etc.)167.

A dependência de fluxos externos torna as economias mais vulneráveis,


sensíveis às variações externas e limita a capacidade de intervenção e de
estabelecimento de políticas nacionais. Por exemplo, o aumento ou a redução das
reservas (balança de pagamentos) devido a mudanças na economia internacional,
repercute-se automaticamente na economia de um país através do mecanismo do
ajustamento monetário. Considerando a tendência do mercado mundial, a perda dos
países com PAE parece inevitável, se os factores internos forem considerados
constantes. Se este princípio é aceite, o factor externo é dominantemente negativo para
as economias em desenvolvimento. Isto significa que para que o sector externo seja
promotor do crescimento, teriam que existir mudanças importantes nas relações
económicas internacionais.

As reformas estruturais pretendidas pelo ajustamento têm como objectivos


liberalizar os mercados (interno e externo), privatizar, reestruturar o Estado, reduzir e
reconfigurar as despesas públicas. Estas medidas, juntamente com as de política
económica, são suficientes, segundo os precursores do modelo, para reequilibrar as
principais macromagnitudes e fazer crescer a economia. No caso de Moçambique, as
políticas sectoriais pretenderam recuperar os mecanismos de funcionamento e
reprodução da economia colonial: a secção 3.1 apresentou a recuperação do conceito de
produção em blocos e das empresas “concessionárias” relacionadas com a cultura do
algodão; os mecanismos de extracção de recursos da agricultura e do meio rural são

166
/ O comportamento da economia moçambicana não é a regra dos PAE. Ground (1987), faz uma
análise sobre os países da América Latina entre 1981 e 1985 e conclui que o crescimento negativo é o
dominante: de 23 países estudados, 12 tiveram crescimento negativo em 1981, 22 em 1982, 18 em 1983,
11 em 1984 e 13 em 1985. O BM procura demonstrar o bom comportamento das economias com PAE,
fazendo referência aos países do oriente (Taiwan, Singapura, Coreia do Sul, Filipinas, etc.) e alguns
africanos (Quénia e Costa do Marfim) e do Uruguai. O documento da ECA (1989), contesta as análises
do BM para a ASS e afirma o contrário. Posteriormente, o Relatório do Desenvolvimento Mundial de
Banco Mundial de 1991, termina por aceitar os maus resultados dos PAE relativamente ao crescimento
económico. Embora o estudo de Ground se refira à década de oitenta, a interpretação do modelo teórico
do PAE permite concluir que as políticas recessivas não são incentivadoras da recuperação da produção.
167
/ Uma das principais críticas que se fazem aos PAE, é a limitada entrada de capitais para
incentivar a economia. No caso de Moçambique, existem muitos projectos cuja limitação financeira tem
origem interna devido às políticas recessivas.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 330
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

reactivados168; o tipo de relações externas e com a RAS do período colonial foram


restabelecidas; as infra-estruturas destruídas pela guerra são reabilitadas favorecendo as
economias do hinterland e as zonas das grandes plantações; etc. Não existem políticas
sectoriais e de investimentos que introduzam transformações estruturais de longo prazo
na modernização e nas tecnologias do tecido produtivo; não há investimentos em infra-
estruturas para assegurar a coesão espacial do território e facilitar a mobilidade dos
recursos e dos cidadãos; os gastos públicos em investigação e experimentação, são
praticamente inexistente, e quando existem, relacionam-se com as culturas de
exportação.

Deste modo, o PAE em Moçambique procura recuperar a economia colonial


esquecendo elementos essenciais que a tornavam operativa: no lugar de um Estado
intervencionista e regulador, o PAE introduz a liberalização desregulada com uma
burocracia desestruturada, esvaziada de capacidade técnica e com elevados níveis de
corrupção; o empresariado com alguma tradição, protegido pela burocracia, com
espírito empreendedor e produtivo, é substituído por uma emergente elite que
maioritariamente procura rendas fáceis e não produtivas. O nacionalismo económico
colonial (pelo menos até à década dos anos 50), o surgimento de um empresariado com
padrões de acumulação centrados em Moçambique e a estratégia de substituição de
importação da última fase colonial, foram substituídos pela acentuação da natureza
extravertida da economia e assente no financiamento e na ajuda externa.

Consequentemente, aos PAE é feita a crítica idêntica aos modelos e concepções


de desenvolvimento neoclássico segundo o qual é necessário primeiro crescer para
depois distribuir. O modelo apenas introduz hipóteses distributivas na medida das
capacidades reivindicativas dos grupos sociais negativamente afectados e com o
objectivo de viabilizar e legitimar politicamente o programa de ajustamento. A equidade
não constitui preocupação dos PAE e a desigualdade é aceite como um custo a suportar
em defesa da eficiência dos recursos 169. Em Moçambique, embora não existam estudos
conclusivos, existem sinais que indicam que o crescimento económico é realizado com
mais desigualdades sociais. Os investimentos espacialmente concentrados, as
oportunidades de emprego e de obtenção de rendimentos por parte de uma elite
minoritária, as privatizações e os créditos não reembolsados transformando-se em
rendimentos para os beneficiários, entre outros aspectos, confirmam os sinais de riqueza
exteriorizada pelas elites citadinas, principalmente em Maputo. Sem que os dados e os
estudos sejam consistentes, existem indicações de redução da pobreza absoluta e o
indicador de Ginn tem uma subida ligeira para o conjunto do país e aproxima-se de zero
em Maputo. A transformação do PAE em PAES procura introduzir medidas de
protecção dos grupos sociais mais vulneráveis; por terem sido aplicadas medidas
essencialmente assistencialistas, a criação de riqueza e de emprego manteve-se, no
essencial, com as mesmas características.
168
/ Os principais mecanismos de transferência de recursos são: salários mais baixos na
agricultura; secundarização do crédito concedido às actividades económicas rurais; investimento público
e privado localizado nas cidades; termos de troca negativos; preços desfavoráveis para a agricultura;
acumulação concentrada nos sectores a montante da agricultura; entre outros.
169
/ Teoricamente, pode não existir conflito entre crescimento e eficiência por um lado e maior
equidade por outro. São possíveis políticas económicas que estabeleçam pontos de compromisso entre
crescimento e equidade, sendo esta última variável entendida e alcançada no quadro da distribuição de
recursos e da riqueza decorrente da aplicação das medidas económicas e não através de programas
específicos não internalizados no modelo económico, tal como acontece com os PAE.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 331
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

b) A secundarização da agricultura

Os mecanismos de acumulação extraem recursos da agricultura e do meio rural


para o financiamento das economias urbanas. Nas cidades, os sectores formais e
informais estabelecem de forma crescente funcionalidades reforçando-se mutuamente e
com fluxos de recursos de acordo com os interesse os dos agentes económicos que,
muitas vezes, actuam em ambos os sectores. A localização dos investimentos, os
destinos do crédito, a evolução negativa dos termos de troca entre as economias rurais e
o conjunto da economia, o desnível entre os salários agrícolas e não-agrícolas, o
abastecimento dirigido para os consumidores urbanos, etc., descriminam os
camponeses.

As políticas praticadas pelo ajustamento estrutural em Moçambique revelam


claramente a secundarização da agricultura, principal sector económico e social. Não
obstante, para as IBW, a priorização da agricultura decorre automaticamente da
aplicação do programa. O esquema teórico é o seguinte: se os PAE estimulam as
exportações e estas são principalmente produtos agrícolas, o sector agrário é
beneficiado; a redução do proteccionismo e a liberalização dos preços e dos mercados
incentivam a produção. Afirma-se que são os pequenos produtores com tecnologias
intensivas no factor trabalho os mais beneficiados, considerando que sofrem menos o
efeito dos preços dos insumos importados devido à desvalorização.

Na prática, estes raciocínios são pouco verdadeiros. Primeiro, é necessário


conhecer o peso relativo das culturas de exportação na estrutura produtiva e nos
rendimentos170, e comparar com os possíveis efeitos positivos no conjunto do sector 171;
em muitos casos, são as grandes plantações as principais produtoras destes bens; por
outro lado, a estrutura do mercado é geralmente monopolista do lado da procura e os
pequenos produtores não estão organizados para a negociação com as empresas
compradoras e transformadoras (casos referido na secção 3.1 relativamente ao algodão e
caju, por exemplo). Segundo, os defensores do PAE argumentam que os aumentos dos
preços dos bens exportáveis têm um efeito positivo sobre o rendimento dos produtores;
acrescentam as possibilidades dos efeitos de “imitação” tecnológica e os apoios aos
produtores pelas empresas exportadoras. O que se verificou em Moçambique, segundo
estudos pontuais, é que não são evidentes as transferências tecnológicas das cash crops
para as food crops (MOA/MSU/UA, 1991). Os camponeses de Nampula (zona onde se
realizaram os estudos172), demonstraram não alienar a segurança alimentar obtida
através da produção alimentar, contrariamente à concepção transmitida pelas IBW173.

170
/ Em Moçambique como na maioria dos países africanos, os produtos de exportação não
representam a maioria do rendimento agrário (veja secção 1.3).
171
/ Maxwell e Adriano (1989), afirmam: “A associação entre agricultura comercial e crescimento
continua sendo um tema controvertido. Há evidências recentes que fazem duvidar da existência de uma
associação universal. Não obstante, a agricultura de rendimento (cash crops) pode oferecer uma via para
o desenvolvimento”.
172
/ Estudos realizados no âmbito do MA em cooperação com as universidades de Michigan e
Arizona.
173
/ O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial do BM de 1986, na página 82, afirma: “Mas
a questão-chave não é segurança alimentar mas a vantagem comparativa. Se um país pode fazer um
melhor uso dos seus recursos em exportações – agrícolas ou não -, não há razões para desperdiçar
recursos na busca da auto-suficiência em alimentos ... a auto-suficiência alimentar permanece um
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 332
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

Terceiro, os PAE procuram acelerar a integração da produção camponesa no mercado


como forma de aumentar a extracção de recursos a baixos custos; este fenómeno,
iniciado já no período colonial (e com maior intensidade a partir de finais do século
XIX), introduz processos de adaptação, assimilação e resistência produtiva, tecnológica,
social e cultural, forçando reestruturações das formas e dos mecanismos de reprodução
da unidade económica, política e social da família camponesa e cria crescentes níveis de
assunção real dos processos produtivos em relação ao mercado 174. Desta forma, os PAE
induzem o processo de modernização na agricultura na sua concepção restritiva: mais
insumos, infra-estruturas, extensão rural para venda de factores de produção e
divulgação técnica. Muitas das críticas realizadas sobre a “revolução verde” são
aplicáveis à política agrícola subjacente aos PAE175. Quarto, o acesso aos serviços no
meio rural constitui um elemento importante para o incremento do rendimento e do
nível de vida; parece evidente que os PAE (confirmado no caso de Moçambique),
mantêm as políticas de urban bias. Quinto, as IBW introduzem uma forte pressão sobre
a privatização da terra, aspecto já referido anteriormente.

A priorização dos sectores (exportação176 e empresas), implica necessariamente


uma concentração espacial da produção. Mais de 70% da produção industrial está
localizada nas cidades de Maputo, Beira e Nampula; a produção de algodão, caju, copra,
chá, realiza-se sobretudo nas províncias de Nampula e da Zambézia. Os corredores do
Limpopo, Beira e Nacala possuem o grosso dos serviços nas cidades portuárias
referidas. A oferta turística encontra-se em Maputo (cidade e província) e em alguns
pontos da costa (principalmente na província de Inhambane). Um conjunto de
indicadores referidos nas secções 3.1 e 3.2 confirmam que o investimento e a actividade
das ONG localiza-se sobretudo nas cidades (principalmente em Maputo).

c) O investimento e a poupança

Todas as teorias económicas dedicam atenção às formas de financiar a economia


e o crescimento, isto é, acerca do balanço entre a poupança e o investimento. Keynes
não defende que o mercado seja sempre um perfeito meio de afectar automaticamente
os recursos nem a taxa de juro o principal instrumento de gestão (ou de incentivo) da
poupança e do investimento. O modelo socialista apoiou-se na teoria da acumulação
regulada administrativamente, que defendia a transferência de recursos do sector agrário
e rural para a industrialização, centrado no Estado e orientado pelos planos que definem
os balanços materiais intersectoriais. Nurkse (1951), em referência aos países em

objectivo popular anti-económico e alguns países estão dispostos a exporem-se a altos custos para
alcançá-la”
174
/ São muitos os trabalhos sobre este fenómeno; veja-se por exemplo, Wolf (1970),
Meillassoux (1973), Servolin (1979 e 1986), Shanin (1979 e 1983), Friedman (1980), Bernestein (1986),
entre muitos.
175
/ Para um estudo crítico sobre as “revoluções verdes”, veja-se por exemplo Griffin (1974);
sobre o conceito de “modernizaçao” na agricultura, Graziano da Silva (1980) numa aplicação ao Brasil e
Bernstein (1990) aborda teoricamente esta questão.
176
/ Singer (1988), faz uma forte crítica à outward orientation recomendada pelas IBW e à forma
como é formulada no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1987. Em resumo, considera que as
conclusões do BM são retiradas a partir de casos muito específicos, alguns dos quais são cidades-estados.
Singer faz referência a Helleiner (1986: 146): “… as influências externas relacionam-se com o suposto
que o grau de orientação externa está associado a indicadores de crescimento, tanto em África como nos
países pobres em geral e suporta-se principalmente na constatação que a grande instabilidade dos volumes
de importações está associada com menores crescimentos”.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 333
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

desenvolvimento, defende o aproveitamento do “subemprego177” para a formação do


capital fixo, principalmente nas obras públicas. Lewis (1954), com o modelo dual de
desenvolvimento e baseando-se nas diferentes produtividades marginais do trabalho,
apresentou o financiamento do desenvolvimento através da transferência dos recursos
(principalmente de trabalho) dos sectores “tradicionais” para os “modernos” 178. Kaldor
(1959), sugeria que os défices orçamentais geravam poupanças pelo efeito recessivo
sobre os salários. Kalecki (1976), defendia a redução do consumo não-essencial e a
manutenção dos salários dos trabalhadores e dos rendimentos dos camponeses,
Ftizgerald e Rob Vos (1989).

O papel dos recursos externos é analisado de diferentes formas, mas são


necessários para o desenvolvimento. Os efeitos do capital externo são controvertidos.
Nos países em desenvolvimento, considera-se que o que justifica a baixa poupança não
é a deficiente gestão dos incentivos ao aforro, as debilidades e distorções dos sistemas
financeiros ou as políticas financeiras recessivas dos governos 179. A questão central
177
/ O conceito de “subemprego” pode ter diferentes aproximações: que existem baixas
produtividades marginais do trabalho (perto de zero), sendo portanto possível retirar o factor trabalho sem
consequências sobre os níveis de produção; aproximações que se referem a níveis elevados de ociosidade;
esta última, não considera um conjunto de actividades sociais e outras no âmbito dos mecanismos de
reprodução social e de poderes das comunidades.
178
/ Lewis considera como “sector tradicional” a agricultura e “moderno” a indústria. Assim, o
desenvolvimento económico assentaria na industrialização à custa dos recursos excedentários existentes
na agricultura. Supunha-se que a agricultura “tradicional” teria alcançado a produtividade marginal do
trabalho em redor do ponto zero, pelo que seria possível retirar este factor sem importantes consequências
nos níveis de produção.
179
/ As teorias sobre o papel das taxas de juro variam. Keynes considera que possui um papel não
importante. Os neo-keynesianos possuem opiniões semelhantes. Os defensores do modelo IS-LM
defendem a taxa de juro como um instrumento fundamental de política económica: regulam a procura de
moeda e, portanto, o volume da oferta monetária. Os monetaristas consideram-na um instrumento
secundário à oferta monetária.
Os estudos empíricos não permitem uma conclusão universal. Guillamount (1985: volume 2, 45),
afirma: “não é possível atribuir, por falta de dados dos países de rendimentos baixos, conclusões
definitivas sobre o tipo de mecanismos financeiros mais eficazes para estimular a poupança. Blejer e
Cheasty (1986:17), referem: “considerando a pouca ou incerta magnitude dos efeitos da taxa de juros, os
restantes usos potenciais da taxa de juros como instrumento de política e as limitações internacionais
impostas sobre a determinação das taxas em economia abertas, não é surpreendente que os governos não
tenham frequentemente tentado influenciar directamente na poupança agregada mediante alterações da
taxa de juro”.
O BM como banco, procura matizar a importância das taxas de juro. Num estudo em 33 países
em desenvolvimento no período 1974-85, o Banco relaciona as taxas de juro, os investimentos, a
produtividade e o crescimento, BM (1989: 36 e 37). As conclusões principais são: os países com taxas de
juro positivas têm crescimento positivo, taxas de investimentos médias e altas (e 15% a 49% do PNB) e
geralmente possuem produtividades acima da média; o contrário não é verificado: nem todos os países
com taxas de juro negativas têm baixos ritmos de crescimento, baixos níveis de investimento e de
produtividade, embora estes casos se constatem com maior frequência nestes países”.
Segundo Khatkhate (1986), a questão principal é determinar a taxa de juro e afirma (página 47):
“um enfoque alternativo poderia ser fixar as taxas de juros internas ajustando a uma estrangeira
representativa ... de acordo com o diferencial entre as taxas de inflação interna e externa”. Para os países
em desenvolvimento, a questão é determinar qual a taxa de juro de referência.
Outro aspecto importante refere-se às distorções do sistema financeiro nos países em
desenvolvimento. Grande parte dos autores consideram que as distorções são um elemento importante
mas não o único ... O relatório do BM (1989: 145) refere: “com poucas excepções, os países em
desenvolvimento implantaram as reformas financeiras em períodos de graves dificuldades económicas,
como parte dos programas de estabilização e ajustamento estrutural”; na página 48, acrescenta: “enquanto
na África ao sul do Sahara foram realizadas ou estão em curso reformas financeiras em vários países, ...
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Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 334
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

advém dos níveis de rendimento. Nurkse (1951: 66), afirmava: “pelo lado da oferta na
questão da formação do capital, o círculo vicioso da pobreza vai de (1) o baixo nível dos
rendimentos; (2) a escassa capacidade de poupança; (3) a falta de capital que conduz; a
(4) baixa produtividade e desta forma outra vez a um baixo nível do rendimento per
capita.

O debate sobre o investimento é também inconclusivo. Em consequência da


limitada capacidade de poupança individual e das economias, o balanço da acumulação
nos países em desenvolvimento é geralmente negativo. Os fluxos de IDE são baixos e
existe a tendência para a APD diminuir nos países africanos. Moçambique, por gozar o
estatuto de “bom aluno” e de “boa governação” é dos três países africanos que mais
recebe ajuda e fundos da cooperação internacional. Consequentemente, o investimento
não é determinado internamente, tanto nos volumes como nas áreas prioritárias. Grande
parte do investimento externo está sectorial e espacialmente muito concentrado. A
agricultura é secundarizada. O financiamento externo em projectos de rentabilidade
duvidosa e em contextos de crise, na maioria dos casos, termina por alimentar a dívida
externa.

Nas economias de pequena escala e informais, as lógicas de investimento não


estão apenas associadas a mais benefícios, mas também à melhoria das condições de
vida, trabalho e prestígio social. Nestes sectores, o investimento tem como fonte
principal o auto-financiamento, estando por isso associado à capacidade individual de
poupança. Quanto mais estas economias estiverem integradas nos mercados e
assumirem as lógicas reprodutivas do capital, mais necessitam de fontes de
financiamento externo (relativamente à actividade). Nesta perspectiva, as economias
assentes em pequenas e muito pequenas empresas em fase inicial de acumulação
alargada, possuem na capacidade de investimento um importante obstáculo: ainda não
possuem acesso ao sistema financeiro formal180 e, por outro lado, as formas de crédito
informal e as organizações de micro-crédito possuem capacidade financeira limitada e
praticam taxas de juro geralmente mais elevadas.

Uma importante crítica que se faz ao BM é que financia basicamente


investimentos de formação de capital produtivo de curto prazo. A constituição do que se
pode chama de capital “humano” e/ou “social” é secundário nos empréstimos e
programas.

d) O papel do Estado

O papel do Estado na economia é um tema muito polémico, que os poderes


defendem com insistência181 e sobre o qual não há consenso. Existe necessariamente um
equilíbrio entre os sectores privado e público que nenhuma teoria económica descreve
com precisão, possivelmente por se tratarem de equilíbrios politicamente conflituosos e
existirem realidades muito diferenciadas. Os debates e as decisões sobre este tema
os objectivos são reestruturar as instituições, melhorar os procedimentos de regulação e preparar caminho
para se apoiarem mais nos mercados”.
180
/ O sistema financeiro exige, regra geral, condições de segurança (garantias) e de procedimentos
administrativos que dificultam o acesso dos agentes económicos de pequena ou muito pequena escala, por
regra sem tradição nem formação. Acrescenta-se que o sistema financeiro formal está espacialmente
concentrado, dificultando as acessibilidades.
181
/ Mosca (2002, Capítulo 3) desenvolve este debate.
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Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 335
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

baseiam-se em critérios essencialmente políticos e é muito “ideologizado”. Os


posicionamentos extremos (desde o papel nulo do sector público defendido pelos
ortodoxos neoclássicos, até a defesa da completa socialização da economia pelas
doutrinas marxistas), são refutados pelas experiências que demonstraram suficientes
resultados negativos. Para o caso dos países em desenvolvimento, os autores que
defendem uma maior participação do sector público fundamentam-se nos seguintes
factores:
- O reduzido e débil tecido empresarial nacional.
- Os baixos níveis de acumulação nacional.
- As escassas infra-estruturas.
- O papel histórico do Estado na prestação de serviços (saúde, educação,
transportes, energia, etc.) às comunidades.

Por outro lado, a experiência demonstra que o sector público é geralmente


ineficiente, que os proteccionismos produzem baixa competitividade e que os
monopólios (estatais ou não), evitam a concorrência, prejudicam o consumidor e a
economia no seu conjunto. As IBW são ortodoxas, embora com algumas diferenças
entre as duas organizações; o BM como instituição bancária, possui uma posição mais
flexível: argumenta que nas condições dos países em desenvolvimento, existem funções
para as quais o sector privado não está preparado (criação de infra-estruturas, prestação
de serviços básicos, regulação do mercado, etc.). A ECA (1989), refere a importância do
reforço das instituições estatais nos países africanos.

A aplicação do PAE em Moçambique revela as opções das IBW, destacando-se,


por exemplo os aspectos seguintes182:
- A perda de capacidade do Estado devido à saída de quadros qualificados e a
consequente redução da soberania sobre um conjunto de matérias.
- A diminuição de recursos e consequente redução da oferta de serviços básicos.
- A criação de organismos reguladores (como por exemplo os institutos dos
cereais e do algodão), que se tornam reféns dos interesses económicos e
incapaz de arbitrar os conflitos de interesses, regular as actividades de que são
responsáveis.
- A instalação de uma economia desregulada (“capitalismo selvagem”), onde o
negócio, as funções públicas, a corrupção e o crime surgem muitas vezes
associados. Consequentemente emerge uma elite de “renda”.

As IBW secundarizam as funções não económicas do Estado e que no caso dos


países africanos têm grande importância. Bangura (1992), defende que o Estado, através
da prestação de serviços e da distribuição de recursos, pode desempenhar um papel
importante para a unidade dos estados-nações. Para o efeito, é necessário que a
afectação dos recursos obedeça a critérios não exclusivamente económicos, mas que
considerem factores de equilíbrio do poder, da representatividade, do desenvolvimento
regional e social tão equitativo quanto possível, o que significa que terão de existir
importantes compromissos entre estes factores, a rentabilidade económica e a eficiência
na utilização dos recursos, Mosca (2004). Kingsley (1967), para o caso da Nigéria,
reafirma a importância dos serviços públicos como elemento unificador da nação.
Mosca (2004), defende que a construção das nações africanas constitui um dos
principais desafios de África, o que exige políticas que encontrem situações de
182
/ Ao longo do livro existem exemplos de casos para cada um dos tópicos apresentados a seguir.
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Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 336
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

compromisso entre a eficiência dos recursos e a equidade social e espacial, como


condição para garantir a estabilidade política e social indispensáveis. O mesmo autor
reforça o papel da prestação de serviços básicos na formação de elementos de
identidade e de unificação nacional.

A legitimidade do Estado é outro aspecto que as IBW procuram introduzir


através da democratização das sociedades. A democracia é entendida no seu sentido
restrito, como a existência de uma aparente liberdade de imprensa e de expressão, maior
respeito pelos direitos humanos, pela realização de eleições, pela existência de muitos
partidos e pela liberdade de associação. Parece pouco realista falar e aplicar sistemas
democráticos “à ocidental”, em sociedades com elevado analfabetismo, com deficientes
comunicações e sistemas de informação limitados, com pouca tradição de organização
da sociedade civil e onde se mantêm as formas de poder “tradicionais”. De uma forma
positivista, pode-se argumentar que estes processos representam avanços em relação às
formas ditatoriais e oligárquicas prevalecentes. No entanto, simultaneamente que os
PAE necessitam de legitimidade para a sua aplicação, provocam a instabilidade com os
severos custos sociais. As IBW procuram legitimar os PAE introduzindo programas de
redução dos efeitos sociais sobre os grupos mais vulneráveis, através da gestão do ritmo
de aplicação das medidas mais “severas” (em termos de consequências sociais). As
bases sociais de apoio são, naturalmente, os grupos “ganhadores”, que reconfiguram o
poder e as alianças que suportam as transformações económicas dos PAE.

Foi no período do PAE (com início nas reformas ao “socialismo” a partir de


1982/1983) que se introduziram (ou, foram restabelecidas relativamente à época
colonial), políticas de relacionamento entre a burocracia formal e os poderes informais,
com o objectivo essencial de utilizar as hierarquias étnicas e clânicas para o exercício de
funções do Estado e para ganhar bases sociais, considerando que existem
instrumentalizações políticas e eleitoralistas com base étnica e regional.

e) A liberalização dos mercados

Não existem dúvidas sobre a importância do funcionamento dos mercados. Os


PAE, além de liberalizarem o funcionamento da economia, também geram mercados
informais e negócios com transparências duvidosas. O caso de Moçambique confirma o
crescimento de múltiplas actividades paralelas, como por exemplo, as economias
“subterrâneas183”, os mercados informais e estruturas paralelas (por exemplo, a
distribuição da ajuda alimentar e o funcionamento de algumas ONG), que distorcem os
mercados, as burocracias e criam interesses paralelos. Convém diferenciar as
actividades que correspondem a formas de sobrevivência dos grupos sociais
marginalizados das restantes. Enquanto que umas necessitam ser combatidas
(economias “subterrâneas”), é importante que outras sejam integradas na economia
formal e as últimas deveriam ser incorporadas nas burocracias e instituições pública e
privadas existentes.

O suposto que a liberalização faz aumentar a produção e reduz os preços,


necessita ser verificado em cada caso. O caso de Moçambique (por exemplo dos
183
/ Neste caso, considera-se economia “subterrânea” às actividades não declaradas e realizadas
sem visibilidade, podendo ser ilícitas, ilegais ou mesmo criminosas (como por exemplo, tráfego de droga
e de armas).
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Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 337
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

produtos agrícolas), demonstra que o crescimento produtivo não é automático: sofre


variações (podendo decrescer), a evolução dos preços nem sempre acompanha a
inflação e existem comportamentos diferenciados por tipo de produto. Confirma-se que
os termos de troca entre os produtos agrícolas e os restantes continuam desfavoráveis
para o sector agrário. Repete-se que em situação de monopólio do lado da procura
(casos da compra do algodão, caju, copra, etc.) por parte das empresas
comercializadoras/transformadoras/ exportadoras, os produtores primários não são
beneficiados ou, quando o são, é proporcionalmente em menor amplitude que os agentes
económicas das fase seguintes das fileiras produtivas. Estes e outros exemplos,
demonstram que as medidas sobre os mercados e preços geram efeitos reduzidos,
instáveis e assimétricos. O debate de Delgado e Mellor (1987 e 1984) com Schiff
(1987), revela que a conjugação do efeito preço com outras medidas, produz maiores
respostas que o efeito preço como medida isolada 184. Existe ainda o dilema dos preços
agrícolas já referido na secção 2.1. Em situação de défice de oferta, a maioria da
população (incluindo os produtores agrícolas), são compradores líquidos de alimentos;
nestes casos, o efeito do aumento dos preços pode ser negativo para a recuperação da
produção, considerando a retracção da procura em consequência dos níveis de
rendimento das famílias.

Considerando o exposto, sugere-se que o aumento dos rendimentos das famílias


deveria estar assente na produtividade, no incremento da oferta de bens de troca no
mercado rural185, na criação de emprego (onde o auto-emprego tem um peso
importante), na diversificação das actividades produtivas, no aumento das
acessibilidades aos serviços básicos e na mobilidade física dos cidadãos. Está em
debate, uma vez mais, a compatibilização das políticas do lado da oferta e/ou da
procura. Existe uma recuperação do conceito (ou da estratégia) dos anos setenta acerca
das virtualidades e dos limites do desenvolvimento rural integrado.

A liberalização da actividade de comércio externo é outro ponto de debate. Uma


vez mais, não está em questão a importância do funcionamento do mercado mas da
ausência de medidas para atenuar os efeitos perversos. No caso de Moçambique, a
importação de bens alimentares da RAS produz consequências importantes sobre o
tecido produtivo nacional e a corrupção nas alfândegas gera rendimentos pessoais
ilegais e reduzem as receitas públicas. Embora o crescimento das exportações seja mais
rápido que o das importações, o défice comercial aumenta contribuindo para o processo
de agravamento da dependência externa. Em que sectores/produtos, a economia
184
/ Alguns funcionários do BM possuem opiniões semelhantes. Chibber (1988: 47), afirma: “em
muitos países de rendimentos baixos, o crescimento da oferta agrícola atrasa-se pelas más e insuficientes
vias e serviços de transporte, investigação sem imaginação e ineficientes serviços de extensão igualmente
carentes de imaginação e de eficiência, falta de abastecimento seguro de água e de energia eléctrica, e
deficiente serviços de saúde e educação. Uma Lele (1989: 46), confirma Chibber: “Estes aspectos
tornaram evidente a necessidade de abordar problemas diferentes dos preços – tais como a posse da terra,
a criação e adaptação de novas tecnologias, o acesso ao crédito os serviços de extensão e os mercados”.
Num estudo sobre Moçambique e a Tanzânia, Berthelemy e Morrisson (1989), concluem que o aumento
dos preços agrícolas provocou uma redução da produção comercializada devido à ´penúria do mercado´.
Com poucos bens para troca, os produtores obtinham o que anteriormente compravam com a venda de
menores quantidades, devido ao efeito do aumento dos preços.
185
/ Para o aumento da produtividade na agricultura, tem importância o aprovisionamento de
instrumentos de trabalho, de sementes melhoradas adaptadas a cada região, o acesso ao crédito e os
serviços de extensão rural, o desenvolvimento da experimentação agrária, a melhoria das infra-estruturas
(estradas e caminhos rurais), entre outros aspectos.
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Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 338
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

moçambicana tem ou pode possuir vantagens competitivas para se aplicar de forma


ortodoxa a liberalização do comércio externo? Como competir no mercado internacional
com as economias desenvolvidas que possuem elevado subsídios à agricultura e
impõem barreiras às exportações dos países em desenvolvimento? Porque razão as IBW
mantêm relações assimétricas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento 186?
Qual a taxa de câmbio efectivamente competitiva 187? A competitividade depende apenas
da desvalorização da moeda? O exemplo do caju apresentado na secção 3.1 é bem
ilustrativo: as IBW resistem no apoio a medidas de recuperação da indústria nacional
por esta ser mais mecanizada que o sector transformador indiano e, por isso, não pode
ser competitiva; em contrapartida, estimula-se a exportação da matéria-prima para este
país asiático. Este e outros exemplos dão fundamentação aos autores críticos que
referem que as IBW têm por objectivo integrar as economias com PAE no mercado
internacional reconfigurando a divisão internacional do trabalho segundo critérios
políticos, criticam os lobbies em defesa dos interesses económicos e assentam a
competitividade na produção intensiva em trabalho e em salários baixos.

Quinto, critica-se os PAE porque estes não consideram a necessidade de


medidas que tenham como objectivo introduzir transformações estruturais nas
economias. Para as IBW, estas transformações são uma consequência da liberalização
dos mercados e das privatizações, supondo que estas medidas corrigem
automaticamente as distorções. A questão fundamental, além de relacionada com as
políticas económicas, está na concepção sobre as estruturas económicas e os
mecanismos de reprodução interna e nas relações com o exterior, e sobre as relações
entre equidade e crescimento/eficiência na utilização de recursos. Enquanto que a
corrente liberal defende a equidade como uma consequência do crescimento e os
ajustamentos são derivados da afectação dos recursos de acordo com a eficiência inter-
sectorial e espacial adoptando posteriormente medidas correctoras, os estruturalistas
defendem que são necessárias medidas específicas para influenciar as transformações
estruturais, argumentando que o mercado não é suficiente e é este que provoca as
externalidades (sociais, ambientais e económicas), sobre as quais é necessário intervir,
sobretudo através do controlo das transferências inter-sectoriais dos recursos e dos
padrões de acumulação.

f) Custo sociais

Não existem dúvidas que os PAE exigem custos sociais elevados e


desigualmente distribuídos em sociedades já fortemente sacrificadas. Os efeitos
recessivos do ajustamento, as medidas de controlo da procura agregada, os cortes nos
subsídios às empresas públicas (quer dizer aos produtos produzidos por estas), a política
monetária recessiva, a redução da capacidade do Estado em oferecer serviços, entre
186
/ Relativamente aos países desenvolvidos, as IBW recomendam, prevêem e elaboram
relatórios informativos; nos países em desenvolvimento e com PAE, impõem-se ajustamentos e
condicionalidades políticas e económicas para o financiamento e para a aplicação de políticas
económicas, agredindo, muitas vezes, a soberania dos estados.
187
/ A taxa de câmbio é estabelecida com que critérios? É conhecido que a taxa de câmbio no
mercado paralelo é definida pelos agentes dessas economias para defesa de interesses específicos de
determinados grupos no quadro de networks envolvendo fluxos de capital e de mercadorias entre a RAS,
Moçambique e a Índia. Sendo um dos objectivos da política cambial a convergência com a taxa do
mercado paralelo, pode-se concluir que são os agentes económicos deste mercado que em muitas
circunstâncias, estabelecem os valores.
Livro de MOSCA, João (2005): Economia de Moçambique, século XX. Lisboa Editora Piaget
Capítulo 3 – O Período do Ajustamento Estrutural 339
3.3 Os programas de ajustamento estrutural

outras medidas, afectam sobretudo os grupos sociais mais vulneráveis, particularmente


os pobres das cidades.

Estes custos, bem como a afectação social e espacial desigual são elementos
intrínsecos do modelo. Por essas razões, as IBW prevêem programas paralelos para
redução da pobreza e dos efeitos sociais mais visíveis. Os equilíbrios e a profundidade
dos custos dependem de vários factores: da capacidade negocial dos governos locais se
estes têm preocupações sociais; do poder de pressão e reivindicativo da sociedade civil;
dos riscos de tornar os PAE ilegítimos e socialmente insustentáveis. As IBW pretendem
aparentar uma face humana; no entanto, foram as ONG e algumas organizações do
sistema das nações unidas (como por exemplo a UNICEF), os movimentos sociais
nacionais e internacionais que durante décadas pressionaram as IBW e as políticas
liberais aplicadas sem respeito pelas realidades sócio-culturais, agredindo a soberania
dos estados.

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