Você está na página 1de 4

Quem eram os intelectuais nacionalistas na Argentina de 1930?

A primeira intervenção militar contra a democracia na Argentina ocorreu em 1930,


levando ao poder o general José Félix Uriburu. Esse golpe significou a vitória dos setores
anti-liberais e nacionalistas do país.
Na década de trinta, multiplicaram-se as viagens de jornalistas, intelectuais e
intercâmbios no mundo acadêmico, com o objetivo de propagar a obra do fascismo e a
divulgação da cultura italiana. Por isso, durante o curto governo do general Uriburu, o papel
dos intelectuais nacionalistas (associados à direita radical no autoritarismo de Uriburu) foi
evidente. Para eles, a solução da crise argentina dependia da “nova ordem” que propunham,
assumindo para si a missão de salvar a nação contra o que chamavam de conspiração de
forças inimigas.
Essas forças inimigas nada mais eram do que as finanças internacionais, a
democracia, o liberalismo, o bolchevismo, os partidos políticos, o movimento operário, os
imigrantes e, até mesmo, os judeus, já que se desenvolveu uma crença de que estes moviam
uma conspiração maléfica internacional que buscava dominar economicamente a Argentina,
acabando com as suas bases políticas e sociais.
Por acreditarem serem o único segmento social capaz de oferecer respostas capazes de
salvar a nação e as elites dirigentes nacionais, os intelectuais nacionalistas articularam
transformações internas que buscavam a ideia de “nova ordem” que tanto defendiam. Foram
autores de várias propostas de reformas políticas e constitucionais durante a ditadura de
Uriburu.
O general e ditador Uriburu tinha em seu círculo próximo diversos intelectuais
nacionalistas e os incubiu de estudarem reformas, implantarem políticas e divulgarem esses
ideais. Dentre os principais expoentes desse grupo, pode-se citar: Ernesto Palácio, os irmãos
Julio e Rodolfo Irazusta, Leopoldo Lugones, Julio Meinvielle, Leonardo Castellani, Marcelo
Sánchez Sorondo e Carlos Ibarguren. Através da intensa atividade desses —e alguns outros—
intelectuais nacionalistas torna-se capaz identificar que seguem e se dividem entre dois
campos ideológicos, que constantemente conversavam entre si na Argentina: o facista e o
católico.
Leopoldo Lugones, por exemplo, foi um poeta argentino que sempre teve a política
como um tema de suas obras e vida. A partir de 1924, o autor passou a defender abertamente
posicionamentos de extrema direita, transformando-se em um dos principais defensores do
fascismo argentino, colaborando ativamente com o Golpe Militar do general José Félix
Uriburu.
Lugones defendeu e propagou as ideias fascistas do governo de Uriburu, se opondo
apenas ao antissemitismo. Entretanto, desenvolveu uma acirrada crítica ao pacifismo e
defendia a interferência das Forças Armadas no sistema político, como pode-se observar em
seu “Discurso de Ayacucho” de 1924:

“O sistema constitucional do século XIX está ultrapassado. O exército é a última


aristocracia, ou seja, a última possibilidade de organização hierárquica que
permanecemos entre a dissolução demagógica. Somente a virtude militar realiza
neste momento histórico, a vida superior que é beleza, esperança e força.”

*(trecho retirado e traduzido do Discurso de Leopoldo Lugones no centenário da


batalha de Ayacucho em 1924)

Carlos Ibarguren, primo de Uriburu, e Ernesto Palacio também foram grandes


intelectuais argentinos, ambos nacionalistas, admiradores do facismo e próximos ao
peronismo. Ernesto foi ministro de governo e Instrução Pública durante o golpe de 1930 e
escreveu o livro “Historia de La Argentina 1515-1938”, já Carlos foi colocado colocado à
frente da intervenção na província de Córdoba, lá começou a manifestar um desejo genuíno
de que houvesse um verdadeiro político que monopolizasse o governo e se colocasse entre
este e as forças vivas e trabalhadoras do país, uma alusão direta aos ideais fascistas que
estavam em vigor na Argentina.
Ambos anunciaram, no contexto da Grande Depressão de 1929, que a " falsa"
democracia liberal deixaria seu lugar a outra mais "genuína": o fascismo italiano, que seria
capaz de reconstruir os laços entre o Estado e a sociedade a partir de lideranças carismáticas,
corporativismo e intervencionismo econômico. Ao mesmo tempo, segundo eles, o fim do
parlamentarismo e do liberalismo econômico encerraria as disputas políticas e possibilitaria
uma colaboração entre as classes sociais.
Rodolfo Irazusta, outra figura central da figura nacionalista de 1920 e 1930, era um
escritor e político argentino e teve colaboração de seu irmão Julio Irazusta em muitos dos
seus trabalhos. Rodolfo escreveu em favor de um sistema corporativista maurrasiano e se
tornou um dos ideólogos do governo de Uriburu.
Junto com seu irmão Julio, trabalhou na revista “Acción Republicana” e nela
desenvolveram uma forte linha nativista na qual argumentavam contra o envolvimento
econômico estrangeiro na Argentina e o liberalismo que eles acreditavam que isso
engendrava. Defendiam a nacionalização, modernização econômica e uma ênfase crescente
no militarismo no sistema educacional.
Rodolfo também denunciava os perigos do socialismo e do sistema financeiro
internacional, ambos tidos como instrumentos de uma conspiração judaica para desarmar os
povos latinos e avançar na dominação do mundo.
A primeira ditadura argentina então é marcada por um certo repúdio às populações
nativas locais, ideias antissemitas, criação de uma via e modus autoritária de direita, a
construção do nacional, uma base ideológica genocida, …
Assim, o apoio desses intelectuais nacionalistas de inspiração e, algumas vezes,
filiação facista no Estado argentino, demonstra como suas influências culturais e políticas
foram decisivas para as alternativas fascistas e autoritárias criadas e realizadas no país,
mesmo após o fim do governo de Uriburu.

Fontes:

Leopoldo Lugones, El payador y antología de poesía y prosa. Biblioteca Ayacucho,


1979. Disponível em: http://archivohistorico.educ.ar/

Beired Bendicho, José Luis "A grande Argentina": um sonho nacionalista para a
construção de uma potência na América Latina Revista Brasileira de História, vol. 21, núm.
42, 2001, pp. 303-322 Associação Nacional de História São Paulo, Brasil.

Grinchpun, Boris Matías. "La ‘Auténtica Democracia'. Una trama del nacionalismo
argentino en los años 30 y 40". Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura 41.2
(2014): 191 – 224.

Philip Rees, Diccionario biográfico de la extrema derecha desde 1890 , Simon &
Schuster, 1990, p. 195.
FINCHELSTEIN, Federico. The Ideological Origins of the Diry War: Fascism,
Populism and Dictatorship in Twentieth Century Argentina. Oxford: Oxford University Press,
2014. 214 p.

ALTAMIRANO, Carlos (Org.). Historia de los intelectuales en América Latina.


Madrid: Katz, 2010.

GREJO, Camila Bueno. A configuração dos campos de leitura e o desenvolvimento


da imprensa na Argentina: o lugar da ‘Revista de Derecho, Historia y Letras’. São
Paulo:2015.

Você também pode gostar