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Introdução
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nações no período mais violento do século 20, cujo doloroso legado foram
duzentos mil mortos, na Guatemala, e oitenta mil mortos e “desaparecidos”
em El Salvador.
Nesse contexto dramático foi fundada a revista, em setembro de 1974,
em Buenos Aires. A pequena equipe dos fundadores estava constituída pe-
los jornalistas Pablo Piacentini e Julia Constenla, argentinos, Neiva Moreira,
brasileiro, e por mim, então uma jovem exilada uruguaia, que iniciava seus
passos na profissão, tendo tido o privilégio de conviver e muito aprender com
esses e outros grandes mestres da arte da comunicação.
A Argentina vivia o breve período de governo de María Estela Mar-
tínez – “Isabelita - a viúva de Juan Domingo Perón, morto em 1 de julho
desse ano. Nomeada por Perón para acompanhá-lo na fórmula presidencial,
“Isabelita” não tinha nem experiência nem carisma político e a sua fraqueza
permitiu ao então Ministro de Ação Social e secretário privado de Perón, José
López Rega, aumentar sua influência direta no governo; aos poucos, não ha-
via decisão que não passasse por seu crivo. O país vivia um clima de confronto
permanente entre as forças progressistas, que perdiam poder desde a morte
Perón, e as forças mais retrógradas, apoiadas por López Rega, que se orga-
nizavam em torno de um núcleo duro militar. O golpe de Estado ainda de-
moraria pouco mais de um ano para acontecer, mas os grupos paramilitares,
particularmente a Aliança Anticomunista Argentina, a “Tríplice A”, já agiam
na impunidade. Começava a etapa que ficou depois tristemente conhecida
como a dos “desaparecidos” políticos, que também foi de sequestros e assassi-
natos quase diários de figuras políticas progressistas de destaque, argentinas
e estrangeiras, como foi o caso do sequestro e morte dos dirigentes uruguaios
Héctor Gutiérrez Ruiz e Zelmar Michelini e do ex presidente da Bolívia, ge-
neral Juan José Torres.
A jornalista Julia “Chiquita” Constenla, importante escritora e jorna-
lista argentina, falecida em 2011 aos 83 anos, tinha no seu currículo, entre ou-
tros trabalhos, as biografias do romancista e ensaísta Ernesto Sábato, Prêmio
Cervantes de Literatura e da mãe de Ernesto “Che” Guevara, de quem acabou
tornando-se amiga. Ela era a responsável pela Editora La Línea, fundada por
Federico “Fico” Vogelius, e acolheu o projeto da revista Terceiro Mundo2, aca-
lentado por Neiva Moreira junto com outro grande jornalista argentino, Pablo
Piacentini. Nos anos 60, Piacentini tinha sido um dos fundadores da agência
de noticias InterPress Service (IPS), junto com o jornalista ítalo-argentino
Roberto Savio e tinha sido secretário de imprensa no governo do Presidente
2 A revista foi lançada em Buenos Aires com o nome “Tercer Mundo” (Terceiro Mundo). Foi
no México, em 1976, ao ser relançada, que por ter uma outra publicação com o mesmo nome
passou a se chamar “Cadernos do Terceiro Mundo”.
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O Contexto Internacional
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abertura do evento.
Todos nós, estou certo, estamos unidos por coisas mais importantes do
que aquelas que superficialmente nos dividem. Estamos unidos por uma
repulsa comum ao colonialismo sob qualquer forma que ele se apresentar.
Estamos unidos por uma repulsa comum ao racismo. E estamos unidos
por uma determinação comum de preservar e estabilizar a paz no mundo…
Falando em termos relativos, todos os que estamos reunidos aqui somos
vizinhos. Praticamente todos estamos unidos pela experiência comum do
colonialismo. Muitos de nós temos a mesma religião. Muitos de nós temos
as mesmas raízes culturais. Muitos de nós, as assim chamadas nações sub-
desenvolvidas, temos problemas econômicos similares, de modo que cada
um pode aproveitar a experiencia do outro e ajudar. E, eu penso que devo
dizer que todos partilhamos os ideais comuns de independência nacional e
liberdade. (Institute of Pacific Relations 1955)
A luta contra o colonialismo tem sido longa; vocês sabem que hoje é o ani-
versário de uma data importante dessa história? Pois bem, em 18 de abril
de 1775, Paul Revere5 deslocou-se à meia-noite através das áreas rurais de
Nova Inglaterra para anunciar a aproximação das tropas britânicas e infor-
mar sobre o início da guerra de Independência Americana, a primeira das
guerras anti-coloniais da história. (Institute of Pacific Relations 1955)
luta contra o colonialismo não era aleatória. Fazia-se necessário deixar claro
que a posição anti-imperialista dos presentes não os impedia de separar o
povo dos Estados Unidos, que tinha escrito uma bela página da história da
Humanidade, de um governo que, naquele momento, para muitos deles, re-
presentava uma ameaça às suas aspirações de liberdade e autodeterminação.
E era, também, uma concessão a pressões de alguns governos, como os das
Filipinas, Paquistão e Tailândia, convidados à Conferência, que em setembro
de 1954 tinham assinado com os Estados Unidos, França e Grã-Bretanha o
acordo que deu origem à Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEA-
TO, na sigla inglesa).6
Por muitos motivos, a Conferência de Bandung é considerada um
marco na história das relações internacionais do século 20, mas a posição
relevante do evento, propositalmente realizado fora do âmbito geográfico oci-
dental, deve-se, sem dúvida, ao fato de ele ter consagrado a emergência do
Movimento dos Países Não Alinhados e do Terceiro Mundo. Bandung é, sem
dúvida, o ponto de partida desse movimento; entre os principais pontos de
sua agenda constava a meta de estruturar uma força política do Terceiro Mun-
do, capaz de promover a cooperação política, econômica e cultural. Essa alian-
ça era vista como estratégica para superar o trágico legado do período colonial
que as independências não tinham conseguido deixar para trás, já que através
de formas por vezes sutis, perdurava o neocolonialismo.
A convocatória e a própria idealização da Conferência coubera a dois
dos mais importantes líderes das nações asiáticas que pouco antes tinham
conquistado a independência, Ahmed Sukarno, da Indonésia, e Jawaharlal
Nehru, da Índia, com apoio dos dirigentes de Paquistão, Birmânia e Sri Lanka
(ex Ceilão), justamente os países que participaram da Conferência de Colom-
bo, um ano antes, e aprovaram a proposta. Além da presença de outros líderes
já citados, cabe destacar entre as proeminentes figuras presentes em Bandung
a Ho Chi Minh, primeiro ministro do Vietnã, e o representante do Congresso
dos EUA, o afro-americano Adam Clayton Powell, de Harlem. A participação
de um congressista afro-americano era altamente significativa. Em 1954 ti-
nha sido declarada ilegal pela Suprema Corte dos EUA a segregação escolar,
mas a total revogação das chamadas Leis de Jim Crow – um conjunto de leis
estabelecidas pelos estados sulistas, em vigor desde as últimas décadas do
6 A SEATO fazia parte da Doutrina Truman que visava assinar tratados de defesa coletiva
com países aliados para criar uma espécie de “cinturão protetor” dos interesses norte-america-
nos diante da “ameaça comunista”. Fundada inicialmente em setembro de 1954, em Manila,
a SEATO passou a ter existência formal em 19 de fevereiro de 1955, após reunião realizada
em Bangkok, Tailândia, onde também passou a funcionar a sede da instituição. A SEATO foi
dissolvida em 1977, depois que a maioria dos membros perderam interesse em continuar a
participar do tratado.
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século 19, que exigiam instalações separadas para brancos e negros nos locais
públicos, incluindo o transporte - ainda estava longe de ser uma realidade
para os afrodescendentes dos Estados Unidos. Esse conjunto de leis só viria
a ser completamente revogado em 1964, após um longo e doloroso processo
de lutas sociais.
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A Fase Final
REFERÊNCIAS
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RESUMO
O artigo retrata a história da revista Cadernos do Terceiro Mundo desde sua ascensão
até o momento de encerramento, analisando o período histórico, o movimento dos
Não Alinhados e sua proposta de Nova Ordem Econômica Internacional e de Nova
Ordem Informativa Internacional, bem como as condições políticas que causaram a
extinção da revista.
PALAVRAS-CHAVE
Mídia; Diálogo Sul-Sul; Movimento Não Alinhado; Comunicação.