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As revistas de cultura durante o Estado Novo: problemas e perspectivas

Tania Regina de Luca Depto de História UNESP/Assis


Pesquisa financiada pelo CNPq.

A tensa relação entre o governo Vargas e a imprensa já foi destacada pela bibliografia
especializada. Entretanto, predomina uma visão urdida a partir da perspectiva do aparato estatal,
como se suas intenções de governantes, seus interlocutores e porta-vozes tivessem sido impostas de
forma plena. Supõe-se que as propostas e ações controladoras esbarrassem numa imprensa dócil,
quer por conivência e/ou interesses pouco nobres, quer pelo terror imposto pela atuação dos órgãos
da censura. Sem negar a inconteste truculência do regime, o que se pretende é matizar tal visão a
partir da pesquisa sistemática em algumas das revistas de caráter cultural e literário – caso da
Revista Acadêmica (1933-1948), Dom Casmurro (1937-1943), Revista do Brasil (1938-1943),
Diretrizes (1938-1944), por exemplo – que circularam na chamada Era Vargas (1930-1945). Trata-
se de investigar se havia alguma possibilidade de fazer oposição ao projeto hegemônico, ainda que
de forma enviesada e cuidadosa. Se não é o caso de afirmar a existência de uma proposta alternativa
ao projeto cultural varguista, claramente delineado no decorrer no Estado Novo (1937-1945), trata-
se de averiguar se nas páginas desses periódicos não houve espaço para, pelo menos, não engrossar
o coro dos que defendiam os rumos políticos e culturais adotados. O que se almeja, portanto, é
contribuir para tornar menos homogênea a visão dominante sobre o período.

O Estado Novo e o controle da informação


O Estado Novo tem recebido particular atenção dos historiadores. O quadro bibliográfico
atual é muito diverso daquele descrito na coletânea Estado, ideologia e poder, publicada em 1982 e
que se tornou um marco nos estudos sobre o período. Na apresentação, Lúcia Lippi de Oliveira
afirmou:
O período conhecido por Estado Novo, que vai de 10 de novembro de 1937 (promulgação
da nova Constituição) a 29 de outubro de 1945 (deposição de Vargas), permanece envolto
em uma nuvem de relativo esquecimento. O espírito da redemocratização que marcou o pós-
45, aparentemente, jogou uma pá de cal no período anterior, na suposição de ter sido uma
época de exceção que deve ser esquecida o mais rapidamente possível. Nada melhor que o
silêncio para garantir o esquecimento.1

É provável que o renovado interesse pelo período relacione-se com a implantação de um


novo regime autoritário em 1964, que mostrou as fragilidades das instituições democráticas do
1
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta e GOMES, Angela de Castro. Estado Novo, ideologia e poder.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 7.

1
regime republicano brasileiro. Contudo, independente das motivações, o fato é que esses estão
sendo analisados intensamente e sob diferentes perspectivas, como bem atestam os catálogos das
editoras, as teses e dissertações de programas de pós-graduação, os colóquios e dossiês de revistas
que tratam da questão.2
Os meios de comunicação de massa da época têm recebido boa dose de atenção por parte de
historiadores, sociólogos e especialistas da área de comunicações. Afinal, jornais e revistas ainda se
constituíam em veículos privilegiados para a difusão da informação, se bem que o cinema, já há
algumas décadas, e o rádio, que se difundiu exatamente nos anos 1930, também desempenhassem
papel dos mais relevantes. O fato é que se multiplicam os estudos acerca de como o regime de
Vargas, desde a derrubada de Washington Luís e particularmente depois da instauração do Estado
Novo, procurou impor um projeto cultural e político, muito bem urdido e que teve no Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP - 1939) um de seus pilares.
Durante o Estado Novo, houve um significativo esforço no sentido de justificar o regime e
difundir uma imagem positiva do mesmo junto às camadas populares. A preocupação com a
propaganda ficou evidente muito antes, já em 1931, quando do surgimento do Departamento Oficial
de Publicidade (DOP). O órgão conheceu várias mudanças até que, em 1939, foi criado o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), diretamente subordinado à presidência da
República.
O DIP compunha-se dos setores de divulgação, imprensa, radiodifusão, turismo, teatro e
cinema, cabendo-lhe a exclusividade no que respeitava à propaganda e publicidade de todos os
Ministérios e repartições públicas, assim como a promoção e organização de atos comemorativos
oficiais e de festas cívicas. O Departamento também era responsável pela censura prévia dos
jornais, revistas, cinemas, teatros, livros e diversões públicas, tais como festas populares, circos,
bailes, bilhares, esportes, espetáculos e exposições. Percebe-se o lugar estratégico ocupado pelo
DIP, máquina de coerção e propaganda do Estado Novo, que mantinha estrito controle sobre a vida
cultural do país e determinava seus rumos. O domínio dos meios de comunicação era de
fundamental importância tanto para cercear a divulgação daquilo que não fosse de interesse do
poder, quanto para enfatizar as realizações do regime, sua adequação à realidade nacional e para a
promoção, pessoal e política, da figura de Vargas.
A Constituição de 1937 considerou a imprensa serviço de utilidade pública e lhe impôs uma
série de restrições. Jornalistas e jornais tiveram que se registrar no DIP e passaram a conviver com a
2
Vale comparar o balanço fornecido por GERTZ, René E. Estado Novo: um inventário historiográfico. IN: SILVA,
José Luiz Werneck da (org.). O feixe e o prisma. Uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Zahar, 19991, p. 111-
131 com os produzidos por CAPELATO, Maria Helena. Estado Novo: Novas Histórias. IN: FREITAS, Marcos Cezar
(org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 183-213; e O Estado Novo: o que trouxe
de novo? FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano. O tempo do
nacional-estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v. 2, p. 118.

2
figura do censor, que vistoriava cada uma das matérias antes de sua publicação. Vários matutinos
foram encampados pelo governo, como A Manhã (RJ) e A Noite (SP), ou sofreram intervenção,
como ocorreu com O Estado de S. Paulo. As atividades do DIP, porta voz oficial do poder,
incluíam a edição de revistas, com destaque para Cultura Política, que reunia importantes
intelectuais, responsáveis pela justificação ideológica do regime, Brasil Novo e Estudos e
Conferências, assim como a produção e publicação de uma ampla gama de livros, desde cartilhas
até obras que justificavam o golpe de 1937, louvavam as realizações governamentais e a figura de
Getúlio. Os títulos são bastante sugestivos: Getúlio Vargas para crianças; O sorriso do Presidente
Vargas; O perfil do Presidente Vargas; Getúlio Vargas, estadista e sociólogo.3
O cerco à imprensa foi brutal. Estima-se que cerca de 30% dos jornais e revistas do país não
conseguiu obter o registro obrigatório no DIP, tendo deixado de circular. Os autorizados eram
cuidadosamente controlados e todas as matérias dependiam de autorização prévia dos censores. O
governo também fundou seu próprio jornal, A Manhã (1941), dirigido por Cassiano Ricardo, 4
expropriou outros, como ocorreu com O Estado de S. Paulo que, a partir de 1940 permaneceu sob
intervenção do DIP, tendo seus proprietários sido obrigados a deixar o país, e encampou, no Rio de
Janeiro, A Noite e a Rádio Nacional. Não se dispensou o recurso de facilitar verbas e empréstimos
às empresas de comunicação que se mostraram sensíveis às necessidades do poder.
A Agência Nacional, por sua vez, “era a executora das atividades do setor de imprensa. E
atuava como um jornal, durante os três expedientes, dispondo de equipes completas de redatores,
repórteres, tradutores, taquígrafos etc., inclusive editores em área específicas e editor-chefe”. 5 Mais
de 60% do que era publicado na imprensa provinha deste braço do DIP. Outro poderoso
instrumento de controle foi o decreto que dispôs sobre a isenção de taxas alfandegárias na
importação do papel utilizado pela imprensa. Sua aquisição, porém, subordinava-se à autorização
do Ministro da Justiça. Segundo Sampaio Mitke, que chefiou o serviço de controle da imprensa:
O trabalho era limpo e eficiente. As sanções que aplicávamos eram muito mais eficazes do
que as ameaças da polícia, porque eram de natureza econômica. Os jornais dependiam do
governo para a importação do papel linha d’água. As taxas aduaneiras eram elevadas e
deveriam ser pagas em 24 horas (...). Só se isentava de pagamento os jornais que
colaboravam com o governo. Eu ou o Lourival [Fontes, diretor do DIP] ligávamos para a
alfândega autorizando a retirada do papel.6

3
CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP:
Papirus, 1998, estuda os materiais produzidos visando à construção da imagem de Vargas e Perón.
4
Não confundir com A Manhã, jornal fundado em 1935 e porta-voz da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que
circulou por sete meses na cidade do Rio de Janeiro.
5
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial. Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero;
Brasília: CNPq, 1990, p. 68. A autora informa que em 1944 a Agência contava com 220 funcionários.
6
GALVÃO, Flávio. A liberdade de informação no Brasil. O Estado de S. Paulo, 29.11.1975. Suplemento do
Centenário, no 48, p. 4.

3
No cinema, a ação do DIP se fazia presente por meio dos Cinejornais, documentários de
curta metragem exibidos obrigatoriamente antes de cada sessão. A tônica aqui, ainda uma vez, era a
exaltação dos atos do poder público: festividades; inaugurações; visitas; viagens e discursos. As
imagens, cuidadosamente selecionadas, retratavam o ponto de vista oficial e esmeravam-se em
destacar o apoio popular ao regime, manifesto nas tomadas do público, sempre aplaudindo seu líder,
num clima de unanimidade.
Na década de 1940, o rádio firmou-se como o principal meio de comunicação de massa,
aspecto que não passou desapercebido dos governantes, que o utilizavam para veicular discursos,
mensagens e notícias oficiais. Entretanto, seu potencial político era imensamente maior: além de
difundir o projeto político do executivo, ele poderia ser mobilizado para incentivar
comportamentos, atitudes, hábitos e valores tidos como desejáveis. Daí o rígido controle a que foi
submetida a programação radiofônica e as letras das canções. Além da censura prévia da
programação, o DIP tinha funcionários encarregados de acompanhar as transmissões de cada
estação.7
O exemplo da música é esclarecedor. Os compositores passaram a ser incentivados a
abandonar temas como a malandragem e a boemia em prol do trabalho, sob pena de terem suas
letras censuradas, como aconteceu com O bonde de São Januário, de autoria de Ataulfo Alves e
Wilson Batista, cujos versos diziam: O bonde de São Januário/ leva mais um otário/sou eu que vou
trabalhar. A letra foi convenientemente emendada: a palavra otário foi trocada por operário. O
samba-exaltação, que afirma as potencialidades do país, também se tornou moeda corrente.
Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, data de 1939.8
Em 1940, o governo encampou a Rádio Nacional e não poupou esforços para torná-la
popular: contrataram-se os locutores, cantores, humoristas e radio atores mais famosos da época; a
emissora foi dotada de novos estúdios e de equipamentos modernos. A Nacional transmitiu a
primeira rádio-novela brasileira, criou o Repórter Esso e promoveu vários concursos cujos
resultados eram anunciados na Hora do Brasil, programa produzido pelo DIP e retransmitido
obrigatoriamente em todo o país. Como afirmou um compositor da época, eleições livres e diretas,
em pleno Estado Novo, só mesmo para escolher a melhor música. 9
O anúncio dos resultados na Hora do Brasil deve ser entendido como estratégia para torná-
lo mais atraente. Assim, além de divulgar atos governamentais, o programa continha uma parte
musical, chegando mesmo a registrar a participação de nomes famosos, como Carmem Miranda e
7
HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e política. Tempos de Vargas e Perón. São Paulo: Tese (Doutorado em
Comunicações), ECA/SP, 1992.
8
MATOS, Cláudia. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
9
Consultar: SOUZA, José Inácio de Melo. A ação e o imaginário de uma ditadura: controle, coerção e propaganda
política nos meios de comunicação durante o Estado Novo. São Paulo: Dissertação (Mestrado em Comunicação),
ECA/USP, 1990.

4
Francisco Alves. Entre 1942 e 1945, o Ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Machado,
valeu-se da Hora do Brasil para proferir palestras semanais aos trabalhadores, com o intuito de
explicar-lhes as realizações do Estado Novo no campo da legislação social e trabalhista,
invariavelmente apresentada como fruto da iniciativa pessoal de Getúlio Vargas.10
De fato, houve um esforço deliberado, levado a efeito pelo DIP, para construir uma imagem
positiva de Getúlio Vargas. Sua fotografia oficial foi distribuída às repartições públicas, escolas,
estações ferroviárias, aeroportos, bancos, casas comerciais e o 19 de abril, data do seu aniversário,
passou a fazer parte do calendário festivo do regime, que incluía o Primeiro de Maio, a implantação
do Estado de Novo, a Independência, o Natal e o Ano Novo. No dia do trabalho, grandes multidões
reuniam-se no Estádio do Vasco da Gama, para ouvir a palavra do Presidente, que sempre
presenteava “os trabalhadores do Brasil” com alguma iniciativa de cunho social. Na memória
coletiva, Vargas segue sendo identificado como pai dos pobres, indício da eficácia do projeto
político pedagógico da ditadura estadonovista.11
Entretanto, sem negar que tal quadro seja verdadeiro, nem tampouco subestimar o papel da
censura no controle da informação, pretende-se discernir entre o desejo do poder e suas realizações
efetivas, ou seja, trata-se de questionar se as intenções e prescrições emanadas do executivo e seus
porta-vozes foram recebidas e absorvidas de forma passiva por toda a sociedade. Nesse sentido, um
estudo sistemático das publicações do período pode colaborar para que se vislumbre outras
possibilidades abertas à ação da imprensa, a despeito de todas as tentativas de controle impostas
pelo regime.

Algumas revistas literárias e culturais da Era Vargas


A construção de rígidas tipologias para dar conta das revistas parece fadada ao insucesso.
Contudo, é possível discernir grandes linhas de força que separavam, de um lado, as revistas
ilustradas e de variedades, cujo exemplo mais acabado foi a revista Cruzeiro e, de outro, aquelas
estritamente culturais e/ou literárias que, de acordo com Brito Broca, “não cortejavam o grande
público”.12 Se as primeiras visavam o mercado e vendiam milhares de exemplares, as outras eram

10
A respeito consultar: GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ; São Paulo:
Vértice, 1988.
11
Para a questão da propaganda política, consultar: GARCIA, Nelson Jahr. O Estado Novo: ideologia e propaganda
política. São Paulo: Edições Loyola, 1982.
12
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil 1900. 2a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, p. 221. O autor afirma,
ainda, que “no terreno das revistas e dos periódicos devemos distinguir os de caráter essencialmente literário dos que,
possuindo interesses geral e cunho mundano, davam também um espaço maior ou menor à literatura”, p. 216. Já
DIMAS, Antonio. Tempos eufóricos. Análise da revista Kosmos 1904-1909. São Paulo: Ática, 1983, p. 9-10, ao
questionar a caracterização de Kosmos e Renascença como revistas literárias, evoca o predomínio marcante da
ilustração sobre o texto, a variedade imensa dos assuntos tratados, a destinação para uma faixa de consumo genérico e
conclui: “Eram revistas de ‘ilustração’, de popularização, para preencher o ócio com dignidade (...) mais para os olhos
do que para o cérebro.”

5
empreendimentos modestos e mesmo deficitários, não raro bancados pelos próprios editores e
colaboradores e associadas, muitas vezes, a movimentos literários e/ou estéticos de vanguarda caso,
por exemplo, de Klaxon (1922-1923) Estética (1924-1925) ou a Revista de Antropofagia (1938-
1929), para citar algumas das principais publicações modernistas. Entretanto, não se deve tomar a
citada oposição como absoluta, uma vez que a presença de matéria literária, o trato de temas
diversificados e o recurso à imagem não podem ser considerados apanágio exclusivo de um dos
grupos.
Noutros termos, não é a presença ou ausência de certos elementos invariáveis que define a
natureza da publicação, mas a análise articulada dos objetivos, natureza do conteúdo e sua
estruturação interna, presença/ausência de material iconográfico, formas de utilização e sentidos
adquiridos no interior do periódico, público alvo, responsáveis e colaboradores é que permite
discernir o lugar ocupado pela publicação seja na história da imprensa, seja em relação aos veículos
contemporâneos. Não parece necessário insistir na impropriedade de se estabelecer uma espécie de
escala valorativa entre revistas que se apresentam devotadas à cultura e aos problemas nacionais e
as humorísticas ou aquelas aparentemente descompromissadas, que abordavam assuntos gerais e
amenidades, uma vez que a rentabilidade analítica do corpo documental selecionado não se
subordina à natureza do mesmo, mas depende, antes de tudo, da abordagem e das perguntas
elaboradas pelo historiador.
Nas décadas de 1930 e 1940, as revistas culturais e literárias não perderam o caráter de
empreendimentos frágeis do ponto de vista econômico, sobretudo quando confrontadas com outros
tipos de periódicos. Porém, há que se levar em conta o contexto em que circulavam e os novos
sentidos que adquiriram, uma vez que algumas conseguiram extrapolaram o papel de porta-vozes de
pequenos grupos vinculados à vanguarda. De fato, tais periódicos passaram a interessar mais
diretamente livreiros e editores, que tinham nas suas páginas um veículo de divulgação de autores e
obras; profissionais liberais, burocratas e leitores ávidos por informações e um certo verniz cultural;
órgãos do governo e sua diversificada rede de instituições, que pretendiam difundir projetos e
realizações oficiais; grupos jornalísticos, que adquiriam prestígio por meio da edição de
suplementos e/ou periódicos culturais, e, sobretudo, não se pode menosprezar que, em todos os
casos mencionados, as revistas também configuravam uma forma de intervenção no debate público
acerca da realidade nacional, o que era indissociável das candentes questões políticas, colocadas na
ordem do dia após a tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930.
No campo historiográfico destaque-se a ausência de estudos sistemáticos sobre publicações
como Boletim de Ariel (1931-1939), Revista Acadêmica, Dom Casmurro, Revista do Brasil e
Diretrizes, justamente no momento em que várias delas tornavam-se perenes e deixavam para trás o

6
famigerado mal-de-sete-números. De fato, não se avança além da alusão à data de lançamento,
direção, lista de colaboradores consagrados e afirmações genéricas quanto a sua importância para o
mundo letrado. Noutros termos, o que se tem é um quadro bastante diverso daquele descrito para as
publicações dos anos 1920, que foram alvos de pesquisas circunstanciadas. Por vezes, textos
veiculados nesses periódicos constituem-se no corpo documental básico do trabalho, caso da
instigante análise de João Luiz Lafetá sobre a crítica literária de Agripino Grieco, Tristão de Ataíde,
Mário de Andrade e Otávio de Faria, levada a cabo a partir de artigos publicados em algumas das
revistas supracitadas, sem que se discuta ou problematize, contudo, os veículos-suporte da produção
desses escritores.13 Mesmo a revista Cultura Política (1941-1945), sob a responsabilidade de Almir
de Andrade e que ocupou lugar destacado na difusão do projeto político do Estado Novo e tem
subsidiado obras fundamentais sobre o tema, 14 ainda não mereceu uma análise global de todo o seu
conteúdo e que a tomasse, a um só tempo, como fonte e objeto.
A carência de investigações aprofundadas acerca desse conjunto de publicações limita a
compreensão do papel da imprensa na chamada Era Vargas (1930-1945). As revistas fundadas no
início dos anos 1930 não tiveram sobrevida significativa após a queda do regime e, exceção feita à
Revista do Brasil, cuja primeira fase se estendeu de 1916 a 1925,15 tampouco podiam evocar
existência prévia, ou seja, constituíram-se em empreendimentos específicos do período e em torno
dos quais a intelectualidade se agregava. A presença da censura, ainda que com intensidade diversa
ao longo dos anos 1930 e 1940, foi outro elemento compartilhado por esses periódicos. A
averiguação sistemática desses impressos poderia matizar, ou confirmar cabalmente, as afirmações
genéricas acerca do grau de controle da informação atingido pelo Estado, que ainda predominam na
produção historiográfica.
Obviamente não se trata de negar o exercício da censura, as arbitrariedades e as tentativas
de, via coerção, impor o consenso, mas de inquirir acerca da possibilidade e disposição para
contestar, questionar ou burlar, o que exige tomar essas publicações literárias e ou culturais em toda
a sua complexidade. Tal procedimento também implica em superar rótulos unidimensionais tipo pró
ou contra o regime e atentar para a dinâmica dos posicionamentos na travessia de uma conjuntura
complexa, marcada pelo acirramento de posições e disputas políticas, manifestas em movimentos
13
LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. 2a ed. São Paulo: Duas Cidades: Editora 34, 2000.
14
Sobre a revista consultar: FIGUEIREDO, Marcus. Cultura Política revista teórica do Estado Novo. Dados. Rio de
Janeiro: n.4, nov. 1968, p. 221-246; GOULART, Silvana. Op. cit., p.89-106; e o capítulo de VELLOSO, Mônica
Pimenta. Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO,
Mônica Pimenta; GOMES, Angela de Castro (org.). Op. cit., p. 71-108 que compara as diferentes funções cumpridas
pelas publicações do DIP, Cultura Política e Ciências Política. Já GOMES, Angela de Castro. História e Historiadores.
Rio de Janeiro: FGV, 1999, valeu-se de Cultura Política e do suplemento Autores e Livros do jornal A Manhã, também
subsidiado pelo Estado, para analisar a constituição da cultura histórica do período, os sentidos e as funções atribuídas
ao passado pelo regime.
15
Sobre a revista nesse período consultar: DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a
(N)ação. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

7
como o de 1932 em São Paulo, a Aliança Nacional Libertadora (1935), a denominada Intentona
Comunista (1935), e a Insurreição Integralista (1938), sem esquecer, ainda, que nesses anos o país
teve duas Constituições (1934 e 1937) e viu ser implantada a ditadura do Estado Novo (1937).
Nessa perspectiva, toma-se aqui a terceira fase da Revista do Brasil como um exemplo, valendo
destacar que as observações feitas para esse periódico não podem ser generalizadas para os demais,
que aguardam por estudos específicos.

A Revista do Brasil e o Estado Novo


A Revista do Brasil, em toda a sua terceira fase, 16 foi dirigida pelo historiador Otávio
Tarquínio de Sousa17 e apresentou sempre as mesmas dimensões (15 x 22 cm) e manteve uma
média de cem a cento e vinte páginas por número. A face externa da capa também não apresentou
variações significativas ao longo do tempo. Na parte superior, em letras de tamanho grande, vinha
impresso o título do periódico e, logo abaixo, a inscrição entre parênteses: FUNDADA EM 1916.
Seguia-se o nome do diretor e sumário – que ocupava cerca de três quartos do espaço total da capa
– e informações relativas ao mês, ano, número, fase. A única modificação ocorreu a partir de
dezembro de 1938 (número 6): o mês e o ano passaram a anteceder o nome da revista. Entretanto, a
opção de reservar a maior parte do espaço da capa para o sumário foi constante ao longo de todos os
números. O tom sóbrio das capas foi outra característica constante.
A publicidade sempre esteve confinada as terceiras e quartas capas e páginas iniciais e finais
do periódico, antecedendo e/ou seguindo-se às matérias. Dentre os anunciantes destacavam-se os
produtos farmacêuticos, a Livraria José Olympio Editora, a Empresa Gráfica e Editora Cruzeiro,
Chocolates Lacta, entre vários outros produtos menos freqüentes.
A distribuição da matéria na Revista do Brasil seguiu padrão fixo. Abria o fascículo um
conjunto de ensaios, normalmente inéditos, que abordavam assuntos variados, com especial
destaque para a crítica literária. Esse corpo incluía, ainda, a criação literária, presente em todos os

16
A revista foi fundada por Júlio de Mesquita, o proprietário do jornal O Estado de S. Paulo em 1916. Monteiro Lobato
comprou o periódico em meados de 1918 e o publicou até a falência de seus negócios editoriais, em 1925, quando a
chancela foi adquirida por Chateaubriand. Entre 1926 e 1927, foram publicados nove números, que constituem a
segunda fase. A terceira iniciou-se em junho de 1938, tendo sido publicados, até dezembro de 1943, 56 exemplares.
Uma quarta fase, com três números apenas, ocorreu em 1944. Darcy Ribeiro relançou a revista em 1984, que circulou,
com interrupções até 1990. Sobre essas várias fases consultar: DE LUCA, Tania Regina. Periodismo cultural: a
trajetória da Revista do Brasil.IN: ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, Nelson (org.). Cultura letrada no Brasil: objetos
e práticas. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: FAPESP, 2005, p. 293-312.
17
Dados a respeito da vida e da atuação de Otávio Tarquínio são escassos. Grande parte dos dicionários limita-se a
repetir as minguadas informações presentes nos livros que escreveu. Consultar: MENEZES, Raimundo. Dicionário
Literário Brasileiro. 2ª ed. RJ: Livros Técnicos e Científicos, 1978, p 658; Nota da Editora In: SOUSA, Otávio
Tarquínio de. História dos Fundadores do Império. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, v. 1; RODRIGUES, José
Honório. Otávio Tarquínio de Sousa (1889-1959) Historical American Hispanic Review, August, 1960, p. 431-434;
Noticiário. Revista do Livro, Rio de Janeiro: INL – MEC, Ano V, n.º 17, mar. 1960, p. 243-245; BARBOSA, Francisco
de Assis. Mestre Otávio Tarquínio de Sousa, o Historiador. IN: SOUSA, Otávio Tarquínio. Evaristo da Veiga. Belo
Horizonte: Itatiaia : São Paulo: EDUSP, 1988, p. 15-20.

8
exemplares da revista – poesias, novelas, impressões de viagem, contos. Os últimos, presença
constante no periódico, passaram a ser enfeixados com o subtítulo O Conto Brasileiro (n.º 20 ao 56,
exceto nos números 31 e 53) e O Conto Estrangeiro (presente vinte e duas vezes entre os números
20 a 56).
Aos ensaios e criações literárias, seguiam-se seções. Algumas tiveram duração efêmera,
enquanto outras se fizeram presentes em quase todos os números. Há que se diferenciar, ainda,
aquelas constituídas por textos especialmente produzidos para a revista e que estavam a cargo de
articulistas fixos, e as que transcreviam material publicado em outros órgãos da imprensa nacional e
estrangeira. Essas geralmente não traziam assinatura, expressando, portanto, a opinião de seus
responsáveis.
No primeiro caso, estavam as críticas de Teatro (n.º 27 ao 52) elaboradas, entre outros, por
Guilherme de Figueiredo e Carlos Lacerda; Artes Plásticas, que figurou de forma intermitente do
primeiro ao qüinquagésimo número e era escrita pelo pintor Santa Rosa; Cinema (n.º 16 ao 28),
comentado por Rachel de Queiroz; Crônica Musical (n.º 2 ao 24), sob a responsabilidade de Mário
de Andrade e que reapareceu (n.º 40 ao 55) com o título de Música, muitas vezes sob a pena de
Guilherme de Figueiredo; Ciências (n.º 2, 3, 5, 13, 14 e 15), escrita por colaboradores variados. Na
seção Livros eram resenhados os principais lançamentos editoriais do país, em diferentes áreas do
saber. A responsabilidade pelas resenhas coube a diversos articulistas, entre eles Almir de Andrade,
Aurélio Buarque de Holanda e Valdemar Cavalcanti.
A importância da crítica literária nesta fase da Revista do Brasil pode ser aquilatada pelas
várias seções dedicadas ao tema: Movimento Literário na França (n.º 1 a 6), com Robert Garric e
Letras Francesas (n.º 17 ao 18), por Augusto Frederico Schmidt; Letras Norte-Americanas (doze
vezes entre os números 31 e 50), que contou com colaboradores variados e do calibre de Mário de
Andrade, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros nomes de grande prestígio;
Letras Européias (n.º 43 ao 50 e 53 ao 56), escritas por Otto Maria Carpeaux e Letras Portuguesas
(presente do número 13 ao 56, exceto nos números 21 e 35), anotadas por Lúcia Miguel Pereira.
A situação internacional às vésperas guerra possivelmente explique a presença da Política
Internacional, na qual Austregésilo de Athayde discutia questões candentes do tempo. A seção
surgiu no número 13 e compareceu com regularidade até o último número desta fase. Uma vez
iniciada a guerra, surgiu a seção O Conflito Europeu (n.º 22 ao 42), assinada por Raul Lima e que
passou a denominar-se O Conflito Mundial (n.º 43 ao 56). O objetivo aqui era apresentar um
panorama do desenrolar da guerra.
No que respeita às seções que transcreviam textos, vale destacar Pesquisas e Documentos,
com forte viés historiográfico e que não deixou de figurar em um só número. A seção compôs um

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importante corpus de documentos históricos, publicando, muitas vezes em primeira mão, a
correspondência inédita de importantes escritores brasileiros.
Exceção feita ao primeiro número, que trouxe texto assinado pelo diretor explicitando os
objetivos do periódico, a Revista do Brasil não continha editorial, contrariamente ao que ocorreu em
parte significativa dos números da primeira fase. A comunicação entre o periódico e os leitores
ocorria apenas por meio da seção Notas e Comentários, não havendo nenhum espaço para acolher
sugestões, críticas ou opiniões do seu público. As informações a respeito dos próximos números,
apresentação de novos colaboradores, explicitação a respeito dos textos publicados eram feitas nesta
seção, presente em todos os números. Aqui também eram abordados assuntos variados, desde
pequenas notas sobre livros, autores, política cultural no Brasil e no exterior, além de textos, em
geral bastante curtos, que condenavam o nacionalismo, o racismo e os regimes ditatoriais, com
particular ênfase para a Alemanha. Os editores limitavam-se, em geral, a reproduzir notícias,
acrescentando, por vezes, breves comentários. Vejam-se os exemplos abaixo:
O prof. Fritz von Ackermann escolheu Gonçalves Dias para tema de sua tese de
doutoramento em letras, apresentada ao Seminário das Línguas Românicas da Universidade
de Hamburgo. Não cabe aqui, nesta seção, a crítica do livro..., queremos apenas assinalar o
fato de ter sido estudado, com apreço e carinho, por um alemão, a figura duplamente mestiça
de Gonçalves Dias, que, se pela cultura, foi românico, foi bem brasileiro – bem mestiço – na
sua sensibilidade malferida, no seu lirismo nostálgico, na sua meiguice dolente. Será que as
universidades alemãs estão, timidamente, embora, reagindo contra o racismo? (RBR, nº 3,
set. 1938, p. 316-17).

O secretário de Educação do Rio Grande do Sul conseguiu grande publicidade negando


licença para que se desse a uma escola primária o nome de Machado de Assis, alegando que
esse grande dubitativo não estava no espírito da época de afirmações que deve ser a nossa.
Em outras palavras, Machado de Assis é acusado de representar um perigo para o estado
Novo... Lendo o memorável despacho da autoridade gaúcha, tem-se a impressão de que a
dúvida do romancista é alguma coisa que contagia mesmo os que não lhe lêem os livros – e
estão certamente nesse caso os alunos da escola em questão – que poderia, como a umidade,
impregnar as paredes das salas de aula, pelo simples efeito do seu nome no frontão. Duvida
que poderia respirar, cheiras, apalpar, que entraria pelos ouvidos, pelos olhos, pela pele das
inocentes crianças, e se instalaria nas almas indefesas... (RBR, nº 8, fev. 1939, p. 76-7).

O arcebispo de York (anglicano), o arcebispo de Westminster (católico), o rabino da


Inglaterra, e um representante das seitas protestantes não anglicanas, promoveram
recentemente no Albert Hall, em Londres, um meeting de protesto contra as perseguições
infligidas pelo nazismo aos diversos grupos confessionais, e especialmente aos judeus. É a
primeira vez, na Inglaterra, que os chefes dos diversos credos se reúnem para defender,
publicamente, os mesmos ideais. Proclamando a liberdade dos cultos – embora nem sempre
o respeitasse – o liberalismo enfraqueceu, inegavelmente, o espírito religioso; perseguindo-
os, impondo a volta do paganismo, o nazismo operará o milagre do ressurgimento da fé?
(RBR, nº 10, abr. 1939, p. 85).

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Nestes ásperos tempos de nacionalismos exaltados, quando os povos se cercam de muralhas
de toda a espécie, ainda há sonhadores impertinentes que cuidam de cooperação acima de
fronteiras, de compreensão entre os homens, de entendimento universal. Em Santiago do
Chile, nos primeiros dias deste ano, reuniu-se um Congresso Pan-Americano de Cooperação
Intelectual, em que se tratou da missão pacifista do intelectual, do caráter supernacional e
humano da cultura, de um estatuto universal do Direito do Autor, da redução das barreiras
econômicas e aduaneiras ao intercambio fé livros, da fiscalização e regularização dos lucros
intermediários no comércio de livros etc. Terá sido mesmo em Santiago do Chile ou na Lua,
que se realizou o Congresso? (RBR, nº 11, mai. 1939, p. 86).

Merece destaque a seção Resenha do Mês, que teve início a partir do nono número, e
compunha-se de ensaios, conferências, notícias e artigos transcritos de jornais e revistas nacionais e
internacionais, além de alguns textos da redação. Contrariamente ao que sugere a sua denominação,
a seção não apresentou, até o número dezoito, um relato ordenado ou um sumário dos fatos
ocorridos ao longo do mês. Seu objetivo principal não era informar a respeito dos últimos
acontecimentos, mas antes discutir questões da atualidade, sempre com preocupação analítica.
Somente a partir do décimo nono exemplar, a seção também passou a conter uma listagem dos
principais fatos do mês anterior, apresentados dia a dia. Ao compor um amplo quadro do período, a
partir de uma seleção feita nos mais diversos órgãos da imprensa, a Resenha do Mês também
permite divisar a linha editorial adotada pelos dirigentes da revista. Textos mais densos, ocupando
várias páginas e seguindo o tom adotado em Notas e Comentários, fizeram-se presentes. A defesa
dos Estados Unidos e os elogios ao presidente Roosevelt foram freqüentes, sobretudo a partir do
início da 2a Guerra.
A preocupação em dialogar com a imprensa internacional está explícita em À Margem das
Revistas Estrangeiras, ausente apenas nos números 2 e 54, na qual eram transcritas matérias
selecionadas em publicações européias e americanas. A seção, que até o número oito ficou sob a
responsabilidade de Luiz Jardim, assumiu, sobretudo quando deixou de ser assinada, tom bastante
crítico frente à situação internacional. Havia sempre o cuidado de citar a fonte, estratégia que dava a
impressão de neutralidade, uma vez que os editores pareciam apenas cumprir o papel de informar os
leitores, reproduzindo notícias de periódicos de reputação ilibada, como se vê no excerto abaixo:
Uma nova humilhação acaba de ser imposta aos intelectuais alemães. De ora em diante,
todas as teses de doutoramento devem ser submetidas à “Comissão oficial de exame para
defesa da literatura nacional-socialista”. Só depois de examinadas por essa comissão, sob o
ponto de vista da ortodoxia nazista, nos seus aspectos políticos, históricos, raciais e
filosóficos, é que as teses são entregues aos professores. A comissão pode obrigar o autor a
modificar fundo e forma do seu trabalho, e já anunciou que as citações de autores judeus só
serão admitidas quando absolutamente indispensáveis, e com a condição de declararem
expressamente que se trata de judeu. Na bibliografia os judeus devem vir em lista separada
dos arianos. A interferência política nas universidades é cada vez maior, e a ciência só pode
ser cultivada se servir ao nazismo. The Times Literary Supplement. (RBR, nº 20, fev.1940, p.
96).

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Listar os autores que escreveram na Revista do Brasil é uma tarefa árdua. Durante seus
cinco anos e meio de existência, muitas das figuras que desfrutaram de projeção nos meios literários
e artísticos encontraram acolhida em suas páginas, seja por meio da publicação de textos
especialmente produzidos para o periódico, seja por meio de transcrições. Especial destaque, pelo
número de contribuições para Otávio Tarquínio, Augusto Frederico Schmidt, Barreto Leite
Filho,Manuel Bandeira,Aurélio Buarque de Holanda, Otto Maria Carpeaux,Carlos Drummond de
Andrade, Graciliano Ramos, Guilherme de Figueiredo, Helio Vianna, João Alphonsus, Lúcia
Miguel Pereira, Vinícius de Moraes,Astrojildo Pereira, Augusto Meyer, Dinah Silveira de Queiroz,
Jorge de Lima, Orris Soares, Osório Borba, Paulo Rónai, Afrânio Coutinho, Gilberto Freyre, João
Dornas Filho, Sylvio Rabello, o que também aponta para a pluralidade de posturas ideológicas
presentes na revista.
A exploração preliminar do material publicado indica que a revista articulou, dentro dos
estreitos limites de que dispunha, um discurso que, em vários pontos, opunha-se ao abraçado pelo
poder. Em torno da publicação reuniram-se escritores e pensadores que prezavam a liberdade civil e
política, condenavam o controle da informação, denunciavam a descriminação, duvidavam das
teorias raciais, criticavam o nazismo e o fascismo, regimes com os quais Vargas flertou até 1942
quando, sob pressão dos Estado Unidos, decidiu-se pelos aliados. A literatura e a história foram
eficientemente mobilizadas como armas na luta contra a censura.
O estudo sistemático da terceira fase da Revista do Brasil, aqui sumariamente indicado, pode
fornecer ao historiador, a partir da análise do que os intelectuais elegiam como problema e das
tarefas que se auto-impunham, elementos significativos para a compreensão de diferentes projetos e
culturas políticas de uma dada época, bem como ensejar discussões a respeito do caráter monolítico
atribuído à imprensa nas décadas de 1930 e 1940, em sua suposta homogeneidade e subserviência.
Ao mesmo tempo, pode contribuir para a compreensão da dinâmica dos grupos intelectuais do
período, a partir do estudo de um importante lugar de sociabilidade, que congregava indivíduos em
torno de idéias e estratégias de intervenção no espaço público, o que aponta para diferentes formas
de aglutinação, de lutas e de oposições no interior do próprio campo intelectual. O desafio é,
portanto, precisar de que forma a intelectualidade reunida em torno da Revista do Brasil
posicionou-se frente aos dilemas do seu tempo.

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