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Um episódio inexplorado: A oposição a Salazar nos EUA

Achegas sobre a ação anti-Salazarista de João Camoesas (1930-50)1


Alberto Pena-Rodríguez*

Resumo:

Este trabalho pretende fazer um contributo simbólico ao conhecimento do exílio político


português nos Estados Unidos. Apesar da sua relevância, a ação política dos exilados portugueses
na América do Norte, chefiados pelo ex-ministro republicano de Educação João Camoesas, que
viveu na Nova Inglaterra entre 1929 e 1951, não tem recebido a atenção acadêmica necessária
para compreender as dinâmicas socio-políticas de oposição à ditadura salazarista, com a
organização de diversas campanhas de propaganda contra o Estado Novo na comunidade luso-
americana, nas que colaboraram principalmente o escritor José Rodrigues Miguéis e o diplomata
Abílio de Oliveira Águas. Através de uma narração centrada na figura fundamental de João
Camoesas e na sua atividade política, assim como na resposta que Salazar deu a esta ação
opositora, este artigo tenta fazer uma abordagem panorâmica sobre exílio português nos anos
trinta e quarenta, utilizando fontes de vários arquivos, inclusive documentos da embaixada de
Portugal em Washington e do Portuguese-American Committee for Democracy, do que se reproduzem
alguns documentos originais no final do texto.

Palavras-chave:

Salazarismo, exílio, Estados Unidos, propaganda, imigração

Abstract:

This article seeks to make a symbolic contribution to the knowledge of Portuguese political exile
in the United States. Despite its importance, the political action of Portuguese exiles in North
America, led chiefly by the former republican minister of education João Camoesas, who lived in
New England between 1929 and 1951, has not received the necessary academic attention to
understand the sociopolitical dynamics of opposition to the Salazarist dictatorship. This includes
the organization of various propaganda campaigns against the Estado Novo in the Luso-
American community, chiefly due to the collaboration of the writer José Rodrigues Miguéis and
the diplomat Abílio de Oliveira Águas. By focusing primarily on the fundamental figure of João
Camoesas and his political activity, along with Salazar’s response to this opposition, this article
attempts to present a panoramic view of Portuguese exile in the 30s and 40s, using sources from
various archives, including the Portuguese embassy in Washington and the Portuguese-American
Committee for Democracy. Some of these documents are reproduced at the end of the text.

Keywords:

Salazarism, exile, United States, propaganda, immigration

1 (Quatro documentos sobre a oposição política à ditadura salazarista nos Estados Unidos de João Camoesas, ex-ministro de Instrução
Pública de Portugal e exilado em Massachusetts entre o 12 de Junho de 1929 e o 11 de Novembro de 1951)
* FLAD/Brown Michael Teague Visiting Associate Professor; Universidade de Vigo
Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

Introdução

A história do exílio político anti-salazarista nos Estados Unidos é um episódio que não conta com
uma narração científica que aporte uma visão suficientemente coerente e completa. 1 Em contraste
com as atividades do exílio na França ou no Brasil, que têm relatos académicos esclarecedores
sobre a dimensão e relevância deste fenómeno naquelas latitudes, a América do Norte não
despertou o mesmo interesse científico. Esta ausência de estudos pode levar a pensar que a
significação política da resistência ao salazarismo nos Estados Unidos foi fraca ou marginal. Mas
os documentos que vão aparecendo nos arquivos demonstram que pelo menos alguns atores
políticos, durante certas etapas, desenvolveram uma intensa ação de propaganda contra o Estado
Novo com uma influência interessante no seio da colónia de imigrantes portugueses e luso-
americanos.
Mas para conhecer o autêntico alcance da luta política contra a ditadura portuguesa em
território norteamericano, é preciso perseverar numa linha de investigação sobre este objeto de
estudo que ajude a desvelar qual foi a trascendência real do fenómeno. É prioritário averiguar
quatro aspetos essenciais de análise para se poder tecer um discurso fundamentado que explique
a importância e projeção do combate político à ditadura na comunidade luso-americana: quem
foram os atores principais e qual era o seu perfil biográfico; quando e em que contextos ou
momentos políticos atuaram; através de que meios e estruturas organizaram a oposição, e qual
foi a sua influência e repercussão pública e política entre os imigrantes portugueses e em Portugal.
Para contribuir para a discussão e debate sobre a oposição política à ditadura nos Estados
Unidos, apresentam-se aqui uma série de quatro documentos inéditos, da autoria de João
Camoesas, ex-ministro de Instrução Pública na etapa republicana, exilado em Massachusetts entre
Junho de 1929 e Novembro de 1951, ano do seu falecimento em Taunton. Estes escritos inéditos
pretendem ser um simbólico contributo para a memória do anti-salazarismo permitindo avançar-
se no conhecimento de um capítulo da história, que deve ser resgatado no desenho de uma
radiografia mais completa do que representou o Estado Novo no exterior, a partir do olhar das
suas vítimas e opositores na América do Norte, entre os quais Camoesas ocupa um lugar de
destaque.
Além dos documentos referidos, reproduzidos fielmente no fim deste trabalho com as
devidas indicações das fontes de procedência para uma adequada contextualização, este texto
aponta vários elementos de análise sobre a atividade de oposição política realizada por João
Camoesas e alguns dos seus colaboradores nos Estados Unidos, assim como sobre a resposta que
Salazar deu às campanhas de propaganda contra o seu regime entre os imigrantes na América do
Norte. Além disso, para se poder compreender melhor esta abordagem, traça-se um breve perfil
e um itinerário biográfico de João Camoesas.

1 Os dois únicos trabalhos publicados são abordagens de aproximação sobre este tema de estudo: Correia, Rui A.

“Salazar in New Bedford: Political Readings of Diario de Noticias, the only Portuguese daily newspaper in the United
States”. In Holton, Kimberly Dacosta & Klimt, Andrea (eds.) (2009). Community, Culture and The Makings of Identity.
Portuguese-Americans along Eastern Seabord. North Dartmouth: Tagus Press, Center for Portuguese Studies and Culture-
University of Massachusetts Dartmouth, 2009, pp. 227-247; e Pena-Rodríguez, Alberto. “El exilio político portugués
en Estados Unidos: prensa y propaganda (1930-1945)”. In A Cultura do Poder. A Propaganda nos Estados Autoritarios.
Alberto Pena-Rodríguez y Heloisa Paulo (coord.). Coimbra: Coimbra University Press, 2016, pp. 413-436. Alguns
elementos utilizados para elaborar este segundo trabalho foram recuperados para redigir este contributo para a revista
Gávea-Brown.

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Subsídios sobre Salazar e o anti-Salazarismo nos Estados Unidos nos anos trinta

João Camoesas (como presidente), o escritor José Rodrigues Miguéis (como primeiro vice-
presidente) e o ex vice-cônsul de Portugal em Providence Abílio de Oliveira Águas (como
segundo vice-presidente) fundaram o Portuguese-American Committee for Democracy (PACD),
que foi apresentado oficialmente em Nova Iorque na sede da revista The Nation a 21 de fevereiro
de 1945. O ato contou com a presença do editor da revista, Fried Kirchway, e do ex-ministro de
Estado da Segunda República espanhola e jornalista da revista novaiorquina, Julio Álvarez del
Vayo. A criação do PACD depois da Segunda Guerra mundial foi um acontecimento
paradigmático na oposição à ditadura na América do Norte. Mas antes da fundação formal desta
instituição, que organizou incontáveis ações políticas anti-salazaristas e produziu diversos escritos
e manifestos propagandísticos (como os que aparecem referenciados no fim como documentos
nº 1 e nº 2) divulgados entre os imigrantes portugueses e políticos americanos, os ecos dos
opositores já tinham deixado de se ouvir em Portugal.
Sobre a ativide política dos exilados, o embaixador de Portugal nos Estados Unidos entre
1933 e 1947, João António de Bianchi, recebeu instruções diretas do próprio Salazar, que além
do lugar de presidente do Conselho ocupou a pasta de ministro dos Negócios Estrangeiros entre
1936 e 1945. O objetivo de Salazar era tentar reduzir os possíveis efeitos da propaganda realizada
pelos opositores, nomeadamente pelo ex-ministro republicano de Educação, João Camoesas,
como certificam as dezenas de telegramas e relatórios trocados entre o diplomático e o governo
português, especialmente durante a segunda metade dos anos trinta, nos anos da Guerra Civil de
Espanha e numa fase de consolidação do Estado Novo como regime político com sua projecção
internacional. Bianchi tentou estabelecer uma rápida conexão direta com a imprensa da
comunidade luso-americana contratando como secretária pessoal, Laurinda de Andrade, uma
terceirense formada na Brown que era a editora de A Tribuna, um semanário com sede em
Newark, fundado em Julho de 1931, e com difusão em Nova Iorque, onde a comunidade ibérica
começava a ter uma certa projeção pública.
Salazar tinha duas preocupações essenciais relacionadas com a influência pública dos
exilados políticos nos Estados Unidos. Uma era conseguir persuadir políticos americanos a
desenvolverem algum tipo de pressão sobre o governo da ditadura. A outra era que o movimento
de oposição dentro da colónia pudesse ter algum tipo de reflexo em Portugal, graças aos contactos
diretos dos imigrantes com os seus familiares e vizinhos no país. Por estas razões críticas para a
sobrevivência do regime autoritário, Salazar tentou travar de diversos modos a ação política dos
anti-salazaristas.
Porém, durante os seus primeiros anos em Washington, João António de Bianchi via a
propaganda opositora “de consequências muito limitadas”. 2 Mesmo assim, Salazar solicitou-lhe
a máxima atenção relativamente às atividades dos exilados. 3 Num telegrama enviado o 24 de Maio
de 1935, Salazar expressa a Bianchi a sua preocupação com a intensidade cada vez maior das
campanhas de imprensa da Aliança Liberal Portuguesa em New Bedford, “(…) que distribui
manifestos com refalsadas mentiras sobre o Estado Novo e que convem combater (…)”, expunha
o ditador português. 4 Mas Bianchi era partidário de uma posição cautelosa, pois a crítica e o

2 Arquivo Histórico Diplomático de Lisboa (AHD). Embaixada de Portugal em Washington. Caixa nº 13. Oficio nº
65, proc. 1/38, de João A. de Bianchi ao ministro de Negócios Estrangeiros (Oliveira Salazar), 20 de fevereiro de
1938.
3 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Telegrama confidencial nº 10 enviado pelo ministro de Negócios

Estrangeiros (Oliveira Salazar) ao embaixador de Portugal em Washington, 24 de maio de 1935.


4 Ibídem.

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debate nos Estados Unidos não podiam ser impedidos por meio da censura ou da polícia política
como em Portugal. Por esta razão, o embaixador responde a Salazar três dias depois que a questão
“(…) é melindrosa, receio efeitos contraproducentes e embaraçosos.” 5
Mas a especial inquietação que Salazar sentia sobre este assunto levou-o a solicitar a
Bianchi ser informado expressamente de “(…) todas as comunicações em forma de cartas,
folhetos, impressos clandestinos e meios semelhantes contendo matéria ofensiva ou agressiva
contra a actual situação política em Portugal e seus homens públicos”. 6 Inclusive ordena ao
embaixador a elaboração de um relatório confidencial sobre o cônsul geral de Portugal em Nova
Iorque, Victor Verdades de Faria, de quem tinha suspeitas de vinculação à difusão de manifestos
anti-salazaristas da Aliança Liberal Portuguesa (um dos quais, da autoria de Camoesas, é mostrado
na série de documentos catalogado como nº 3). 7
Salazar decidiu reagir à ofensiva dos seus inimigos políticos nos Estados Unidos,
organizando diversas ações coordenadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional, que agiu
através de várias estratégias: aumentado a produção e difusão de materiais propagandísticos em
território americano; 8 pressionando de forma direta ou institucional, desde através da direção do
Secretariado de Propaganda Nacional e dos serviços consulares, até aos editores dos jornais luso-
americanos, para impedir a publicação de artigos adversos (como se pode observar no documento
nº 4); 9 publicando artigos escritos pelo próprio pessoal diplomático; 10 subsidiando os periódicos
favoráveis ao regime; e promovendo ou participando em atividades que ajudaram a prestigiar o
Estado Novo por meio da cobertura jornalística nos meios de comunicação americanos. 11

Em defesa do ideal republicano: A ação opositora de João Camoesas

João Camoesas chegou ao porto de Providence, em Rhode Island, em 12 junho de 1929. Durante
as suas primeiras semanas de estadia viveu provisoriamente em casa de seu amigo José Pacheco
Correia. 12 Após estabelecer-se permanentemente em Taunton (Mass.), onde abriu um consultório
médico, começa a criar relações e contactos com outros imigrantes portugueses de pensamento
liberal e republicano na Nova Inglaterra. O seu prestígio como ex-ministro e a sua condição de

5 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Telegrama confidencial nº 23 do embaixador de Portugal em

Washington ao ministro de Negócios Estrangeiros (Oliveira Salazar), 27 de maio de 1935.


6 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Circular nº 155 enviada pelo embaixador de Portugal em

Washington ao cônsul geral em New York, (se data) (1935).


7 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Telegrama confidencial nº 10 do ministro de Negócios Estrangeiros

(Oliveira Salazar) ao embaixador de Portugal em Washington, 24 de maio de 1935.


8 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Caixa nº 18. Ofício nº 960 (proc. 9/38) do embaixador de Portugal

ao ministro de Negócios Estrangeiros (Oliveira Salazar) solicitando materiais propagandísticos para difundir nos
EE.UU., 31 de outubro de 1938.
9 Arquivos Nacionais na Torre do Tombo, Arquivo Oliveira Salazar, SGPCM-GPM, caixa nº 5, PC-156, 3, nº 4.

Ofício nº 1273 do subdiretor do Secretariado de Propaganda Nacional, António Eça de Queiroz, ao Presidente do
Conselho de Ministros (Oliveira Salazar), 19 de setembro de 1938, informando sobre as pressões exercidas sobre
vários jornais luso-americanos.
10 Veja-se, por exemplo, o artigo “O Triunfo do Govêrno Português”, publicado pelo cônsul de Portugal em San

Francisco, José de Pina Aragão, em A União Portuguesa, nº 2489, 8 de junho de 1936, p. 1. No texto referido, o
diplomático luso afirma que “(…) Salazar substituiu o fanatismo e o radicalismo pela religião, pela boa educação e
cultura. (…) O nosso govêrno ama o povo e lhe dá bastante democracia para que todos possam ser felizes (…)”
11 AHD. Embaixada de Portugal em Washington. Caixa nº 36. Documentação diversa sobre a Festa da Raça,

organizada em New Bedford por uma comissão supervisada pelo embaixador, entre 13 e 18 de junho de 1939.
12 Diário de Notícias, 13 de junho de 1929, p. 1.

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médico, político e intelectual, outorgaram-lhe um imediato reconhecimento por parte da


comunidade imigrante portuguesa na Nova Inglaterra, que se sentia honrada por poder dar-lhe
acolhimento. Isto permitiu-lhe uma integração rápida, bem como conhecer a estrutura política e
social da colónia, relacionar-se com os seus líderes e converter-se numa figura prestigiada. 13 Além
disso, a suas aparições constantes em notícias da imprensa luso-americana, elevaram a sua
reputação, o que lhe concedeu a autoridade necessária para utilizar os jornais luso-americanos
contra a ditadura. A sua condição de ex-ministro republicano de Instrução Pública e a sua
implicação direta nas atividades públicas da comunidade imigrante conferiram-lhe também
legitimidade para fazer campanha contra o salazarismo nos Estados Unidos. Graças à sua intensa
dedicação à publicação de escritos jornalísticos, cedo atingiu uma posição de liderança dentro da
colónia.
Porém, não era a primeira vez que João Camoesas tinha contacto com os imigrantes luso-
americanos. Como médico escolar adjunto, em outubro de 1919 fez uma breve viagem aos
Estados Unidos para analisar os serviços médico-escolares americanos. E a 31 de dezembro de
1919, na ocasião da sua participação na Conferência Internacional do Trabalho em Washington
como representante de Portugal, João Camoesas pronunciou uma palestra com grande assistência
no New Bedford Theatre, promovida pelo Grémio Cosmos. Segundo conta a crónica do A
Alvorada, a conferência do político republicano foi a melhor de todas as que até àquela data se
tinham organizado. 14 Naquela intervenção, Camoesas falou com orgulho patriótico sobre a
história de Portugal. Começou citando Viriato para explicar o processo identitário nacional e a
evolução histórica do país até à chegada da República, que defendeu face aos seus críticos.
Reconheceu que não era católico, mas respeitador desta e doutras crenças religiosas. De acordo
com a imprensa local, o discurso do médico português foi realizado “(…) numa linguagem chã,
compreensível e eloquente, foi constantemente interrompido por bravos, apoiados, muito bem,
acompanhados de estrondosas salvas de palmas. Foi um delírio! (…)”. 15 Talvez aquelas viagens
prévias aos Estados Unidos, a criação de laços com imigrantes luso-americanos e o facto de a
sociedade americana viver numa democracia aberta e moderna, tenham influído na sua decisão
de exilar-se na Nova Inglaterra.
Antes de iniciar o seu exílio nos Estados Unidos, João Camoesas esteve desterrado em
Angola, onde chegou após ter sido preso em Lisboa a 17 de fevereiro de 1928 e encarcerado até
à sua deportação para África, a 4 de maio do mesmo ano. 16 A partir do território angolano, o
político republicano começa a fazer propaganda contra Salazar, enviando uma carta aberta ao
então ministro de Finanças, datada de 28 de outubro de 1928, na qual acusa o professor de
Coimbra de colaborar cinicamente com a ditadura:

“(…) Professor de direito numa sociedade democrática, o sr. é o único sustentáculo


dum governo que nega o direito numa sociedade democrática. Mestre de sciencias

13 A 9 de abril de 1933 pronunciou uma conferência no Clube Republicano Português de Pawtucket para comemorar
o 9 de Abril, data em que vários milhares de soldados portugueses morreram durante a batalha de Lys, na Primeira
Guerra mundial. Cf. Diário de Notícias, nº 1903, 7 de abril de 1933, p. 1.
14 A Alvorada, ano IX, nº 536, 1 de janeiro de 1920, p. 1.

15 Ibídem.
16 Em Angola, João Camoesas estabeleceu-se em Santomé, onde não encontrou oportunidades laborais. Depois de

ter procurado sem sucesso recursos de subsistência na colónia angolana e no Congo Belga, decide pedir asilo na
Embaixada dos Estados Unidos a 8 de março de 1929. O itinerário seguido antes da chegada ao território norte-
americano em Junho de 1929 pode ler-se num artigo seu publicado no Diário de Notícias a 14 de março de 1938 (nº
5727, pp. 1 e 5), intitulado “Anotação à margem. Documento elucidativo”.

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económicas, realiza uma obra que ergue ‘a razão do Estado’ acima das
possibilidades nacionais. Católico praticante, em vez de amar o próximo como a si
próprio, associa-se a uma política de ódio, imposta pela violência e mantida pela
crueldade. Moralista, consente na sustentação da Polícia de Informações, cuja
administração é um descalabro e cuja acção é uma ignonímia. Intelectual e homem
de sciencia, sujeita-se à chefia de Vicente de Freitas que é a personificação da
ignorância e da boçalidade. Enfim, dizendo-se patriota, colabora na manutenção de
um sistema governativo que em Genebra enchovalhou a dignidade da Pátria e que,
sendo um motivo de fundas divergênicias internas, lhe compromete o futuro e
inferiorisa o presente. (. . .) Os seus amigos não se cansam de apregoar a sua
discordância com certos actos do governo e o seu desprezo pela quase totalidade
dos seus colegas de gabinete, incluindo o respectivo presidente: contudo, continua
a acamaradar com eles. Se há cortes, apressam-se a espalhar que o exército será o
primeiro nos sacrifícios: mas o orçamento da guerra ficou quase na mesma. Se há
acumulações, esboça propósitos audaciosos e intransigências irredutíveis: no
entanto, vai abrindo alçapões na lei. Se há deportações iminentes, lança-se na
circulação o boato de que se opõe à sua efectivação: mas, para trazerem cerca de
duzentas pessoas, vêm dois barcos propositadamente a África, gastando milhares
de contos. E seria infindável a lista dos postiços com que o senhor encobre ou
consente que lhe encubram a sua verdadeira personalidade, aquela que a sua acção
revela e os factos definem.” 17

O exílio político de João Camoesas em Estados Unidos e as suas campanhas de imprensa


contra Salazar, especialmente intensas no período da Guerra Civil de Espanha e posterior
Segunda Guerra mundial, contribuiram para agitar a consciência de muitos imigrantes
portugueses e fizeram que, de facto, alguns deles agissem a favor da democracia en Portugal.
Despois da vitória dos Estados Unidos na guerra mundial, em que combateram vários milhares
de luso-americanos, Camoesas e outros exilados criam que o salazarismo não podia durar mais
tempo. Ao finalizar o conflito, na qualidade de presidente do Portuguese-American Commitee
for Democracy, João Camoesas publicou na imprensa um telegrama enviado a Salazar no qual
pede ao ditador que entregue “cristãmente” o poder aos democratas portugueses:

Os exércitos vitoriosos da Demoracia mundial liquidaram finalmente os poderes


opressores da Europa. Todas as oligarquias que deturparam as instituições
democráticas do velho continente obstruindo sua evolução fôram abrangidas pela
derrota hoje anunciada oficialmente. Resta-vos por isso uma única maneira de bem
servir Potugal: entregar imediatamente o governo do país a verdadeiros democratas.
Cristãmente, sem ódio nem espírito de represália, satisfaço minha consciência
apontando o caminho para reintegrar Portugal na normalidade política sem sangue
nem violência. 18

17 AOS/CO/PC-3A, P 1. Carta de João Camoesas a Oliveira Salazar, 28 de outubro de 1928. Uma parte desta carta
é utilizada pelo próprio João Camoesas num dos seu artigos contra a ditadura publicados no Diario de Noticias em
1937. Cf. Correia, Rui A. Salazar em New Bedford. Leituras Luso-Americanas do Estado Novo nos Anos Trinta. Lisboa:
Universidade Aberta, 2004. [Tese de Mestrado inédita, dirigida por Filipa Palma dos Reis], pp. 143-144.
18 New Bedford Whaling Museum Research Library. Portuguese Immigration Records, caixa nº 2. Recorte de

imprensa: “Um telegrama de João Camoesas ao Chefe do Governo Oliveira Salazar”. Artigo publicado no Diario de
Noticias, nº 7907, 9 de maio de 1945, p. 1.

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Perfil e percurso biográfico de João Camoesas

João José da Conceição Camoesas nasceu a 13 de março de 1887 em Elvas, perto da fronteira
com Espanha, onde foi o fundador, proprietário e diretor do jornal A Fronteira. Em 1911,
integrou-se na loja masónica local com o pseudónimo de Câmara Pestana. Em 1919, acabou o
curso de Medicina na Universidade de Lisboa com a máxima qualificação, outorgada por um júri
presidido pelo professor monárquico Azevedo Neves. Membro destacado do Partido
Republicano Português, foi deputado entre 1916 e 1926, vogal do Conselho de Administração da
Caixa Geral dos Depósitos, Chefe de Repartição de Higiene da Câmara Municipal de Lisboa e
médico escolar. Foi eleito deputado pelo distrito de Elvas em 1916 e por Portalegre em 1919,
1921, 1922 e 1925. Foi ministro de Instrução Pública em dois períodos diferentes durante a
República (1910-1926). Primeiro, no governo de António Maria Silva, entre 9 de janeiro de 1923
e 15 de novembro do mesmo ano. Durante este mandato, apresentou um ambicioso projeto de
investimento na educação pública, a chamada “Proposta de Lei sobre a Reorganização da
Educação Nacional” (conhecida popularmente como “reforma Camoesas”), baseada na
organização científica do trabalho inspirada na teoria de Frederick Taylor (1856-1915) e em outras
experiências pedagógicas internacionais, nomeadamente norte-americanas, mas que não foi
aprovada. Um dos episódios mais recordados da sua etapa como deputado e membro do governo
português, foi o seu discurso de réplica pronunciado a 16 de julho de 1925 no Parlamento, que
durou mais de nove horas. Entre 1 de agosto e 17 de dezembro de 1925, regressa à posição de
ministro de Educação, desta vez no governo de Domingos Pereira. Em 1919, foi designado
médico escolar adjunto e realizou uma viagem aos Estados Unidos para analisar os serviços
médico-escolares. Em 1921, trabalhou para a Universidade Popular Portuguesa e, em 1925, foi
responsável pela seção de Fisiologia do Instituto de Orientação Profissional. Camoesas colaborou
em diversas publicações periódicas em Portugal, como Seara Nova, Portugal ou o Boletim da Inspecção
Geral da Sanidade Escolar, nos quais se destacou pelos seus artigos relacionados com a medicina
escolar e a organização do trabaho. Sobre o mesmo tema, publicou o livro O Trabalho Humano, a
primeira obra portuguesa que apoia a teoria de F. Taylor, que defendia o desenvolvimento
humano através da fisiologia do esforço. Foi condecorado com a Gran Cruz de Alfonso XIII de
Espanha no transcurso do Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências. Entre as
suas publicações, estão os seguintes títulos: A Medicina Escolar na América do Norte, O Taylorismo e
a organização científica do trabalho, Do Ámbito da Educação Física, A Régia dos Tabacos e o Futuro de Portugal
e Teoria da Renovação Portuguesa. Segundo as pesquisas de Rui A. Correia, João Camoesas poderia
pertencer à Ordem Maçónica Rosa Cruz de New Bedford, declarada abertamente opositora ao
Estado Novo. 19 João Camoesas casou com Aurora Alves Camoesas. Tiveram dois filhos: Afonso
e João Augusto. Afonso Camoesas fez carreira militar, foi sargento do exército americano,
condecorado por ações de combate na guerra de Coreia. João Augusto Camoesas residiu em
Portugal. Quando João Camoesas falece em 11 de novembro de 1951, a família doa o seu corpo
a Tufts Medical School. Depois, os seus restos foram incinerados e enviados para Portugal, onde
receberam sepultura no cemitério de Elvas. 20

19 Correia, Rui A. (2004). Op. cit., p. 143.


20 Todos os dados reunidos sobre João Camoesas foram parte das seguintes fontes: Enciclopédia Luso-Brasileira (tomo
letra C, p. 627); Govêrno de Portugal. Galeria de ministros de Educação (www.portgugal.gov.pt); Correia, Rui
Antunes, op. cit., p. 109; Infopédia: http://www.infopedia.pt/joao-camoesas>; Diario de Noticias de New Bedford
(diversos números). Com respeito à sua atividade como ministro de educação, pode ler-se as seguintes referências:
Bandeira, Filomena. “Camoesas, João José da Conceição”. In: Nóvoa, António (dir.). Dicionário de educadores portugueses.

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RELAÇÃO DE DOCUMENTOS INÉDITOS DE JOÃO CAMOESAS

1. Manifesto do Portuguese-American Committee for Democracy, presidido por João


Camoesas, contra a declaração de dois dias de luto oficial pela morte de Adolf Hitler
decretados pelo governo salazarista em 1945:

MANIFESTO AOS PORTUGUESES E LUSO AMERICANOS


DE NEW BEDFORD E ARREDORES

Portugueses! Homens e mulheres que nascestes no Continente, na Madeira, nos Açores


ou em Cabo Verde! Rapazes e raparigas da nossa raça que nascestes em New Bedford e seus
arredores! Como ainda não estais esquecidos, o governo fascista de Salazar, exatamente igual ao
que há pouco caiu na Itália e na Alemanha, o mau português que governa em Portugal contra a
vontade do povo, no dia em que os jornais e o rádio anunciaram a todo o mundo que Hitler tinha
morrido, decretou dois dias de luto nacional, mandou hastear a bandeira portuguesa a meia adriça
em todos os edifícios públicos, e ordenou que dois homens, em Lisboa, fossem dár as
condolências ao embaixador alemão pela morte do citado Hitler, o monstro que tantas lágrimas
e sofrimento causou pelo mundo fóra e em New Bedford também, onde tantas mães, tantos paes,
tantas esposas, tantas noivas, irmãs e filhos, choram os seus entes queridos, mortos e estropeados
na guerra! Nunca na história da nossa colónia houve um acontecimento que tanto nos
envergonhasse por essas fábricas, por essas barbearias, por essas "stores", por essas ruas, por
todos os logares, enfim, onde havia duas ou mais pessoas reunidas. Nunca na longa vida da nossa
colónia houve mulheres e homens da nossa raça que dissessem, com desgosto, que se
envergonhavam de sêr portugueses, como se ouvia, a toda a hora, no dia em que Salazar deu
ordens tão estúpidas pela morte do bandido Adolfo Hitler! Vós, portuguesas e portugueses que
nos ledes, não tendes culpa, bem sabemos, da acção ridícula de Salazar, como culpa não tem o
povo de Portugal que nutre vontade de o vêr cair, como caiu Mussolini e o monstro alemão. Mas
todos nós que vivemos nestas terras americanas, temos o dever sagrado e santo de erguer a nossa
voz, cerrar os nossos punhos e protestar contra a humilhação, contra a vergonha que nos fez
sofrer Salazar! Para isso, para não deixarmos passar em silêncio tão grande afronta ao nosso brio
de portugueses e sofrermos tantos rebaixamentos morais ante os ditos e os olhares dos
americanos e gente doutras nacionalidades, devemos comparecer todos, no próximo domingo,
no auditório do Liceu de New Bedford, onde haverá um grande comício público, onde falarão
grandes oradores, brevemente anunciados, e onde provaremos a toda a gente que não somos
fascistas, nem partidários do Hitler e que nunca choraremos por êle! No Liceu de New Bedford,
no próximo domingo, 20 do corrente, tudo será explicado. Lá repudiaremos o atrevimento de
Salazar, mostraremos que somos pela América e pela Democracia que tirou anos de vida ao nosso
saudoso Roosevelt pelo tanto amor que lhe tinha. E, no fim do "meeting" sairemos do auditório
do Liceu de New Bedford, serenos, altivos e bem limpos da lama que nos atirou, de tão longe,
Oliveira Salazar! Portanto, mães e paes portugueses; esposas, noivas e raparigas que ainda tendes
os vossos entes queridos na Europa ou no Pacífico; liberais de todas as tendências políticas e

Porto: Asa, pp. 237-241; Nóvoa, António. “O projecto da Reforma Camoesas (1923): uma referência histórica no
pensamento do Prof. João Evangelista Loureiro”. Revista da Universidade de Aveiro –série Ciências da Educação, vol. 7, nº
1-2, 1986, pp. 113-121. Ou também o texto em linha de Casulo, José Carlos Oliviera. “A educação superior no
projecto Camoesas”. Em Actas do Primeiro Congreso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia. Braga: Universidade
do Minho, 2009. http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/9931/1/c%C3%B3pia%20do%20texto
%20publicado%20nas%20actas.pdf.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

portugueses sem política, que ninguém deixe de comparecer no próximo domingo, às 2 horas da
tarde, no auditório do High School de New Bedford!
Não sejamos traidores a 35.000 portugueses e luso-americanos que se encontram nas
forças armadas da América. O nosso silêncio, seria a maior das traições aos nossos filhos e ao
ideal que eles foram defender!

Todos ao High School!

O CONSELHO DEMOCRÁTICO LUSO-AMERICANO DE NEW BEDFORD

Fonte: Diário de Notícias de New Bedford, publicado nos seguintes números: nº 7912 de 15 Maio
de 1945, p. 2; e nº 7916, de 19 de Maio de 1945.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

2. Carta enviada pelo presidente do Portuguese-American Committee for Democracy,


João Camoesas, ao presidente da Conferência das Nações Unidas para a Organização
Internacional, celebrada em São Francisco entre 25 de Abril e 26 de Junho de 1945

PORTUGUESE-AMERICAN COMMITTEE FOR DEMOCRACY


220 BROADWAY-SUITE 1506, NEW YORK 7, N.Y.
-------------------------------------------------------------------------
Copy of Letter Addressed To The Chairman of the United Nations Conference On
International Organization
Addressed to the Chairman of The United Nations Conference on International Organization, the President of
this Committee, Dr. João Camoesas, former Minister of Education and Parlamentarian Leader of the Democratic
Party of the Portuguese Constitutional Republic, sent to San Francisco the following memorandum:
June 11, 1945
Dear Sr:
The Portuguese-American Committee for Democracy respectfully submits to you this
memorandum, hoping that it can be incorporated into the records of the Conference and brought
to the attention to all its members.
Speaking in Chicago on October 5, 1937, the late Franklin D. Roosevelt, prophetically
defined war, declared or undeclared, as a contagion tending to “engulf states and peoples remote
from the original scene of hostilities”. In that speech the President advanced the idea of a
“quarantine” of those who were jeopardizing the peace, the freedom and the security of ninety
per cent of the population of the world. Again, on September 3, 1939, in his Talk to the Nation,
the great leader of mankind stated that “every word that comes thorough the air, every ship that
sails the sea, every battle that is fought, does affect America’s future.”
This realistic sense of the close interdependence of all peoples and countries determined
Rossevelt’s wise international policy. In his message to Congress on January 6, 1941, he
formulated the basic faith in the Four Freedoms: “of speech and worship, from want and from
fear, everywhere and anywhere in the world”. Again in his memorable speech of October 21,
1944, before the Foreign Policy Association, the late President said: “We shall bear our full
responsability, exercise our full influence, and bring our full help and encouragement to all who
aspire to peace and freedom”. Finally, in his report on the Crimea Conference, on March 1, 1945,
he announced “the beginning of a permanent structure of peace upon which we can begin to
build, under God, that better world in which our children and grandchildren…must live and can
live.”
Fighting for a world where respect for human dignity and freedom should universally
prevail, Roosevelt won the support of the American people. And the fact that this death was so
profoundly mourned in so many lands, plainly shows that he was the symbol of an aspiration
common to all the freedom and peace loving peoples of the world. In clear and ringing sentences,
which forever fire the imagination and enlighten the minds of all men and women of good-will,
he stated the fundamental truth that the world can not live in peace and security if it be “part free,
part enslaved”.
The ideals and hopes of which Roosevelt became the symbol were far from utopian, for
they sprang for glaring realities. Mankind saw fascism, spread from its apparently harmless Italian
beginnings, with the crushing power of an epidemic. From Poland to Greece, and from Austria
to the Iberian Peninsula, it leaped to the Far East and even invaded the Western hemisphere.
Encouraged by the over-confidence of the great democracies, and fostered and appeased by the
tories and reactionaires of all lands, it finally threatened the survival even of those who had helped
it, and plunged the world into global war.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

Had the quarantine proposed by President Roosevelt in 1937 been set up, this
tremendous waste of lives and riches would never have scourged mankind. Had the policy which
culminated in non-intervention, in the assassination of the Spanish Republic, and in the sacrificing
of Czechoslovakia been reversed—and the European democrats upheld instead of scorned—this
inmense catastrophe would not have been possible.
We, of the Portuguese-American Committee for Democracy, therefore, feel well justified
in coming before the conference which is framing a world order based upon the four essential
human freedoms, to sound a word of warning: that TO TOLERATE PORTUGUESE
FASCISM REPRESENTS A SERIOUS DANGER TO THE WHOLE OF MANKIND.
Portuguese dictator Oliveira Salazar still enjoys good diplomatic relations with most of the United
Nations, notwithstanding the fact that he has abolished all the fundamental freedoms of his
people, that he packs jails and concentration camps with his opponents, and has even dared
officially to mourn the death of Adolf Hitler. His agents have free access to the Foreign Offices
of all countries, to the world press and even to your Conference; while Portuguese democrats
who are true representatives of the Portuguese nation, continue to be treated as outcasts.
Encouraged by this unwise tolerance, the Portuguese dictator is behaving as though
assured of political survival. If his hopes come true, the totalitarian curse will continue to hang
over the world. A refuge for the reminder of fanatic Nazi-Fascists will be open, and geographically
so well situated that from there the modern tools of destruction can easily strike at the Western
Hemisphere. A focus will be maintained for the dissemination of propaganda against democratic
methods, threatening again to infect the whole world and frustrate all efforts consecrated to the
building of a lasting peace.
Let us briefly review Salazar’s record:
A military revolt took place in 1926, which set out to destroy the constitutional democratic
regime which had governed the country until then. No legitimate constitutional government have
existed in Portugal since that time. The “New State” of Salazar is totalitarian and fascist because:
1. Under it there exists no freedom of thought, of religion, of assembly, or of
association.
2. By its enforced decrees, only one political party is permitted, a fascist party, deceitfully
called “National Union”.
3. There are no free elections. Sham elections are held on the basis of a single list of
candidates set up by the government. No vote against the listed candidates is
admitted. The vote is not controlled. Sanctions are applied against those not voting
in favor of the candidates as listed.
4. Salazar’s government does not derive its power from the so-called National Assembly:
it has power to legislate regardless of that Assembly. There is no independent
legislative body.
5. There are no legal means by which a change of government may be obtained; the
President of the Republic is the only one empowered to bring about such a change,
but the President is chosen by the one and only party which proposes the one and
only candidate.
6. Salazar’s government employs a secret police—the PVDE—which is a fitting
counterpart of the Gestapo; it practices espionage and denunciation, is allowed to
arrest arbitrarily, applies physical torture to extort confessions, and may detain anyone
to stay in prison indefinitely.
7. Salazar’s government maintains concentration camps for its political prisoners as well
as disciplinary batallions for those whom it suspects of adverse political opinions.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

8. Salazar’s government does not accord Habeas Corpus guarantees, nor does it
recognize the inviolability of the home.
9. Salazar’s government arbitrarily appoints and summarily dismisses all bodies of
justice; there is no trial by jury; both his ministers and his police are at liberty to
disregard court sentences. Political infractions are tried by special tribunals. The
judiciary power is not even remotely independent.
10. All public teaching is geared to fascist ideology; youth is thoroughly indoctrinated
with fascism and militarism. All institutions of free education have been eliminated.
Every teacher suspected of anti-fascism has been dismissed.
11. The country’s economy follows the eartwhile Mussolini Corporative pattern; every
form of economic enterprise, transaction or activity subject to individual control by
the corresponding government-controlled “corporation”.
12. The government fixes wages for all workers; the wages established are recognizedly
below subsistence levels. Starvation and extrem poverty are widespread; prostitutions
is increasing at an alarming rate; infant mortality is appalling; almost 50 percent of all
deaths occur below the age of 5.
13. Scientific research is seriously curtailed; all cultural activities are closely watched by
the fascist authorities.
14. All known anti-fascists, democratic Army and Navy officers, public officials or
magistrates, have been either retired or dismissed.
15. All press and radio broadcasts are under State control.
16. The political situation prevailing in Portugal is one on permanent terror and agitation.
It is the structure of the Portuguese fascist state, developed and headed by Salazar, which
accounts for the foreign policy adopted and pursued by Portugal in aligning herself with the Axies
and against the democracies.
Portugal is one of the few nations not invited to the World Security Conference at San
Francisco. This means that the westernmost European country, which controls a vast overseas
area, and has strong cultural ties with Brazil, will not participate in the peace and post-war
planning.
The Portuguese people felt that the domestic and foreign policies of Salazar would result
in exclusion from the Conference, and therefore they consider they have no cause for complaint.
They understand the justice of such exclusion as a sign of the United Nation’s repulsion for the
Portuguese fascism.
The ideological affinities of Portuguese fascism with German, Italian, Spanish and
Japanese totalitarianism led to a common hatred of the democratic nations, fighting for the cause
of freedom. Portuguese fascism broke off diplomatic relations with Czechoslovakia and never
recognized Soviet Russia; it participated in the plot to overthrow the legal government of
republican Spain; its broadcasting station became the first propaganda units actively to serve
Franco’s purposes; Salazar’s Portugal not only failed to fulfill its non-intervention agreements,
but afforded the Spanish fascists rebels full transit through Portuguese territory, for men,
supplies, arms and munitions.
Salazar, actually paticipated in Franco’s rebellion by supplying him with regular army
officers and an army of “volunteers” to fight in the fascist ranks. The Portuguese press—totally
controlled or owned by Salazar’s Estado Novo- unleashed a vicious campaign against the Spanish
Republic and in support of Franco; Salazar refused haven to Spanish republican refugees and
actually surrendered to France, to be shot, those who were caught on Portuguese soil.

Gávea-Brown: XXXIX-XL (2017-2018) 12


Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

When the Second World War broke out, Salazar’s government lined up with the Axis
against democracies; its press violently attacked England and France for declaring war on
Germany, and heatedly defended the Axis imperialists. For five years Portuguese territory was
the focal point of German espionage which, with the consent of Salazar, operated its wireless
stations for the relay of vital information to the Reich. Salazar furnished tungsten, tin and
foodstuffs to the totalitarian belligerants, and re-exported to Germany many supplies obtained
from the democracies.
Salazar granted air bases to Japan in Portuguese Timor (East Indies) and Macau (China);
he failed to garrison either territory against the Japanese, but dispatched troops to the Azores and
Cape Verde islands. THERE THEY RESIST ANY ATTEMPT AT LANDINGS BY THE
BRITISH AND THE AMERICANS. SALAZAR ACTUALLY ISSUED ORDERS TO FIRE
ON BRITISH VESSELS, but fortunately they were not carried out. His concession of bases on
the Azores in 1943, was made only when circunstances rendered it imperative.
Those Portuguese who showed any sympathy toward the United Nations were either
beaten up in the streets or arrested by Salazar’s police. Other who were more articulate in their
opposition to the Axis were deported to concentration camps, in the colonies; to listen to either
British or American broadcasts constitued cause for police persecution, while it was enterily
permissible to listen to propaganda from Rome or Berlin, which propaganda the Portuguese press
and radio diligently reproduced.
When Salazar’s concession of air bases to Japan in Timor led Australian and English
forces to occupy that island, Great Britain was openly insulted in the so-called National Assembly,
the fascist propaganda department having then organized a “popular” demostration against the
democracies.
Salazar made haste to protest to Washington against bombardments of Macau by
American airplanes, but neither his government nor the “National Assembly” showed the
slightest indignation against Japan nor, in general, against the atrocities committed by the
agressors.
In order to save their shaking foundations, the Iberian fascist governments are today
claiming that their neutrality has materially helped the Allied Nations cause by permitting them
to wage a total war in the Mediterranean and facilitating the opening of the Second Front. As
already pointed out, this neutrality has been a simply mockery of the truth. It is undeniable that
only the well-known and open opposition of the Iberian peoples preventing Franco and Salazar
from giving more effective help to the Axis and from entering the war against the Allies. In spite
of the rigid control of their armed forces, Franco and Salazar knew that public opinion in their
countries was, and always will be, overhelmingly on the side of the democracies. To the deep-
rooted democratic beliefs of the peoples of Portugal and Spain, and not to their present regimes,
is therefore due this modest contribution to the triumph of the Allies.
Since the very beginning of the Fascist regime, imposed on them in 1926 by a small but
well-organized oligarchy, the Portuguese people have never ceased to fight for the overthrow of
their oppressors. Today the Portuguese people, completely united behind the Council of National
Anti-Fascist Unity (whose principal aim is to destroy fascism in Portugal) are more than ever
ready to contribute to the high ideals for which this war has been fought.
The Portuguese people earnestly wish that their voice be heard by the powers who are
working to build a new and better world. And their appeal is a simple one: that conditions be
created which will permit them freely to choose their own destiny, work out their own liberation,
rid themselves of their oppressors and build a true and lasting democracy. They make a further
appeal: that diplomatic relations be severed with Salazar’s government.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

It is not only for the sake of the Portuguese people, brutally oppressed and starved by a
tyranny which has sacrilegiously been called Christian State, but in defense of the whole of
mankind, that we plead against the repetition of a mistake that is still mowing lives and spreading
ruin. The very instinct of self-preservation of all free peoples calls for the inmediate quarantine
of every remaining totalitarian regime. To isolate such regimes as the dangerous threats to which
they constitute to the social health of mankind, is to protect the structure of world peace from
deadly termites which can bring about its ruin.
Thomas Jefferson said that “no man has the natural right to supress the rights of another”.
Today we know only too well, that whoever dares to transgress upon this essential principle, does
indeed transgress upon all of humanity. We owe it to the millions dead and wounded in this war,
to erase such political gangsterism from the face of the globe. Now is the time to complete a job
well done, and win the peace for which millions fought so bravely and suffered so much. This is
our hope and our prayer. God help you to see the light and courageously to face the
responsibilities which fate has placed upon our shoulders.
Respectfully,

JOAO CAMOESAS, M. D.

Former Minister of Education in the Portuguese Constitutional Government

-------

This Adversising Sponsored and Paid by the New Bedford Portuguese-American Council for Democracy

[Nota contextual: o Diário de Notícias de New Bedford rejeitou a publicação desta carta por estar
escrita em inglês integralmente, segundo justifica o próprio jornal no seguinte número: nº 7936,
13 de Junho de 1945, p. 1: “Portuguese-American Committee for Democracy”]

Fonte: The Whaling Museum of New Bedford. Research Library & Kendall Institute. Portuguese
Immigration Records (1864-1976). Box 2.

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

3. Manifesto editado conjuntamente pela Acção Social Portuguesa, Clube Republicano


Português, Aliança Liberal Portuguesa e International Labor Defense que consiste na
reprodução dum artigo de opinião publicado por João Camoesas no Diário de Notícias
de New Bedford a 8 de Fevereiro de 1938, p. 1

[Nota contextual: O artigo de João Camoesas refere-se às acusações públicas de “comunista”


feitas por agentes salazaristas da colónia, particularmente por Manuel Caetano Pereira (referido
como Catanéte Pinguinheira), vice-cônsul de Portugal em Fall River e Leal Furtado (ridicularizado
como Al-Furtadone). As pressões do salazarismo levam o Chefe da Polícia de Fall River, Abel J.
Violette, a proibir a celebração de várias conferências qualificadas como “propaganda comunista”,
programadas no Ateneu de Fall River em 30 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1938, nas quais ia
participar J. Camoesas, convidado pelo Comité de Cultura Popular para falar de “A escola” e “Os
Efeitos Perniciosos do Alcoolismo”. As falas censuradas de João Camoesas foram pronunciadas
finalmente na sede da Aliança Liberal Portuguesa de New Bedford]

MANIFESTO
Êste manifesto é um artigo do Sr. Dr. João Camoesas, publicado no “Diário de Notícias”
de New Bedford, Mass., a 8 de Fevereiro de 1938, e foi editado pela Acção Social
Portuguesa, Clube Republicano Português, Aliança Liberal Portuguesa, International
Labor Defense, organismo de New Bedford, Taunton, e por um grupo de liberais de Fall
River, Mass.
Uma senhora liberal, agradável surpresa, escreveu-me em termos rubros de indignação,
procurando provar-me a necessidade de aplicar um correctivo violento aos destemperos de
Catanéte Pinguinheira e Al-Furtadone. A intenção da minha inesperada correspondente não pode
deixar de sensibilizar-me. É com sincera pêna, por isso, que não obedeço à sua sugestão.
As ligeiras considerações seguintes, creio bem, bastarão para lhe mostrar a sensatez e a
utilidade desta atitude. Quer-me parecer que salta à evidência a desnecessidade de uma refutação
dos últimos esguichos minhocais. Na verdade, todas as pessoas normais ao lêr semelhantes
diatribes disparatadas, verificarão que constituem um truque inofensivo, tornado claríssimo à
fôrça de repetido.
Com efeito, numerosas vezes já tem sido aqui exibida a mesma manobra alvar,
procurando desviar as atenções dos pontos essenciais por mim apresentados, pelo enxêrto de
agresssões pessoais, descabeladas e sem fundamento possível. Lembra-se do parvíssimo
ultimatum articulado a seguir à publicação da carta que o ilustre almirante Gago Goutinho me
dirigiu? Veja em qualquer dicionário o que a palavra significa e verá que quer dizer uma intimação
final, prelúdio de um interrompimento de relações ou duma imposição pela fôrça.
Vão passados alguns meses sôbre o aparecimento do ultimato. Que aconteceu entretanto?
Que esforços foram empregados para me fazer produzir o jornal que publicou a informação de
que me servi ou dizer o nome do seu director? Terminaram, por ventura, as interferências comigo
do ultimador? Tive tempo de trocar correspondência com o professor distinto que dirigia a
publicação referida. Tenho aqui à disposição de qualquer pessôa decente a sua resposta à pergunta
se o prejudicaria a publicação do seu nome, a qual reza assim: “Não lhe posso assegurar que o
uso dessa afirmação minha, feita, embora, há muitos anos, me não possa causar dissabores. Numa
terra onde impera o puro arbítrio, pode-se lá saber de que se servirão para nos perseguir?! Por
muito menos do que isso se é preso e posto incomunicável! Esta carta, por exemplo, se fôsse
apanhada, poderia sêr motivo para graves dissabores.”
Não, nenhuma consequência lógica se seguiu ao desconchavado ultimatum, porque êste
tinha, apenas, o fito de desviar dos factos expostos, para um agravo pessoal, as atenções

Gávea-Brown: XXXIX-XL (2017-2018) 15


Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

dos leitores. O mesmo se repete agora com o comunismo. O essencial, o que importa ao
esclarecimento da situação portuguesa, o que ficou provado, é que o papão comunista é
uma invenção fraudulenta de dirigentes criminosos e desavergonhados! Na
impossibilidade de se refutar esta conclusão, que exprime a verdade absoluta, recorre-se ao
expediente vil de me acusar de comunista, opondo-me um chorrilho de impropérios contra o
comunismo.
É evidentíssimo que perderia um tempo precisoso e dissiparia um espaço digno de melhor
emprêgo, negando uma atitude política que nunca assumi e defendendo uma causa que jamais
sencundei. Não sendo comunista, que tenho de ver com isso? Compete a quem seguir o
comunismo corrigir o farsante, se julgar necessário opôr razões à ladainha de estúpidos logares
[sic] comuns, ejaculada a tal respeito.
Alto, minha amiga! Para tais almorroidas de sofista, esta simples anotação de facto, acêrca
da inferioridade da sua argumentação anti-comunista, basta para lhes dar pretexto para afirmar
que sou o que não sou, o que não quero sêr. Felizmente que a minha voracidade de informação
me revelou que existem padres da minha opinião a êste respeito. Procure na biblioteca local o
número de Novembro findo da revista “The Catholic World”. A páginas 139 encontrará um
artigo do Rev. S. J. Rueve, da Companhia de Jesus, que principia desta maneira: “O propósito
dêste artigo não é apontar os males do comunismo, mas indicar algumas das dificuldades da nossa
posição anti-comunista. Tais causas derivam de duas origens, a saber, as circunstâncias actuais em
que estamos colocados e também a confiança de alguns anti-comunistas em argumentos que
nunca tiveram qualquer vida e que, pelo menos, estão indicados para enterro.” No número da
mesma revista de Janeiro, o padre Rueve desenvolve o seu modo de vêr em resposta a uma crítica
dum seu camarada oratoriano. Nessa leitura aprenderá que há padres ilustres, acreditando que o
comunismo não se combate eficazmente com gritos histéricos e calúnias grosseiras.
Não se admire de me ver perder tempo com esta justificação. Não viu como houve o
descaramento de se me chamar comunista por eu falar da antiguidade do comunismo e apontar
com imparcialidade o bom e o mau de semilhante [sic] sistema? Todavia grande parte da minha
informação foi colhida no volume quarto de “The Catholic Encyclopedia”, onde a páginas 179,
se lê o seguinte: “A mais antiga operação do princípio comunista, da qual temos algum
registo, teve lugar em Creta cêrca do ano 1300 antes de Cristo. Todos os cidadãos eram
educados uniformemente pelo Estado e comiam em refeitórios públicos”. Segundo a
tradição, foi esta experiência que conduziu Licurgo a establecer o seu celebrado regime em Sparta.
Sob o seu govêrno, informa-nos Plutarco, havia uma sistema comum de educação, de ginástica e
treino militar para os jovens de ambos os sexos. Eram fornecidas refeições públicas e dormitórios
a todos os cidadãos.”…
Já agora deixe-me recortar do mesmo trabalho este trecho da página 183, onde um dos
mais notáveis escritores católicos diz também alguma coisa de bom sôbre o comunismo….. “É
possível para pequenos grupos de espíritos eleitos, especialmente quando inspirados por motivos
de religião e ascetismo, manter por mais dum século a organização comunista satisfeita e próspera.
A porção de preguiça é menor e o problema de obter o trabalho acabado mais simples do que
geralmente se crê. E o hábito da vida em comum parece anular uma sôma considerável de
egoísmo humano…. A completa igualdade, almejada pelo comunismo, é uma interpretação bem
intencionada, mas errónea, das grandes verdades morais, que, como pessoas e perante Deus todos
os seres humanos são iguais e que todos têm essencialmente as mesmas necessidades e o mesmo
destino final. No tocante à sua incorporação no princípio da propriedade comum, tais
verdades tomaram expressões variadas em diversos países e civilizações. Muitos
historiadores económicos julgam que a propriedade comunal foi em toda a parte a forma inicial
da ocupação da terra. Ainda prevalece de certa maneira nos distritos rurais da Rússia. No último

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

meio século, a esfera da propriedade comum ou pública desenvolveu-se grandemente através de


todo o mundo Ocidental e é certo que receberá mais vasta expansão no futuro. Todavia o
veredictum da experiência, a natureza do homem e a atitude da Igreja, tudo nos assegura que
comunismo completo nunca será adotado por uma secção considerável de qualquer povo. Ao
passo que a Igreja sanciona o princípio do comunismo voluntário, para os raros com
vocação para a vida religiosa, condena o comunismo universal obrigatório, legalmente imspôsto,
visto sustentar o direito natural de cada indivíduo a possuir propriedade privada.”
Com semelhante companhia posso bem –não lhe parece?- despressar os insultos de
Pinguinheira e do seu instrutor Al-Furtadone. Aquilo é cuspo atirado ao ar, que sempre cai sôbre
quem o joga. O primeiro, os próprios estrangeiros o sabem, sofre de monomania religiosa e devia
recolher a um manicómio. O segundo é o verdadeiro responsável. Por dever profissional
compete-lhe proibir os excessos de fanatismo do pobre diabo e, em lugar disso, incita-o. Chama-
lhe ilustre escritor, diz-lhe que está fazendo uma brilhante figura, explorando para satisfação dos
seus rancores políticos a doença do desgraçadito. Nunca vi mais descaroável falta de caridade,
mais completa manifestação de satanismo. Se o diabo existisse e passasse por Fall River, ao
encontrar esta personificação da maldade e do ódio com certeza lhe daria um abraço fraterno e
diria todo contente: “Não precisava vir aqui, já cá estavas tu”

Taunton, Mass., U.S.A.

5 Fevereiro, 1938.

[Assinatura autografada]

JOÃO CAMOESAS

Fonte: Arquivo Histórico Diplomático de Lisboa, documentação da embaixada de Portugal nos


Estados Unidos da América, caixa nº 13.

Gávea-Brown: XXXIX-XL (2017-2018) 17


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4. Carta do proprietário do Diário de Notícias de New Bedford, Guilherme Machado


Luiz, convidando João Camoesas a não escrever mais artigos contra Salazar e resposta
do ex-ministro português

4.1. Carta de Guilherme Machado Luiz a João Camoesas

The Portuguese Daily News Publishing Co.


Publishers of The Diario de Noticias
93 Rivet Street
NEW BEDFORD, MASS.
Tel. 2505

9 de Agosto de 1938

Exmo. Sr. Dr. João Camoesas.


Taunton, Mass.

Saudações.
Sabendo que a polémica sustentada no “Diário de Notícias” entre V. Exa. e o Dr. Manuel
C. Pereira [Vice-cônsul de Portugal em Fall River], durante pouco mais dum ano, tem trazido à
Empreza deste jornal algumas dificuldades, venho, por isso, rogar a V. Exa. para dar por
terminada tal polémica.

Tem V. Exa. as colunas do “Diário de Notícias” à sua disposição como sempre, querendo
continuar a colaborar, sem dirigir ataques ao governo de Portugal e so [sic] presidente do conselho
de ministros, Dr. Oliveira Salazar.
Sem outro assunto, subscrevo-me com todo o respeito e consideração.

De V. Exa.

Mto Ato. Vnor. e Obgdo.

[Assinatura autografada de Guilherme Machado Luiz]

Portuguese Daily News Pub. Co.

Fonte: Arquivo Histórico Diplomático de Lisboa, documentação da embaixada de Portugal nos


Estados Unidos da América, caixa nº 37.

Gávea-Brown: XXXIX-XL (2017-2018) 18


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4.2. Carta Resposta de João Camoesas a Guilherme Machado Luiz

JOÃO CAMOESAS, M. D.
28 BROADWAY
TAUNTON, MASSACHUSETTS

19 Agôsto, 1938

Excmo. Sr. Gulherme M. Luís


Portuguese Daily Newas Pub. Co.
93 Rivet Street
New Bedford, Mass.

Exmo. Sr.:
Tenho presente a carta de V. Exa., datada de 9 do corrente, na qual me convida a terminar
a “polémica” que mantenho no “Diário de Notícias” há pouco mais dum ano e me comunica que
poderei continuar a colaborar no referido jornal, abstendo-me de apreciar o govêrno português e
o seu chefe.
Devo, antes de mais nada, obervar que é inexacta a designação de polémica em referência
aos meus escritos, publicados no seu periódico. Na verdade, reprsentam apenas um esfôrço de
ligitima [sic] defesa, provocado por agressões nele insertas. Ninguém, de resto, considera
discussão o chamamento de nomes a uma pessoa com o fim de a difamar e coagir.
Forçado a definir a minha atitude política e a defender a minha personalidade, em virtude
de diatribes caluniosas a que o “Diário de Notícias” deu guarida, travei um plano de trabalho que
nas suas colunas mencionei mais duma vez. Estava terminando o seu ante-penúltimo capítulo,
analisando as escusas do salazarismo. Ficaria concluido com mais seis artigos, dois para remate
da crítica ao corporativismo, três sôbre a burla do nacionalismo e um de síntese das sete mentiras
intencionais de que se alimenta a propaganda salazárica.
Viria, após o prometido estudo das escoras salazarísticas, incluindo capitalismo,
clericalismo, militarismo e propagandismo. Com o segundo apareceria a descrição do incidente
de Fall River e seria publicada a correspondência respectiva. Depois seguiria a parte final,
constituída por uma tentativa de doutrinação construtiva, desenvolvimento de justificação da
fórmula seguinte: Nem bolchevismo, nem fascismo; scientismo.
Não se ignorava no jornal a existência deste plano, visto haver sido esboçado nas suas
próprias colunas. Até agora, de acordo com as instituições e costumes do país onde vivemos, foi-
me permitido realisá-lo sem obstáculos nem restrições.
O amplo e americaníssimo respeito da minha liberdade de opinião assim manifestado
animou-me a traçar o plano de defesa com a latitude e extensão que se me afiguraram necessárias.
Não logrou, porém, inspirar-me a convicção de que o levaria a cabo sem interrupção forçada.
De feito, contei sempre com a comunicação de V. Exca. A que me estou referindo e,
simplemente admira, havê-la recebido só agora. As ditaduras precisam do silêncio, como os
vermes da prodridão. Por isso procuram a todo o transe calar os adversários e críticos, não
havendo recurso que lhes repugne para o conseguir. Era inevitável que, ao verificar a insanidade
da vosearia insultiva dos seus sicários, empregaria outros meios directos e indirectos de impedir
a circulação da minha palavra.
Teve de fazê-lo, contudo, à bruta e à vista de toda a gente, outorgando-me uma vitória
completa sob o aspectos jornalístico e moral. Efectivamente, o triunfo máximo do jornalista
consiste em obrigar o seu almejado a desmascarar-se, constrangendo-o a contribuir sem querer

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Pena-Rodríguez Um episódio inexplorado

para a desvendação da verdade. É o maior galardão dum homem que põe a sua inteligência ao
serviço de um ideal, reside no temor do inimigo pela palavra, manifestado ao pretender suprimi-
la.
Felismente estamos em terra de recursos e onde vigora o culto da liberdade de opinião.
Não me será difícil, portanto, encontrar outro veículo de publicidade para terminar o trabalho
que levei a [sic] mais de meio [ano] nas colunas do “Diário de Notícias”. Depressa se poderá
verificar que, na nossa época de intensa e maravilhosa actividade dos meios de comunicação,
tentar amordaçar o verbo é tam [sic] louco como pretender apagar o sol. Graças à democracia
imperante neste país, por outro lado, a inutilidade dos esforços ditatoriais para me silenciar, em
breve se manifestará também.
Devo à redacção e aos leitores atenções que não esquecerei e aqui agradeço. Para estes
últimos conhecerem a razão por que findei a minha colaboração tam inesperadamente como a
iniciei, espero dever-lhe a finesa da publicação desta carta.

De V. Exca.

Mt. Ato. e obrigado.,

[Assinatura autografada de João Camoesas]

Fonte: Arquivo Histórico Diplomático de Lisboa, documentação da embaixada de Portugal nos


Estados Unidos da América, caixa nº 37.

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