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O ajustamento estrutural contra o desenvolvimento

Além da mundialização e da financiarização, a tendência principal foi a imposição à


maioria dos países do Sul, e em seguida ao Leste, de programas ditos de «ajustamento
estrutural» visando abrir a economia desses países e conceder a prioridade absoluta às
exportações. Apoiam-se na teoria dita da «abordagem monetária da balança dos
pagamentos», que desemboca em três interditos: não se proteger, não estimular acti-
vidade pela criação monetária, não procurar controlar as saídas de capitais. E conhece-
se bem, de há uns tempos para cá, o modo como se aplicam esses programas, que
comportam sempre as mesmas receitas: baixa das despesas públicas, privatizações,
desvalorização, liberalização monetária e financeira, abertura das fronteiras, supressão
das subvenções, etc.

Estes programas foram concebidos nas instituições internacionais como o FMI e o


Banco Mundial e em grande parte impostos utilizando a pressão da dívida. Os reesca-
lonamentos ou os empréstimos parciais estavam com efeito explicitamente condicio-
nados à aplicação de políticas económicas visando gerar as entradas em divisas neces-
sárias ao pagamento da dívida. Podem analisar-se os planos de ajustamento estrutural
desta maneira: todas as suas medidas estão dirigidas para a maximização do fluxo
líquido de divisas. Pouco a pouco, este objectivo financeiro foi elevado ao estatuto de
modelo universal, não de pagamento da dívida, mas de crescimento. Ora a experiência
mostra que o ajustamento assim definido se opõe largamente às exigências de um
autêntico desenvolvimento.

(…) Trata-se de uma crítica interna muito forte que vale também para os países do
Leste: todos os programas se baseiam, com efeito, no postulado implícito segundo o
qual existe uma iniciativa privada potencial, mais manietada, que vai instantanea-
mente preencher os espaços oferecidos pelo retraimento do Estado e as privatizações.
Há uma incompreensão muito profunda das raízes sociais da eficácia económica: trata-
se do produto de uma visão tecnocrática e idealizada do capitalismo, que é o molde
comum de formação dos «ajustadores» através do mundo.

As coisas passam-se de outro modo. (…) O ajustamento passa por uma redução da
massa salarial pública, do número de funcionários, pela eliminação das empresas
públicas não rendíveis, pela caça às subvenções. Ora, mesmo que se admita que o
peso excessivo do Estado (…) a melhoria do saldo orçamental passa por um verdadeiro
desmantelamento desses redes de solidariedade que «mantinham» a sociedade e abre
o campo à revolta (…) os pobres sofreram de maneira desproporcionada os efeitos da
contracção. As economias nas despesas públicas afectaram programas que visavam
proteger os pobres. As reformas exacerbaram as desigualdades de rendimentos»
(Summers e Pritchett, 1993).

Michel Husson, Miséria do Capital, Terramar, Lisboa, 1999, pp. 103-105

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