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Minas Gerais
2015
CARLOS EDUARDO DE SOUZA MIRANDA
JUIZ DE FORA – MG
2015
RESUMO
Este artigo tem por pretensão elaborar um breve estudo sobre a influência norte-
americana na cultura, na política e consequentemente na sociedade brasileira ao
longo da história. Tal influência remonta os tempos coloniais, sendo que os
Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil tem, portanto, uma correlação
crivada de controvérsias nem sempre favoráveis a este segundo. Procuraremos
ilustrar através de uma linha cronológica, que se inicia no período colonial
brasileiro e se prolonga até o Golpe Civil Militar deflagrado em 1964, uma
sucessão de eventos que venham a corroborar a singularidade dessa relação e o
posicionamento nem sempre amistoso por parte dos EUA. País cujos anseios
econômicos vieram a sobrepujar sua ideologia liberal em detrimento da
emancipação do continente latino-americano em relação à Europa. Tentaremos
mostrar que os EUA se consolidaram como uma grande potência econômica
concomitantemente a Indústria Cultural, e que se utilizaram amplamente de
recursos midiáticos para propagar de forma mais eficiente o alcance de suas
influencias ideológicas. Com base na leitura e observância de informações
contidas em materiais e obras bibliográficas, procuraremos evidenciar, através de
fatos históricos, o nível e o teor dessa influência cultural, entendendo que tal
realidade, relativamente ignorada, é de suma importância para o conhecimento e
conscientização da sociedade brasileira.
This article has the pretense prepare a brief study of the North American influence
in culture, politics and consequently in Brazilian society throughout history. Such
influence dates back colonial times, and the United States of America (USA) and
Brazil has therefore a correlation riddled with controversy not always favorable to
the latter. We seek to illustrate through a timeline, which begins in the Brazilian
colonial period and extends to the Civil Military coup in 1964 triggered a chain of
events that will support the uniqueness of this relationship and positioning not
always friendly from the US. Country whose economic aspirations came to
overcome their liberal ideology at the expense of the emancipation of Latin
American continent with Europe. We will try to show that the US has
consolidated as a major economic power concurrently the Cultural Industry, and
are widely used for media resources to spread more efficiently achieve their
ideological influences. Based on reading and observance of information contained
in material and bibliographical works seek to demonstrate through historical facts,
the level and content of this cultural influence, understanding that such a reality,
relatively ignored, is of paramount importance for the understanding and
awareness of Brazilian society.
Graduado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora/ PUC
Minas, Pós-graduado em História e Cultura do Brasil pela Faculdade Estácio e Sá.
carlaomiranda1@gmail.com
O estudante, possivelmente7 ligado à Inconfidência Mineira8, discorreu
sobre a iminência de um processo revolucionário contra o jugo português, mas se
fazia necessário o apoio poderoso dos EUA para concretizá-lo.
Jefferson esclareceu que não tinha autoridade para assumir tamanho
compromisso com o Brasil e que os EUA não entrariam numa guerra contra
Portugal, pois queriam cultivar sua amizade, com quem mantinham um lucrativo
comércio. Sendo assim, as expectativas de Vendek se esvaíram entre o descaso e a
decepção (MAXWELL, 1978).
Em 1801, outra conspiração emancipatória de base maçônica 9 chamada
Areópago de Itambé, partiu de Pernambuco na pessoa de José Francisco de Paula
Albuquerque Montenegro, buscando apoio dos EUA e da França para liderar e
reconhecer a nova nação (BANDEIRA, 1973). O movimento falhou e: “Da
viagem de Albuquerque Montenegro aos Estados Unidos nada chegou aos nossos
dias”.10
Eduardo Prado11 comenta na sua obra “A ilusão Americana”, de 1890, a
abstenção dos EUA nos movimentos de independência das colônias ibéricas e
critica em especial a chamada Doutrina Monroe12, que, segundo Prado, pregava a
América apenas para os americanos do norte (PRADO, 2003)!
O artigo de Carmem Lucia Felgueiras (2010:76-79) sintetiza a obra de
Prado quando diz que tal doutrina não tinha outro propósito a não ser o da
conquista pessoal e de um projeto para um protetorado servil na América Latina,
não respeitando convenções, acordos ou tratados, nos quais apenas redefiniriam
suas amizades conforme suas conveniências.
Em outro episódio, durante o desenrolar da Revolução Pernambucana de
181713, outro brasileiro chamado António Gonçalves Cruz, de codinome Cabugá,
também viajou aos EUA com a missão de convencer o governo americano a
apoiar a criação de uma república independente no Nordeste brasileiro. O governo
norte-americano além de negar o apoio, ainda delatou o ocorrido a Portugal
(PRADO, 2003).
Igual dissabor, teve a Confederação do Equador 14 sete anos mais tarde,
quando Manuel de Carvalho Paes de Andrade, um dos líderes do movimento, foi
aos EUA pedir apoio ao presidente Monroe, já em pleno vigor da doutrina que
levava seu nome. Mais uma vez os brasileiros voltariam de mãos vazias (GOMES,
2007).
Destarte, o processo emancipatório do Brasil se iniciou em 7 de setembro
de 1822 sem o apoio formal dos EUA, que procrastinaram o reconhecimento
oficial por dois anos. O desprezo dos norte-americanos pelo sistema monárquico,
que justificaria tal delonga, seria sobrepujado pelos interesses econômicos na
venda de produtos mais caros como o algodão e o sabão (BANDEIRA, 1973).
E apesar de figurar em diversos livros didáticos que os EUA foram os
primeiros a reconhecerem a independência do Brasil, sabe-se que foram reinos
africanos os primeiros a fazê-lo, o do Benim, e o de Eko, Onim ou Lagos (SILVA,
1994).
Convenientemente, interesses econômicos e políticos foram demonstrados
em momentos oportunos, como no apoio dos EUA fornecendo logística aos
rebeldes brasileiros na Guerra dos Farrapos15, na Cabanagem16 e na Sabinada.17
Surpreendentemente, durante a Guerra de Secessão18, os EUA protestaram
formalmente contra a atitude legal do Império Brasileiro em reconhecer a
legitimidade dos Confederados e de lhes permitir abastecerem seus navios com
água e carvão no litoral do Brasil (PRADO, 2003).
Durante a Guerra do Paraguai 19, o serviço secreto do império brasileiro
interceptou correspondências do representante dos EUA no Paraguai, Charles A.
Washburne, que provava uma aliança secreta do governo norte-americano com o
paraguaio (BANDEIRA, 1973). Washburne ainda atuaria como agente duplo no
decorrer da guerra causando embaraços e um desconforto diplomático entre os
dois países (PRADO, 2003).
O fim da guerra civil norte-americana representou a estruturação final do
país que seria a próxima superpotência mundial e cujas influências transporiam as
questões meramente políticas e econômicas, cooptando outras nações por um
modo indireto de dominação imperialista20: a cultura.
2 SERVILISMO VOLUNTÁRIO
Deflagrada a proclamação da República no Brasil em 1889, era necessário
elaborar uma nova constituição que a legitimasse. Com a adoção do sistema
republicano, o Brasil foi progressivamente se alinhando com a ideologia 21 norte-
americana.
A apropriação, segundo o conceito de Chartier (2002: 223), da força
simbólica norte-americana se manifestou na nova carta magna, promulgada em
1891, amplamente inspirada na constituição norte-americana no qual o ex-império
assinava como Estados Unidos do Brasil e na proposta da nova bandeira nacional
que chegou a ser uma versão em verde e amarelo da bandeira dos EUA
(CARVALHO, 1990).
A proficiência do Governo de Washington em costurar alianças
politicamente estratégicas, aliada ao que Eduardo Prado chamou de “servilismo
voluntário” por parte do Brasil, estabeleceu uma conexão que permitiu a gradativa
construção de um modus vivendi estruturado no padrão social dos hábitos norte-
americanos. Mas o poder simbólico do modelo republicano norte-americano não
era apenas ideológico.
No período conhecido como Primeira República 22 o café foi o principal
produto de exportação e arrimo da economia nacional, oscilando entre 60 e 70%
desse total.23
Todavia, a má organização comercial nos primeiros tempos da república
possibilitou a intermediação de firmas norte-americanas na compra do café com o
valor mais baixo possível e revenda a preço fixo aos seus consumidores. Isso,
aliado a uma crescente superprodução, foi suficiente para não equilibrar a
economia deficitária herdada do Império (BANDEIRA, 1973).
Como ainda não avançasse no processo de industrialização, e subordinado
aos constantes financiamentos da Inglaterra, o Brasil se estabelecia como uma
economia dependente e periférica, mais sujeita portanto aos impactos das
oscilações do mercado externo (FURTADO, 2005).
Concomitantemente à esfera econômica, a busca pela identidade nacional
se inspirava na cultura estrangeira para se edificar. Importavam-se cultura e
pessoas, numa prática que José Murilo de Carvalho assim explica:
“O fenômeno de buscar modelos externos é universal. Isso não
significa no entanto, que ele não possa ser útil para entender uma
sociedade particular. Que ideias adotar, como adota-las que
adaptações fazer, tudo isso pode ser revelador das forças políticas e
dos valores que predominam na sociedade importadora”
(CARVALHO,1990, p. 22).
O século XIX foi marcado por uma onda migratória diversificada. Se por
consequência da Guerra da Secessão vieram para o Brasil entre 2 ou 3 mil norte-
americanos sulistas24, em 1888 o número se elevou para mais de 90 mil, vindos de
diversas procedências.25
Enquanto isso, por volta de 1899 na região amazônica, os EUA firmavam
um acordo com a Bolívia, comprometendo-se a apoiá-la em caso de embate com o
Brasil pela posse do Acre, em troca de lucrativos acordos aduaneiros relativos a
extração da borracha, principal interesse econômico na região.26
A ingerência dos EUA se externou quando Theodore Roosevelt, presidente
dos EUA de 1901 a 1909, introduziu a expressão Big Stick27. Grande parte dos
EUA considerava que o povo sul-americano não possuía o vigor anglo-saxão, e
que vivendo em desordem seriam incapazes de instalar um autogoverno. Esse
argumento justificou algumas intervenções na América Latina durante a década de
1920 (JUNQUEIRA, 2001).
Com o advento da Primeira Guerra Mundial 28, as relações financeiras da
Europa devastada pelo conflito, em especial da Inglaterra, figura central do
imperialismo e do capitalismo29 até então, foram abaladas. Como ainda estavam
distantes da guerra, a economia mundial passou a gravitar ao redor dos EUA,
cujos financiamentos lhes foram transferidos, se tornando os grandes credores
tanto da Inglaterra quanto dos países que solicitavam empréstimos aos ingleses
(RINKE, 2014).
Nesse momento, o surgimento sistemático da exploração através dos
instrumentos culturais, foi a constatação de que o mundo se encontrava na era
moderna da industrialização. A era do capitalismo buscava homogeneizar as
sociedades através da tecnologia e da ciência, disseminando sua ideologia através
dos bens culturais: cinema, rádio, jornais, revistas, vestuário, comportamento,
dentre outros bens de consumo (ADORNO, 1999).
No Brasil, a importação assídua desse capital social 30 não agradava a todos
os intelectuais, conforme visto em 1922 durante a Semana de Arte Moderna 31, na
qual a resistência e a busca pela autonomia cultural impeliu a contestação da
superioridade internacional.
Outro intelectual, Gilberto Freyre32, lançou o Manifesto Regionalista por
volta de 1926, no qual condenava a aceitação ilógica da cultura estrangeira.
Julgou ridículo a burguesia brasileira celebrar o Natal invernal do hemisfério
norte em pleno verão tropical, com arvores vindas dos EUA (FREYRE, 1933).
Se pelos modernistas e por Freyre o Brasil teve suas táticas, a estratégia 33
que retratava a proficiência dos norte-americanos em pluralizar sua cultura se
mostrava mais eficaz: em 1927 o Brasil foi o quarto importador de automotivos
fabricados nos EUA, em 1928, dos 941 filmes exibidos no Brasil, 402 eram de
procedência da América do Norte (BANDEIRA, 1973).
Já na chamada Era Vargas34, para se combater a concorrência comercial na
América Latina, o Presidente norte-americano entre 1933 a 1945, Franklin
Delano Roosevelt, criou sua política de “boa vizinhança” 35 prevendo permutas
comerciais e solidariedade política entre as nações americanas (VAINFAS, 2010).
O intercâmbio cultural36 desse período só se intensificaria, pois foi durante
o Estado Novo37 que o Brasil entrou definitivamente na órbita dominante norte-
americana. Foi nessa época que o personagem Zé Carioca foi criado pelos
Estúdios Disney e Carmem Miranda foi eleita o símbolo da boa vizinhança, entre
EUA e o Brasil.
A partir daí o american way of life38 ou seja, o cinema, o rádio (do qual
Vargas se utilizava amplamente), a música e posteriormente muito das relações
sociais, fizeram dos EUA uma presença constante no cotidiano brasileiro. A nossa
incessante busca pela identidade nacional se digladiaria com a “americanização”
de costumes, comportamentos, vestuário, entre outros (D’ARAUJO, 2000).
As histórias em quadrinhos do Super-Homem, do Capitão América,
símbolos do bem, que permeavam entre a pureza e a brutalidade justificada pelo
imperialismo, cooptaram a simpatia da juventude brasileira (BANDEIRA, 1973).
Diante dessa situação, os manifestos dos intelectuais envolvidos no I
Congresso Brasileiro de Escritores em 1945, contra a cultura estrangeira, foram
táticas ineficazes (MOURA, 1984).
3 O TRIUNFO NEOCOLONIALISTA39
ADORNO, Theodor W. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 191
p.
ANDERSON, Jon Lee. Che Guevara: uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva,
2012. 589 p.
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São
Paulo: Ática. 1983, p.82-121.
_______________. Entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2002. 98 p.
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2010. 116 p.
DAHÁS, Nashla. Tudo ao mesmo tempo. In: DAHÁS, Nashla (Org.). Dossiê
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Rio de Janeiro, n. 90, p. 26-27, mar. 2012.
D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
75 p.
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 1995. 654 p.
GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma
corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil.
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 416 p.
O DIA que durou 21 anos. Direção: Camilo Tavares. Produção: Karla Ladeia.
Coprodução: TV Brasil. Narração: Stanley Howard Lehman, Edson Mazieiro.
Roteiro: Camilo Tavares. Pequi Filmes, Brasil, 2012. 1 DVD (77 min), son.,
color.
PONTOS básicos da política exterior dos EUA. [s.l.]: [s.n.], [s.d]. 125 p.
VAINFAS, Ronaldo.et al. História: volume único. São Paulo: Saraiva, 2010. 896
p.