Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
The World Bank and the reform of Social Security in Latin America
Resumo: Neste artigo apresentamos a trajetória do Banco Mundial na sua aproximação com a política de Pre-
vidência Social, bem como sua evolução ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000. Partimos da premissa de
que tal perspectiva não se apresentou de forma igual nessas três décadas, uma vez que as condições objetivas
que a sustentam também se modificaram. Assim, a crise de endividamento dos países da América Latina, na
década de 1980, os ajustes estruturais, as reformas dos sistemas de repartição e o aumento da pobreza são
processos dinâmicos em que o Banco Mundial atuou e ao mesmo tempo se modificou no decorrer dessa atua-
ção.
Palavras-chave: Banco Mundial. Previdência Social. América Latina. Políticas Sociais.
Abstract: This article presents the history of the World Bank in its policy approach to Social Security, as well
as its evolution over the decades 1980, 1990 and 2000. We assume that such a perspective is not presented
equally in these three decades since the objective conditions that sustain also changed. Thus, the debt crisis of
Latin America in the 1980s, structural adjustment, the reform of distribution system and rising poverty are
dynamic processes in which the World Bank intervened and at the same time changed the course of this ac-
tivity.
Keywords: World Bank. Social Welfare. Social Policy. Latin America.
1Assistente Social. Mestre em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, Brasil). Dou-
toranda em Política Social no Programa de Pós-Graduação em Política Social pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES, Brasil). E-mail: < mirellamagioni@hotmail.com>.
103
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
O
cada de 1940 na Conferência de veis de exploração via condições precárias
Bretton Woods com o intuito de de trabalho, quanto externamente, pois não
contribuir para a reconstrução dos atinge os níveis de produtividade dos paí-
países no pós Segunda Guerra ses centrais. Essa intensa desigualdade
Mundial e também promover o cresci- produzida pelas relações capitalistas al-
mento econômico dos países em desenvol- cança primordialmente a parcela da popu-
vimento através do investimento finan- lação mais pobre, alijando-a da participa-
ceiro em projetos setoriais. Logo nas pri- ção da riqueza nacional e condicionando-a
meiras décadas de atuação, essa instituição a sobreviver em condições precárias.
consolidou-se como uma importante frente
de disseminação e consolidação do poderio A perpetuação dessa dependência sempre
econômico dos EUA a nível global. Essa di- foi uma preocupação do centro hegemô-
nâmica fez parte do estabelecimento de nico do poder, pois na realidade concreta
uma nova ordem mundial construída no dos países poderiam surgir possibilidades
pós Segunda Guerra Mundial na qual o de criar alternativas a esse modelo de ex-
centro hegemônico de poder mundial des- ploração. Dentro dessa lógica, era necessá-
loca-se da Inglaterra em direção à nação es- rio conduzir os países da periferia no pro-
tadunidense (COELHO, 2012). cesso de crescimento econômico aos mol-
des dos interesses dos países centrais, para
Nesse sentido, o histórico de atuação do que o modelo de desenvolvimento perma-
Banco Mundial e sua influência no cresci- necesse “desigual e combinado”. 2 Nesse
mento e desenvolvimento das nações não é sentido, o Banco Mundial tinha a tarefa de
um dado isolado da dinâmica mundial. Os consolidar parcerias com tais países atra-
organismos internacionais são agentes de vés de contratos de financiamento em áreas
uma hegemonia mundial que buscam apri- consideradas chave para a economia des-
morar as relações de subordinação entre sas nações. Com isso, o Banco Mundial ti-
centro/periferia, tendo em vista as transfor- nha a prerrogativa de conduzir essas eco-
mações do sistema capitalista. A forma de- nomias a um modelo de desenvolvimento
pendente como a América Latina foi inte- tal qual requeria a hegemonia capitalista
grada ao mercado mundial - como produ- (RACHED, 2010).
tor de mercadorias de baixo valor agregado
- foi primordial ao funcionamento do sis- Por outro lado, tal como descrevem Netto
tema e permitiu que as relações desiguais e Braz (2005), a realidade é dinâmica de
fossem perpetuadas (MARINI, 2000). forma que as estratégias de crescimento
econômico e desenvolvimento são altera-
das ao longo do tempo para acompanhar as
105
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
A solução encontrada se baseia, mais uma essa ampliação no foco de atuação trouxe
vez, na produção de um novo consenso na uma série de benefícios ao Banco, pois
América Latina em torno de “novas” estra- tornou possível que a instituição se pro-
tégias de crescimento econômico, ou ainda, jetasse em inúmeros campos no interior
das economias periféricas – muito além
a atualização das velhas estratégias com
do que era possível quando atuava em
novas roupagens. Aqui não é produzido
projetos voltados predominantemente ao
nenhum conhecimento novo, ou mesmo,
setor de infraestrutura.
não há a vinculação com o keynesianismo
ou com o desenvolvimentismo; ainda é o Ao redirecionar seu campo de atuação, o
velho liberalismo econômico. Assim, o Banco Mundial vem se envolvendo, cada
Banco Mundial redirecionou suas políticas vez mais, em projetos voltados para os pro-
na América Latina após os fracos resulta- blemas sociais dos países em desenvolvi-
dos operados na década de 1980 e início da mento, como é o caso da América Latina.
década de 1990. Na década de 1980, sua função principal
constituía-se no financiamento de emprés-
É importante ressaltar que a cada nova di- timos para conter a crise generalizada na
ficuldade e, consequentemente, novos de- América Latina. No entanto, as condiciona-
safios os objetivos do Banco Mundial são lidades exigidas pelos ajustes afetaram so-
alterados e as abordagens tornam-se, cada bremaneira os povos dessa região e au-
vez mais, sofisticadas e abrangentes, sem mentaram a pobreza e a desigualdade so-
contudo, perder o vínculo com as velhas cial. Nesse processo, a credibilidade da ins-
práticas liberais. Assim, a base liberal per- tituição estava ameaçada e, consequente-
manece e as mudanças incidem sobre as mente, sua influência sobre o desenvolvi-
práticas propostas para atingir o desenvol- mento dos países. Foi necessário então que
vimento, que são operadas, ora com caráter o Banco Mundial apresentasse novas estra-
mais duro, ora com caráter mais flexível tégias para “conter” os avanços da po-
nas prescrições. Para Rached (2010, p. 49) breza, fruto da própria atuação da institui-
esse processo modificou-se ao longo do ção, ao direcionar a América Latina para o
tempo, onde nota-se que: crescimento econômico (RACHED, 2010).
106
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
O Banco Mundial e as reformas da Previdência Social na América Latina
para a América Latina, com vistas a recu- estava no centro dessa dinâmica. Primeira-
perar, em curto prazo, a liquidez das eco- mente, pelos déficits desses sistemas que
nomias e propiciar que estas pudessem sal- eram financiados pelos recursos fiscais e
dar os empréstimos tomados anterior- depois pelo desestímulo ao fomento da
mente (COELHO, 2012). poupança nacional, argumentos esses que
seriam utilizados futuramente pelo Banco
Esse processo teve origem nas transforma- Mundial em suas análises. Além disso, o
ções econômicas e sociais após a crise do bi- Estado, no campo social, deveria agir estri-
nômio keynesianismo/fordismo, na década tamente em programas de combate à po-
de 1970, que afetou e exigiu também mu- breza, com ações complementares à inicia-
danças na forma de atuação do Banco tiva privada (DRAIBE apud FRIEDMAN,
Mundial e na conduta dessa instituição 1993).
frente aos problemas da América Latina.
Segundo Coelho, (2012) na primeira gera- A agenda do Banco Mundial com relação
ção de recomendações, o Banco Mundial às medidas de combate à pobreza, durante
volta-se ao atendimento das demandas fi- a fase correspondente a primeira geração
nanceiras dos países em desenvolvimento, de recomendações, limitou-se ao discurso
objetivando o equilíbrio do sistema de pa- de que tais medidas eram boas para os po-
gamentos internacionais, que requereu bres porque, diferentemente do efeito der-
uma série de condutas e regras intrínsecas rame, tão propalado na década de 1970, os
às relações entre centro e periferia. benefícios chegariam diretamente a tais
grupos e não indiretamente (PEREIRA
Formava-se assim uma nova ordem mun- apud BANCO MUNDIAL, 2010). Apesar
dial fundada nos princípios neoliberais que de o discurso apresentar um tom maior de
se transformaram na base conceitual das preocupação com os problemas sociais, o
reformulações das ações do Banco Mun- que se apreendeu, de fato, durante a dé-
dial. Tais princípios pautavam-se na libera- cada de 1980, foi a mesma cartilha usada
lização econômica, no corte dos gastos so- anteriormente de que a retomada do cres-
ciais e na diminuição das funções do Es- cimento, em curto prazo, converter-se-ia
tado no plano econômico e social. Como re- em sinais de redistribuição de seus frutos
sultado, houve uma “negação” das funções para a população de uma forma geral. As-
estatais formuladas pelos teóricos do neoli- sim, o problema do aumento da pobreza
beralismo que contrastava diametralmente seria “resolvido” como consequência das
com as conquistas em termos de políticas políticas de ajuste (COELHO, 2012).
sociais operadas na Europa, durante a vi-
gência do Estado de Bem-Estar Social, prin- Apesar de o diagnóstico do Banco Mundial
cipalmente no campo do seguro social. sobre a realidade da América Latina tocar
nos problemas relacionados ao aumento da
Assim, os gastos sociais passam a ser con- pobreza, as iniciativas mais consistentes
siderados um dos maiores causadores da nessa área só seriam formuladas alguns
crise econômica e o sistema previdenciário anos depois, em meados da década de
107
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
1990. Naquele momento, a previdência so- una sociedad integrada y uma red de se-
cial era prioridade para o Banco Mundial, guridad ex-ante de producirse la contin-
de forma que merecia um posicionamento gencia social individualizada; d. no dis-
mais enfático da instituição. Assim, no do- cute las ineficiencias y el alto costo de la
provisión privada de algunos servicios; e
cumento “Envelhecimento sem Crises”, pu-
sus evaluaciones se basan en criterios es-
blicado em 1994, a instituição elencou uma
táticos y no toma en consideración los
série de problemas que apontavam para a
problemas de la dinámica del fenómeno
necessidade de privatização, entre eles o de la distribución de la riqueza, de los in-
aumento da expectativa de vida da popu- gresos y de la propia situación de po-
lação, as baixas taxas de poupança e a re- breza [...].
dução do coeficiente de dependência 3.
A crítica de Lo Vuolo exprime, com riqueza
Posto isso, considera-se que, na década de de detalhes, a verdadeira face das políticas
1990, há uma mudança nos objetivos do sociais propagadas pelo Banco Mundial.
Banco Mundial em relação à década ante- Através dessa lógica, a política social é
rior que nos permite chamá-la de segunda vista somente pelo aspecto do gasto social
geração de recomendações. O Banco Mun- e não como um instrumento de aproxima-
dial continua com sua função de conceder ção com uma sociedade mais justa e solidá-
empréstimos setoriais, porém, no quesito ria. Assim, a solução para os problemas so-
políticas sociais, passa a priorizar a forma- ciais são pensados fora da dinâmica das re-
ção de um consenso na América Latina so- lações entre capital x trabalho e também
bre a importância da privatização da previ- alijados da distribuição da riqueza e da
dência social. Essa mudança expressa um renda.
caminho no sentido de instrumentalizar
essa política para que ela possa atender pri- À medida que o Banco Mundial se apro-
oritariamente às demandas do crescimento funda em sua função de apoiar financeira-
econômico, reduzindo suas funções. Nesse mente e tecnicamente a privatização da
sentido Lo Vuolo (1997, p. 128), aponta os previdência social, como bem coloca Gra-
problemas provenientes desse reducio- nemann (2007, p. 59), ele funda “[...] um
nismo das políticas sociais. novo parâmetro de intervenção estatal”.
Obviamente que não é uma mudança que
[...] a. reduce el objetivo de la política so- ocorre, de forma rápida, e muito menos se
cial al impacto redistributivo del gasto; b. desenvolve sem existir recuos e avanços
se ocupa de los efectos y no de las causas das partes envolvidas. Esse novo parâme-
de la pobreza y la marginalidad social; c.
tro de intervenção começa a ser articulado
ignora las positivas externalidades pro-
durante a década de 1980 e adentra as dé-
ducidas por las políticas que garantizan
cadas seguintes com mais força ainda.
prestaciones de alcance universal y en
particular sus virtudes para construir
109
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
110
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
O Banco Mundial e as reformas da Previdência Social na América Latina
mayores benefícios previsionales (LO dos recursos que outrora eram destinados
VUOLO, 1997, p. 123). à população considerada não pobre.
Lo Vuolo coloca muito bem a sequência de A justificativa para o incremento dos fun-
benefícios que seriam obtidos através da dos de pensão, como bem explicam Ber-
introdução do sistema de capitalização nas zoini e Reis (2003), recai na expectativa do
economias em desenvolvimento: pou- Banco Mundial de que tais fundos pode-
pança, crescimento, maiores salários e por riam financiar o desenvolvimento do país.
fim maiores benefícios no futuro. Tais mu- As receitas acumuladas, provenientes des-
danças, anunciadas pelo Banco Mundial, ses fundos, seriam utilizadas para investi-
confirmam que os instrumentos utilizados mentos na atividade produtiva e na infra-
para consolidar sua influência se alteram estrutura, as quais também atingiriam o
conforme as necessidades do capital tam- desenvolvimento social através da forma-
bém se alteram. O momento de reordena- ção de novos empregos.
mento do sistema capitalista requeria uma
série de mudanças na estrutura dos Esta- Assim, a destituição dos direitos, era um
dos, como a própria contrarreforma, desre- mal menor, visto que os benefícios futuros
gulamentações, privatizações, abertura aos dessa escolha compensariam as perdas da
capitais financeiros, flexibilização dos con- classe trabalhadora no presente. Além
tratos de trabalho e a mercadorização da disso, o governo não estaria reduzindo be-
proteção social. nefícios dos grupos mais pobres e sim da-
queles trabalhadores considerados privile-
Nesse sentido, o modelo de três pilares, giados e que recebiam benefícios previden-
proposto pelo Banco Mundial (1994), signi- ciários de grande valor do governo. Tais
ficava a melhor “resposta” às demandas grupos de trabalhadores seriam sacrifica-
econômicas e sociais da América Latina, dos nos seus direitos para que no futuro o
pois atendia, ao mesmo tempo, os objetivos desenvolvimento gerado fosse distribuído
econômicos e sociais de forma muito mais a todos sem distinção (BANCO MUN-
eficiente. A estratégia consistia em incorpo- DIAL, 1994).
rar, no primeiro pilar, as políticas de com-
bate à pobreza que objetivavam atender, de No entanto, a dinâmica econômica e social
forma residual, as demandas da população apresentada na América Latina, no final de
pobre, priorizando o acesso aos serviços 1990, não era satisfatória de forma que
sociais básicos. Já o segundo pilar abarcava muitas críticas foram dirigidas ao sistema
obrigatoriamente a lógica da capitalização, de três pilares. Para Matijascic e Kay (2007,
através dos fundos de pensão abertos e fe- p. 4), “A crítica central [...] se refere ao fato
chados. Dessa forma, haveria uma situação de as condições estruturais do contexto so-
confortável de redistribuição e equidade cial, econômico e de respeito aos direitos
social, pois as ações estatais seriam agrupa- sociais permanecerem inalteradas após a
das apenas para o atendimento das deman- realização das reformas [...].” Além de
das das parcelas mais pobres, utilizando-se tudo, especialistas do Independent Evalua-
tion Group (IEG) afirmam que os países
111
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
que realizaram reformas estruturais não al- principalmente devido ao aumento dos ní-
cançaram os objetivos esperados. veis de pobreza na região. Nesse sentido, a
reavaliação das reformas constituiu-se
- Os custos de gestão foram muito eleva- como objetivo principal da agenda do
dos e a concorrência não operou Banco Mundial, no final da década de 1990,
como o previsto; e fazia parte de uma estratégia maior de
- A poupança não aumentou e não foi combate ao que a instituição denomina de
uma influência decisiva para a reto- círculo vicioso da pobreza (CEPAL, 2006).
mada da atividade econômica;
- Os mercados de capitais continuaram Para o Banco Mundial, (2006) o aumento da
com baixos níveis de capitalização e pobreza, nas décadas de 1980 e 1990, repre-
grande concentração em títulos emiti- sentava um dos maiores entraves para o
dos pelos Estados. crescimento dos países da América Latina.
Além disso, entre os países existia uma he-
Para Matijascic e Kay (2007), vários fatores terogeneidade econômica e social que obs-
mostraram que as economias da América taculizava uma receita única e infalível,
Latina não estavam preparadas para tama- como aconteceu quando a instituição pres-
nha reorientação. O primeiro ponto refere- creveu a privatização em 1994. Uma pres-
se aos altos custos de gestão dos fundos crição rígida e orientada apenas por um po-
que terminam em diminuir a rentabilidade sicionamento externo não atendia às reais
das contas individuais dos trabalhadores. demandas sociais dos países. Então era ne-
Além disso, o número de contribuintes não cessário flexibilizar as prescrições para
aumentou como previsto nas etapas inici- atender a um número maior de demandas
ais da reforma e os problemas sociais não sociais e que como consequência resgataria
foram superados. Por fim, os níveis de ca- novamente a influência e a confiança depo-
pitalização permaneceram ainda muito sitada nos projetos da instituição.
baixos depois das reformas e talvez o mais
importante fator citado pelos autores re- Dessa forma, para atuar nessa nova dinâ-
fere-se à baixa evolução do mercado de ca- mica, o Banco Mundial passou a adotar um
pitais da região que obstaculizou a absor- conceito de pobreza que vai além da di-
ção dos recursos. Há uma oferta de recur- mensão convencional da desigualdade de
sos, porém as dimensões reduzidas desses renda. A instituição passa a agregar concei-
mercados faz com que tais recursos dispu- tos como saúde, mortalidade, educação, se-
tem as poucas opções que existem, provo- gurança e capital humano que provocou
cando a emissão de novos títulos que não uma mudança nos instrumentos através
têm lastro com os investimentos produti- dos quais a pobreza seria combatida. Con-
vos. siderando-se essa ótica, a pobreza persiste
porque os governos, até o momento, não
O resultado negativo das reformas gerou investiram, suficientemente, nos pobres
um clima ainda maior, de incerteza nos pa- (BANCO MUNDIAL, 2006).
íses que privatizaram a previdência social,
112
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
O Banco Mundial e as reformas da Previdência Social na América Latina
Tais investimentos concorrem para o com- uma aproximação maior dos pobres à edu-
bate da “insuficiência de ativos”, que cons- cação e à saúde, orientados pelas condicio-
titui a dimensão da pobreza a qual impede nalidades. Ou seja, não se constitui um di-
a melhora dos níveis de produtividade. reito para todos que necessitam, mas uma
Dessa forma, o investimento social, reque- forma a mais de agregar ativos que pode-
rido pelo Banco Mundial, perpassa pelo rão gerar novas oportunidades de renda no
desenvolvimento de capital humano e so- futuro, seja ele no mercado formal ou como
cial, visando uma maior produção de opor- empreendedor individual. O mais impor-
tunidades. Ainda, quanto maiores os avan- tante é dotar os pobres de capacidades e
ços nos quesitos recursos técnicos e na ca- habilidades para gerenciar seus próprios
pacidade humana, mais competitiva será riscos.
aquela economia e mais chances terá de se
desenvolver. (FRENCH-DAVIS, 2007). Para a Comissão Econômica para a Amé-
Em termos práticos, as mudanças no posi- rica Latina e o Caribe (CEPAL), houve um
cionamento do Banco Mundial não signifi- reposicionamento do Banco Mundial
caram uma alteração nos princípios gerais frente às lacunas deixadas pelas estratégias
do neoliberalismo adotados até então. de mercado (CEPAL, 2006). A função pri-
Trata-se de modificar apenas a extensão mordial do Banco Mundial, que é apoiar o
das políticas sociais para assegurar uma desenvolvimento dos países da periferia,
maior aceitação e credibilidade, sendo que necessitou passar por uma ação planifi-
as causas das desigualdades sociais perma- cada4 de forma que as decisões seriam ori-
necem intocadas. Não se trata de alcançar entadas pelo conhecimento maior das ne-
as desigualdades provenientes das relações cessidades de cada país e da população
de exploração do capital sobre o trabalho, alvo. Assim, as rápidas mudanças no con-
ou ainda, sobre a incapacidade inerente do texto econômico e social não serão mais um
sistema capitalista de atender a todos, problema tão grave porque o Banco Mun-
mesmo aqueles com suficiência de “ati- dial estará preparado para agir, seja de
vos”, pobres ou não pobres. forma residual ou mais integral. Sua ação
dependerá muito mais dos limites encon-
Além disso, para potencializar o investi- trados nos próprios países e dos resultados
mento em ativos, a orientação do Banco que se quer alcançar.
Mundial (2006) considera também a neces-
sidade de adotar programas de transferên- Um importante passo do Banco Mundial
cia condicional de renda. Todavia, a impor- nessa direção foi a utilização de critérios
tância de tais programas vai muito além de sociais e humanos na concessão dos em-
disponibilizar renda, uma vez que significa préstimos aos países mutuários. No docu-
4 Para RUIZ CARO (2002, p. 28), “[...] planificar es cisiones que disponen en función de las perspecti-
simplemente ensayar los efectos de decisiones y al- vas de corto y largo plazo o si se toman las decisio-
ternativas, es adelantarse a situaciones hipotéticas y nes focalizadas o integrales en término de desarro-
ver qué decidiría uno en esa instancia. Este ejercicio llo”.
tiene que tener presente cuales son los tipos de de-
113
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
mento Propuesta de um Marco Integral de De- Além disso, nessa proposta, o Estado fun-
sarrollo, publicado em 1999, o Banco Mun- cionaria também como uma espécie de
dial considera que, além dos indicadores força potencializadora dos mercados de
econômicos, passa a ser necessário avaliar, forma que sua missão consistiria em dirigir
também, na concessão de empréstimos, o as ações do mercado às instituições e polí-
alcance e a eficiência do setor social. ticas adequadas (TARASSIOUK, 2006).
Dessa forma, os limites do mercado na pro-
O marco integral do desenvolvimento moção do bem-estar seriam “compensa-
prevê uma relação de complementaridade dos”, pelo menos na aparência, através da
entre a política social e a política econô- força complementar do Estado nesse pro-
mica, diferentemente do que antes fora es- cesso. Como consequência de tal articula-
tabelecido no início da década de 1990. Tal ção, as políticas sociais focalizadas não se-
medida significa que ao mesmo tempo em riam julgadas por atenderem às necessida-
que o Banco Mundial pressiona os países des do capital e sim como uma escolha cor-
para a adoção de políticas mais amplas no reta conjunta em face das limitações e ne-
combate à pobreza abre-se um caminho cessidades daquela sociedade.
para que a instituição apresente as políticas
que melhor atendam às suas necessidades Por outro lado, o que significou esse reor-
e tangencialmente às demandas da popula- denamento econômico e social para a polí-
ção. Nesse processo, ganha peso e ampli- tica de previdência social? Até então, os sis-
tude as políticas consideradas “corretas” temas de repartição eram apresentados
para o Banco Mundial que, além de pro- pelo Banco Mundial como “[...] meros sis-
porcionar equidade e justiça social, não temas de transferência de impostos, que
desrespeitam as condições econômicas e criam desincentivos prejudiciais e distor-
sociais pré-determinadas. ções em mercados de trabalho e no esforço
de se realizar poupança, o que reduz os ní-
Nessa etapa, denominada de terceira gera- veis de investimento e de produção”
ção de recomendações, como trataremos (HOLZMANN, 2005). Contudo, o projeto
aqui, o Banco Mundial recruta também do Banco Mundial para substituir esse sis-
uma participação maior do Estado que an- tema fracassou de modo que alguns espe-
teriormente fora condenado pela ortodoxia cialistas da própria instituição chegaram a
neoliberal. No entanto, a evocação desse afirmar que se trocou um mito por outro.
pilar não significou uma mudança radical
em favor da adoção de políticas mais uni- Além das reformas dos sistemas de pensão
versais que teve o Estado como principal não atingirem as metas preconizadas pelo
gerenciador. A função do Estado, reque- Banco Mundial, seus princípios não corres-
rida pelo Banco Mundial, se assenta sobre ponderam às especificidades regionais e
a promoção do capital humano e social estruturais da América Latina. O arranjo
através de uma maior intensificação das pouco flexível do sistema de três pilares
políticas de saúde básica, educação para as não abarcava as diferenças econômicas e
crianças e educação profissional para os jo- sociais entre os países e dentro dos países
vens.
114
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
O Banco Mundial e as reformas da Previdência Social na América Latina
e, além disso, não havia uma integração en- ficos”, que paradoxalmente foram os gran-
tre os pilares, de forma que os objetivos des impulsionadores das privatizações na
econômicos estavam desvinculados dos década de 1990. Nessa nova etapa, a aten-
objetivos sociais. Além disso, o Banco ção maior repousa sobre os riscos a que es-
Mundial (2006) passou a valorizar as expe- tão submetidos os grupos de renda mais
riências inovadoras, em curso na América baixa, idosos e não idosos, como afirmam
Latina, uma vez que os caminhos para o alguns estudiosos.
crescimento estavam muito mais vincula-
dos às realidades concretas do que apenas A ‘grande novidade’ é a introdução de
a estudos e elaborações vindos de fora. um ‘pilar básico’, inexistente no docu-
mento de 1994, e dirigido aos que não po-
No documento Soporte del ingreso economico dem prover suas aposentadorias por con-
tribuição, seja em sistemas públicos ou
en la vejez em el siglo veintiuno: una perspec-
privados [...] (GRANEMANN, 2007, p.
tiva internacional de los sistemas de pensiones
62).
y de suas reformas, publicado em 2005, o
Banco Mundial sugere o sistema de múlti-
Ressalta-se que a pobreza, até meados da
plos pilares como uma reatualização nas
década de 1990, não era o foco principal
reformas dos sistemas de repartição. A
dos programas e projetos do Banco Mun-
principal mudança reside na flexibilização
dial. Existia sim uma preocupação mundial
dos arranjos institucionais, de forma que
com o crescimento da pobreza, mas não era
não há uma prescrição rígida e nem um
alvo de ações sistematizadas como aconte-
modelo considerado ideal, como aconteceu
ceu a partir do final da década de 1990 e
em 1994. Porém, é necessária a instituição
nos anos 2000. Assim, no sistema de três pi-
de políticas mais fortes de combate à po-
lares, o foco foi o fomento aos sistemas de
breza combinadas com esquemas de capi-
capitalização e, no sistema de múltiplos pi-
talização obrigatórios ou de forma voluntá-
lares, o fundamento é o combate à pobreza.
ria. O documento do Banco Mundial (2006,
São os ajustes sofrendo “ajustes” dentro da
p. 18) destaca “[...] la reducción de la po-
realidade em processo que o Banco Mun-
breza y la suavización del consumo y de
dial atua. Ou seja, o Banco Mundial neces-
enfrentar más efetivamente los riesgos de
sita modificar-se para acompanhar as mu-
tipo econômico, político y demográfico que
danças em curso. Na atualidade, o Banco
afronta todo sistema de pensiones”.
Mundial utiliza-se do modelo previdenciá-
rio de repartição para reafirmar e fortalecer
Para o Banco Mundial (2006, p. 23), as re-
as ações para o combate à pobreza, como
formas devem ser produzidas para poten-
bem coloca Vianna.
cializar o crescimento e o desenvolvimento
e reduzir as distorções do mercado de tra-
A ênfase no pilar zero expressa o reco-
balho e de capitais. Nota-se que os objeti- nhecimento de que a pobreza está inclu-
vos do Banco Mundial (2006, p. 19), ao ado- ída na agenda das reformas do sistema
tar o sistema de múltiplos pilares, vão além de proteção social dos países da região
da “pressão fiscal e dos desafios demográ- [...], sugere que a dissociação antes obser-
115
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
vada entre políticas de previdência e po- A partir disso, podemos afirmar que esse
líticas de pobreza, foi minimizada. Nos processo não aconteceu de forma linear;
anos 90, os documentos do Banco Mun- houve momentos de avanços nas propos-
dial que analisavam e prescreviam políti- tas de cunho liberal do Banco Mundial,
cas para a pobreza eram específicos para
mas também, de reavaliações provenientes
tal. Documentos sobre as reformas da
dos problemas decorrentes da dureza das
previdência tinham como núcleo a intro-
prescrições, da heterogeneidade dos países
dução de um pilar obrigatório de capita-
lização. Atualmente, tratam, a um só e das próprias contradições internas da ins-
tempo, de ambos os temas. Benefícios tituição Banco Mundial, sem contudo alte-
não contributivos (para os idosos pobres) rar sua base teórico-conceitual.
e programas de transferência condicio-
nada de renda (para famílias pobres com Por isso, tratamos aqui de três gerações de
crianças) passam a integrar o pacote de recomendações, não no sentido de reduzir
sugestões, ao lado das reformas (VI- três décadas a períodos bem marcados
ANNA, 2010, p. 37). onde termina uma fase e começa outra,
mas com o intuito de apontar, de forma su-
Tal dinâmica traz em seu bojo uma estraté- cinta, sem a pretensão de esgotar o assunto,
gia ainda mais importante adotada pelo as principais mudanças econômicas, soci-
Banco Mundial que diz respeito ao fortale- ais e políticas em cada período as quais im-
cimento e apoio dos projetos nacionais. pactaram nas ações do Banco Mundial so-
Essa adesão concorre para qualificar e soli- bre as reformas da previdência social.
dificar a influência do Banco Mundial so-
bre as nações. O papel de apoiador é mais Por fim, procuramos apontar os determi-
“justo” e mais “leve” do que o papel de cre- nantes que fizeram com que o Banco Mun-
dor internacional. E como consequência dial se afastasse do ideário de privatização,
desse processo, o Banco Mundial vai resga- como um modelo único para a América La-
tando novamente sua credibilidade. tina e se aproximasse, cada vez mais, de
um modelo de reforma mais gradual. O ob-
3 Considerações finais jetivo, pelo menos no discurso, consistia
em abarcar as especificidades de cada país,
Compreender a evolução da aproximação porém, na prática, o intuito principal resi-
do Banco Mundial nas reformas da previ- dia, mais uma vez, em legitimar suas práti-
dência social na América Latina não é uma cas junto aos governos.
tarefa fácil, visto que depende de múltiplas
determinações. Dentro das três décadas Referências
abordadas neste artigo, importantes mu-
danças econômicas, políticas e sociais BANCO MUNDIAL. Envejecimentos in
aconteceram, no plano mundial, como tam- crisis: políticas para la proteccíon de los
bém nas economias da América Latina que ancianos y la promoción del crescimiento.
nortearam a ação do Banco Mundial na Washington: Banco Mundial, 1994. Dispo-
proposição das reformas. nível em: <http//www.bancomun-
dial.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2012.
116
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
O Banco Mundial e as reformas da Previdência Social na América Latina
117
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.
Mirella Januário MAGIONI
118
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.2, p.103-118, jul./dez. 2014.